Mugen e os outros andavam calmamente pela cidade, aproveitando um merecido descanso. O dia estava ameno e o vento era uma brisa refrescante. Tudo estava bem. Foi quando um objeto foi lançado contra eles, fincado no chão.

– Essa... É a espada do Doham! – Mugen retirou a arma, segurando-a com sua mão direita. – O que ela-AH! – um forte brilho envolveu seu punho. – O que é isso!?

Sua mão estava coberta por uma manopla cor de sangue, com um tipo de marcação estranha na palma.

– Acho que isso são números – Harumi examinava os desenhos. – Numerais de Zalloss, quero dizer.

– E eles se deram ao trabalho de dar um relógio para o Mugen? – brincou Tohma. – Isso é muito estranho. Melhor voltarmos e...

– Não irão a lugar nenhum.

Os três olharam para o alto, de onde Doham caía gentilmente. Ele jogou para longe sua capa e fitou os três, enquanto as pessoas em volta corriam para longe.

– Esta é a Mão de Grephisto. Como pode ver, eu tenho o par – ele mostrou sua mão esquerda, coberta pelo mesmo tipo de armadura. – Como vocês bem deduziram, essas marcas são números. Mais especificamente, uma contagem regressiva. Até o final desse dia.

– E o que acontece quando chegar no zero? – perguntou Harumi.

– Ambos explodirão com força suficiente para destruir toda essa cidade.

Os três se olharam com expressões de espanto. Não conseguiam sentir um pingo de mentira nas palavras do inimigo. Aquilo era um fato.

– O único meio de impedir – continuou o sacerdote – é que um dos portadores destrua o outro com essas espadas. Num duelo um contra um. Qual sua resposta, humano?

– Você não precisa fazer isso, Mugen – Tohma falava baixinho para o amigo. – Vamos dar um jeito, tem que haver um outro meio e...

– Sinto muito – Mugen cortou Tohma, já dando um passo a frente. – Eu aceito!

– Huhuhu... Muito bem, então! – Doham fez um corte no ar, criando uma espécie de portal. – Esta é a Dimensão Zero. Será nosso campo de batalha. Entre quando estiver pronto.

Enquanto Doham adentrava pelo portal, Mugen observava a Mão de Grephisto em seu punho.

– Você prometeu que não ia se deixar levar – começou Harumi, séria.

– Harumi, Tohma... Não é isso. Essa pode ser a única chance que teremos de acabar com isso de uma vez por todas! Eu tenho que ir! Gaishin!

Gai Red correu para o portal, gritando para os amigos que voltaria são e salvo. Em seguida, a porta para a Dimensão Zero se fechou.

– Kyahaha! – a Sacerdotisa da Criação apareceu logo depois, assustando os dois amigos que ficaram pra trás. – Mesmo que seu colega consiga voltar inteiro, vai encontrar tudo bem diferente.

– O que quer dizer, Lamarg!? – Tohma assumiu sua posição de luta, e Harumi o seguiu.

– Falo disso! – ela sussurrou uma série de palavras místicas, e um Genma-Monstro já pós-Evolução Zalloss surgiu na cidade. – Vou usar meu Kani Genma para garantir que todos os Gairanger sejam destruídos hoje! Kyahaha!

– Tohma, vamos! Gaishin! – enquanto a bruxa desaparecia, os dois se transformaram, chamando automaticamente o Daigaioh. – Tome cuidado, Mugen!!

***

Nada nas memórias de Mugen chegava perto da visão terrível que era a Dimensão Zero. O cenário era um ardiloso deserto até onde os olhos alcançavam, com várias formações rochosas de tamanhos variados. Todo o ar era pesado, quase como se fosse venenoso. Haviam muitos buracos no chão como gêiseres; mas expeliam fogo ao invés de simples vapor quente, com labaredas que subiam muitos metros. Para completar, esqueletos de terríveis criaturas de diferentes tamanhos permeavam a paisagem. Tudo isso embaixo de um céu puramente negro, sem um sol, lua ou estrelas.

– Para se tornar Zalloss, deve-se ficar aqui pelo tempo que nossa gloriosa mãe julgar necessário – Doham explicava, olhando fixamente para o horizonte. – Deve-se provar digno para ela, sobreviver para ser aceito.

– Então meu irmão...

– Veio para cá, sim. Mas eu não gostei da ideia dele ser um de nós, então providenciei para que não conseguisse – o sacerdote levantou sua espada, examinando a lâmina. – Ataquei seu irmão antes de jogá-lo para cá. Huhuhu, ele deve ter morrido antes mesmo de chegar ao chão.

Um pilar de chamas se acendeu entre os dois. Quando Doham olhou para o inimigo, não viu raiva em sua aura.

– Matei seu irmão, humano! Isso não lhe diz nada!?

– Meu irmão morreu assim que escolheu ir com vocês. Fim da história.

– Incrível! Você mudou muito desde nosso último embate... Sim... E por mais que eu odeie admitir, eu também. Você me lembra algo, talvez alguém, que eu esqueci há muito, muito tempo. Mas tudo isso acaba hoje!

Doham retirou seu capacete, revelando uma face muito humana, exceto pelas marcações roxas sob os olhos. Continuou a retirar sua armadura, até que só sobrou a manopla cor de sangue. Finalmente, ele apontou sua espada para Mugen.

– Humano! Sou o Sacerdote da Destruição, Doham. Eu o desafio!

– Eu aceito! – Mugen retirou sua jaqueta e o Soul Changer, apontando a espada de volta enquanto desfazia sua transformação.

***

O gigantesco monstro avançou com sua garra contra um prédio, sendo impedido pelo Daigai Shield. O robô conseguiu empurrar a criatura, tomando alguma distância.

– Não temos tempo a perder, vamos paralisá-lo! Daigai Flash! – Daigaioh liberou sua cegante luz, mas o monstro surpreendentemente protegeu seus olhos como se soubesse do ataque. – O que!? Mas ele deveria perder a inteligência...

– Darling, Harumi Uranami! Tenham muito cuidado! – a voz de Gall saía do console de comunicação. – Existe uma energia muito estranha nesse Genma-Monstro!

– Kyahaha! Surpresos, Gairanger? – o símbolo de Zalloss surgiu brilhante na testa de Kani Genma junto da voz de Lamarg. – Estou ligada ao Kani Genma, posso controlá-lo como se fosse meu próprio corpo! Esse também será seu último dia! TWIN SCISSOR!!!

As garras de caranguejo giraram como brocas, disparando uma energia poderosa contra Daigaioh. Meu seu poderoso escudo não foi páreo, sendo quebrado ao meio.

– Daigaiken! – o robô invocou sua espada, tomando posição de luta. Foi Tohma quem chamou Gall pelo comunicador. – O que está acontecendo? Nossa força parece muito menor!

– O Daigaioh precisa de Soul Energia vinda de três pontos distintos! Numa luta normal apenas dois conseguiriam dar um jeito, mas contra ele Genma-Monstro fortalecido... Talvez só tenham poder suficiente pra UM golpe, mais nada!

“Um golpe é tudo o que precisamos!”, pensaram Blue e Yellow. Mas nenhum dos dois estava completamente certo disso.

***

As espadas estavam cruzadas na altura da cabeça, ambos os desafiantes olhavam firmemente nos olhos do outro. O terrível ar da Dimensão Zero intoxicava os pulmões de ambos, tornando cada movimento um martírio.

Eles quebraram a contenda e ficaram separados, recuperando o fôlego. Respirar doía.

– É inútil, humano. Eu já sobrevivi à Dimensão Zero uma vez. Posso fazer de novo!

– Então... Ah-ah... Você não era Zalloss antes?

– Eu... – Doham parou por um instante. Já perdera as contas de quantos planetas conquistou em nome de sua mãe, mas se lembrava muito bem de todos eles. No entanto, não havia nada antes disso. Era um espaço tão negro quanto aquele céu. – Eu... Não sei.

– Como não sabe!? Achei que você e Lamarg eram crias de Zalloss, mas não é isso, certo? Vocês vieram de algum lugar! Antes de toda a destruição!

– Eu... Eu... CALE-SE! – ele saltou com toda a força que tinha, errando a lombar do inimigo por milímetros. – Eu vivo para a glória do Clã Zalloss! É o meu dever!

– Acorde, Doham! Você nem se lembra do que era antes... Como pode ter certeza se queria ser o que é hoje? Tente se lembrar.

– PREDATOR STRAIGHT!

Mugen havia baixado a guarda, e recebeu o golpe de Doham com toda a força. Ele voou por muitos metros até cair numa pilha de ossos apodrecidos. Com muito esforço conseguiu se pôr em pé, mas vários ferimentos estavam espalhados pelo seu corpo.

– Esse golpe... Foi bem mais fraco do que eu esperava – mesmo com dificuldade, Mugen sorria. – Será que está se lembrando de algo?

– Calado, humano! – Doham avançou com ferocidade, e agora ele e Mugen estavam mais uma vez medindo a força de suas lâminas. – Eu vivo para destruir. É minha missão, minha vida! Não há mais NADA!

– NÃO! – Mugen conseguiu se desvencilhar, empurrando o adversário com um chute nas costelas. – Existe algo e vou descobre o quê! SOUL STRAIGHT!

O ataque era muito mais poderoso que o lançado pelo sacerdote, acertando com violência bem no meio do peito. Doham voou longe – muito mais que Mugen antes –, e estava prestes a cair num dos gêiseres de fogo.

Foi quando Mugen o puxou para a segurança no último momento.

***

– VICTORY SLASH!!

Indo com um corte transversal, a imensa espada de lâmina esmeralda encontrou a dura carapaça de Kani Genma – que aguentou o golpe com apenas uma pequena brecha em sua proteção.

– Kyahaha, tolos! – o gigante segurou o robô pelo cabeça, quase fechando-a com sua garra. – Depois que acabar com vocês, vou dar um jeito em quem sair vitorioso do desafio de Grephisto... Assim, só restarei eu! Sem Gairanger, sem meus irmãos... Apenas eu, Sacerdotisa da Criação LAMARG!

– G-Gall... existe um meio de transferir toda a energia restante do Gaigaioh? – a voz de Harumi saía fraca, pois a pressão da energia sombria de Lamarg estava fazendo efeito.

– Se conseguirmos isso, t-talvez ainda tenhamos mais uma chance! – continuou Tohma.

– Vocês estão loucos!? O último ataque sugou quase toda a Soul Energia que tinham. Se fizerem isso de novo, podem perder suas VIDAS!

– He... Se o Mugen estivesse aqui ele faria exatamente o mesmo – Tohma conseguiu sorrir. – Vamos lá, Harumi!

– Vamos, Tohma!

Daigaioh começou a brilhar intensamente, tão forte que Kani Genma o largou. A única luz mais forte vinha de sua Daigaiken, agora um verdadeiro clarão. No cockpit, Harumi e Tohma cancelaram a transformação, passando toda a Soul Energia que tinham. Era agora ou nunca!

– Força total! VICTORY SLASH!!!

Eles fincaram a espada exatamente na pequena falha que haviam criado com o ataque anterior, liberando toda a energia. Lamarg deu um terrível grito, que se perdeu na imensa explosão.

Os olhos de Daigaioh perderam a luz e todo o robô expelia vapor quente. Harumi e Tohma, feridos mas vivos, saíram sem comemorar a suada vitória.

“Mugen!”, ambos repetiam em suas mentes.

***

Os dois estavam caídos ao lado da labareda alta, olhando para o céu escuro. Foi Doham quem falou primeiro.

– Você me salvou. Viemos para nos matar e você me salvou.

– O céu desse lugar é terrível, não tem nada nele. Eu sei que você acha que seu coração é igual, mas eu duvido. Há um céu colorido aí dentro. Um céu que vale a pena proteger.

– Um céu... – uma fraca luz se acendeu na mente do sacerdote. Ele olhava para um céu muito azul, junto de alguém... Uma mulher? Não podia dizer. Mas seu sorriso era resplandecente. – Eu me lembro. Um dia eu quis proteger um céu. Eu... Eu tinha uma vida de verdade.

– Vamos dar um jeito então. Vamos descobrir quem você é!

– Huhuhu – Doham se levantou. Ele olhou a palma de seu punho esquerdo – É muito tarde agora. A Mão de Grephisto vai matar nós dois desse jeito, falta pouco... Vamos ter o mesmo destino que Dokuross.

– Dokuross? – Mugen também ficou de pé.

– Meu irmão mais velho, outro sacerdote de Zalloss. Ele foi condenado pelo pior crime possível, trair nossa gloriosa mãe. Seu corpo quase morto foi atirado aqui para garantir que sofresse mais. Hm... Acho que eu mereço isso – ele olhou para Mugen, pela primeira vez com serenidade. – Mas gostaria de pelo menos salvar você.

– Doham, eu... Está ouvindo isso? Essa música?

– Impossível! – a expressão de Doham se tornou do mais puro horror. – Essa melodia... É a marcha fúnebre de Zalloss. Apenas meu irmão conseguia tocar. Mas quem... Ah!

Uma figura encapuzada andava por entre a tempestade de areia, respirando o ar venenoso como se nada fosse. Ele soprava uma flauta muita estranha, isso porque também era uma espada.

– Essa... É a Espada Sonora das Trevas, Deathkiller! Ela é única! VOCÊ! – Doham gritou na direção do sujeito, que parara de tocar. – Onde conseguiu esse instrumento!?

– Oras... Estou aqui a tanto tempo que nem posso afirmar. Mas também, de certa forma, sinto sempre foi meu! – ele continuou a tocar mais algumas notas, se aproximando.

– D-Dokuross!? – Doham estava completamente chocado. – É impossível! Você já estava praticamente morto! Isso foi há séculos!

– Vivo? Fufufu... Sim e não. Pode-se dizer que sou um Ronin Fantasma. As energias de vocês me acordaram... Principalmente a SUA – ele apontou com fúria para Mugen.

– O que!? O que você quer comigo? Eu nem...

– Preste atenção: existem apenas três verdades nesse mundo – o Ronin agora erguia seus dedos a cada novo item. – A primeira é que podemos dividir todos em dois grupos; os fracos e os fortes. A próxima verdade é que essa divisão não é eterna, um forte pode se tornar fraco, e um fraco pode ficar forte. Por fim... A última verdade: apenas os fortes merecem sobreviver!

– C-Como pode dizer isso!? – Mugen estava de pé, mas sua voz tremia de nervosismo. Aquelas palavras pareciam ligeiramente familiares – O mundo não é assim!

– Chega! Sinta o meu PODER! – ele abriu sua mão, liberando uma energia contra Mugen, causando intensa dor. Mugen reconheceu aquilo como sendo Soul Energia... Mas ao mesmo tempo sabia que não era a mesma coisa. – Doloroso, não é? – a face de Mugen em agonia parecia lhe dar prazer. – É isso que acontece quando a Soul Energia é revertida, impulsionada até seus limites mais sombrios. É o Soul Negro!!

– S-Soul Negro!? – era difícil para Mugen falar, quase como todos as células de seu corpo estivessem para explodir. – Não é possível... AAHH!!

Os gritos eram cada vez mais fortes, proporcionais ao sorriso sádico daquele homem. Assim que o jovem não aguentou mais e largou sua espada, Doham correu até ela.

– PREDATOR CROSS!

O golpe de Doham estava muito enfraquecido pela batalha até então, mas foi o suficiente para quebrar a concentração do outro, acabando com o suplício de Mugen.

– O que pensa que está fazendo, Doham!? – o Ronin olhou raivoso para o sacerdote, que se colocava entre ele e um ofegante Mugen.

– Huhuhu... Ele precisa sobreviver. Ele tem muito pelo o que lutar ainda. Você me ouviu? – Doham se virou para Mugen. – Você tem que sobreviver! Proteger o seu céu! HA! – com um comando, o portal surgiu novamente, bem ao lado deles.

– M-Mas... G-Grephisto...

– Eu tenho um plano! – a voz dele era segura. Doham olhou mais uma vez com serenidade. – Agora vá! Mugen!

Era a primeira vez que ele o chamava de algo diferente de “humano”. Como um igual. Isso foi o bastante para que entendesse.

– Ainda vamos nos rever, eu prometo! – e saltou pelo portal, que se fechou em seguida. O possível Dokuross se aproximou, rindo.

– Fufufu, “Mugen” era o nome dele? É estranho, sinto como se... Bom, não importa. A Mão de Grephisto não dá brechas. Você o condenou a uma morte terrível.

– Será? – Doham também ria. – Eu estou com a espada dele... Huhuhu – ele apontou a espada que Mugen utilizou até então para seu próprio peito. Olhou uma última vez para cima, mas viu algo diferente do que realmente estava lá. – Um céu azul...

***

Quando Mugen surgiu seus amigos já o esperavam - depois de guardarem de volta o Daigaioh com muita dificuldade. Os dois explicaram com detalhes tudo que acontecera, e Mugen fez o mesmo com eles.

Eles discutiram por um tempo o mistério por trás das origens dos sacerdotes. Também se perguntavam se Lamarg estava viva e, mais ainda, qual era a história do novo inimigo que surgira. Em meio as muitas teorias, Mugen percebeu que a manopla desaparecera de sua mão. Ele entendeu na hora o que isso queria dizer.

– Doham... Não vou desistir de minha promessa, vamos nos rever um dia! – o pensamento de Mugen era firme. Ele olhou para cima, sem ligar para as caras de confusão dos colegas. – E vou continuar a proteger o meu céu.

***

– M-Malditos... – Lamarg andava cambaleante por uma caverna nos arredores da cidade. Seu capacete quebrara, relevando um rosto como o de Doham, incluindo as marcas roxas. – Quebraram meu elo psíquico daquela forma... Não estava esperando... Mas eu vou... Eu vou...!

– Não fará nada, my sister.

Das sombras, Lamarg pôde ver uma figura alta, com um forte cheiro de óleo. Um constante som de engrenagens o acompanhava.

– Infelizmente, já é hora de partir – ele apontou seu cetro. – Farewell.

Com uma estocada direto no coração, Lamarg conheceu seu fim, caindo inerte no chão de pedra. Uma segunda figura saiu das sombras, cutucando desrespeitosamente a bochecha da falecida.

– Waa, como você é sem graça! Nem me deu tempo de brincar com ela!

– Não se preocupe – ele limpou o sangue de seu cetro com um lenço. – Você terá muitos playmates em breve.

Os dois desapareceram, voltando para Pregyre. Ironicamente, ao mesmo tempo que duas estrelas sombrias subiam, duas estrelas luminosas chegavam à Terra.