Heavy Crown escrita por QueenB


Capítulo 3
Trompo com três ciclopes




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/541712/chapter/3

Eu estava com frio, tremendo, e com medo. Medo de Nico, da história que ele não parecia ter. Se aquele era um acampamento para pessoas como nós, por que ele não ficava lá, e por que eu podia ficar? Enquanto a escuridão me envolvia com um abraço, sentia a mão de Nico forte e fria apertando meu pulso. Eu queria gritar, mas não conseguia, queria fugir, para onde? Comecei a sorrir comigo mesmo lembrando do tempo em que fazia teatro. José, para onde?

Abri meus olhos lentamente quando Nico me cutucou. Ele me olhava com curiosidade então ergui a sobrancelha. Ele apenas deu de ombros e mandou eu seguir ele.

Compramos a passagem do metro, seguindo para a estação. Sentei no canto perto da janela e Nico ficou de pé, observando tudo. Pessoas entravam e saiam, conversando no celular, gritando, rindo, suando... Perguntei-me onde estaríamos, e li o cartaz colado na parede: Peça: O Amor de Catarina, no teatro São Francisco. Estávamos em São Francisco. Olhei para Nico que não saia da mesma posição a horas, só piscando e batucando os dedos. Ele era quieto, na dele, não era do tipo badboy, mas também não era do tipo excluído porque não tinha amigos, ele não ter amigos, queria ficar sozinho, ele almejava a solidão. Parecia-se comigo de uma certa forma, entendi finalmente o que significava compreensão. Quando finalmente o metro parou, sai trompando em todo mundo, principalmente no emo. Ele me olhou indignado e eu apenas sorri como se dissesse “ops”. Subi as escadas saindo para tentar respirar o ar puro. Olhei novamente em volta, eu ainda me encontrava em São Francisco. Já era de noite. Nico apareceu do meu lado me pegando pelo pulso e me puxando. Alugamos um quarto de hotel barato, já que não tínhamos muito dinheiro. Infelizmente só havia um quarto, e felizmente, duas camas de solteiro nele. Tranquei a porta assim que Nico entrou, joguei minhas coisas na cama e entrei no banho. Quando terminado, me enrolei na toalha pronta para me vestir. Ou quase. Eu não estava acostumada me vestir no banheiro, e minhas roupas estavam todas na mochila, perto de Nico.

Tirei minha cabeça para fora, Nico não estava lá, afinal onde ele estava? Sai do banheiro escolhendo minha roupa, coloquei uma calça larga e uma regata simples. Escovei os cabelos molhados e deitei na cama. Procurei meu livro favorito, Perdida, que já estava surrado de tanto eu carrega-lo e lê-lo por ai. Nico apareceu depois de trinta minutos com dois pacotes de comida chinesa nas mãos, agradeci e deixei para comer mais tarde. Nico devorou tudo em dois tempos, enquanto eu lia meu livro. Antes de me deitar, comi a comida escrevendo como foi meu dia no diário, de fato, aquele foi o dia mais estranho que já tive. Estava confiando em um garoto um ano mais velho que eu, que conheci a menos de vinte quatro horas. Os pais que nunca tive provavelmente me repreenderiam, se se importassem comigo. Nico roncava baixinho e eu sorri ao ouvir aquilo. De alguma forma ele era atraente. Deixei meu diário fechado em cima do criado mudo e fui dormir.

Acordei morrendo de susto. Levantei depressa da cama vendo que já era de manhã, Nico ainda dormia, eu só lembrava de ter tido um pesadelo no qual terminava em morte. Corri para o banheiro e vomitei. Escovei os dentes e troquei de roupa (agora no banheiro), uma calça preta surrada e rasgada, o all star e uma blusa azul normal. Devo ter demorado uma hora lá dentro, porque agora, o sol já estava no auge. Abri a porta e dei de cara com Nico futricando meu diário. Gritei na hora pulando no pescoço dele. Ele se assustou, pois desembainhou a espada no mesmo segundo. Ele rodava o quarto tentando me tirar de seu pescoço.

– Sai de cima de mim! – Gritava ele.

– Você estava lendo meu diário! – Gritei de volta batendo na sua cabeça com os pulsos.

– Isso não vem ao caso!

– Ah não? Privacidade é o mínimo que você poderia me dar.

Nico cansou de ser um cavalo e me tirou as forças de suas costas. Com um golpe de judô, ele me atacou no chão e prendeu seu joelho em meus peitos.

– Eu precisava conhecer meu inimigo. – Fuzilou ele.

– Inimigo? Eu? Do que você está falando, doido!? – Perguntei incrédula.

– Você é o pior tipo de monstro que já enfrentei, Aria Clarke Campbell.

– E você é um lunático totalmente maluco que ataca as pessoas com golpes de judô!

– Então porque me pediu ajuda?

Fiquei sem resposta. Eu pedi porque queria me encontrar, eu estava sozinha naquele mundo, ninguém me compreendia, e de uma maneira esquisita, Nico se pareceu comigo, embora nunca tivéssemos conversado direito. Eu era a lunática da história.

– Porque...

– Porque? – Nico perguntou ainda prensando o joelho no meu peito. Seu rosto felizmente estava longe do meu.

– Porque estou conseguindo me compreender observando você. Seu exterior se parece com o meu interior.

Nico suspirou e me libertou, ajudando-me a levantar. Fuzilei ele e virando a cabeça em direção ao diário, ele apenas deu de ombros.

– Até que parte você leu? – Perguntei tentando me acalmar.

– Ham, nada de mais, só as primeiras folhas.

– Não mente pra mim.

– Hum. – Nico pareceu pensar. – Solitária, esvazia, esquizofrênica, muito problemática, destruidora de lares, fica feliz por poucas coisas, contudo fica triste com as mesmas. Só isso.

Só isso.

Eu queria pular na cara dele. Respirei fundo contando até cinco. Abri os olhos e Nico ainda me encarava. Nem a idade do guri eu sabia direito.

– Qual seu nome completo? – Perguntei.

– Sem perguntas lembra?

– Você me deve, sabe quase tudo sobre mim, eu mereço saber seu nome. – Falei séria.

– Ok então. – Nico se sentou na cama e respirou fundo. – Nicolas Di Ângelo, mas nem ousa me chamar de Nicolas.

– Tudo bem Nicolas. – Ele me lançou um olhar frio. – Quantos anos?

– Quinze.

– Como é esse acampamento que você diz? – Eu precisava saber mais.

– Ele é como um acampamento de verão normal, com atividades, quando você chegar você saberá mais. É melhor descobrir vendo ou “observando”.

– Eu estou esquizofrênica nesse exato momento ou você realmente viajou 50km comigo em um aperto de pulso?

– Sem mais perguntas.

E assim, Nico ignorou-me por completo e foi arrumar o quarto. Tomamos café na lanchonete perto do hotel e seguimos nossa viagem. Nico parecia apreensivo, olhando em direção a todos os lugares.

– O que foi? – Perguntei.

– São Francisco é a cidade que mais tem monstros.

– Até agora você não me explicou isso. – Disse.

– Nunca ouviu falar de Medusa, Quimera, monstros da mitologia grega ou romana? – Perguntou ele.

– Sim.

– Eles existem, assim como os deuses do olimpo.

Ele era mais maluco que eu.

– Então... Você acha que somos filhos desses deuses?

– Acho não. Somos. – Disse-me.

– Então... Você é filho de quem?

Nico tirou o olhar da rua no mesmo segundo e me encarou. Algo me dizia que aquilo era um ponto dolorido.

– Hades. – Falou por fim.

– O deus do submundo e dos mortos? – Perguntei animada.

– Sim. E por que está animada?

– Nada. Legal. E eu, sou filha de quem? – Perguntei.

– Você descobrirá isso no acampamento.

Nico me puxou com força para dentro de um gueto e me encarou pedindo silencio. Dirigi o olhar aonde seus olhos estavam pousados. Do outro lado da rua, dois gigantes de um olho só, discutiam, só consegui ouvir algumas partes:

– ... lho do deus dos mortos. – Disse o primeiro.

– Você está enganado de novo, seu olfato já não presta, Sump.

– Eu estou falando, Ma Gasket!

Nesse momento Nico deu um pulo e segurou meu pulso.

– Ciclopes. – Sussurrou.

Antes que ele pudesse fazer alguma coisa, algo o segurou pelo outro braço empurrando-o em direção as latas de lixo.

– Nico!

Ma Gasket e Sump ouviram meu grito e correram em nossa direção. Nico estava inconsciente em cima de um monte de papelão, virei meu olhar e vi três ciclopes feiosos sorrindo. A do meio parecia mulher, usava uma saia de palha e me encarava curiosa:

– Parabéns Torque. Você arranjou o nosso lanchinho.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Review, hein



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Heavy Crown" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.