Quando a Chuva Encontra o Mar: Uma Nova Seleção escrita por Laura Machado


Capítulo 103
Capítulo 103: POV Beatriz Biersack




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Assim que nos deixaram sair, eu corri escada acima, louca para deixar aquele esconderijo para trás. Eu não sabia onde Charles estava, mas eu sabia que ele não estava ali. E eu precisava ver se ele estava bem, se tinha acontecido alguma coisa com ele.
Mas, mais que tudo, eu precisava ver se ainda tinha alguma chance.
Eu tinha me convencido de que não ia perder essa seleção de jeito nenhum. Era o que eu queria, de verdade. Eu precisava acreditar que eu teria, pelo menos uma vez na vida, um final feliz. Mas eu já estava cansada. E ver o desespero dele por causa desse sequestro da Gabrielle só me cansava ainda mais. Eu não aguentava ter que lutar pela sua atenção, não na desvantagem em que eu estava.
Se pelo menos Gabrielle sumisse, ou pior, se ela...
Não, eu nem queria pensar naquilo. Nenhuma seleção no mundo valeria aquilo! Eu odiava perder, mais do que tudo no mundo. Eu odiava pensar que não tinha mais nada que eu pudesse fazer para conseguir aquilo que eu queria TANTO. Mas eu não me deixaria nem pensar aquilo. Eu não queria perder a seleção, mas queria muito menos perder a mim mesma. Eu teria que engolir o amargo, teria que superar. Teria que aceitar. Mas tudo aquilo seria bem mais fácil do que desejar tanto mal a alguém que nunca tinha feito nada para mim.
Mas o amargo era grande. E não seria fácil, não seria simples eu deixar tudo aquilo para trás. Eu queria Charles comigo, eu sabia que ele conseguiria me fazer feliz! Ele era bom, ele tinha um coração enorme. Ele nunca me machucaria, nunca faria nada de ruim para mim. Eu precisava de alguém como ele, que me deixasse segura, que me fizesse feliz! Será que ele não entendia isso? Seria que ele não via que eu precisava dele? Não como Gabrielle, mas eu precisava mesmo assim! O que seria de mim lá fora, de volta ao mundo? Eu seria para sempre conhecida como a perdedora. E eu teria que voltar para a minha província, só para olhar nos olhos de Noah e ter que encará-lo.
Eu já o podia imaginar, sorrindo feliz, com a sua namorada em seu braço, rindo de ter ganhado de mim. Não só ele tinha me traído, como eu não conseguia fazer ninguém se apaixonar por mim. Eu seria uma grande perdedora, em todos os sentidos que me incomodavam tanto!
Eu queria sair logo daquele esconderijo, eu queria encontrar Charles. Eu precisava ver em seus olhos se toda aquela sua preocupação era de amigo, era culpa de aquilo ter acontecido durante a sua seleção, ou se ele já tinha escolhido a sua rainha. Eu precisava entender se eu ainda tinha chances, se eu tinha só que lutar e que eu venceria. Ou se era a hora de aceitar que não tinha mais nada que eu pudesse fazer.
Mas ele não estava em lugar nenhum! Eu corri pelos corredores o máximo que pude, deixando para trás todas as pessoas que ainda estavam saindo do esconderijo. Nada lá parecia quebrado, nada parecia estragado. Não entendia porque nós tínhamos ficado escondidos, se não parecia ter acontecido muita coisa lá fora.
Eu estava quase chegando no hall de entrada, quando ouvi vários guardas entrando. Eu parei, meio no choque, e esperei que Charles passasse pelas portas. Até que um cara entrou e eu achei que era ele. Quase corri para abraçá-lo, mas logo Sebastian veio atrás, chamando-o de Thomas, e eu brequei de novo, dessa vez, a alguns metros de lá.
"Eu sinto muito, Alteza," o falso Charles disse, fazendo-lhe uma reverência.
"Não foi culpa sua, Thomas," Sebastian disse e lhe sorriu, meio triste.
Meu coração começou a acelerar, presumindo que aquilo significava que alguma coisa tinha acontecido com Charles.
O tal Thomas começou a andar na direção contrária no corredor, seguido de todos os outros guardas. E então Sebastian e Nina ficaram sozinhos. Eles ainda não tinham percebido a minha presença, e eu fiz uma menção de andar. Mas aí Sebastian se virou para ela, pegando seu rosto na mão, e eu entrei em pânico! Não era possível que aquilo estivesse acontecendo! Nina não podia estar tendo um caso com Sebastian, bem debaixo do nariz de Charles! E ela nem tinha me contato!
Eu me escondi atrás da primeira planta enorme que encontrei, tentando ver sem que eles me vissem. Eu não sei o que ele falou para ela, ele fez questão de cochichar. Só sei que depois ele beijou sua testa. Dava para ver, mesmo de longe, que ela queria mais. Ela levantou o rosto para ele quando ele se afastou, seus olhos brilhavam! O que só me deixava ainda mais inconformada! Não era possível que ela tinha passado por tudo aquilo, que ela tinha mesmo se apaixonado por ele, e eu, sua melhor amiga, não sabia!
Mas eles não conseguiram se beijar. Eles até começaram a se aproximar um do outro de novo, mas um barulho alto de alguém praticamente arrombando a porta fez com que eles se soltassem antes. Eles ficaram alarmados, olhando para a porta. De onde eu estava, não conseguia ver direito quem entrava, até que eles entraram e passaram pelo corredor, bem onde eu estava. Um, dois, três, quatro guardas, carregando Charles, desmaiado, seus braços e pernas soltos e balançando.
Eu não consegui me controlar, eu saí correndo atrás deles.
"O que aconteceu?" Eu perguntei, tentando acompanhar a velocidade que eles tinham.
"Ele levou um tiro," Gabrielle explicou do meu lado, me fazendo olhar para ela pela primeira vez.
"Gabbie, você tá bem!" Nina também tinha se juntado ao grupo com Sebastian.
"Onde você estava?" Ele perguntou, mas não ficou para ouvir a resposta.
Os guardas viraram o corredor e entraram por portas duplas brancas e ele os seguiu. Só que nós três fomos barradas por uma enfermeira.
"Vocês vão ter que esperar lá fora," ela disse, levantando as mãos para mim.
"Como assim? Eu preciso saber se ele está bem," eu falei, tentando passar por ela, mas outro enfermeiro me barrou.
"Nós precisamos de todo o espaço necessário para tratarmos dele," ele explicou, dando passos à frente, me fazendo recuar.
Eles praticamente nos enxotaram para fora, fechando a porta na nossa cara. Eu me estiquei para conseguir olhar pelo vidro e ver alguma coisa, mas Charles não estava no corredor, não tinha como eu ver o que eles estavam fazendo.
"A gente achou que você tava perdida!" Nina falava às minhas costas.
"Eu estava," Gabrielle disse e respirou fundo. Eu me virei bem na hora em que ela se apoiou na parede do outro lado do corredor e se deixou escorregar até estar sentada no chão. "Eu estava no píer."
"No píer? Mas nós fomos lá, nós te procuramos!" Nina exclamou, frustrada.
"Eu estava embaixo, na areia."
"NA AREIA, NINA! Por que você não pensou em procurar na areia?!" Nina falou para si mesma. "Desculpa, Gabbie, de verdade! Se eu soubesse..."
"Não tem problema, eu estou bem," Gabrielle a assegurou e Nina sentou do seu lado. "Mas se não fosse pelo Charles, eu provavelmente não estaria nada bem agora."
"Como ele não está?" Eu perguntei, olhando para ela e colocando minhas mãos na cintura. "Ele te salva, mas ele que sofre no final, não é?"
"Beatriz!" Nina me reprimiu, mas eu nem me virei para olhar para ela.
"É culpa sua que Charles está assim!" Eu apontei para a porta da ala hospitalar.
"Você acha que eu não sei?" Gabrielle gritou de volta para mim com mais raiva que eu esperava dela. "Você não precisa me lembrar, não. Eu sei. Eu sei que é culpa minha. Eu sei que se alguma coisa mais grave acontecer com ele, terá sido culpa minha! Eu que fui sequestrada, eu que precisava tanto que ele me salvasse! EU SEI!"
Eu não sabia bem como responder, mas eu ainda estava tão irritada, que não ia me dar por vencida. Eu dei um passo à frente, como se a atacasse, pronta para gritar com ela, mesmo que minhas palavras não fizessem sentido. Mas na hora em que fui abrir a boca, o rei e a rainha apareceram no final do corredor, andando depressa até nós.
"Gabrielle," a rainha disse, já indo até ela e a levantando, abraçando-a com toda a força.
Ela tinha passado o tempo todo comigo no esconderijo sem se preocupar em me confortar.
"Eu estou tão feliz que você esteja bem," ela disse, sem se importar com o cheiro nojento que vinha de Gabrielle.
"Eu estou, estou bem," ela repetiu. Eu não podia ver seu rosto, que estava perdido em meio ao cabelo ruivo da rainha, mas eu tinha certeza de que ela estava chorando. "Mas Charles-"
"Eu sei," a rainha se afastou dela e a segurou pelos ombros, mirando-a séria. "Ele vai ficar bem!"
"Mas é culpa minha-" Gabrielle tentou falar de novo, mas sua voz fraquejou em meio às suas lágrimas.
"Shh," a rainha fez para ela. "A culpa não é sua. Ele vai ficar bem, não se preocupe."
Eu abaixei a cabeça, quando percebi que ela também tinha seus olhos lacrimejando. Era muito estranho ver a rainha assim. Ela não estava bem, ela mal devia acreditar nas palavras que falava. Mas ela as repetia, quantas vezes fosse necessário para que Gabrielle acreditasse.
Assim que ela e o rei entraram na ala hospitalar, eles saíram correndo para ver Charles. Pelo vidro da porta, eu pude ver quando ela chegou na sala onde ele estava. Ela levou um susto com o que viu, se virando rápido para enterrar o rosto no ombro do rei, que a abraçou, apesar de parecer tão em choque quanto ela. E então Sebastian apareceu. Ele foi até eles e abraçou sua mãe também, olhando para onde Charles devia estar.
Eu senti minhas pernas fraquejarem quando vi aquela cena. E um nó enorme na garganta que me impediu de xingar Gabrielle mais algumas vezes, mesmo que seu choro estivesse me irritando demais.
Era como se todas as forças que eu tinha desapareceram. Eu comecei a andar até meu quarto, deixando Nina com Gabrielle para trás. Deixando o rei, a rainha, deixando Charles. Eu não queria ficar ali, eu não queria ver o que pudesse sair dali. O que quer que tivesse acontecendo dentro daquela ala hospitalar, eu não queria saber. Eu preferia ignorar.
Alguma coisa em mim parecia dizer que nada bom estava para acontecer. E eu prefiria fingir que nada tinha acontecido.
Eu entrei no meu quarto e peguei meu diário. Eu me sentei na varanda, mesmo na pouca luz, e comecei a escrever. Mas me faltavam palavras. Eu não sabia como colocar o que estava acontecendo em palavras. Estava tudo uma bagunça, tudo complicado. Eu não conseguia nem organizar meus pensamentos direito.
Então eu comecei a folhear meu diário, lendo o que já tinha acontecido comigo desde que eu tinha entrado ali. Eu reli o dia em que Charles e eu tivemos nosso primeiro encontro. E eu reli o dia em que eu tinha encontrado Noah me traindo.
Eu odiava que aquele dia fizesse parte do mesmo diário que a seleção. Ele não merecia tanta atenção, não merecia ter me afetado tanto. Mas eu não consegui me controlar. Eu reli alguns dias antes, quando eu não tinha ainda ideia do que estava acontecendo. Depois reli minha reação, lembrando da cena. Eu ainda a sentia em mim, como se tivesse acontecido ontem. E de repente, perder a seleção já nem me parecia tão fim do mundo assim.
Por algumas horas, eu me esqueci de onde estava, das dúvidas que tinha, da minha própria frustração. A tristeza que tinha enchido algumas daquelas páginas era maior, me lembrava de alguém que eu já não era. E eu comecei a entender que eu não precisava ser a escolhida, para ter ganhado alguma coisa de toda aquela experiência. Eu tinha ganhado esperança. E era o suficiente.


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