Sentado na beirada da cama, olhando os números coloridos e piscantes do relógio digital do criado mudo, seu cérebro fazia a conta mental... Quatorze dias... Doze horas... E Quarenta e sete minutos desde que Sonic desapareceu misteriosamente.

Tinha algum tempo que não tinha uma noite decente de sono, alimento nenhum conseguia ingerir, mesmo que por variadas vezes tentou o fazer. Precisava de forças para continuar com a equipe de buscas, na qual convenientemente fora escalado para fazer parte por ordem do comandante das forças da GUN. A única fonte de energia que o mantinha ainda de pé vinha da Chaos Emerald verde que sempre carregava consigo como um amuleto, bebendo de seu poder como um viciado em cafeína preso em uma cafeteria.

Você agora, caro leitor, deve estar se perguntando: O que diabos está acontecendo aqui?

Não se preocupem, irei lhes explicar:

Haviam se passado 4 meses desde que o relacionamento deles mudara tão drasticamente. Parecia algo surreal e até mesmo bizarro, e por mais inacreditável que pudesse ser, aconteceu. Era uma tarde de céu claro e abafado, Shadow estava em uma missão de reconhecimento à uma das bases desativadas da GUN, ele não conseguia ter uma clara lembrança daquele lugar, embora ele fosse o principal responsável pela sua destruição. O lugar estava em ruínas e praticamente inacessível, se não fossem seus poderes de controle do caos, ele estaria em uma bela enrascada, entretanto aquilo não era relevante no momento. O que havia surpreendido o ouriço em tudo foi o que encontrara lá, ou melhor, quem.

Os olhos verdes acompanhavam cada um de seus movimentos, enquanto o dono deles estava sentado confortavelmente em um ganho alto, um sorriso zombeteiro estava estampado em seu rosto quando viu a surpresa do outro, que logo se transformou em desconfiança, os olhos escarlates comprimindo em fendas.

— O que faz aqui, faker? — O tom carregado de uma hostilidade não merecida, e por mais que seja estranho havia alguma, mesmo que pequena, curiosidade.

— Também estou feliz em te ver. — Foi uma resposta sarcástica, entretanto Shadow se perguntou se havia algo naquelas palavras que eu não conseguia identificar, talvez um leve toque de decepção ou era simplesmente sua imaginação?

Sonic pulou do galho, fazendo piruetas no ar e usando outros galhos como apoio, no fim seus pés tocaram o chão com suavidade. Arrumou sua posição para uma ereta, enquanto espanava o seus braços e cintura com mãos.

Shadow engoliu em seco com aquilo, os dedos com luvas de Sonic passavam lentamente pelo próprio corpo, delineando os músculos do peito, a cintura e os braços levemente torneados, por breves segundos o mesmo teve dificuldade em se lembrar de como se respirava.

O ouriço azul olhou para o outro quando ouviu sua reação, um sorriso nada casto desenhava seus lábios enquanto se aproximava do outro, os passos lentos e suaves, e Shadow teve dificuldades para pensar enquanto seu corpo reagia reflexivamente, dando passos para trás com a invasão de seu espaço pessoal pelo outro.

— Gosta do que vê? — O sorriso ainda estava em seus lábios, enquanto sua voz saia lenta e rouca. Ainda andando em direção a Shadow, que se afastava com passos vacilantes, tropeçando vez outra em galhos que não conseguia ver, por estar concentrado nas ações de Sonic.

Sonic não sabia de onde tinha vindo esse surto de coragem, mas confessava que estava adorando as reações que causava em Shadow. Seu coração disparava enquanto a adrenalina corria em suas veias, e se ele tocasse seu rosto? E se, conseguisse um contato maior? E se rodeasse a cintura dele em um abraço e deitasse a cabeça em seus ombros?

Ele tinha ficado ilhado naquele lugar por 5 dias, tudo porque estava perseguindo Dr. Eggman e acabou por cair na parte florestal da Prision Island, Green Florest, que por algum motivo até então desconhecido, ainda permanecia sem muitos danos. Mal tinha dormido nesse tempo e ainda tinha a fome para lhe atormentar.

Durante o dia procurava alguma árvore que tivesse algum fruto e/ou algum resto ainda de pé de alguma base que pudesse usar como abrigo, acabando por ir dormir em um galho alto, com frio e fome. E aquela situação era tortuosa, não tinha nenhum telefone ou comunicador, senão já teria saído daquele lugar no mesmo dia. Já tinha quase perdido as esperanças de ainda ser resgatado, carregando em si a tristeza de estar sozinho e isolado.

Acabara por passar o tempo pensando em Shadow, de todas as pessoas, o lugar em si lhe trazia fortes recordações. Green Florest foi onde lutaram pela primeira vez, onde mediram forças e acabaram empatados, para o desgosto de ambos.

Havia adquirido o costume de pensar no outro ouriço, até demais para ser saudável, talvez por ele ser um mistério e um desafio, onde força e velocidade estavam em equilíbrio. Shadow era um rival à altura, sério, astuto e poderoso. Pensar nele, em suas qualidades, fazia com que seu coração disparasse e um calor leve tomasse conta de suas bochechas.

Era irônico como fora justamente ele que o encontrou, justo quando estava ficando enfraquecido pelas poucas horas de sono e fome. Teria pulado de alegria, se aquele gesto não lhe fizeste lembrar de Amy. Ele estava feliz quando o encontrou assim que acordou com o sol alto machucando seus olhos, mas ainda assim queria provoca-lo, brincar com a situação e até mesmo brigar, se isso significar estar junto de Shadow.

Agora, naquele momento, ele queria abraçar Shadow e até chorar em seus ombros, mesmo que a imagem mental dele voando pela floresta depois de um soco por sua ousadia ainda estivesse vívida em sua mente. Talvez o ouriço negro poderia ser sua passagem para casa, onde teria o conforto de sua casa e fast-foods para tampar o buraco que sentia em seu estômago.

— Não tenho tempo para seus joguinhos, faker. — Grunhiu ao se afastar ainda mais. Por que estava fugindo de Sonic afinal? Não tinha nada que poderia fazer contra ele. Tudo poderia ser resolvido com um simples Chaos Control, teria sua paz novamente.

Entretanto paz era algo desconhecido para ele desde que conheceu aquele demônio azul super sônico, as poucas horas de descanso eram gastas com as dezenas de perguntas sobre ele. Não sabia o porquê de quase todas as vezes estava próximo a ele se sentia diferente e até mesmo em paz, mas claro, tinha seu orgulho e isso era o bastante para que se tivesse o máximo controle possível de suas emoções.

Não conseguia pensar em uma desculpa para que Sonic estivesse ali, não tinha encontrado nenhum vestígio de queda de avião e Chaos control estava fora de cogitação, uma vez que ele não conseguia sentir nenhuma energia de esmeraldas, exceto claro da que levava consigo para a missão. E quanto mais o outro se aproximava, mais detalhes conseguia apreender, como olheiras sob os grandes olhos verdes e ele parecia até mais magro? Balançou a cabeça e desistiu de fugir, parando no meio da mesma clareira de anos atrás, embora Shadow não se recordasse.

— O que quer, faker? — Cruzou os braços com força no peito, a expressão de desagrado total com a situação e as sensações estranhas de seu corpo em resposta às ações do outro.

Sonic parou a poucos passos de Shadow, numa distância tão curta que se estendesse o braço podia tocar-lhe com a ponta dos dedos. Sua mão formigou com o simples pensamento.

— Shadow... — Sussurrou, a voz ainda rouca e seus olhos tinham um brilho estranho, ao mesmo tempo em que eles pareciam mais escuros que de costume. Shadow levantou o olhar em confusão, ainda mantendo a pose.

Um silêncio se instaurou depois daquele sussurro, os dois se encaravam, um em confusão e esperando resposta e o outro com ainda o brilho estranho no olhar, suas intenções eram um mistério para Shadow decifrar. Parecia que havia se passado horas de silêncio, onde nenhum som era ouvido, nem mesmo o vento se fazia presente. Por fim o ouriço negro desistiu, e com a mão direita procurava em seus espinhos mortais da cabeça a esmeralda que estava consigo, primeiro contemplou-a, e deu um olhar significativo para o outro, sorriu quando algo semelhante ao desespero cruzou o rosto do outro. Abriu a boca em provocação e quando ia dizer as palavras para o tele transporte, Sonic agiu por impulso.

Ele estava no chão.

A esmeralda estava fora de seu alcance.

Sonic estava encima de si.

E principalmente, seus lábios estavam unidos.

Os olhos verdes estavam amplos de surpresa, isso não estava nos seus planos, e nunca imaginou que seus cálculos fossem estar tão errados, ou talvez estavam certos e ele só não tinha coragem para admitir. Fechou seus olhos e seus lábios começaram a se mover quase automaticamente. Se iria morrer por sua ousadia, teria valido a pena.

Seu corpo estava congelado e seus olhos pareciam que iriam saltar fora de sua face em qualquer momento, não conseguia pensar direito, ou melhor sua mente estava em branco! Observou como o outro estava tão surpreso tanto quanto ele e como a expressão do mesmo mudou para prazer enquanto os lábios moviam contra o seus. Como ele ousa? Ouve a revolta, a raiva e o nojo. Como aquele porco ousa beijar-lhe com seus lábios imundos?

Havia sensações antes nunca sentidas por ele, estava ciente de cada insignificante movimento, sentia o calor do outro, sentia a maciez e suavidade nos lábios abusivos e lentamente se via gostando disso, quando a raiva e a revolta aos poucos estavam perdendo espaço para o desejo que, inicialmente era minúsculo, entretanto naquele momento era o maior dos sentimentos. Era inesperado, mas Shadow se viu retribuindo o beijo.

A entrega foi algo que ambos não esperavam, os lábios se moviam lenta e timidamente, ambos experimentando algo tão intenso pela primeira vez. Shadow se sentou, trazendo consigo o outro, ainda conectados pelo beijo. Não queriam parar, os dedos enluvados deslizavam pelo corpo azul delgado, dedilhando e acariciando cada centímetro que podia alcançar, suas ações eram automáticas e por aquele momento não pensava nas consequências. Shadow nunca foi de se levar pelas emoções, sempre em constante alerta e tensão, nunca relaxando de sua postura defensiva e ameaçadora, as duas ao mesmo tempo.

A explosão de sentimentos causada pela ação impensada do ouriço azul ocasionou em uma perda total de pensamentos, enquanto ambos os corpos agiam automaticamente, movidos principalmente por puro instinto.

Ambos sentiam e ouviam o batimento descompassado de seus corações, o som alto, rápido e incrivelmente sincronizados, enquanto ambos ainda estavam entregues ao beijo que parecia que nunca teria algum fim.

Entretanto, nem tudo é duradouro e o som do comunicador os trouxeram para a realidade, frustrando a das inúmeras fãs que queriam algo mais que um beijo. O susto fez com que se separassem, ambos incrédulos com o que acontecera, o choque de realidade assustou-os para a ação impensada, imprópria e luxuriosa dos dois ouriços adolescentes.

O som de ‘chamada’ do pequeno dispositivo estava se tornando cada vez mais irritante, corrompendo o som calmante do vento entre os galhos decorados abundantemente de folhas coloridas, pela chegada sutil do outono naquela região do planeta. Shadow suspirou com raiva, enquanto se levantava da posição sentada em que estava antes, tirando um Sonic atordoado de seu colo e caminhando alguns poucos passos para alcançar sua mochila, onde claro, estava seu comunicador.

— Shadow? O que diabos estava fazendo para que demorasse tanto? — A voz feminina demonstrava visível irritação, fazendo com que o ouriço suspirasse profundamente. Rouge detestava ser ignorada ou que demorassem a responde-la. Por muitas vezes se tornava extremamente insuportável quando eventualmente algo do tipo acontecia.

— Se não pensasse tanto em futilidades, se lembraria que fui designado para uma missão de reconhecimento pelo o que sobrou de Prision Island e Green Florest. — Respondeu grosseiramente. — E não sou obrigado a te atender. — Encerrou fazendo com que sua voz saísse no tom mais frio possível.

— Não me respondeu! Shadow, por que demorou tanto? — Insistiu autoritária. Shadow podia imaginar a morcega com as mãos na cintura com uma pose bastante ameaçadora. Revirou os olhos.

— Não lhe devo satisfações! Já terminei o que tinha que fazer. Nos vemos depois. — Finalizou a 'chamada' e desligou o dispositivo, não teria mais inconvenientes para o resto da tarde, exceto claro quando voltar ao prédio sede da GUN, onde Rouge viria com inúmeras perguntas, que por mais que insistisse, Shadow não iria responder.

Inseriu no bolso da mochila o equipamento que lhe trouxe mais dores de cabeça que lhe serviu de alguma ajuda. Caminhou até a esmeralda abandonada e a pegou, limpando a sujeira em sua jaqueta onde carregava o distintivo de Agente GUN, admirando por um breve momento o brilho majestoso da mesma. Rodou-a em seus dedos distraidamente. Do ouriço azul, nenhuma resposta. Por fim chegou em sua frente e puxou-o pelo braço, sem nenhum cuidado.

A dor e o susto causados pelo tratamento áspero foi o bastante para que Sonic 'acordasse' de seu estupor, piscando variadas vezes até que se focasse na figura séria em sua frente.

— Vamos! Não tenho certeza se tem como voltar para o continente, já que praticamente quase me estuprou por causa esmeralda. Vou te deixar em meio caminho, creio que será o suficiente. — Concluiu dando um sorriso zombeteiro.

A frieza com que as palavras saíam de Shadow e suas ações deveras ásperas deixava o outro ouriço confuso. Como Shadow poderia agir assim depois do que compartilharam minutos antes? Depois do beijo tão intenso que ainda estava surtindo efeito em sua mente, enquanto parecia sentir fantasmas do toque do outro em seu corpo. Aquele ouriço na sua frente não parecia o mesmo que o fizera ir do céu ao inferno com apenas um beijo.

Conseguiu reunir forças suficientemente para um breve menear de cabeça, em uma fraca afirmação. A mão em seu braço afrouxou aos poucos, tomando uma proporção mais confortável, embora nunca abandonasse sua mente, mal registrou o momento em que Shadow proferiu “Chaos control”, e o tempo que levara para a mudança de cenário parecia inexistente. Havia uma enorme tristeza em sua mente, enquanto Shadow lhe confundia cada vez mais com suas ações inesperadas.

Primeiro foi o beijo que o deixou ainda estável, suas pernas ainda estavam fracas e inconscientemente levou dois de seus dedos até seus lábios, dando um pequeno sorriso por aquilo ter acontecido e ter sobrevivido para se recordar depois. E depois, seu sorriso morreu e sua expressão se tornou dolorida.

— Shadow... Sobre antes—

— Esqueça isso, não foi nada. — Falou o soltando bruscamente, fazendo em que o ouriço azul se desequilibrasse por alguns poucos segundos.

As palavras o feriram com a mesma intensidade de uma faca. Por que Shadow tinha que falar daquela forma? De um evento que para o ouriço azul foi tão bonito quanto especial? Naquele momento, mais do que nunca, desejava não ter encontrado Shadow, se ele soubesse o quanto uma demonstração de sentimentos poderia ser tão dolorosa depois, nem teria arriscado seu próprio pescoço em algo que parecia ser apenas causado pela emoção do momento, mais por hormônios que por realmente sentimento.

“Não foi nada.” As palavras se repetiam sem parar, e cada vez que acontecia, o ouriço azul se via cada mais vez arrasado.

Sonic arrasado? Tão sentimental? Como isso pode acontecer?

Como eu havia lhes dito pouco antes, no início dessa narração, tudo aconteceu de uma forma rápida demais, e quando perceberam já tinha acontecido. Um pequeno acidente. Um beijo ardente. A chama tênue do desejo crepitando em ambos e depois, a frieza com que Shadow lidou com a aquela situação. E como um pobre ouriço estava entristecido, pela frieza após um beijo quente.

Shadow iria dizer mais alguma coisa, mas quando foi olhar para Sonic ele já não estava mais lá. Havia desaparecido. Corria dele e de sua própria dor. Olhar para ela só fazia com que se sentisse cada mais destruído.

Era irônico. Um sentimento de pureza trazer tanta dor e destruição mental e sentimental. Mas o que Sonic poderia fazer? Era tarde demais para voltar atrás.

“Esqueça isso.” Lágrimas caiam dos grandes olhos verdes, cada vez que se recordava daquelas últimas palavras. Não se importava mais com nada. E em pouco tempo já estava em Mistic Ruins, não se deu o trabalho de pegar o metrô da estação. Não queria público, não queria questionamentos, só queria paz.

A porta do laboratório abriu e fechou com força demais, assustando uma raposa jovem, que estava debruçada em sua mesa, onde vários papeis e equipamentos metálicos estavam espalhados e desorganizados. Não deu satisfações. Não queria o encarrar e foi direto para o seu quarto, rezando para que o cansaço pudesse fazer com que dormisse, pois chorar ali, estava fora de cogitação.

Quilômetros dali, no topo de uma inclinada ladeira, olhos vermelhos olhava para o longe, expressando uma peculiar expressão. O puro arrependimento.