Um Outro Lado da Meia-Noite escrita por Gato Cinza


Capítulo 15
Mais um mistério para a coleção




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– Acho que me esqueceram aqui – falei para minhas unhas que eu olhava á vários minutos – Ou resolveram que no hospital eu não causo tantos problemas.

Se minhas contas não estivessem erradas – e eram impossíveis de estarem erradas – eu estava no hospital das bruxas á dezessete dias, treze dias acordada e seis dias sem receber visita de ninguém – Verbena ou Leonel – apenas a enfermeira sorridente que vinha três vezes por dia ver como eu estava. Falando nela

Duas batidas na porta e ela apareceu, o mesmo uniforme verde-jade desbotado, os mesmos sapatos brancos fechados, o mesmo toucado combinando tediosamente com o uniforme que lhe cobria todos os cabelos e aquele sorriso irritante nos lábios finos – acho que ela sorri para deixar os pacientes nauseados e ficarem mais doentes.

– Como se sente hoje senhorita Belaya?

A mesma pergunta chata das outras vezes. Apenas as respostas mudam, já disse a ela que estava bem, já tinha fingindo ser outra pessoa, já disse que não me lembrava de nada, já disse que estava muito mal, mas geralmente apenas dizia que bem e perguntava como estava o dia o que me rendia dezenas de perguntas que ela respondia com uma gentileza muito irritante. Para hoje resolvi ser habitual.

– Estou bem, e como esta o dia lá fora?

Havia uma janela no quarto onde eu estava, mas eu gostava de ouvir a voz da enfermeira – a única coisa que não era nauseante e tediosa nela.

– Está lindo, mas provavelmente choverá até o fim do dia. Há nuvens escuras vindo do norte – disse parecendo aborrecida.

– Algum problema, Clear? – o nome bordado em vermelho no bolso do uniforme dela é W. Clear.

– Não gosto de chuva, lama demais, e tem os trovoes que me incomodam.

Alguns minutos depois ela saiu. Eu me desloquei lentamente até a janela – não devia me levantar, mas ninguém estava vendo – e fiquei olhando. Eu gosto de chuva, me acalma. Espero que chova, tem que chover.

Meus dias aqui além de solitários e minhas noites terríveis. Tenho pesadelos frequentes com sangue, com olhos garras e presas, com Valentine sangrando, com aqueles homens se contorcendo de dor e com gritos... mas são meus gritos, sou eu gritando de pavor e acordando na madrugada suada e ofegante. Me dão um chá para acalmar, mas não me acalma. Eu fico imaginando as coisas ruins que irão acontecer ou que estão acontecendo enquanto estou aqui. Por alguma esquisitice imagino Valentine se arrastando coberta de sangue fugindo de três feras de garras e presas monstruosas.

Estou ficando paranoica.

Toc...toc...toc

Olhei por cima do ombro, Verbena e Leonel entraram juntos.

– Se lembraram de mim ou notaram minha ausência? – perguntei ríspida quando os vi

– Mort, por que está ai? – perguntou Verbena vindo em minha direção – Deveria estar em repouso.

– Repousarei quando estiver na minha casa, no meu quarto, na minha cama. Detesto ficar aqui.

Minha irmã me abraçou, depois Leo me abraçou. Eu ainda estava irritada por estar naquele quarto á dias e nem retribui os abraços.

– Não nos culpe por estar aqui – disse Verbena – Viemos te visitar, mas o Conselho proibiu que entrássemos. Você esta em supervisão.

– Que?

– Matou três homens, Morty – prosseguiu Leonel – Isso é crime, não importa o motivo. Depois vem aquela insígnia dos lobos, e para piorar ou atrasar as coisas houve um ataque maciço de Oods em uma província não muito longe daqui, Portomaggiore, algo em torno de trinta pessoas entre bruxos e não bruxos.

Portomaggiore não fica muito longe de Ferrara, as criaturas estavam se deslocando de volta para cá. Olhei para Verbena que parecia desinteressada no assunto.

– Não se preocupe, Mort, os Oods não são problemas nosso á longo prazo. O que me preocupa agora é você. Já esta bem de saúde, mas esta cativa do Centro de Cura até que o Conselho te chamem para um julgamento.

– Não! – exclamei me levantando – Eles não podem me fazer isso, não sou uma criminosa.

– Teoricamente...

– Cala a boca Leonel – mandei apontando o dedo para ele – Eu me recuso á ficar presa aqui, enquanto um bando de velhos maníacos por regras velhas decidam o que fazer da minha vida.

– Essa decisão não cabe á você, sinto muito. Mas eu sou a responsável por você no mundo mágico e decidi que assim é melhor.

Olhei incrédula para Verbena, desde quando ficar presa era o melhor para mim?

– Eu disse que ela ia se zangar

Verbena olhou para Leonel que se calou com um dar de ombros.

– Pode me deixar com a Morticia, Leo?

Ele me olhou, saiu em seguida com a mão nas costas. Me virei para Verbena assim que ele fechou a porta, ela se levantou e foi verificar, ficou parada na porta por uns minutos antes de vir sentar ao meu lado na cama e começar a sussurrar apressadamente.

– Não interrompa e escute com atenção. George havia decidido que o que você fez foi por legitima defesa, estava assustada e tentou salvar a vida de uma garota inofensiva. Mas, uma semana atrás alguém interferiu na decisão e o Conselho foi acionado, decidiram então te julgar. Não sabemos quem, mas alguém denunciou a insígnia dos lobos nos corpos dos homens que você matou. Isso está causando murmúrios e comentários dos mais terríveis na nossa sociedade, mais uma vez nossa família esta envolvida com assuntos que envolvem o clã Izvah.

– Ah! Francamente Verbena, faz mais de trezentos anos que isso aconteceu, por que diabos eu ia mexer com os fantasmas desse clã? Aliás, ao que sabemos estão extintos.

– Morticia, não seja ingênua. Já conversamos sobre isso, eles não viviam todos na mesma cidade germânica. George está tentando descobrir o que esta acontecendo, mas é difícil investigar sem fazer perguntas e é impossível fazer perguntas sem levantar suspeitas.

– Por que alguém faria mal á nossa família?

Verbena desviou o olhar e inclinou-se mais em minha direção.

– Segundo George, os arquivos das histórias de nossa família dizem que quando nosso ancestral foi condenado á morte todos os seus descendentes foram banidos da magia por trinta e nove gerações, a quantidade exata de Izvah’s que ele havia assassinado. Ele tinha um filho pequeno e quando esse cresceu, ele se casou com uma bruxa. A natureza então deu seu modo de dar continuidade á magia, assim apenas as filhas nasciam bruxas. Isso foi á mais de trezentos anos, nossa geração foi a de numero trinta e nove, Andreas nasceu na geração seguinte, livre de maldição.

– O primeiro bruxo da família após trezentos anos.

Fiquei em silêncio olhando minhas unhas – tenho a impressão que estão sempre sujas, devo estar ficando paranoica. Andreas era o descendente não amaldiçoado dos Belaya, mas isso não explicava minha incompreensão.

– E onde isso entra no fato de que alguém está me usando para causar problemas para nossa família?

– Não sei ainda. Mas tem mais. Leia isto.

Ela me entregou um pergaminho preso com fita verde. Abri.

Ferrara, 1600.

Baronesa Quarini,

Sei que o que lhe pedirei é de difícil assimilação, porém, viso apenas à proteção da senhorita sua irmã, Morticia de Belaya.

Meu pedido é: Á mantenha sobre vigilância do Conselho da sua Ordem.

Sei que é um pedido estranho a se fazer, principalmente na situação delicada em que ela se encontra, entretanto, tenho muito á acreditar que alguém tem usado habilidades místicas do clã Izvah no intuito de prejudicar sua família, por motivos ainda desconhecidos.

Atenciosamente,

Alguém que quer apenas o bem daqueles que o cercam.

Li duas vezes e encarei Verbena.

– Quem mandou isso?

– Como vou saber? Recebi no dia seguinte á decisão do conselho em te julgar pelo assassinato daqueles homens...

– Para de dizer assassinato – interrompi – Me sinto uma assassina ouvindo você dizer isso.

– Já li isso o bastante para dizer exatamente cada palavra e reconhecer essa letra em qualquer lugar, mas eu não faço ideia de quem seja.

A letra era curvada, pequena e parecia um pouco disforme, como quando se escreve andando ou sobre uma superfície ondulada. Definitivamente eu não fazia ideia de quem teria uma letra igual aquela, até por que eu não conheço muitas pessoas que saibam escrever.

– Mostrei a Narciso – continuou Verbena – Ele acha que é um homem quem escreveu.

Ergui os olhos do pergaminho mais uma vez.

– Por que ele acha isso? Essa assinatura é inútil e não há nenhuma nomenclatura.

– Foi exatamente a assinatura que fez Narciso achar que é um homem, ai diz “alguém que quer apenas o bem daqueles que o cercam”.

Neguei com a cabeça sem entender. Verbena revirou os olhos e apontou para uma letra na assinatura do pergaminho em minha mão.

O, aqui esta escrito o cercam, O. Entendeu?

Assenti.

– Isso apenas exclui a minoria das pessoas que conhecemos, ainda sobra meia cidade representando os homens.

– Reduza isso, apenas os bruxos que conhecemos e eu não conheço muitos bruxos em Ferrara. E só penso em um que queira te proteger.

Senti minhas bochechas queimando, rapidamente me lembrei de um reluzente par de olhos alaranjados me encarando.

– Leonel – disse Verbena sorrindo

– Hã?

– Leonel, que outro bruxo iria querer tanto sua proteção?

Neguei com a cabeça, não a opinião de minha irmã e sim á minha mente idiota por me fazer pensar que aquele monstro assassino de olhos anormais, como eu podia pensar que aquela criatura iria querer me proteger. Seria mais simples ele ser quem denunciou a insígnia dos lobos ao conselho apenas para me fazer mais mal. Idiota.

– Esta letra não é a do Leo – falei devolvendo á ela o pergaminho – E Leo não tem o mal habito de se esconder por trás de cartas anônimas para dizer o que quer.

Verbena ficou mais alguns minutos conversando comigo sobre meus irmãos, Narciso estava preocupado como sempre, embora Magnolia dissesse que ele parecia mais feliz em alguns dias quando voltava do trabalho. Meg estava mais preocupada com o fato de que ela teria que se casar, agora que eu não estava mais planejando salvá-la de um casamento e Margarida estava muito atarefada com os filhos e o marido, estava achando que eu estava passando uma temporada em uma espécie de club para bruxas.

Leonel bateu na porta antes de entrar para se despedir de mim, o analisei rapidamente. Preocupado? Sim. Ansioso? Sim. Nervoso? Sim. Alguém que quer o bem daqueles o cercam? Sim. Um anônimo escrevendo cartas? Não.

– Algum problema Morty? – perguntou ele segurando meu rosto com as duas mãos

Neguei com a cabeça sorrindo, ele deu um beijo na minha testa e me abraçou. Desta vez retribui o abraço.

– Vai ficar tudo bem, Morty, vamos conseguir te livrar dessa. Prometo.

Absolutamente não foi ele quem escreveu o pergaminho para Verbena.

– Quero um favor seu – falei, ele resmungou em resposta – Quero que vá visitar a senhorita Valentine Walker, tenha certeza que ela está bem.

– Seu irmão já não está fazendo isso? – perguntou ele desconfiado.

– Está, mas ele não conta tudo á Verbena e ela não pergunta tudo a ele. Quero ter certeza que não sou uma paranoica perigosa.

Ele riu.

– Tudo bem, irei ver como ela esta e te contarei tudo o que descobrir.

Os dois foram embora dizendo que voltariam quando tivessem permissão de me ver – ridículo isso – e eu voltei para a janela. O céu estava escuro, nuvens pesadas cobria todo azul que sempre me irritava tanto. Ia chover logo, um bom sinal. Finalmente um bom sinal.


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