Um Outro Lado da Meia-Noite escrita por Gato Cinza


Capítulo 33
Quebrando regras


Notas iniciais do capítulo

Oi, fantasminhas que espero que ainda estejam lendo a estória, mais um capitulo para vocês
^^



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Dylan desapareceu. Não exatamente, ele recebeu um “chamado urgente” de seu pai e foi para Londres. Valentine disse que o pai havia finalmente recebido a carta informando de seu noivado com Narciso, em tom de deboche ela disse que era a primeira vez que ficava feliz pelo irmão ser responsável por ela, pois a última coisa que queria era explicar ao pai que se casaria com Narciso ele gostasse ou não. Quanto á mim não tenho absolutamente nada de útil para fazer além de esperar o tempo passar, prometi á Dylan que não ia atrás de George sozinha – não tenho ideia do por que fiz uma promessa estúpida como essa, mas promessa é promessa. Mas os dias se arrastam e á cada noite que se passa, questiono-me: o que estou esperando para ir logo atrás dele e resolver meus problemas? Três. Cinco. Oito. Há onze dias que apenas espero inutilmente que respostas para minhas perguntas se manifestem sem que eu as procure e isso está me deixando paranoica. Precisava fazer algo. Decidi começar por acabar com algumas perguntas simples, a primeira era a tradução do feitiço usado por Dylan para me manter em forma humana – talvez seja apenas paranoia de minha parte, mas tenho a sensação de que tal feitiço cause problemas futuros.

Passo um: copiar o feitiço usado, não copiei tudo, mas o bastante para ter uma vaga noção do que ele fez comigo.

Passo dois: arranjar alguém que pudesse traduzir para mim o texto, e sabia exatamente quem ia fazê-lo.

Passo três: um disfarce para enganar quem me visse infelizmente mudar alguns traços físicos com magia não ia ser fácil, podia enganar os humanos, mas sendo caçada por bruxos era bem provável que ilusões não funcionassem, nenhuma diferença faria se me vestisse de dama, camponesa ou meretriz, minha aparência não me ajuda á ser invisível perante olhos bem treinado, as chances de ser reconhecida eram mínimas, mas ainda assim não ia me arriscar.

Quando minhas ideias estavam começando a parecer planos de uma criança inocente me lembrei do chamado pó de bicho-papão que Dylan havia produzido, servia para mudar de forma ele dissera e eu precisava ser outra pessoa. Embora fosse muito fino e leve ao toque era arenoso, encontrei-o dentro de uma das muitas caixas que Dylan mantinha oculto na cozinha, ele me dissera como funcionava e eu esperava que ele não estivesse enganado. Chamei uma das muitas criadas de Dylan para me ajudar com algo no quarto, não me surpreendeu o fato dela estranhar, costumo arrumar eu mesma o quarto onde durmo, me sinto menos imprestável quando faço coisas por mim mesma. A enfeiticei para que dormisse por tempo suficiente até meu retorno, tirei umas gotas de seu sangue e misturei ao pó de bicho papão que joguei em seguida sobre mim. Senti formigamento pelo corpo e muita coceira, quando passou eu estava mais alta, tinha cabelos ralos da cor de palha, olhos cinzentos e um tom de voz calmo que eu sempre achei forçado, mas era natural. Peguei as roupas delas e sai. Disse há dona Dolores:

— A senhorita Morticia me mandou conseguir para ela essas coisas na cidade, para hoje á noite – lhe mostrei uma lista de costura especificas – Onde vou achar cetim cor de terra?

Dona Dolores me lançou um olhar penalizado, como a percebo fazendo com todas as criadas daquela casa quando falham, Julieta é uma pessoa severa e está sempre dando broncas nas criadas, exceto em dona Dolores á quem ela mal dirige palavra.

— Isso nem deve existir, mas procure bem procurado para depois não dizerem que você é inútil.

Assenti e sai, Alba estava sendo a pessoa mais útil de todas naquele momento, pelo menos era para mim. Pietro, o cocheiro da família que servia às criadas – Valentine nunca saia de casa e Dylan preferia cavalgar á ficar sentado em um coche enquanto outra pessoa guiava – me levou até uma loja de tecidos, combinei de encontra-lo algumas horas no mesmo lugar por que caminhando era mais rápido que subir e descer do coche na frente da casa de todas as modistas, costureiras ou loja de aviamentos de Ferrara, felizmente ele concordou sem questionar, disse que ia visitar um familiar que morava perto e me encontrava ali em três horas. Entrei na loja e olhei todos os tecidos realmente procurando pelo pedaço de cetim da cor de terra para o desespero do lojista que tinha apenas cetim vermelho, branco, rosa e azul-claro. Fui á uma modista procurando pelo tecido de cor impossível e na casa de duas costureiras uma das quais eu sabia lavava roupas para fora, essa última morava próximo ao comércio da família de Leonel, onde parei no caminho de volta. O lugar permanecia como sempre, muito pouca luz natural algumas mesas com cadeiras desiguais e alguns clientes conversando em voz baixa como se trocassem confidencias. Me demorei alguns instantes na porta esperando atrair atenção de todos, então Leonel que lia do outro lado do balcão gesticulou na minha direção:

— Está perdida senhora?

— Procuro pelo senhor Leonel Cellini, me disseram que ele estava aqui.

— Eu sou Leonel Cellini, o que aconteceu?

Aproximei-me do balcão fazendo o possível para ficar longe dos clientes estranhos do bar, Leonel me olhou desconfiado fechando o livro enquanto vinha até mim.

— Pode traduzir isto.

Entreguei para ele o papel onde copiei o feitiço usado por Dylan em mim. Leonel analisou o texto e me entregou novamente:

— Não conheço esse idioma.

— É gaélico escocês – informei – Por favor, Leo, sei que é capaz de traduzir isso se quiser.

Ele ergueu meu rosto pelo queixo, virando-me de um lado para o outro fazendo uma careta especulativa.

— Creio que tenha se esquecido de se apresentar, senhorita...

— Irmã Gentileza – sussurrei dando um sorriso

Leonel ficou imóvel por alguns minutos me olhando incrédulo, pigarreei quando a situação começou a ficar constrangedor, então ele reassumiu sua postura tomando o papel de minha mão novamente.

— Gaélico escocês você disse? – assenti – Onde foi que achou isto?

— Alguém me enfeitiçou para ficar em forma humana usando isso ai, quero saber se não vou desaparecer do dia para a noite.

— Te colocaram em outro corpo?

— Não, isto é só um disfarce para vir aqui. Pode traduzir ou não?

— É claro que posso, mas vai demorar um pouco. Como você está? Onde tem ficado todo esse tempo?

— Prometo que te explico quando tiver chance, mas agora preciso ir, em teoria vim comprar linhas e tecido.

Me virei sem olhar para trás, Leonel me chamou quando estava á alguns passos de distancia do bar.

— Para quando quer isto? – me perguntou em voz alta e lhe respondi no mesmo tom

— Quanto mais rápido conseguir mais rápido terá sua recompensa.

...

Esperar me deixava apreensiva, o tempo parecia passar mais devagar e isso me causava pânico, já tinha roído as unhas e feito Julieta cortar meus cabelos tão curtos quanto os cabelos de um homem – não queria mais pentear meus cabelos e não queria deixa-los despenteados –, tinha feito dezenas de bonequinhos com os tecidos que comprei, dando-lhes vida em seguida, gosto de bonequinhos de vudu. E uma noite tive um daqueles sonhos estranhos das quais se esquece quando despertamos, mas não consegui recordar o que era até que Dylan retornou no fim do dia com uma expressão preocupada e abatida.

— Onde está Valentine? – me perguntou ao passar por mim sem parar

— Com Narciso na estufa e Julieta está os vigiando. O que houve com você? – perguntei cruzando seu caminho no alto da escada o impedindo de passar

Ele demorou a responder, como se medisse a importância da resposta, então sem demonstrar nenhuma emoção informou:

— Uma amiga faleceu, Devlin.

Meu coração deve ter falhado algumas batidas, senti as pernas bambas e tudo á minha frente desapareceu. Devlin havia morrido, era isso o que as sombras estavam tentando me dizer no meu sonho, a rainha estava morta, algo ruim ia acontecer com a perda da Rainha. Isso era ruim, muito ruim.

— Lamento sua perda – murmurei voltando para a biblioteca onde fiquei olhando para uma mesma palavra em um livro que nem sei qual era.

Dylan passou por mim alguns minutos depois indo para o salão adjacente onde ficava o piano, o segui e sentei-me ao seu lado, ele olhava uma tecla como fosse mover as teclas com a força da mente. Segurei sua mão, ele me olhou do mesmo modo com que todas as pessoas que perdem alguém importante olham para quem tenta consolar, interrogação. Como se perguntasse, por quê? Como se esperasse uma resposta que lhe tirasse toda dor que sente. Mas nenhuma palavra ou ação é suficiente para afastar a dor emocional. Dylan tem olhos escuros, pretos, que naquele momento parecia triste demais até mesmo para demonstrar isso. E sem pensar direito o beijei, nem foi um beijo de verdade, apenas toquei os lábios dele com os meus – um pedido de desculpas silencioso que ele nunca compreenderia – e ele reagiu á minha ação com um beijo bem mais profundo. Um que fez meu coração disparar e tudo mais desaparecer.

Pode ser maluquice de minha parte fazer uma comparação como essa, mas só fui beijada desse modo duas vezes na vida. Da primeira vez foi em um beco com alguém que levou de mim mais que alguns suspiros sonhadores, da primeira vez estava em conflito comigo mesma e cometi um erro, da primeira vez estava seguindo instintos naturais de meus quinze anos. Agora eu estava reagindo á emoções que vinham me perturbando com cada vez mais frequência, agora eu sabia o que estava fazendo, não importaria o quanto eu sufocasse meus sentimentos e como gastava meu tempo matando cada sinal de fraqueza que meu corpo demonstrava, eu apenas sentia e ponto. Não sei como aprendi á gostar dele, Dylan é cruel e responsável por coisas terríveis que me aconteceram, e ainda assim confio nele como raramente confio nas pessoas, gosto do seu sorriso irônico e do tom debochado com que fala quando quer irritar as pessoas, gosto de como tenta fingir indiferença quando está preocupado, adoro até seu modo taciturno que normalmente odeio nas outras pessoas. Estava apaixonada e não sei de isso é bom ou ruim. Por um lado ele já era sombrio o bastante para não ser corrompido, por outro... Quem podia se magoar sou eu. Puxou-me para mais perto de si, enquanto interrompia o beijo, mantendo-me junto dele. Evitei olha-lo, girando a cabeça para qualquer lugar na sala que não fosse seu rosto, para variar ele estava me olhando fazendo meu rosto queimar de vergonha. Ele nada disse até que eu o olhasse, seu sorriso debochado estampava a face de modo irritante e nos beijamos novamente. Encerrei o beijo, virando-me na direção da porta:

— Valentine voltou – informei, ele me lançou um olhar questionador, expliquei – Tenho audição sensível.

Meu único sentido de confiança sempre fora a intuição, mas nos últimos dias tenho escutado melhor, consigo enxergar com facilidade no escuro, sinto cheiros específicos á longa distancia, estou mais rápida, tenho dormido mais e estado mais alerta do que nunca, é como se as doze horas em forma de gato que tenho passado em forma humana estivesse refletindo em meus sentidos físicos. Leonel precisa traduzir logo aquele feitiço, não quero de repente notar uma cauda ou bigodes. Sorri para Dylan enquanto me levantava, não ia dar explicações sobre os motivos de poder ouvir com tanta perfeição através de várias paredes nem um pouco finas. Encontramos-nos com Valentine quando ela e Julieta ainda entravam na sala principal da casa, a mais velha diminuiu os passos fazendo Valentine parar de vez.

— O que foi Julieta?

— Precisamos conversar Val.

A ruiva virou o rosto na direção do irmão.

— Me chamou de Val? Quão ruim é a noticia? – a expressão dela que parecia serena se tornou preocupada

Dylan se aproximou dela e a guiou para a biblioteca, ao passar por mim, segurou minha mão me levando junto com eles.


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Notas finais do capítulo

Nunca li um livro onde beijos sejam dados por “ela”, o primeiro passo é sempre vindo “deles”, seja um beijo romântico ou um roubo forçado. Então dei á Morty a ousadia que não achei ainda em nenhuma personagem que eu tenha admirado.



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