Um Outro Lado da Meia-Noite escrita por Gato Cinza


Capítulo 6
Oods


Notas iniciais do capítulo

Para os fãs de A seleção, ou quem curte fic-interativa ou quem adora suspense: Leiam
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Passei horas esperando Meg fazer seu habitual desfile de vestidos até achar algo que julgou bonito para ir a cidade; um vestido de cor magenta com renda branca no punho e busto, por baixo uma crinolina justa para dar apenas um pouco de volume á sua silhueta bem desenhada.

– Você não vai se vestir? – perguntou, franzindo o nariz para minha roupa. Eu usava um vestido longo cinza-claro de gola alta e manga comprida.

– Já estou vestida e vamos logo.

Fechei a porta do meu quarto revelando o espelho enorme que fora pregado á porta. Vi Meg se encolher ao ver apenas meu reflexo no espelho trajando um manto branco-perolado sob um vestido branco-gelo em minha cabeça um headpiece em couro com uma pedra da lua no centro, envolta em uma névoa esvoaçante.

– N-Não vamos por ai, não é? – gaguejou Meg tentando não olhar para o espelho

Achei a expressão dela mais engraçada que o de costume. De que outra maneira ela achava que iríamos para a cidade que ficava á quase dois quilômetros de nossa casa á pé? Não me dei ao trabalho de responder, peguei meu cajado na cama e dei duas batidas na moldura do espelho – a porta – murmurando as palavras encantadas “Espelho, Espelho Meu” e observei a superfície do espelho mudar, onde antes havia apenas eu envolta em uma nevoa agora havia uma ruela deserta onde se via muros altos de pedras escuras de ambos os lados e no fim se via uma rua movimentada onde pessoas em trajes elegantes passavam de um lado para o outro.

– Vai – mandei

Mas Meg estava olhando chocada para o espelho – como se ela nunca tivesse visto aquilo em sua vida o que era inadequado sendo que ela me amaldiçoou sem pensar duas vezes no fato de estar usando alta magia.

– Atravessa logo isso Meg, não posso manter o portal aberto o dia todo.

– E-eu? Passe você primeiro eu não vou...

– Magnolia entre logo nesse espelho, agora!

Lançando-me um olhar de repulsa ela entrou no espelho, eu a segui trancando a passagem até o por do sol, quando voltaríamos.

– Onde é que estamos?

– Em um beco próximo á casa de Verbena, vamos logo antes que alguém nos veja aqui e venha nos fazer perguntas inconvenientes – respondi a puxando pelo braço – Não temos o dia todo eu ainda preciso comprar algumas coisas que não são vendidas em praça publica.

Verbena morava Villa Romena o terceiro mais rico bairro de Ferrara, as casas eram todas altas de pedra escura e as ruas eram tão limpas que até as arvores eram multadas quando deixava uma folha cair de suas ramas – brincadeira minha. Mas de fato o bairro era muito elegante e as casas eram de causar torcicolo de tanto que tínhamos que esticar, dobrar e girar os pescoços para vê-las. Para minha decepção e alegria de Magnolia nossa irmã mais velha – a senhora baronesa Quarini – estava no club da cidade, o único lugar do mundo que eu detestava mais que uma cova com aranhas.

Fui literalmente arrastada ao Club’Venetta. Era um belíssimo lugar se ignorasse as carruagens e os cavalos do outro lado da rua onde ficavam debaixo de um arvoredo “estacionados”. Logo na entrada havia uma grande piscina rasa de água límpida e atrativa para patos e cisnes, um jardim enorme onde normalmente eram realizados eventos diurnos, uma capela depois vinha a alameda de coqueiros imponentes e chegávamos á mansão cujo salão onde eram realizados bailes era vinte vezes maior que minha casa, atrás havia um campo para a pratica de polo, uma quadra para squash, e o lugar onde metade das pessoas ficavam a extensa área verde cheia de árvores, bancos e mesas, serviçais que corriam da cozinha para as mesas equilibrando badejas e muitas belas damas que exibiam suas joias e vestidos falando aos sussurros e pestanejando para os cavalheiros em sua volta – era tudo tão nauseante. Fomos diretamente para trás da mansão onde sabíamos que Verbena estaria ao lado de seu entediante marido – o barão Quirini.

– Virgem santíssima! – Meg exclamou me puxando pelo braço enquanto olhava para o chão.

– Que foi?

– O broche da mamãe, eu estava com ele e caiu.

– Você estava com o broche da mamãe? – gritei incrédula.

Primeiro motivo de minha incredulidade o broche da mamãe era uma herança de família que ela ganhara da vovó quando se casou, era uma espécie de pedra que chamavam de âmbar dentro havia uma mariposa petrificada e isso tornava o broche valioso – economicamente falando uma vez que o fato de ser de nossa mãe a tornava único -, ela deveria ter passado o broche para a Margarida, mas resolveu que o broche seria entregue á primeira filha de Narciso pelo fato dele ser o único filho homem de nossa geração. De todos os modos aquele broche deveria ficar trancado na caixa a qual pertencia no quarto de nosso irmão e não desfilando no pescoço irresponsável de minha irmã o que me faz lembrar do segundo motivo por eu estar incrédula, como maldição ela podia estar com ele se eu não havia visto?

– Estava, eu ia colocar agora que estava aqui no club por que assim você não iria me obrigar a tira-lo em publico...

– Como sabia que viríamos ao club? – perguntei desconfiada, embora tivesse perguntas mais importantes que eu faria apenas na presença de Narciso.

– Bom, a Verby sempre vem ao club nas sextas-feiras.

Aquilo foi como um golpe no estomago, contive ao impulso de gritar, xingar e bater em minha irmã a muito custo. Virei-me a puxando teríamos que refazer o nosso caminho até a viela onde nós havíamos atravessado o espelho. Ela vinha remoendo pedidos de desculpas vagamente enquanto olhava perdida para os lados como se esperasse ver o broche flutuando no vazio. Eu tentei ignora-la me concentrando no caminho chutando com a ponta da bota – quatro números maiores por serem botas de montar do Narciso – todas as folhas que encontrava em meu caminho.

Distraída em meu passatempo de buscar pelo broche e não esganar Meg que estava se mostrando uma atrapalhada cabeça oca das mais terríveis nos últimos dias não percebi a aproximação da pessoa que quase me derrubou de cara na rua de terra-batida.

– Perdoe-me senhorita – disse a voz estranhamente familiar segurando-me pela cintura e evitando que eu caísse.

– Por mim ou pelo senhor? – retruquei me virando para ele

Por um segundo me arrependi de perguntar sem ver a quem me dirigia, em minha frente estava ninguém menos que Dylan Walker. Mas a expressão confusa e vermelha dele me fez repensar meu conceito de arrependimento por falar sem pensar.

– Desculpe, mas acho que não entendi sua pergunta.

Antes que eu respondesse com toda má-criação á qual eu tinha direito, Meg tomou a palavra com uma risada nervosa e uma voz levemente dengosa que me fez desejar ser surda.

– Ela quis perguntar se o senhor pedia desculpa por estar distraído lendo – eu nem tinha visto que ele trazia um livro na mão – e quase ter a derrubado ou se pedes perdão por ela estar igualmente distraída olhando para os pés e não para o caminho...

De repente Meg ficou com os olhos esbugalhados e a boca aberta em um esgar de pavor olhando para algo em algum lugar atrás de mim, me virei curiosa. Á dois passos de distancia estavam dois homens pálidos com varias cicatrizes pelo rosto em formas de símbolos – alguns das quais eu nem conhecia – e olhos negros sem menor sinal de íris, sobrancelhas ou cílios aparentes, os cabelos platinados caiam como véu em torno dos rostos magros. Eram Oods.

Apressei-me em deixar-me envolver pela aura ilusória deles, e logo vi dois senhores de meia idade vestidos com simplicidade.

– Olá? – disse os olhando com mesmo interesse que olharia para um desconhecido qualquer, que não fosse um monstro.

– Deixou cair – falou o mais alto estendendo a mão calosa de quem trabalha muito, na palma estava o broche da mamãe.

Dei um passo para o lado, não era comigo que ele falava e sim com Meg. Ela estava chocada demais olhando para o Ood que me esquecei por completo do fato que aquela criatura era novidade para ela.

– Querida? – tentei chamar atenção dela sendo gentil – Está tudo bem? Você está branca como neve. Querida!

Meg me olhou com os olhos desfocados e lacrimosos, ela estava estranha. Abriu a boca para falar, mas nada disse. Franzi o cenho me virando para o senhor de meia idade em minha frente e agradeci sorridente pela devolução do broche. Ele deu um sorriso cheio de dentes amarelos e saíram olhando para Meg. Não aguardei eles se afastarem para me virar para Meg que estava pálida e gelada.

– Meg o que aconteceu? Meg responda

Ela cambaleou ligeiramente caindo para frente, eu a segurei ao mesmo tempo em que alguém o fazia, era o ruivo que ainda estava ali. Ele carregou Meg nos braços e me olhou como se perguntasse “Que faço?”.

Eu não sabia o que fazer, a primeira vez que vi um Ood estava no Pallazo Romeno protegida por magia e não havia por que temê-los. Mas aquela situação era nova para mim, nunca imaginei o efeito de vê-los diretamente sem o auxilio de proteção poderia causar.

– Traga ela – disse me dirigindo para a casa de Verbena, não estávamos muito longe.

Bati a porta com força varias vezes até a porta de madeira entalhada ser aberta por uma jovem negra de grandes olhos castanhos que me olhou com desagrado antes de seus olhos recaírem em Meg ainda desmaiada nos braços o ruivo.

– Senhorita Magnolia – disse a negra abafando um grito e se apressando em nos mandar entrar – O que aconteceu com ela?

– Não sei – respondi entrando atrás de Dylan

Ele a colocou no divã que ficava no hall da mansão dos Quarini, puxou um relógio de bolso e pressionou o pulso dela com os dedos mantendo os olhos nos ponteiros. Depois pediu vinagre á criada que olhava ansiosa para minha irmã. Eu não disse nada estava mais preocupada em saber se aquelas criaturas tinham feito algo contra minha irmã. Levou poucos segundos para que outra criada entrasse com o vinagre que Dylan pedira. A mulher de cabelo castanho-mel me ignorou com um olhar severo quando perguntei se Verbena demoraria a voltar do Club.

– Francesca foi mandar o cocheiro chamar a baronesa, logo ela estará aqui – informou a mulher á Dylan que umedecia um lenço com o vinagre e passava diante do nariz de Meg.

Ela recobrou os sentidos aos poucos. Abriu os olhos verdes e me deu um sorriso vago antes de fecha-los novamente.

– Graças á Deus ela acordou! – exclamou a mulher sorrindo, depois se virou para Dylan – O senhor bebe algo?

– Não – respondeu o ruivo me olhando em seguida – Talvez a senhorita aceite algo.

Mais uma vez recebi da mulher aquele olhar de desagrado como se eu fosse algum tipo de coisa que não devesse sair em publico. Infelizmente eu não tinha tempo para tripudiar nem irritar quem quer que fosse.

– Agradeço pela sua ajuda – disse olhando para o ruivo e me virando em seguida para a mulher – Cuide bem de Magnolia até a baronesa voltar. Tenha um bom dia.

Sai da casa olhando para minha irmã mais uma vez, o ruivo me seguiria, mas a mulher cuja idade eu não conseguiria definir – algo entre 30 e 40 anos – lhe fez uma pergunta qualquer que ele relutante respondeu, não evitei um sorriso maldoso quando cheguei á porta e vi ele me olhando como se pedisse “Não me deixe aqui”.

Eu tinha que fazer minhas compras, sai correndo sentindo os olhares á minha costa por onde passava. Parei arfando em um bairro classe baixa na periferia de Ferrara, sabia onde estava por ter cruzado com a Catedral San Giorgio, a coisa mais bela que eu conhecia na cidade. Aprumei-me e segui em frente á passos calmos e determinados, entrei na estalagem Palazzo Romeno, um casarão feito de tijolos no século XII que abrigava á viajantes passageiros.

Entrei me surpreendendo pela visão que vi, quatro anos antes quando estive pela ultima vez naquele lugar as paredes tinham uma cor vibrante de vermelho e os moveis eram incrivelmente lustrosos, agora tudo estava sujo e estragado, haviam teias de aranhas e cheiro de mofo para todas as direções. Aproximei-me da recepcionista, uma velha carrancuda que eu não conhecia.

– Posso falar com a senhora Conceição? – perguntei incerta.

– Desculpe, quem?

Conceição era a senha que usávamos para ter acesso á loja de ervas e artigos místicos que funcionava secretamente em uma câmara atrás da recepção.

– Conceição, acho que é uma cliente da estalagem – arrisquei temendo falar demais.

A velha sacudiu negativamente a cabeça e me disse que apenas homens se hospedavam ali á cerca de um ano, de modo que era impossível outra mulher se não ela naquele lugar. Agradeci e sai exasperada, precisava falar com Verbena agora e ansiava para que ela soubesse onde haveria outra herbolaria ou uma cigana que fosse. Verbena estava sentada ao lado de Magnolia na grande sala de estar, ambas tinham uma xícara de chá fumegante – hortelã pelo cheiro agradável.

– Mort! – Verbena se levantou me puxando para o sofá – O que aconteceu? Meg esta me contando, mas não faz sentido. Ela diz algo sobre monstros e a discrição física deles só poderia ser...

– Oods, eu sei. Eles estavam aqui perto de sua casa. Eu vi.

– Oods... o que é Oods? – nos perguntou Meg apertando a xícara entre as mãos.

– Oods são, hum – começou Verbena - Depende da crença na verdade, para os nórdicos eles eram a personificação do pesadelo. Para os galeses eram gênios malignos do sonho. Para os africanos eles são espíritos perdidos da noite. Para os irlandeses são fadas. E para os magos eles são Oods, ladrões de almas.

Meg assentiu e deu de ombros em seguida.

– Oods são fadas, eles vivem como parasitas no mundo tirando das pessoas o que elas tem de melhor. Beleza, juventude, felicidade, harmonia, amor as pessoas normais morrem facilmente quando são tocados por eles, mas nós bruxas temos magia e eles se alimentam disso até não termos nada.

– Mas Oods não andam em duplas, andam? – me perguntou Verbena abrindo um livro que se materializara em sua mão – Digo eles são isolados uns dos outros, são criaturas traiçoeiras que não confiam nem em outros da própria espécie.

Ela falava enquanto as paginas do livro se viravam rapidamente sozinhos até parar na pagina que ela queria.

– Ouça: De todas as variáveis em que se pode encontrar uma fada, as piores são sem sombra de duvida os Oods, essas criaturas tidas como gênios da lua tem o dom da manipulação. Usando de um campo ilusório todos veem aquilo que tal criatura deseja, com exceção de bruxas cujo poder mágico esta além da aura física. Oods são em geral desprovido de magia de modo que rouba daqueles que a possuem. Para humanos tais criaturas são fatais pois tiram deles sua energia vital se assemelhando com Vasta Neradas. Oods vivem isolados e normalmente é impossível se achar mais de uma criatura em uma mesma região.

– Hã – murmurou Meg olhando de mim para Verbena e de volta para mim.

– Isso quer dizer que eles estão aqui por algum motivo – explicou Verbena – Oods se reproduzem por meio de mitose, eles não tem sexo de modo que não precisam copular ou ter qualquer contato uns com os outros. Se dois dessas coisas foram vistas por aqui é sinal de que algo esta acontecendo.

Fomos interrompidas por passos rápidos que entraram no exato momento em que o livro de Verbena desapareceu. Era Francesca informando que o almoço estava servido.

– Depois de tanta coisas de fada me digam – pediu Verbena – O que viram fazer aqui?

– Preciso comprar algumas coisas para fazer um talismã – respondi me sentando á mesa – Alias precisarei de sua ajuda para consegui-las já que parece que o herbolario foi fechado.

– Não foi, a entrada apenas mudou de lugar. Acredita que tentaram queimar a senhora Gale por feitiçaria á três anos? Foi terrível, mas nossos amigos Wolf & Sailor conseguiram enganar os oficiais e libertaram a velha Gale antes dela virar churrasco...

Meg nos olhou horrorizada. Ela então entendeu o que eu fui fazer na cidade.

– ...Te levo mais tarde lá – prometeu Verbena

– Não muito tarde, por favor, ainda estou condenada a ser um bichinho de estimação depois das duas da tarde.


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