Os Olhos do Demônio escrita por Bacon


Capítulo 2
I


Notas iniciais do capítulo

Yaaaay, primeiro capítulo! 8D Espero que gostem e boa leitura ♥



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Trip acordou na escuridão, com uma intensa dor de cabeça e um mau humor indescritível. Também não se lembrava do que acontecera nos últimos dois dias. Nem de sua última refeição, que era mais importante. Porque, céus, ele mal acordara e sua barriga já estava roncando feito louca.

Trip queria um doce. Um cupcake seria perfeito naquele momento. Um cupcake com massa de baunilha, coberto de glacê e enfeitado com aquelas gotas de chocolate coloridas. Sem esquecer, é claro, daquele mergulho básico em calda de chocolate.

Ah, sim. Isso sim.

Trip só se deu conta de que não enxergava nada quando não conseguiu tocar o maravilhoso cupcake que se formara no breu de sua visão. Ah, cara, pensou ele consigo mesmo, o que fizeram comigo dessa vez?

Respirou fundo e, torcendo para que houvesse alguém na enfermaria — isso é, supondo que ele realmente estivesse na enfermaria —, se revirou na cama, grunhindo. Para sua satisfação, ouviu um suspiro logo em seguida, acompanhado do toc toc de sapatos de salto alto contra o chão de mármore. Após um breve momento, durante o qual Trip conseguiu distinguir o som de grafite deslizando sobre uma folha de papel, uma voz feminina ordenou:

— Sente-se.

E Trip se sentou. Um calafrio percorreu seu corpo quando ele sentiu o metal gelado de um estetoscópio na pele desnuda de suas costas, depois na de seu peito. Após mais grafite ter sido deslizado sobre mais papel, a enfermeira disse:

— Vou tirar sua venda, certo?

Ah, ele estava vendado. Nem havia percebido.

Trip assentiu com a cabeça e esperou que os dedos finos da enfermeira o livrassem daquele pedaço chato de pano. Porém, mesmo antes que ele abrisse os olhos, uma onda extremamente desconfortável de luz o atingiu, e ele fez uma careta, pondo a língua para fora.

— Abra os olhos devagar.

Depois de um tempo criando coragem, Trip obedeceu e, num primeiro momento, tudo o que viu foi a moça de cabelos desgrenhados a sua frente. O problema é que estava tudo muito azul e embaçado. E de ponta cabeça. Trip piscou algumas vezes e depois esfregou os olhos com força, visto que simplesmente piscar não fizera efeito algum. E tudo o que ele conseguiu foi... nada. Tudo continuava azul, de ponta cabeça e embaçado. Mais embaçado.

Ele bufou, impaciente, e mirou o rosto desfigurado da enfermeira, que tirava algo de um dos bolsos do jaleco.

— O que vocês fizeram? — indagou o ruivo, com a voz um pouco rouca devido à falta de uso.

A enfermeira o encarou, pasma por um instantes após tê-lo ouvido falar por livre e espontânea vontade. Trip não era muito de falar, e as pessoas às vezes esqueciam que ele tinha tal habilidade.

Logo que recuperada do susto, ela ligou uma pequena lanterna, segurou o queixo de Trip para que ficasse parado e jogou a luzinha contra seus olhos para testar seus reflexos. Vendo que não havia nada particularmente errado, a moça o largou e jogou a lanterninha de volta a um dos bolsos.

— Foi uma reposição de globos oculares.

Trip resistiu à urgência de gritar. Aquilo não podia estar certo. Ele não ouvira direito. Haviam trocado seus olhos? Isso lá era possível? E por que diabos fizeram aquilo? Já haviam feito de tudo com Trip e as outras crianças. Testados drogas. Avaliado suas reações a alucinógenos. Hipnose. Havia boatos de que algumas pessoas haviam sofrido lobotomia. Mas olhos?! E por que logo os meus olhos?!, gritou Trip dentro de sua própria mente.

— Não faça essa cara — resmungou a enfermeira, estalando a língua e suspirando profundamente. — Foi para o seu bem. E sinta-se grato por não ter havido nenhum problema durante a cirurgia.

Ele respirou fundo.

— Tá tudo azul, embaçado e ao contrário. E eu tô ficando enjoado.

— Vai passar em algumas horas, o enjoo. Mas você vai continuar a enxergar assim por mais um mês, aproximadamente.

Trip cerrou os punhos e trincou os dentes. Ele já estava cansado daquilo. Estava cansado de ser um brinquedinho. Cansado de valer tanto quanto um mero rato de laboratório. E estava mais cansado ainda de ainda reclamar consigo mesmo e não poder fazer absolutamente nada a respeito!

Então, agora, ele faria — ou tentaria. Trip sabia que aquilo não daria em nada, mas, mesmo assim, adorava dar mais motivos para que as enfermeiras o odiassem. Então, ele respirou fundo mais uma vez e relaxou os músculos do rosto, desfazendo sua carranca. O embaçado de sua visão já não estava mais tão forte, e ele reconheceu a enfermeira a sua frente como aquela que o chamara, junto de mais três colegas, para a cirurgia, alguns dias atrás.

Bom. Ela não era das mais ágeis.

Infelizmente, quando Trip lançou-se para frente para acertá-la, não encontrou nada mais que ar e, perdendo o equilíbrio, bateu o rosto no colchão, esmagando seu nariz contra as almofadas. Soltou um resmungo de dor, sem preocupar-se em se levantar novamente.

Ao mesmo tempo, a enfermeira arquejava e se afastava do menino. Mas antes que ela pudesse fazer qualquer coisa, como chamar um segurança, uma voz ecoou pelas paredes. Um choro, para ser mais exato. No começo, era algo baixo, apenas puxadas de ar para alimentar soluços. Depois transformaram-se em gritos.

Ah, então estavam num quarto compartilhado, Trip concluiu. Me arrancam os olhos e nem pra eu ter meu próprio quarto. Como eu odeio essa gente. Trip bufou e olhou ao redor, tentando distinguir formas e rostos em meio à confusão azulada que era sua vista. Mas até que conseguiu alguma coisa; à sua direita, ele percebeu, havia uma segunda cama, sobre a qual se deitava um segundo menino. Seus cabelos eram de um azul um pouco mais escuro que o dos cobertores, e Trip deduziu que eram, na realidade, louros. Era difícil distinguir suas feições, estava muito longe. E a faixa que cobria seus olhos, ainda, não ajudava muito. Mas, com um pouco de atenção, era possível perceber que o tecido parecia manchado em algumas regiões. As manchas eram de tom azul marinho, e a única coisa à qual Trip conseguiu relacionar foi sangue fresco. Um calafrio percorreu sua espinha quando ele percebeu que o garoto era Virus.

Ele gritava e se contorcia, jogando a cabeça para trás e para frente como se para afastar algo. Às vezes se virava para um lado da cama, depois para o outro, abraçando-se e chutando o ar. Uma outra enfermeira se aproximou de Virus e tentou imobilizá-lo na cama, segurando — ou tentando segurar — seus braços.

Era uma cena estranha. Virus, antes com aquele seu sorriso frio nos lábios e olhos calculistas sempre atentos aos menores detalhes, agora tão vulnerável e frágil. Trip até poderia achar a cena cômica se não estivesse tão assustado com toda aquela situação. Sim, ele estava assustado. Afinal... O que seria de assim tão terrível para quebrar aquela máscara de gelo?

Aproveitando que a enfermeira a sua frente estava distraída, Trip pulou da cama — xingando mentalmente suas pernas por estarem ridiculamente fracas e trêmulas — e se aproximou da cama de Virus para tentar vê-lo melhor. Mas perdeu o equilíbrio e caiu no meio do caminho. Se orientar com as coisas de ponta cabeça eram ridiculamente difícil. Mas não desistiu de tentar; ele veria (ou quase isso) o que estava acontecendo mesmo que tivesse de se arrastar para isso.

Quando enfim chegou perto da cama, percebeu que o outro garoto estava tremendo, com o corpo rígido e esticado, parecendo congelado. As bordas da venda que cobria seus olhos pareciam úmidas e, apesar de o mundo continuar todo azul, Trip tinha certeza de que Virus estava pálido como uma folha de papel. Seus lábios ressecados murmuravam dói dói dói dói incansavelmente, como se isso pudesse parar a dor.

Trip não sabia o que fazer. Ele pensou em estender a mão e tocar o mais velho — mesmo sem saber como aquilo ajudaria —, mas logo vieram uma enfermeira e um guarda que o arrastaram para longe da maca de Virus.

— Larga — ele rosnou, mas, como era de se esperar, foi ignorado.

O guarda o levantou do chão, segurando-o por sob as axilas, e o jogou de volta a sua maca, pressionando seus ombros para que o impedisse de se debater muito. Em poucos instantes, Trip sentiu uma agulha grossa penetrando a pele de seu pescoço, e um líquido foi introduzido à sua corrente sanguínea.

Ah, não, resmungou consigo mesmo, dentro de sua cabeça. Soníferos de novo, não.

Trip odiava quando lhe injetavam soníferos, anestésicos ou mesmo substâncias paralisantes. Não era como se ele fosse um animal raivoso. Ele nem havia socado a enfermeira como planejara. Ele tentou, é claro, mas não havia dado certo.

Como eu odeio esse lugar, foi seu último pensamento antes de adormecer. Mesmo assim, o que dominava sua mente não era seu ódio pelas pessoas daquele lugar. Era uma pergunta. Por que Virus chorava tanto, bem ali, ao seu lado?


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram? Por favor, comentem ;w; Adoraria saber o que estão achando ♥

O capítulo foi curtinho e não tenho certeza se eles se manterão por aí, nessa média, ou se vão começar a crescer qq Geralmente, nas minhas outras fics, os capítulos vão crescendo, mas não tenho certeza... enfim.

É isso. Até o próximo! 8D