Um Outro Lado da Meia-Noite escrita por Gato Cinza


Capítulo 14
Erros




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Errado, errado, errado... está tudo completamente errado.

A garota arfa mais uma vez, tosse mais uma vez engasgando com o próprio sangue que respinga em mim. Se continuar assim ela vai morrer, esta com hemorragia e eu não consigo estancar, não tenho menor declínio á medicina, não sei fazer nem um curativo descente. Volto para junto dela tentando não desmaiar, não posso desmaiar.

– Vai ficar tudo bem, Valentine

Que idiotice para dizer para alguém que está com um buraco acima do umbigo encharcado de sangue, ela vai morrer. O sangue dela em minha mão parece uma luva vermelha medonha, e eu estou completamente tonta. Não consigo sentir cheiro de sangue sem enjoar, vomitar e desmaiar. Nem consigo entender como estou ainda acordada. Ela tosse mais uma vez.

Mais sangue, fecho os olhos tentando não pensar nisso, não pensar no sangue vermelho em minhas mãos de novo. Não é sangue, repito á mim mesma, é tinta, são morangos amassados para fazer tinta. Odeio morangos, e isso não ajuda em nada. Margarida me fez comer um balde cheio de morangos quando eu era criança por que roubei os morangos que ela colhera para fazer uma torta, nunca mais consegui comer morangos.

Verbena também havia comido os morangos, mas ela usou um feitiço. Jogou um morango no chão e meia hora depois havia uma pequena plantação de morangos na horta de casa, cheia de frutos vermelhos e suculentos. Abro meus olhos focando novamente o pedaço vermelho de tecido que minutos atrás era parte de meu vestido, sei o que fazer. Pelo menos acho que sei.

Retiro o tecido e coloco uma mão sobre a outra. É como o feitiço de Verbena, mas ao contrario, em vez de fazer morangos aumentarem devo fazer apenas o ferimento fechar, não é deve ser tão difícil. Começo um cântico murmurado tropeçando nas palavras, tenho que recomeçar várias vezes, mas não está surtindo efeito algum. Valentine tosse mais uma vez, ela está mais branca que algodão puro, seus olhos cor de azul-leitoso voltaram á se fechar e ela parece não respirar mais.

– Não é justo – falo para ninguém – Por que ela tem que morrer se fui eu quem matou aqueles homens?

Minhas mãos estavam ficando dormentes de tanto pressionar o ferimento, fechei os olhos, não ia chorar, detesto chorar. Já ficou triste á ponto de suas lagrimas parecerem ter se acabado? Conhece aquela sensação de vazio que se instala em seu interior quando se chora por muito e muito tempo por algo que não tem mais volta? Eu não. Eu nunca chorei para sentir-me vazia, não me permito chorar. Se perco algo é por que teve que ser assim, lágrimas não me fazem forte apenas me deixam triste e lenta. Minhas emoções não devem ser demonstradas. Aprendi isso com Leonel, uma vez ele me dissera que as emoções fraquejam as pessoas então ele escondia o que sentia para que ninguém o machucasse, eu aprendi á fazer isso. Aprendi á não demonstrar emoções.

Pousei a fronte em minhas mãos cobertas de sangue sobre o ferimento de Valentine, talvez ela não sobrevivesse, mas não morreria em volta daquele silêncio mórbido de lágrimas não choradas. Há uma musica que canta no silêncio, um som vindo das profundezas de tudo que é vivo, um som de reconhecemos antes mesmo de aprendermos as palavras dos homens, um som calmo, suave, um pulsar de vida. Comecei a murmurar um cântico antigo, como se fosse a vibração de todo pulsar existente sussurrando as palavras certas para mim.

☺ Flash Back ON☺

Fazia semanas que eu estava obedientemente cumprindo meu castigo e enlouquecendo Magnolia. Em Ferrara as coisas não estavam um mar de rosas – o que para mim era bom, detesto rosas. Desde meu voo pela cidade as pessoas começaram a entrar em pânico, vieram guardas de outras regiões para manter a segurança, um toque de recolher foi imposto á população:

1 – Ao por do sol todos devem estar em suas casas.

2 – Quais quer pessoa que for pego fora de sua residência após á primeira hora da noite será apreendido e interrogado.

Eu ri quando li isso, mas Verbena e Margarida me deram a bronca do ano.

Em um domingo entreguei a Narciso o talismã da pedra do rio para que ele desse á Andreas, eu ainda desconheço o tipo de magia envolvendo meu sobrinho, então basicamente o talismã absorveria toda energia mágica que o corpo dele liberasse, isso é claro que dependeria da força de vontade de Andreas. Contei á Verbena sobre nosso sobrinho ser um bruxo.

– Andreas é um bruxo – murmurou ela incrédula depois de gritar comigo e Narciso por termos escondido isso dela – Margarida vai surtar quando ela descobrir.

– Mas não seremos nós quem vai contar isso – interrompeu Narciso – Pedi á Mort que jurasse que deixaria Andreas cuidar disso sozinho, e quero que você prometa também.

– Ah há! Querem que um garoto de nove anos aprenda a controlar magia apenas com um amuleto? Façam me favores irmãos, estão sendo tolos se acreditam que isso não vai causar problemas, ainda mais com a Inquisição de olhos em Ferrara.

– O que sugere que façamos? – perguntei – Vamos contar a Margarida que o primogênito dela é um de nós? Se ela fosse um monstro colocaria fogo no próprio filho, mas como ela ainda tem um resquício de humanidade o máximo que fará é obrigar o menino a autobanir sua magia. Não quero que Andreas se torne um renegado sem ao menos ter a chance de aprender a usar feitiços.

Verbena me encarou com um meio sorriso, como se esperasse que eu dissesse aquilo, por mais algumas horas discutimos até que minha irmã decidiu por ensinar controle á Andreas de modo discreto, ou seja, o segredo de nosso sobrinho ficaria escondido de Margarida até que ele estivesse pronto para contar á mãe sobre si mesmo.

Fora as visitas repentinas de Verbena – para me lembrar que por minha culpa as mulheres em Ferrara estavam sendo tratadas com total desconfiança, sob olhares constantes de pessoas que achavam que as bruxas podiam atacar a qualquer momento. Eu tive também a visita animadora de Margarida que apareceu para me dizer que haveria um almoço na casa da família McGregor para tratar dos assuntos do casamento de Magnolia e Edwin e eu talvez devesse não comparecer, para evitar constrangimentos.

Ofensivo? Nem tanto.

Me contentei em jogar um feitiço em Meg que agiu como uma pateta apaixonada e louca para se casar durante o almoço. Verbena ria muito com as lembranças enquanto me contava a quão fascinada e idólatra nossa irmã mais jovem parecia tentando agradar o noivo e sua família agindo com total servidão. Eu achei que ia levar bronca de Verbena por ter feito de Meg uma marionete emocional, mas ela confessou que tinha ido no almoço apenas para controlar as ações da mais jovem.

– Achei que não fosse á favor do casamento de Meg – disse ela quando paramos de rir

– De fato não era, mas acho que é o certo a se fazer. Além do mais ela merece uma lição por brincar com magia negra.

– Há, então é mesmo uma vingança. Estava achando estranho que Morticia Belaya sofresse sem machucar.

Não respondi á aquele comentário, mas de fato eu ia controlar todas as decisões de Magnolia até ela estar casada, depois disso ela não poderia fazer mais nada. Estaria presa á um casamento até o fim de seus dias – ou os dias de Edwin que eu cuidaria para que vivesse por muitos e muitos anos. Uma pena que ela seja uma pessoa tão egoísta. Quanto a Margarida eu já tinha providenciado seu sofrimento, teria Andreas, seu primogênito seria um bruxo Belaya, poderoso e forte. Se ter duas irmãs bruxas lhe causava tamanho pavor ela que aguardasse até que seu filho renegasse o mundo dos humanos e viesse á compartilhar da magia que ela tanto desprezava.

Vários dias de castigo e doces traquinagens depois, recebi a visita que eu mais esperava. Leonel. Ele me trouxe um vaso de plantas carnívoras que eu lhe pedira e me fez milhões de perguntas sobre o eu faria com plantinhas inúteis como aquela. Plantas carnívoras são ótimas para livrar de insetos como moscas e mosquitos, mas não é para isso que eu queria cultivá-las. Imagine uma planta carnívora da altura de uma árvore e com o apetite de um lobo faminto com preferência por carne humana e uma irmã chata como as que eu tenho. Mas é claro que não disse para ele o que eu planejava com as plantinhas ate por que levarão meses para que eu ache a fórmula certa para que elas cresçam como eu quero. Mas sou paciente e tenho muito tempo livre.

Leonel também tentou alguns feitiços que ele havia pesquisado á respeito de maldições e contramaldições. Disse que Magnolia teve uma sorte invejável de não ter morrido após usar magia negra do nível que usou. Por uma semana eu fui brinquedo de alquimista, ele usou feitiços poderosos que não deram em nada, fez um ritual onde eu me dupliquei e tive que suportar uma versão arrogante e sarcástica minha por oito longas horas até que me irritei e bati a cabeça dela em uma parede - ela sumiu instantaneamente como fumaça – e a última tentativa de Leo foi uma poção escura com gosto de sabão e grossa como lama, tomei aquela coisa de gosto horrível e quinze minutos depois eu ainda era um gato, sem pelos e duas vezes maior que um gato normal.

A parte divertida foi a companhia de Leonel por uma semana tentando realmente me ajudar, ele ainda está tentando achar uma saída para a maldição, o lado ruim de tudo isso foi que no fim de cada feitiço Verbena que estivera nos acompanhando dizia sempre: Eu disse. E de fato dizia, ela também buscava uma forma de me libertar, apenas não tentava me usar como cobaia. Isso um tanto que me frustrava, sei que ela tentava, mas ver o esforço de Leonel me fez me sentir bem. Na verdade a companhia de meu amigo sempre me fez me sentir muito bem.

Narciso que estivera com humor incrivelmente entusiasta e cantante – ele cantava enquanto me ajudava a lavar a louça, e ele tem uma péssima voz para a música – mudou totalmente. Uma tarde ele chegou do trabalho com uma carranca emburrada e ficou sentado na mesa mastigando o jantar como se fossem trapos cozidos com sal e ervas de sabor. Troquei com Magnolia nosso olhar de: Não fiz nada e você?

– O que aconteceu, irmão? – perguntei curiosa demais para fingir que não era da minha conta

– O fedelho Walker volta amanhã e já está causando problemas desde hoje.

Pisquei distraída, era estranho ele tratar Dylan como fedelho, eles aparentavam ter a mesma idade.

– O que Dylan fez para que você o deteste tanto?

Narciso me encarou com a boca contorcida e os olhos apertados, os dedos dele apertavam o talher com força suficiente para entortar o metal leve da qual era feito. Cheguei a temer pelos meus dentes, mas depois de um apavorante silêncio ele me respondeu com outra pergunta:

– Desde quando o conhece para chama-lo de Dylan?

Senti meu rosto queimar, mas ignorei e retruquei com minha indiferença usual:

– E não é esse o nome dele? Dylan?

A testa de Narciso enrugou toda enquanto ele considerava minha pergunta, então ele voltou a sua postura normal e descontraída.

– Aquele ruivo petulante não gosta de mim por um erro que cometi, ele faz questão de me infernizar sempre que me vê.

– O que você fez para ele não gostar de você?

– Não é assunto seu – Narciso tem um problema terrível, é muito reservado.

– Claro que é assunto meu, se ele não gosta de alguém de minha família tenho o direito de saber pelo menos o por que. Meu irmão passa semanas com o humor perfeito e então chega em casa irritado por que alguém que cuspe o nome de nossa família como se fosse comida estragada, vai voltar sabe-se a deusa de onde. Narciso você quer gostemos ou não, trabalha para aquele ruivo intrometido e no mínimo deve nos manter informadas de seu relacionamento nem um pouco amigável com ele, ou acha que não somos dignas de saber o que acontece em sua vida?

– Boa tentativa Mort, mas seus jogos de palavras não funcionam comigo. Falar demais para e fazer falar não vai dar certo, não sou nossas irmãs.

Já teve vontade de enfiar o garfo na garganta de uma pessoa? Eu tenho toda vez que começo uma discussão durante as refeições. Mas Narciso não ia me contar o que havia acontecido entre ele e Dylan nem mesmo que sua vida dependesse disso. Então resolvi descobrir aos poucos metendo o nariz onde não era de minha conta.

Por alguns dias inteiros eu me mantinha dentro do porão testando formulas de crescimento e feitiços, ou apenas ficava conversando com minhas plantinhas, algumas vezes ia perturbar Magnolia e me oferecer para ajuda-la nos afazeres domésticos. Consegui fazer um vestido dela encolher durante a lavagem e ela ficou paranoica achando que estava engordando, isso me rendeu ótimas provocações. Descobri que sugerir que uma pessoa narcisista – estranho dizer isso como referencia á um adjetivo quando se tem um irmão chamado Narciso – que suas roupas estão ficando curtas ou desfazer algumas pregas nas roupas para se descosturar quando começa a se vestir, causa caos. Magnólia por uns dias todo evitou comer e eu como sou muito boa irmã passei os dias todos lhe fazendo companhia e comendo enquanto elogiava os dotes culinários de nossas irmãs.

Nesta manhã as coisas estavam normais, eu terminei de borrifar minhas plantinhas que já estão duas vezes maiores do que estariam se estivessem sendo cultivadas de modos convencionais. Perturbei Magnolia fazendo a vassoura voar enquanto ela varria, foi realmente engraçado vê-la gritar agarrada ao cabo da vassoura á uma altura de quarenta centímetros do chão. E fui pegar água no poço para ter algo para fazer enquanto minha irmãzinha me xingava e jurava envenenar meu almoço – como se ela tivesse coragem para isso. Estava tudo bem, dois meses de castigo e eu ainda não tinha colocado fogo na casa tampouco Narciso havia se esquecido do por que me colocou de castigo.

Ouvi um grito distante, olhei na direção da floresta. Não vi nada. Dei de ombros, mas depois escutei novamente e não contive o impulso de ir averiguar. Somente depois de ter entrado na mata foi que me lembrei que estava saindo do território de minha família, estava quebrando a regra do castigo de não sair. Mas eu já estava ali, então segui enfrente. Acabei saindo da floresta para a estrada principal seguindo minha intuição que normalmente servia para me colocar em encrencas.

Mas desta vez eu tinha o que agradecer. Avistei uma bengala próxima á floresta, a peguei olhando para o capim alto que estava deitado, alguém havia voltado para dentro da floresta. Fui atrás murmurando um feitiço e em poucos passos a bengala era uma espada fina e curva de lamina afiada. Uma crescente sensação de pressa se apossou de mim e corri me deixando ser guiada pelos meus pés, havia um temor tão próximo que era como se o medo de alguém transpirasse naquelas árvores.

Cheguei onde a mata estava mais fechada e ouvi gritos abafados e risadas altas seguidas de palavras grosseiras. Dois homens estavam em pé enquanto um terceiro estava agachado sobre uma pessoa que estava se debatendo. Pelas sandálias de amarrar era uma mulher.

– Deixa ela – gritei com voz tremula e espada erguida

Os dois homens se viraram para me encarar, um deles tinha um odre na mão parecia muito confuso, o outro tinha cara de bêbado.

– Mais uma – disse o velho com odre – Vem aqui gracinha, deixa essa espada ai e vem brincar.

A mão dele desceu para entre as pernas onde ele apertou seu membro e riu mostrando os dentes tortos.

– Solta ela ou machuco vocês – falei irritada.

Mas o homem não a soltou, nem mesmo se virou para ver quem o ameaçava, apenas continuava a fazer movimentos grosseiros com o corpo enquanto os outros dois “cuidavam” de mim. O bêbado cambaleou vindo em minha direção, antes que desse dois passos por completo eu fiz um floreio com a espada e ele se consumiu em chamas, o homem gritou se contorcendo e correu, não foi muito longe, bateu em uma árvore e ficou caído se debatendo enquanto morria carbonizado.

O velho com odre e o outro – que se levantou com cara de pânico enquanto erguia suas calças – me encararam hesitantes entre correr e me atacar. Eu estava tremendo dos pés á cabeça enquanto os olhava. O bêbado ainda gritava agonizante nas chamas e eu não podia impedir aquilo, era tarde para ele, se parasse sua dor ia ser pior. O que antes atacada a garota puxou uma faca sei lá de onde e apontou para mim.

– Vá pro inferno sua bruxa – gritou ele

Esperava que jogasse a faca na minha direção para me ferir, mas em vez disso ele fez um movimento rápido com a mão e a faca caiu em pé na barriga da mulher que tateava o chão com a mão. Apenas nesse momento que a olhei, os cabelos ruivos e a mão pálida por falta de contato com o sol eram familiares para mim. Era a irmã de Dylan.

– Valentine – sussurrei

No segundo seguinte os dois homens desabaram com as mãos no peito, sangue saiam se suas cavidades faciais e os corpos se contorceram deixando á mostra pontos brancos que rasgaram a pele quando os ossos foram quebrados. Sei que serei castigada pela morte deles, mas eles estavam fazendo mal á uma pessoa inofensiva. Me aproximei dela evitando olhar para os corpos dos homens. Valentine estava com o vestido destruído e marcas de mordidas pelo corpo, seus olhos leitoso-desfocados abertos encarando o nada, tinha um pano dentro da boca dela que eu retirei, e tentei cobrir seu corpo com os restos do vestido.

– Sinto muito – disse

Ela se moveu. Quase gritei de alegria, ela estava viva. E comecei a gritar mesmo, gritei por socorro até cair a ficha que não viria socorro, não naquele lugar e naquela hora.

– M-me aj-ju.u.ude – pediu ela

– Não fala. Tem uma faca na sua barriga – como se ela não soubesse – Não se mecha, eu vou puxar ok?

Sem duvida a coisa mais idiota para se fazer quando tenta salvar a vida de alguém que esta com uma faca enfiada em um lugar frágil é retirar a faca. Pareceu um chafariz de tanto sangue que saia da barriga dela. Rasguei a barra de meu vestido e pressionei o ferimento. Meu estomago estava revirando com o cheiro do sangue, minha boca foi invadida pelo gosto metálico como se fosse eu quem estivesse ferida. Soltei ela e me afastei vomitando. Fiquei apoiada na árvore com a cabeça baixa e os olhos fechados.

Errado, errado, errado... está tudo completamente errado.

☺ Flash Back OFF☺

Abri meus olhos, eu faço menor ideia de onde estou. As paredes são claras e o teto parece tão alto. Ah! Sou eu quem estou deitada. Viro meu pescoço de um lado para o outro, dói. Tentei me levantar, péssima ideia.

– Olá? – as palavras rasgaram minha garganta

Não demorou muito para que uma mulher aparecesse. Ela vestia um tom claro de verde-jade e os cabelos estavam escondidos debaixo de uma touca da mesma cor das vestes.

– Senhorita Belaya. Sente algo?

– Fome?

Foi a primeira coisa que me veio á cabeça, eu sentia fome mesmo. A mulher sorriu concordando com a cabeça.

– Faremos alguns exames á mais e alguém vai te trazer algo para comer. Sua irmã será avisada que acordou e logo estará aqui.

Olhei para ela confusa.

– Onde é aqui mesmo?

Ela fez uma careta. Depois sorriu, estava me irritando com seus sorrisos simpáticos.

– Estamos no Centro de Cura Umbrellia Di-Magos. Zona Cinza, em Risveglio – informou sorridente e saiu

Fiquei olhando o teto alto por um tempo até uma curandeira rechonchuda de olhos de safira entrar seguida de outras duas jovens bruxas que me fizeram perguntas e mais perguntas sobre tudo. Meu nome, meu endereço, minha idade, o que havia acontecido, se eu conseguia distinguir varias coisas diferentes que me mostraram e me mandaram fazer alguns movimentos com o corpo e alguns feitiços simples. Depois de me entediarem foi que explicaram que estavam testando minha memória, meus reflexos e minha capacidade mágica. Verbena me trouxe algumas frutas para me alimentar – eu queria doces, mas hospitais tendem á tirar a paciência dos pacientes.

– Achamos que tivesse entrado em coma – disse ela quando parei de comer – Você dormiu por quatro dias.

Arregalei os olhos.

– Quatro dias? O que aconteceu comigo?

Primeiro tive que contar a Verbena o que tinha acontecido, para depois ela me contar o que me aconteceu.

– Você salvou a vida da senhorita Walker, Mort. As curas disseram que você usou um feitiço não existente e isso drenou metade de sua força.

– Valentine está viva? – isso era bom, eu acho.

– Sim está, ficou com uma cicatriz enorme, mas seja lá o que você fez fechou o ferimento interno.

– Falou com ela?

– Não, Narciso falou. Ele a visitou na casa dela para ver se estava tudo bem. Ao que parece ela tinha fugido de casa, se perdera e foi encontrada por aqueles homens.

– Como foi que uma cega fugiu de casa sem ser percebida?

– Ao que Narciso me disse, o irmão dela não á deixa sair de casa e ela queria ir á cidade. Mas pegou a direção errada e quando tentou retornar ficou mais perdida ainda – Verbena ficou séria – Ela está bem e está sendo cuidada pelo irmão. Quero saber como é que você está.

Verbena me escondendo coisas, isso não é novidade, mas é incomum. Mas não vou tentar fazê-la falar se ela não quer. Então fui para minha próxima pergunta.

– Estou bem, Verby. Que aconteceu depois que apaguei? Aliás nem me lembro de ter apagado.

– Eu estava no club quando senti a energia que você estava concentrando. Na verdade todas as bruxas em Ferrara e algumas aqui nesta dimensão sentiram o mesmo. Foi como se você chamasse a todas nós em um só lugar. Eu fui ver o que estava acontecendo e quando cheguei lá achei apenas os corpos dos homens e... bom

Verbena se inclinou para frente, diminuindo o tom de voz

– As curas disseram que alguém te deixou aqui. Um homem. Ele apenas te deixou aqui e sumiu. Perguntei á Leonel se havia sido ele, mas não foi. Quando ele foi ver o que estava acontecendo na floresta ele não achou nada. Alguns caçadores que caçavam naquele dia acharam os três corpos, foram enfeitiçados e disseram que foi ataque animal.

– Enfeitiçados? Quem...

– Não sabemos. Os corpos deles também pareciam ter sido destroçados por animais, e não estava assim quando eu vi. Alguém restaurou os corpos e os destruiu para passar por um ataque animal. Testei um antifeitiço, mas fui repelida.

– O que... mas quem?

– Não tem como saber, Mort. Alguém está te protegendo. E não sou eu, nem o Leonel e nem nenhuma bruxa ou bruxo pertencente á nossa Ordem. Havia uma marca apenas, riscada na palma dos três, visível apenas á místicos.

Ela riscou algo no ar e um símbolo apareceu flutuante em cores disformes de branco que desapareceu lentamente.

– Que marca é essa? – sussurrei no mesmo tom que Verbena estava usando comigo.

– A insígnia dos lobos. Uma raça antiga que não existe mais, talvez alguns descendentes, mas nenhum herdeiro é visto desde 1284 quando o flautista resolveu matar os últimos da linhagem Izvah, em Hamelin. Alguns sobreviveram, afinal a aldeia não era o único refúgio da Ordem, mas nenhum idiota teria coragem de se mostrar ainda mais se responsabilizando pela morte de três pessoas que outra bruxa matou.

– Por que então? Será que alguém esta me usando para prejudicar algum Izvah?

– Não seja boba, Mort. Deve ser outra coisa.

– O que?

Verbena riu dando de ombros.

– Acha que se eu soubesse te diria?

É claro que não me diria, ninguém nunca me diz nada. Mas isso nunca me impediu de descobrir.

– Que horas são? Quero conversar com Narciso, perguntar umas coisas para ele.

Verbena revirou os olhos cruzando os braços.

– Cabeça de vento – eu estou doente e ela me chama de cabeça oca, que amor – Narciso não pertence á este mundo, ele não pode atravessar portais. Mas eu vou trazer um espelho para que vocês conversem. E também se prepare para bronca, contamos á Margarida que você sofreu um acidente mágico e que está aqui em recuperação, ela vai te acusar de irresponsável.

– Por que mentiram para ela? – gritei sentindo uma dor de cabeça terrível.

– Não grite, quer que me mandem ir embora? entenda, Morticia. Se contássemos á ela o que aconteceu ela saberia o que você fez com aqueles homens...

– Já entendi – cortei – E sobre eles? Vai ficar tudo bem?

– Não. Você matou humanos, não importa o motivo, assassinato é assassinato em qualquer lugar. Mas não se preocupe com isso agora.

Fácil para ela dizer, a enfermeira sorridente entrou para e dar um chá que me causou sono mal toquei o liquido nos lábios. Acho que eles pensam que dormir por quatro dias não é o bastante, mas de qualquer modo...


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