Remus consegue se lembrar do dia em que foi atacado pelo lobisomem. Todo aquele sangue e rosnados e os gritos que não podiam ser humanos. Só mais tarde ele descobriu que eles eram seus, ao acordar numa cama do St. Mungus.

O ataque em si, por mais sangrento, horrível e doloroso que fosse, não carregou a pior parte. Não, ela veio ao acordar e ver seu pai dormindo numa cadeira, rastros de lágrimas pelo rosto, a notícia de que era um lobisomem, e o fato de sua mãe não estar em lugar nenhum.

Lembrava-se do vazio que sentiu naquela hora, uma vontade de chorar e ao mesmo tempo de quebrar as coisas em fúria. Aquilo não era justo. Não podia estar acontecendo. Ele tinha de acordar daquele pesadelo. Quando não acordou, porém, soube de uma certeza, inabalável e firme: Ele não seria feliz, nunca mais. E aceitou, na idade de seis anos, aquele destino.

Ser aceito em Hogwarts, ter amigos, todas essas coisas foram boas, lhe deixaram sorrisos no rosto. Mas estes nunca superaram a melancolia no fundo de seus olhos, bem escondida, para ninguém ver. A tristeza nunca o abandonava, não completamente. Ela estava sempre lá.

As vezes esquecida, o suficiente para Remus rir junto de seus amigos, pregar peças e fingir que ela não existia. Outras, vinha com tanta força que ele até se surpreendia, e ficava longas horas encarando o teto de seu dormitório, lágrimas silenciosas no canto dos olhos enquanto revivia mais e mais as memórias de sua infância quebrada.

Era interessante, na verdade. O momento em que essa tristeza ficava mais quieta não era quando comia seu chocolate favorito da Dedos de Mel, ou em companhia pacífica de James, Sirius e Peter. Não, era junto de Severus Snape, o garoto sonserino que seus amigos hostilizavam, que ela recuava. Era estranho, realmente, mas era perto dele que ele se sentia bem.

Nos fundos esquecidos da biblioteca, onde ninguém poderia encontrá-los, Remus olhou para o rosto de seu parceiro com ternura. Os dois, perseguindo um momento de paz, estavam estudando desde a manhã para a prova de Transfiguração que haveria na semana seguinte. James e Sirius estavam muito ocupados bolando a próxima peça contra um corvinal metido qualquer, e tinha certeza de que Peter tinha encontrado seu caminho para as cozinhas. Então, ele não se preocupava em tirar o seu dia, a princípio para estudar, mas, se fosse ser honesto consigo mesmo, para estar perto de Severus.

Depois de passar o dia inteiro lendo livros empoeirados, Severus tinha encontrado o seu caminho para o colo de Remus, onde agora descansava a cabeça, e não havia demorado muito para cair no sono. A intimidade incomum se devia a um fato triste, na verdade: Depois de ter seu segredo mais doloroso inadvertidamente exposto a Remus, o abuso que sofria do pai, ele não tinha nada mais a esconder do grifinório, e lentamente se tornava mais confortável ao redor dele.

Durante o sono, as características brutas de Severus se suavizavam. Ele não tinha a beleza exuberante de James, ou a clássica de Sirius. Ainda assim, havia algo especial em seus traços, Remus decidiu, passando a ponta dos dedos pela pele pálida, seguindo a linha das sobrancelhas e o contorno do nariz adunco. As pessoas se tornavam mais bonitas pelo valor que elas tem individualmente, sua mãe uma vez o disse. Se fosse assim, Severus era com certeza a pessoa mais bonita do mundo para Remus.

Com um sorriso, ele se inclinou e depositou um beijo suave nos lábios finos dele. Por um momento, não havia provas para as quais estudar, nem amigos preconceituosos. Ele não era mais um lobisomem, sua mãe não estava morta, seu pai não se perdia no álcool. Severus amava a ele, e não a doce Lily Evans.

Por um breve momento, a melancolia deixou seus olhos por completo, dando lugar para um sentimento muito mais brilhante, muito mais quente. Felicidade, seu cérebro lhe disse. Ele sorriu mais uma vez.