Por Aquilo Que Acreditamos escrita por Kiri Huo Ziv


Capítulo 5
Capítulo IV




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Gold jamais soube ao certo como conseguira dormir sabendo que se encontrava, após mais de uma centena de anos, no mesmo mundo que Pan, uma das pessoas mais cruéis que ele já conhecera. Não fosse o fato de que ninguém conseguiria pegá-lo desprevenido naquele mundo repleto de magia, ele teria acreditado que Belle o havia nocauteado enquanto se aproximava da cama feita com peles, pois não se recordava sequer de ter ido se deitar na noite anterior.

Logo que abriu os olhos, ele percebeu que Belle já se encontrava sentada e olhava pensativamente para as suas próprias mãos, que repousavam sobre as pernas cruzadas dela. Ela estava tão absorta que não percebeu quando ele se sentou ao lado dela e se sobressaltou quando ele tocou os seus ombros delicadamente.

"Bom dia, minha querida," disse Gold, sorrindo suavemente.

A despeito de todas as suas inseguranças a respeito daquele mundo e de seus habitantes, estava feliz por Belle estar ali, com ele, onde tudo começara. Embora soubesse que a vida dela corria perigo naquele mundo, sentia-se mais seguro com ela ao seu lado.

"Ainda é noite," ela disse sem se voltar para encará-lo.

"O tempo não passa na Terra do Nunca da mesma maneira," respondeu Gold, sentando-se. "As noites e os dias duram mais do que apenas algumas horas."

Passou-se um tempo antes que Belle assentisse suavemente, sem desviar os olhos de suas próprias mãos. Ele sabia no que ela estava pensando, é claro: os poderes que manifestara quando os Meninos Perdidos os haviam atacado a preocupavam.

"A respeito de ontem," Gold começou a dizer, mas foi interrompido quando Belle se voltou rapidamente para ele e o beijou com paixão, jogando o peso de seu corpo contra o dele, o que o forçou a se deitar novamente.

Ele abraçou a jovem pela cintura, pressionando o corpo dela contra o seu sem interromper o beijo. Não, sua mente gritou. Não se deixe distrair tão facilmente, vocês precisam conversar sobre esse assunto.

"Belle!" Ele exclamou, afastando-a com delicadeza.

"Rum, por favor, não vamos conversar sobre isso," disse Belle com a voz rouca, abraçando novamente o feiticeiro. "Por favor, não vamos desperdiçar nosso tempo precioso juntos com problemas para os quais não temos solução."

Gold a observou por um tempo sem saber o que dizer. Por um lado, ela estava certa que deveriam aproveitar os raros momentos que tinham para si; por outro, se ela descrevesse o que aconteceu, talvez ele pudesse entender que tipo de magia possuía. O feiticeiro percebeu que a jovem tinha suspeitas do que provocara a reação mágica contra os Meninos Perdidos, mas estava com medo de estar certa, e ele se perguntou o que faria com que sua corajosa Belle sentisse medo.

Ele assentiu suavemente, por fim, decidindo que confiava o bastante em sua amada para deixá-la manter suas suspeitas para si por mais algum tempo. Se for realmente importante, ela me dirá!

Gold passou a mão pelos cabelos castanhos da mulher que amava, cuja cabeça repousava no peito dele. Os dois passaram um tempo que pareceu simultaneamente muito longo e muito curto naquela posição antes que Belle começasse a se levantar lentamente.

Foi nesse momento em que uma sombra parou diante da cortina que era usada para cobrir a entrada da cabana.

"O chefe Powhatan os aguarda," disse a sombra, e Gold imediatamente reconheceu a voz do guerreiro que os havia resgatado no dia anterior, Denahi. "Ele mandou dizer que vocês comerão a sua primeira refeição na cabana dele enquanto conversam sobre o que virá."

Logo em seguida, a sombra desapareceu. Gold sabia que o guerreiro não havia ido longe, apenas os estava dando um pouco de privacidade para se prepararem para sair da cabana. Belle se levantou, pegou as roupas que haviam sido deixadas ali para eles e começou a se trocar. O feiticeiro, por outro lado, sentia-se desconfortável em andar nu da cintura para cima às vistas de todo o restante da tribo e optou por colocar o terno com o qual havia chegado na Terra do Nunca.

Belle o encarou por um momento enquanto ele ajeitava a gravata em seu pescoço, e Gold sabia quais eram os pensamentos que ela se continha para não emitir em voz alta. Ela temia que a recusa do feiticeiro em usar as roupas que lhe foram dadas fosse considerada uma ofensa ou um descaso, mas ele duvidava que aquilo os fizessem expulsá-los. Havia um motivo pelo qual eles haviam sido recebidos na aldeia; afinal, tudo tem um preço.

Quando estava ambos devidamente vestidos, Gold sorriu para Belle e fez um sinal para que ela saísse da cabana antes dele.

Os dois encontraram Denahi próximo à cabana, também viram Henry e Tamara conversando, o que fez com que Gold sentisse medo; e se Tamara convencesse o menino a ir com ela até Pan? O feiticeiro teria que conversar com o guerreiro a respeito e pedir que ele ficasse muito atento em seu neto. Não queria que tudo aquilo pelo que haviam passado no dia anterior para proteger Henry tivesse sido em vão.

"Nosso chefe está aguardando a chegada de vocês para começar a sua refeição, mas vocês devem esperar que ele se sirva antes de se servirem. É o nosso costume," disse Denahi lentamente, olhando para cada um deles. "Venham comigo."

Eles foram guiados até a outra extremidade da aldeia. Enquanto caminhavam, Henry correu para saudá-los com um sorriso muito alegre e, quando Gold perguntou a razão da alegria dele, o menino lhe confessou que Denahi havia prometido que lhe ensinaria a atirar com um arco e flechas depois da reunião.

Gold não tinha certeza se gostava da ideia de Henry praticando com armas entre pessoas que não conhecia bem, sabia que ambas as mães deles não gostariam da perspectiva. Ele também sabia, entretanto, que o gosto por aquele tipo de atividade estava no sangue dele: tanto por parte de seus avós maternos, quanto por parte de Baelfire, que sempre sonhara ser um guerreiro. ´

E foi a lembrança das longas conversas com seu filho, nas quais ele confessava timidamente o seu sonho de se tornar um herói, que calou os temores mais imediatos de Gold. Desde que estivesse presente enquanto o menino treinava, não havia nenhum motivo pelo qual Henry não deveria aprender a se defender. Afinal, poderia vir a calhar naquela terra hostil.

Por fim, Denahi parou diante de uma cabana próxima ao lugar onde encontraram o chefe no dia anterior e anunciou a chegada de todos. Alguém provavelmente o respondeu — embora Gold não tenha escutado nada —, pois o guerreiro se afastou da porta, indicando que eles deveriam entrar sem ele.

Belle e Gold encararam Henry, pedindo silenciosamente que ele fosse o primeiro a entrar, ao que o garoto assentiu e obedeceu; o casal o seguiu e, por fim, Tamara entrou na cabana.

O chefe Powahtan e a mulher idosa chamada Tanana estavam sentados no chão, diante de um mesa baixa cheia de comida. Quando todos haviam entrando, o chefe se ergueu e os cumprimentou com um aceno de cabeça, pedindo que todos se sentassem, ao que os quatro obedeceram. Ele pegou um pedaço de carne e mordeu, depois a colocou diante de si; Tanana se limitou a pegar uma fruta que Gold sabia ser típica da Terra do Nunca e mordeu também, parecendo saboreá-la. Seguindo as instruções de Denahi, apenas depois disso eles se serviram.

"É uma honra tê-los entre os nossos," disse Powhatan, por fim, e os olhos sérios dele indicavam que ele realmente acreditava no que dizia. "É muito raro termos forasteiros na Terra do Nunca e, quando os temos, não costumam ser nossos aliados."

Gold encarou o chefe por muito tempo e percebeu que os demais estavam fazendo o mesmo, sem saber se tinham permissão para falar, com medo de fazer algo errado. O feiticeiro ficou feliz em constatar que, pelo menos por enquanto, Tamara não os estava atrapalhando e estava agindo com o mínimo de inteligência ao não afrontar os únicos aliados que tinham.

"Vocês devem ter muitas perguntas, meus filhos," disse Tanana, sorrindo. "Sintam-se livres para fazê-las, estamos aqui para responder mais do que questionar."

Bom, isso era um avanço, mas, ainda assim, Gold não estava certo de por onde deveria começar. Ele tinha muitas perguntas.

"Vocês deviam saber que chegaríamos, pois tinham tudo pronto para nos receber," disse Belle após um momento, e Gold sorriu diante da velocidade de raciocínio dela, orgulhoso. "Como vocês sabiam que viríamos hoje? Como sabiam que nos aliaríamos a vocês?"

"Nós sabíamos que alguém importante chegaria à ilha em um momento próximo," foi o chefe quem respondeu. "A Terra do Nunca está intimamente conectada ao Pan e estava se preparando para a chegada de vocês, como que prendendo a respiração. Nós estamos aqui a tempo o bastante para conhecer a ilha e percebemos que algo importante em breve aconteceria e, por isso, montamos guarda em todo a extensão da ilha, tomando cuidado para que os Meninos de Pan não nos vissem."

"Vocês não sabiam que seríamos seus aliados?" Gold perguntou.

"Não, mas tínhamos esperanças," disse Powhatan, com um sorriso. "Embora o seu grupo seja muito mais do que o que esperávamos."

"E o que vocês esperavam?" Retrucou Gold, com azedume. Ele era um mestre em dar respostas que não necessariamente respondessem às questões daqueles que perguntavam e sabia que Powhatan não estava lhes contando tudo de uma vez. Aquilo era um teste.

"Esperávamos o coração do verdadeiro crente," Tanana respondeu seriamente enquanto Powhatan lançava a Gold um olhar risonho, como quem soubesse que havia sido descoberto. "Esperávamos por ele."

Tanana apontou para Henry, que a encarou incrédulo. O coração do verdadeiro crente, Gold nunca ouvira falar daquilo em todos os seus anos de vida e, ainda assim, naquele lugar onde a crença era a coisa mais importante, fazia muito sentido.

"O coração do verdadeiro crente é algo mágico poderoso, principalmente na Terra do Nunca," continuou Tanana. "Pan o tem buscado há muito tempo e, quando sentimos que a ilha estava entusiasmada, percebemos que provavelmente ele o havia encontrado."

"O que é coração do verdadeiro crente?" Perguntou Henry. Gold percebeu o tom de medo na voz do garoto e não o culpou. "Quero dizer, o que ele realmente é? O que ele faz?"

"O coração do verdadeiro crente é exatamente o que o nome dele diz: um coração de alguém que realmente acredita," respondeu Tanana. "Sobre o que faz: o coração é o motor da magia em qualquer mundo e, na Terra do Mundo, a crença é de fundamental importância para que ela funcione. Você tem um poderoso coração batendo em seu peito, menino, e Pan o deseja para si."

Henry engoliu seco. Saberia Pan que o coração que tanto desejava pertencia ao neto de Gold? Conhecendo-o, o feiticeiro tinha a sensação de que a resposta era afirmativa, mas a dúvida persistia.

"Não se preocupe, você está seguro entre os nossos," disse Powhatan. "Temos barreiras poderosas, lutamos com Pan e seus Meninos Perdidos há mais de um século. Além do mais, as fadas são as nossas aliadas contra eles, e, se existe um poder maior que o de Pan nessa ilha, é o das fadas."

"Por favor, tudo o que desejamos é voltar ao nosso mundo," disse Belle, em um tom de voz rouco. "Nós agradecemos a sua hospitalidade, mas a família de Henry deve estar fora de si de preocupação, precisamos levá-lo de volta."

Tanana e Powhatan se olharam rapidamente, e Gold não gostou do olhar preocupado dos dois quando eles se voltaram para Belle.

"Existem poucas formas de saída da ilha e quase todas estão na posse de Pan," disse Powhatan.

"Quase todas?" Perguntou Belle, exasperada.

Powhatan sorriu suavemente, mas a preocupação ainda não abandonara seus olhos. Ele parecia depender da partida deles tanto quanto eles próprios, e Gold não entendia o motivo por trás daquilo e temia perguntar.

"Sim, acabamos de adquirir antes de Pan o único outro modo de sair dessa ilha: ele," disse o chefe, apontando para Henry. "Com um coração como o dele, o menino pode fazer o impossível, pode criar um portal usando apenas o poder do acreditar e um pouco de pó das fadas."

O silêncio pairou na cabana por um longo tempo depois do comentário de Powhatan. Sim! Finalmente fazia sentido; finalmente, Gold compreendia o motivo pelo qual eles estavam sendo tão bem recebidos entre aquelas pessoas: eles também estavam presos ali, eles também desejavam sair daquela ilha infernal e Henry era a única porta de saída.

Sim. Tudo tinha um preço! Gold estava aliviado por finalmente descobrir o preço que suas vidas havia lhes custado e, para a sua surpresa, achou que os termos eram justos. Sim, aquele era um acordo que ele teria feito sem nenhuma dúvida.


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Notas finais do capítulo

De novo, muito obrigada pelos comentários que vocês deixaram. Estou muito feliz pela história estar agradando vocês.

Desculpe ter demorado mais do que o normal para atualizar essa semana. Tem sido uma semana bastante maluca para mim.

Espero que tenham gostado.

Não deixem de continuar comentando, sim? *___*