A Primeira vez que rimos juntos escrita por Ped5ro


Capítulo 1
Sebastian


Notas iniciais do capítulo

"I can hear you through my window
But I'm never quite sure who is who
But they want the world on a dessert spoon

It always sounds like they're fightin'
Or as if that's what they're about to do
It might not hurt now but it's going to hurt soon." - It's Hard To Get Around



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/535920/chapter/1

— Estamos presos! – Kyle disse naquele tom impaciente que eu conhecia como ninguém. E mesmo sabendo o porquê da impaciência, que era o que mais me incomodava, as coisas podiam piorar em certos níveis. Níveis esses aumentados em cinco. Éramos cinco.

Convém dizer que nada mais autodestrutivo do que prender cinco adolescentes dentro de uma sala, no terceiro andar de um prédio escolar. SIM! Ficamos presos dentro da escola, não há nada pior!

— Você devia parar de dizer coisas óbvias, isso só faz você parecer mais idiota. – esse era o maior catalisador de problemas que a gente poderia ter, Mark. Ele estava sentado, com as costas apoiadas numa mesa tipo aquelas de secretárias, o capuz do casaco preto cobrindo, o que eu chuto, 80% do rosto e da pele muito branca dos braços, e com um dos fones no ouvido e o outro pendendo no ombro.

— Hey! Eu não falei com você! Porque você trata todo mundo assim? – Kyle perguntou à ele, o que era duplamente estúpido, primeiro perguntar à alguém que certamente tem uma ofensa na ponta da língua pra todos e segundo porque ele não iria responder realmente, não é como se “só porque estamos presos aqui por tempo indeterminado que vamos compartilhar nossos sentimentos mais profundos”. Então, Kyle só parecia estar confirmando a teoria dele de como era um idiota.

— Kyle, é só não dar bola! – eu disse o mais baixo que pude. Ele desviou os olhos do chão por dois pequenos segundos e olhou diretamente pra mim.

Kyle sentou numa das cadeiras, eu olhei a volta, aquela sala só era um pouco maior que meu quarto, possuía duas estantes, uma em cada parede, que iam do chão até o teto, abarrotadas de livros, uma mesa tipo secretária (a qual Mark estava encostado) e uma outra maior com 6 cadeiras. Os gêmeos Albert e Ryan, ocupavam duas delas, as mais afastadas da gente.

— As janelas, claro! – disse Albert se levantando de um pulo.

— Mas estamos no terceiro andar! – eu falei. Mas mesmo assim ele foi até a janela, abriu a persiana e constatamos que mesmo que não estivéssemos tão alto, as grades nos impediriam.

— Que droga de janela! Que droga de escola! – a janela era somente uma, uma enorme janela, praticamente ocupava quase toda a parede, era uma sala retangular, o que dava ainda mais a impressão do seu tamanho anormalmente grande para uma janela. Albert havia deixado ela aberta, o que esfriou bastante a sala, era um dia atipicamente frio, mesmo sendo 13:30 h e mesmo sem nenhuma nuvem no céu, os termômetros mais otimistas marcavam 12º ou 15º graus celsius. Ninguém fez nenhum movimento para fechar a janela, particularmente eu gosto de frio, mais ainda de dias “ensolarados-porém-frios-de-rachar-os-ossos”, soava como uma ironia e um sentimento de nostalgia. Caminhei até a janela e sentei no umbral, a brisa leve fazia dançar meu cabelo que por consequência fazia cocegas na minha nuca, sem querer eu sorri.

— Do que você está rindo? – Ryan perguntou com uma curiosidade infantil.

— De nada... De nada.

— Alguém sabe que horas vamos poder sair daqui? – Mark perguntou

— O diretor Brown só deve voltar umas 18:00, se tivermos sorte alguém vem limpar a sala dele e então pode abrir a porta pelo outro lado. – Ryan disse se sentando de costas na parede, de frente para Mark, que o olhou de esguelha e voltou a fitar o chão e bater o pé no ritmo da música que ouvia.

Acontece que ficamos presos na “Sala de Reuniões”, o que naquela escola era sinônimo de “Sala do Sofrimento Perpétuo”, isso porque todas as notícias ruins eram dadas ali, ou então decididas. E era muito mal localizada dentro da sala da diretoria, como se fosse um anexo. Então se alguém tivesse que entrar ali, primeiro teria que passar pelo escritório do diretor Brown, e outro infortúnio era que a sala era a última do corredor, o que fazia dela quase que isolada acusticamente do resto do prédio. Só restava esperar.

14:30h

Se as horas passassem assim quando estivéssemos felizes, a vida seria uma festa. Mas não é, e estamos presos na escola. Na escola, então me pergunto “porque?”. Timothy Muller do quarto ano veio até nossa sala antes do último sinal tocar, disse “O diretor Brown quer falar com os dois depois do último tempo”. Kyle me perguntou se eu sabia o que poderia ser, respondi que não. Assim, a aula acabou e nos encaminhamos para a sala do diretor Brown, especificamente na “Sala do Sofrimento Perpétuo”. Fechei as pesadas portas de madeira muito escura, e logo que me virei, vi aquelas três figuras aos gritos, um minuto depois todas as vozes foram silenciadas pelo barulho do trinco, um tanto enferrujado da porta, sendo acionado. E aqui estamos, depois de 2 horas.

— Porque o diretor mandou vocês aqui? – perguntei ao Ryan, mas Albert respondeu.

— Por culpa desse... – e olhou para Mark serrando os olhos

— Guarde suas doces palavras. Chega de romantismo por hoje.

— Albert, para com isso. Já acabou... Aliás, não tem nada para acabar. – Ryan disse se levantando e se dirigindo na direção do irmão.

— Como pode você ainda defender ele?

— Albert, por favor! – ele disse fraternalmente. A expressão do outro se acalmou um pouco, então Ryan colocou a mão sobre o ombro dele e lhe segredou algo que não pude ouvir.

— Esse drama todo e ainda não sei porque estão aqui. – falei entediado.

— Discutimos, a dupla maravilha veio pra cima de mim gritando e o fortão aí acha que todo mundo tem que engolir as merdas que ele fala, o inspetor nos separou e mandou que esperássemos Carl aqui. – Mark se apressou a responder.

— Carl?

— Esse é o primeiro nome do diretor Brown – Albert falou se enervando de novo. Imagino que de duas uma, ou a família de Mark era íntima do diretor ou ELE frequentava regularmente a sala dele. Creio eu, que fosse a segunda opção.

O silêncio foi se alongando, assim como o tempo. Uma vez ou outra dávamos voltas naquela sala pequena, sentindo o cheiro de livros guardados, até que o final da tarde foi sendo anunciado pelo canto dos pássaros e o alaranjado que trespassava os vidros da janela inundando a sala.

16:30h

Albert havia juntado algumas cadeiras na tentativa de deitar confortavelmente sobre elas, o que não parecia estar funcionando porque ele se mexia muito, Ryan de pé com a cabeça encostada na parede e o olhar fixo em algum ponto neutro, parecendo perdido em qualquer pensamento. Eu de volta à janela, observando os movimentos, as ondulações das árvores, as sombras e a inquietação nas vozes lá longe, a cabeça de Kyle recostada no meu ombro também parecia ver o que havia do lado de fora, mas não percebia como eu, acho.

— Estou começando a ficar com muita fome. Que horas são? – Albert perguntou

— Quatro e meia – eu disse, me virando. – Também estou com fome.

— Onde será que foi parar todo mundo dessa escola? – Ryan falou bufando.

— A essa hora devem estar voltando do intervalo, não tem nenhuma sala de aula aqui nesse andar, só a maldita diretoria e o depósito. – Mark estava jogado no chão, de olhos fechados. E sempre com as mesmas palavras furiosas, mesmo que não insultasse ninguém, mesmo que não falasse nada, parecia sempre furioso. E pensando sobre isso, imaginei que bem possivelmente não fosse certa essa fúria, talvez nem ela fosse. Podia ser medo, todos temos medo. Medo é universal, e universalmente reagimos de formas diferentes, ele tinha raiva e eu... E eu o que? Como eu reagia ao medo? Como será que Kyle reagia aos seus medos? E Ryan e Albert? E se temos medo, de que tememos? Eram perguntas demais para tão pouco tempo.

— Logo hoje, Caren já deve estar achando que eu sou um idiota. – Kyle falou bem próximo de mim. Caren, sempre Caren, eterna Caren. Caren era um nome, um nome que possuía corpo e alma, Caren era um desejo, um estado de espírito, Caren era uma paixão. Kyle gostava dela fazia algum tempo, ela gostava dele fazia um bom tempo e eu a notara desde sempre, mas ninguém nunca saberia disso. Esse é o problema dos desejos, dos anseios, a gente não pode controla-los, e daí que eu gostava dela? Mesmo assim, gostar de alguém não muda nada, somente a nós mesmo. E o outro continua lá, tendo as próprias insatisfações e esperanças, se eles se gostavam não me sinto no direito de culpa-los, embora pudesse, embora eu quisesse praguejar e amaldiçoar os céus e Terra. Era eu que estava de espião o tempo todo, o que entra sem ser chamado. E tudo bem ser assim, estar desse jeito, todos passamos por isso, sofremos danos, mas nos reparamos. Por enquanto, eu só estava sendo atacado. E sejam abençoados os que ignoram o amor por não saberem o que ele é, e os que amam sem saber o que vão sofrer depois. Queria eu ser o ignorante de alguns anos atrás, não saber o quão infinito é o Universo, não saber que estamos girando todos os dias nesse planeta, e não saber que ele é imensamente pequeno se comparado a tantos outros, não saber que trabalhamos e vivemos no esforço de dar algum sentido a nossa forma de vida insignificante, e a cada instante não ter a ideia doentia de suicídio porque não há nada que vá fazer diferença, se daqui a umas décadas ou milênios outra galáxia se chocar contra a nossa, tão pouco outro planeta ou cometa qualquer.

17:20h

— Mas que tipo de ser doentio faz isso? – Ryan conversava com Kyle.

— Um monte de gente, dizem que ajuda no organismo, aumenta a resistência. É o que dizem! – Kyle respondeu. Nada mais pitoresco do que o tédio pra invocar das profundezas da mente os assuntos mais grotescos existentes. Os Gêmeos (que é como quase todo mundo chama os dois, por mais que eu não goste, acabou pegando até em mim) jogam futebol, e parece que Kyle ouviu falar que alguns da liga nacional bebem a própria urina, e perguntou se algum deles fazia isso.

— Isso é errado de maneiras tão diferentes. – disse Albert rindo um pouco.

— Se isso sai do seu corpo com certeza não tem que voltar. É o que eu acho. – falei. Olhei para Mark, ele parecia atento na conversa, mas dessa vez sem dizer nada. Só olhava. Ryan sempre se dirigia à ele quando ia dizer alguma coisa, embora ele nunca respondesse nada e nem participasse da conversa.

Kyle que estava do meu lado no chão, levantou e voltou a abrir a janela que havíamos fechado por causa do vento forte. A sala foi tomada por um tal tom alaranjado, que não parecia real. Me levantei e me debrucei ali junto com Kyle, que fechou os olhos. Também fechei os meus, e parecia que de repente minhas pálpebras eram transparentes, mesmo que eu não pudesse ver nada, era o mesmo tom de laranja. Assim que os abri, olhei o pequeno gramado com cerca muito baixa lá no térreo, o limite do terreno da escola. Uma figura muito pequena apoiada na cerca, fumando o que parecia ser um cachimbo, era o zelador. Comecei a gritar pedindo ajuda, cruzando os dedos para que ele conseguisse ouvir, já que corria o boato de que o zelador era surdo de um dos ouvidos por causa da guerra. Kyle também o avistou e balançou os braços, logo todos estavam se amontoando na janela gritando e sacudindo os braços pela grade. De início ele olhou para os lados do terreno, até que indicamos para onde devia olhar “ aqui pra cima”, colocou uma das mãos na frente da testa, como uma aba de boné, parecendo que isso o fazia enxergar melhor, vimos aquela cara carrancuda nos encarando. E não entendemos se ele compreendeu que precisávamos de ajuda pra sair dali quando ele calmamente saiu da nossa vista mancando um pouco de uma das pernas.

— Será que aquele velho maluco entendeu a mensagem ou achou que a gente tava brincando? – Mark disse.

— Espero que ele chame alguém pra tirar a gente rápido daqui, porque se for no ritmo dele, a gente vai ter que dormir aqui. – Albert completou.

17:30h

O nervosismo era muito. Kyle esperava colado na porta e Mark tinha voltado a deitar no chão, no seu pessimismo, achando que o zelador tinha era se mandado pra casa e nos deixado ali, por mais algum tempo que não queríamos.

Mas então, o barulho de chaves fez silenciar toda a respiração na sala, então ouvimos ela girar e as portas correndo nos trilhos. Todos suspiramos e começamos a reclamar. Afinal, quem tinha vindo nos destrancar era o diretor junto com uma das faxineiras que tinha todas as chaves de todas as portas do prédio.

— Mas o que vocês vieram fazer aqui? – o Carl perguntou, colocando as mãos nos bolsos da calça, com a expressão plácida e misticamente relaxada.

— Esperamos você, A TARDE TODA. Essa maldita porta emperrou ou sei lá. – Albert falou pegando a mochila jogada. – Vem Ryan, preciso ir pra casa, tô morrendo de fome.

— Esperando por mim? Eu não chamei ninguém aqui!

— Como não? Vieram nos avisar pessoalmente hoje antes do último tempo. – Kyle falou com muita raiva.

— Não, isso não foi comigo. E mesmo assim, essa porta não se tranca sozinha, a chave que havia do outro lado sumiu, está com algum de vocês? – o diretor indagou.

— Claro que não! Senão não teríamos ficado trancados aqui todo esse tempo. – Mark parecia agora finalmente cansado. – Olha, eu só quero ir pra casa, não aguento mais ouvir a voz de vocês. Adeus!

E saiu. Peguei minha mochila e puxei Kyle pelo braço, assim como Ryan fez com Albert. Descemos correndo as escadas. As vozes das últimas crianças do turno da tarde se findando no longo corredor. Ao chegarmos no portão, curiosamente, olhamos um para o outro.

— Até amanhã! – Ryan disse, mais por educação.

— Duvido muito. – Kyle respondeu rindo ironicamente, não entendi o porquê.

— Até amanhã. – disse de qualquer forma. Albert deu um aceno de cabeça e os dois foram andando depressa na direção oposta a nossa. Kyle permaneceu em silêncio o caminho todo, sem reclamações, sem Caren, achei melhor assim. Fiquei imaginando como seria amanhã; Se no dia seguinte seriamos estranhos novamente um para o outro, logo então compreendi a razão da ironia de Kyle. E acho que dessa vez eu concordava completamente com ele. No dia seguinte seriamos simples estranhos, como se nada tivesse acontecido durante aquelas cinco longas horas, seria como em todos os outros dias anteriores.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Esse foi o primeiro capítulo, espero que tenham gostado. Queria muito saber o que vocês acharam, gosto muito de comentários e quem quiser conversar comigo estou a disposição. Até o próximo capítulo.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Primeira vez que rimos juntos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.