De castigo por duas semanas.

Sem ver TV, sem sair de casa, sem sobremesa, sem poder chamar meus amigos pra cá, sem quadrinhos e sem música. Além disso, vou ter que lavar o banheiro três vezes na semana, lavar a louça do jantar, varrer a casa e levar o lixo pra fora. Minha mãe decidiu que já tenho idade o suficiente para ajudar em casa e a partir de hoje oficialmente estou responsável por todas essas tarefas. Enquanto a May só ficou de castigo mesmo, sem sair de casa.

Faz dois dias desde que voltamos do hospital. Minhas férias já estão quase acabando e pelo visto não irei aproveitá-las como deveria. Às vezes eu só queria poder dizer a verdade pra minha mãe. “Ei, eu estava salvando a cidade da magia do caos e da desordem naquele dia” ou então “Eu quase morri pra salvar a cidade e o meu prêmio é ficar de castigo? ”

É evidente que o grande poderoso Shat escolheu a pessoa errada para selar as cartas e unir as tribos. Eu tenho apenas quinze anos e mal consigo lidar com minha vida pessoal, imagine ter que cuidar de doze cartas e tribos. Toda essa loucura está acontecendo na pior fase da vida de um adolescente e eu nem sei por que estou me preocupando mais com isso ao invés de me preocupar com as primeiras espinhas que estão aparecendo no meu rosto. Às vezes só queria ser um garoto normal com a minha vida pacata e sem graça como sempre foi. Mas só de pensar em nunca ter conhecido o Lucas, desisto na mesma hora de querer ser apenas um adolescente comum. Minha vida mudou completamente depois que ele apareceu e se for pra continuar ao lado dele, não me importo com o quanto ela ainda pode mudar.

Abro a gaveta da mesinha e pego as oito cartas que capturei. Passo uma a uma sobre meus dedos enquanto vou me deitando na cama para desfrutar dos meus primeiros dias de tédio do meu castigo.

— Os quatro elementos. — Digo olhando para a carta responsável pelo cálice. E é a primeira carta que capturei. — Super força. — Falo passando meu dedo na carta da mulher e do leão. — Paixão e Sono. — A carta do anjinho estava no meio das outras. — Brilho — Verbalizo olhando pra carta da mulher e da caixa. — Correntes da justiça. — Essa carta me lembra a véspera de Natal maluca que tivemos. — O louco... — Digo separando essa carta das outras. — ...E a Imperatriz. — Separo essa também ao ver a verdadeira forma da Clarinha na carta. — O que essas duas cartas fazem?

Observo atentamente as duas recém capturadas cartas e reflito em qual podem ser suas verdadeiras habilidades. O louco deixa as pessoas loucas ou é capaz de tornar a cidade em um completo caos? E a Imperatriz? Será que ela só serve pra fazer as mulheres engravidarem ou é capaz de fazer vários bebês nascerem no mesmo dia?

Aff — Reclamo em pensamento — Se forem essas suas funções, aposto que vão ser inúteis em batalha.

Só de pensar que o maligno Anark está à solto por aí pronto pra me atacar novamente, me sinto impotente.

Anark foi o responsável pelas mortes de Lucas, e a possível razão pela qual não consigo capturar as dozes cartas. Se quase não fui capaz de parar uma de suas maldições, imagine se eu o enfrentar cara a cara? Só de refletir nessa hipótese, faço com que acidentalmente as cartas caem da cama, mas quando vou me abaixar para pegá-las, elas flutuam na minha direção e se posicionam na minha frente.

Sinto uma energia acolhedora emanar de todas elas e percebo que meus pensamentos estão todos afobados demais por medo do que Anark é capaz. Porém, agora é diferente! Consegui selar oito amuletos e estou à quatro passos de concluir minha missão, e não há nada que poderá me parar. E o melhor disso tudo, é que tenho meus amigos do meu lado e as cartas que já capturei me apoiam. Isso é incrível. É como se todas as cartas estivessem falando ao mesmo tempo palavras motivadoras para eu me sentir melhor, mas estão todas quietas flutuando apenas emanando essa energia.

Quando todos os meus pensamentos de gratidão invadem minha mente, as cartas retornam à palma da minha mão uma de cada vez até voltarem todas.

— Obrigado. — Falo enquanto seguro firme todas as cartas. E assim que me sinto melhor, saio do meu quarto e corro em direção ao quarto da minha prima. — Natália? — Digo batendo na porta.

Ouço o barulho de secador de cabelo desligando e passos caminharem na direção da porta. — O que foi? — Ela diz aparecendo na porta com uma escova de pentear nas mãos.

— Eu preciso da sua ajuda! — Respondo confiante.

— Em? — A ruiva questiona enquanto escova seus cabelos com certa delicadeza.

— Eu preciso que você me treine nesses dias de castigo para que eu possa ficar forte caso alguma ameaça de Anark apareça novamente.

A garota me lança um olhar de surpresa.

— Se eu conseguir controlar plenamente meus poderes, tenho certeza que nada poderá ficar entre eu e Lucas. — Digo quase automaticamente, mas me sinto envergonhado ao perceber que soltei isso na frente da garota. — E vou conseguir cumprir minha missão de anteposto de uma vez por todas. — Completo tentando abafar o comentário anterior, mas acho que não funciona.

Natália sorri com uma certa feição de psicopatia, o que combina bastante com ela. Só Deus sabe no que essa garota deve estar pensando, mas mesmo com um certo receio de refletir na bruxa me treinando, sei que ela é a mais experiente que conheço que possa me ajudar.

— Fico feliz que tenha vindo me procurar, Nash. — Ela diz invocando seu báculo — Se for pra chutar a bunda de Anark de volta pro lugar de onde veio... Eu te ensino até as magias mais proibidas que conheço.

Engulo em seco só de pensar na hipótese.

— Está pronto? — Ela pergunta sorrindo. Natália joga a escova de cabelo na sua cama e volta sua atenção pra mim.

— Sim! — Respondo. — Eu estou pronto!