Royal Hearts escrita por Cams, Tamires, nat


Capítulo 30
Julian - Caos


Notas iniciais do capítulo

AAeeeee! Finalmente trazemos o reinício oficial de RH ♥ Demoramos um pouquinho mas já adianto que a qualidade e as emoções valem cada dia de espera!!!! Ficou um pouquinho grande mas acho que no final vocês nem vão se importar kkkkk
Cams



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Antes da tempestade houve a calmaria, mas em meio a tempos nebulosos tudo parece ser feito de caos e raios

Respirar a cada minuto era como respirar com farpas de vidro dentro dos meus pulmões, passando por cada veia do meu corpo e me cortando de dentro para fora. O coração acelerado, o suor em minhas mãos e os círculos escuros abaixo dos meus olhos indicavam que nada estava bem comigo, e por isso evitava as pessoas que poderiam se preocupar com esses pequenos detalhes.

Nas últimas semanas os ataques de ansiedade haviam se intensificado a cada novo acontecimento, briga, discussão ou até mesmo palavras mal ditas. Eu nunca soube lidar com essas situações, e aparentemente ninguém da minha família, por isso nunca me procuravam ou tentavam saber como eu estava quando me afastava por dias. E eu me encontrava num desses momentos. 

Estava preparado para mais uma maratona de livros e pequenos lanches na biblioteca, normalmente acompanhado por Charlotte, em seu silêncio acolhedor, quando uma criada deixou um bilhete da rainha em meu quarto.

“Hoje você não poderá fugir dos seus compromissos como príncipe novamente. Você já perdeu quase todas as festividades da Inglaterra, e não gostaria que perdesse da Nova África também. Espero você no café da manhã. Mamãe”

Com um suspiro de frustração deixo meu quarto antes que o restante dos nossos convidados desperte e vá para o Salão Principal. Iria sentir falta das conversas curtas e maduras que Char havia me presenteado nos últimos cinco dias, e o quanto me ensinou sobre não me importar com a opinião das pessoas ao nosso redor. Quase um mês se passou desde que as selecionadas chegaram ao palácio e descobrimos sobre o transtorno de Char, e a movimentação que fizemos para ela se sentir bem-vinda. Desde o seu diagnóstico de transtorno do espectro autista minha mãe procurou pessoalmente um especialista que a ajudasse, mantendo a discrição de todos no palácio. Sua mudança era notável mesmo com pouco tempo de consultas e conversas, levando a doce garota a abrir um pouco mais o seu coração para as pessoas de quem gostava, e nos últimos dias percebi que era uma delas.

Enquanto ela passava o tempo lendo sobre os países dos príncipes que estavam no palácio e realizando as pequenas tarefas ordenadas por Silvia, eu estava ao seu lado lendo livros sobre sua doença e dicas de comportamento. As vezes olhava com o canto dos olhos e via o sorriso em seus lábios com uma nova descoberta ou a delicadeza de seus dedos ao tocar uma figura impressionante. Esses gestos enchiam o meu coração de afeto e carinho, crescentes a cada dia. 

Eu sabia que esse pequeno paraíso que tínhamos criado não iria durar, mas receava que fosse cedo demais. Estar na biblioteca com Char me lembrava da vida antes da Seleção, sem as preocupações com o país e as brigas com meus irmãos, como era tudo mais fácil, e por um momento desejei que nada disso tivesse acontecido.

A lembrança da coletiva de imprensa com Celeste e todos os acontecimentos que se desenrolaram ocuparam a minha mente e me deixaram sem ar. Eu estava com lágrimas nos olhos e com a respiração entrecortada quando ouvi vozes se aproximando, me levando ao desespero de alguém me ver nesse estado. Com as mãos suando abri a primeira porta ao meu lado e entrei numa sala aparentemente vazia, mas com um olhar mais atento podia ver marcas de dedos na poeira e um caderno de desenhos com folhas amassadas ao seu redor no chão. 

O objeto captou minha atenção com as imagens que estavam ali; eu conseguia ver minha mãe e minha irmã em uma conversa íntima no Salão das Mulheres, algumas selecionadas conversando durante o café da manhã e meu pai, com a testa franzida observando tudo mas com a cabeça em outro lugar. Os desenhos eram incríveis, de uma forma realista, mas não exagerada. Eles captavam os sentimentos mais do que qualquer pintura que eu já havia feito ou admirado. Me encolho no chão apoiado no sofá para abrir os outros rascunhos que foram desprezados pela autora da obra, e o que vejo me faz esquecer por todo o conflito que estava vivendo.

À primeira vista não consigo distinguir se sou eu ou Shay, pois são desenhos inacabados, rascunhos e esboços, mas um deles contém nós dois ilustrados, conversando juntos no último café da manhã em que decidimos confundir nossos amigos trocando nossas personalidades. Contudo são nítidas as diferenças no desenho, e essa pessoa sabe exatamente quem é quem na atuação. No verso da folha há ainda uma gravação: “Enxergo vocês melhor do que a mim mesma, talvez mais do que vocês mesmos e talvez por isso esteja me apaixonando por você”.

A frase acelerou o meu coração e o suor frio na palma da minha mão retornou, mas o sentimento de invasão dominou todos os meus sentidos. Eu estava no esconderijo de alguém, vendo resquícios da alma e de um coração perdido enquanto eu mesmo não sabia como lidar com os meus próprios sentimentos e lidar com meus problemas cada vez maiores. A pressão que instaurou nos meus ouvidos me impediu de perceber que alguém se aproximava, até que estivesse de frente para mim. Julieta me olhava com os olhos arregalados, dividindo seu olhar entre mim e os desenhos ao meu redor.

— O que você está fazendo aqui? – Questiona enquanto retira os papéis da minha mão e guarda seu caderno seguro em seus braços

— Eu poderia perguntar o mesmo para você, mas já percebi que sou eu o invasor do seu

recanto secreto. – minha voz sai mais amarga do que eu gostaria, provavelmente pelo fato de estar decepcionado por ser uma das pretendentes do meu irmão estar apaixonada por ele.

— Não é mais secreto já que você o achou, e na verdade nunca tive essa intenção. Apenas queria um lugar onde pudesse fugir de todos que vivem aqui.

—Vemos que possuímos isso em comum. E sinto muito por olhar os seus desenhos, mas preciso reconhecer que eles são muito bons. – Digo com sinceridade. Minhas últimas palavras pareceram amolecer o coração da garota, deixando-a mais confortável comigo para se sentar ao meu lado, sem muitos escrúpulos.

— E do que você está fugindo afinal de contas? De todos os problemas que você causou? – ao dizer isso Julieta se arrepende imediatamente, cobrindo a sua boca murmurando um pedido de desculpas.

—Sabe o que é mais interessante? É que todas as decisões que tomei sobre minha irmã foram pensadas no bem dela, com boas intenções, e infelizmente todas deram errado, e minha família me culpa como se eu que estragasse tudo, e não outras pessoas influenciando seu caminho. Eu amo minha irmã e minha família, mas é difícil encará-los e ver seus olhares de decepção sobre mim.

—Jules, de boas intenções o inferno está cheio. Você fez o que era certo para você, mas passou pela sua cabeça que talvez suas decisões não fossem o melhor para Celeste? – Julieta diz, da forma mais calma possível, cravando em meu coração a faca que estava pairando sobre ele a dias. Sua fala foi um pouco mais direta do que a de Aaron, e com todas as angústias e solidão que estava sentindo não consigo impedir as lágrimas de descerem pelas minhas bochechas.

Julieta permanece ao meu lado enquanto coloco todas as minhas frustrações para fora, e em certo momento pega em minha mão e repousa sua cabeça em meu ombro. A sensação é a de que ficamos horas assim, até eu me acalmar e conseguir falar novamente.

— Você disse o que ninguém mais teve coragem de me falar esse tempo todo, então agradeço por ter me encontrado aqui. – Falo limpando as últimas lágrimas e tentando me recompor.

— Eu faria isso por qualquer um, e você já me ajudou num dos momentos mais difíceis que eu tive aqui no palácio. – Responde sorrindo timidamente para mim. Lembro então do dia em que a encontrei chorando numa outra sala pensando em desistir de tudo e como eu, com minhas péssimas piadas, a fiz rir e repensar em sua jornada por aqui.

— Se eu me lembro bem, eu fiz você rir com a minha ilustre presença, não chorar como uma criança no meu colo. – Digo rindo para ela. Mesmo em meio as risadas, seu rosto fica vermelho de vergonha, deixando-a mais encantadora e bonita do que já era.

Passado o momento Julieta volta a adquirir um ar sério, fazendo meu coração acelerar mais uma vez com a expectativa do que ela poderia dizer.

— Agora que você descobriu meu esconderijo secreto sinta-se a vontade de vir aqui respirar e talvez conversar comigo, mas acho que você já fugiu demais para uma semana. O que você acha de irmos tomar café? Porque não sei você, mas eu estou morrendo de fome! – Julieta estende a sua mão enquanto se levantava. Aceito com um pouco de insegurança, mas o calor e a pressão confortável de sua mão me transmitem a segurança que eu precisava para sair dali.

Andamos o caminho para o salão calados, num silêncio confortável para pensar nos meus problemas. Precisava arrumar alguma forma de me redimir com os meus irmãos, sem soar arrogante ou pretensioso. Precisava que eles me escutassem primeiro, antes de virarem as costas para mim e para minhas desculpas.

Entrando no Salão Principal com Julieta ao meu lado percebo que minha tarefa será muito mais difícil do que eu imaginava. Eu sabia que estávamos atrasados para o café, mas não imaginava que chegaríamos na metade da refeição. Cruzo toda a área com os olhos do Shay cravados nos meus, com um desgosto evidente em todo o seu rosto; Celeste não está muito diferente, mas não possui a raiva do meu irmão. Minha vontade é abaixar a cabeça e fingir que nada estava acontecendo comigo, porém meu orgulho mantém a minha cabeça erguida até sentar na ponta da mesa, ao lado da pequena Sara.

— Julian, você sabe que não pode roubar a namorada do Tio Shay né? – Sara me repreende antes mesmo de me dar bom dia. 

Todo o meu entusiasmo e positividade conquistadas com Julieta desaparecem, me mantendo calado e focado em despedaçar bolo a minha frente, sem comê-lo. A sensação que tenho é que trouxe um clima pesado para a mesa, contagiando um pouco todo salão, instaurando um silêncio perturbador. Aguardava apenas Maxon terminar de comer para ir embora dali, e até mesmo do palácio, mesmo sem a ajuda de Daniel. Sem foco, sem concentração, seria inútil tentar fazer qualquer coisa que não fosse ficar sozinho, e no mesmo instante já sei para onde quero ir, e quem eu quero levar.

A ideia me consome e agita o meu coração, me deixando inquieto e pronto para levantar, quando sou interrompido pela voz autoritária da minha mãe.

— Sente-se Julian. – O seu tom me assusta, e vejo que Shay tenta esconder um sorriso de satisfação. Contudo, ao tentar sair da mesa também, é impedido pela rainha, me fazendo sorrir de prazer. – Quero conversar com todos vocês em particular. Você também Maxon. 

Em silêncio, seguimos America até o gabinete do rei, dispensando todos os guardas num raio de vinte metros de distância da porta. Consigo controlar meu nervosismo o suficiente para sentar, no que meus irmãos ficam em pé me encarando, assim como o meu pai. Minha mãe senta calmamente na cadeira do rei, tendo Maxon em pé ao seu lado, que aparenta não saber o que significa aquela reunião. Com um suspiro, America deixa a postura de rainha de lado, e vejo em seus olhos toda a preocupação de uma mãe.

— Eu chamei vocês aqui porque estou preocupada com meus filhos. Vocês tentam esconder seus segredos de mim, fugir dos nossos encontros, mas sinto que alguma coisa está errada. E eu cansei de fingir que está tudo bem para todos os nossos convidados. – minha mãe tem os olhos cansados, suportando um peso que não era seu e que a obrigamos a carregar. A culpa mais uma vez me consome e tenho vontade de chorar, e me resta piscar várias vezes para não demonstrar mais essa fraqueza. - Eu não consigo lembrar qual foi a última vez que vi vocês três rindo juntos desde que a Seleção começou, e percebem o quanto isso é grave? Esse era o momento em que deveriam se apoiar, falar de seus problemas, de pedir ajuda uns aos outros, pois estão passando por todas essas situações pela primeira vez e só consigo um silêncio desconfortável enquanto estão lado a lado.

Neste momento tenho coragem de olhar para Celeste e Shay, enquanto lembro de todos os momentos que passamos juntos. Nós três estamos desconfortáveis naquela situação, sem saber o que fazer além de encarar a dura verdade que minha mãe nos expunha e escutar o que ela tinha a dizer. 

— É por isso que tomei uma decisão difícil para todos nós. Vocês não vão sair dessa sala enquanto não fizerem as pazes uns com os outros, mesmo que isso demore o dia inteiro ou uma semana. E não é negociável. – America busca o olhar de Maxon em aprovação, no que o rei apenas concorda cabisbaixo. Vejo em seus olhos que não adiantaria nada tentar discutir, e eu já previa que ficaria muito tempo com meus irmãos ali. 

Nossos pais saem da sala sem dizer mais nada, deixando um Shay furioso e uma Celeste enraivecida comigo. Vários minutos se passam em silêncio, e nenhum de nós tem coragem de olhar nos olhos um dos outros, apenas escutando o bater do relógio e a movimentação convencional do palácio. Tento várias vezes começar a me desculpar e em todas falho miseravelmente, suando a palma das mãos e desenvolvendo uma dor de cabeça de tanto raciocinar. Resolvo andar pelo escritório, sem objetivo e com isso consigo dispersar a energia que estava guardando e reúno o fio de motivação que precisava para falar.

— Eu não sei bem como começar a pedir desculpas, mas gostaria de dizer que tudo o que irei falar é do fundo do coração. Eu...

— Você poderia começar pedindo desculpas por me oferecer como moeda de troca. – Celeste interrompe com uma voz amarga, levantando de supetão.

—  Ou talvez por ter me feito mentir para a minha própria irmã sobre os seus problemas. – Shalom completa, andando em direção a Celeste

— Ah! Poderia ser também por ter arranjado um encontro com um assediador para manter a imagem do país inabalável. 

— Acho que seria ainda melhor começar do acontecimento mais recente: chegar misteriosamente no Salão Principal com uma candidata a minha esposa! – meus irmãos agora estão lado a lado, como uma dupla contra mim, de braços cruzados e me julgando. O meu sangue sobe a cabeça e eu despejo tudo o que eu estava sentindo.

— Ah é? Eu não sou o único errado nessa história toda não. Eu sei que eu errei, mas não fui eu que escondi dos meus irmãos que eu beijei Lucca e quase beijei Daniel nos últimos dias. E não fui eu que fiz garotas chorarem simplesmente pelo prazer de vê-las sofrer. Ah, e ainda teve o fato de vocês também fugirem de suas obrigações pelo simples prazer de fugir, e EU que tive que lidar com todos os problemas sozinhos. Posso ter sido arrogante em minhas escolhas, mas pelo menos não fui egoísta. - a última palavra sai como um tapa, e vejo que despertei a fúria guardada a tanto tempo em meus irmãos. 

— Julian, você me vendeu por um bocado de milho, isso é imperdoável!

— Como você pode pensar em Daniel no meio de uma seleção com vários príncipes Cel...

— Eu tentei fazer o que eu podia com a ajuda que eu tinha!

— Seu desrespeito com as pessoas atingiu o nível máximo Shay. Escuto as meninas reclamando o tempo todo de você.

— Pelo menos eu demonstro algum tipo de emoção pelas minhas candidatas, ao contrário de você Celeste.

— E você está errado Shay! Pelo menos o respeito você tinha que demonstrar por elas!

— Ah, me poupe Jules. Você sempre é o ser mais perfeito e cavalheiro da face da Terra, não é mesmo? Eu não suporto mais conviver com tudo isso, com toda essa cobrança e você do nosso lado nos mandando fazer coisas como se fosse o rei. E sabe de uma coisa? Você não é! 

Novas críticas estavam prontas para saírem da minha boca, mas o desabafo do Shay me pega de surpresa, e todas as coisas ditas começam a sangrar lentamente em cada um de nós. Ficamos calados por um bom tempo, tentando reunir os pedaços da destruição que nós causamos. Dói tanto que fico com a garganta apertada ao mesmo tempo em que meu coração parece a ponto de explodir. Celeste chora silenciosamente num canto da sala, e Shay está estranhamente imóvel.  

— Eu realmente não sei o que dói mais em mim nesse momento: ter escutado tantas coisas ruins de vocês ou tentar machucá-los da mesma forma. Eu só sei que eu também não aguento mais isso...

— Isso o quê? – Pergunta Shay com alguns resquícios de raiva em sua voz

— Tudo isso! Esse palácio, essas garotas que clamam por atenção e por decisões minhas, o conselho me importunando todos os dias sobre atitudes que precisamos escolher, e a pressão dos nossos pais por manter a ordem entre nós três! Vocês já tentaram se colocar no meu lugar em algum momento, mínimo que seja? Eu nunca fui o mais espirituoso ou o rebelde da família. Nunca trouxe leveza para a vida de vocês, ou até mesmo descontração. Eu tento fazer as minhas piadas para me aproximar de vocês, da minha família. Eu amo vocês acima de qualquer coisa, e os protegeria a todo custo, com a minha própria vida. E por causa disso, da minha normal seriedade, da minha preocupação com vocês, eu preciso ser o mais maduro, o mais sensato, e aguentar um fardo que eu não quero que vocês carreguem, não quero que vocês sofram, e que nossos pais me cobram por isso, em cada olhar, cada mensagem, cada diálogo longe de vocês. Sendo assim eu sempre tenho que tomar as decisões mais difíceis, mesmo que isso me deixe sozinho no final. 

Descarreguei tudo o que guardava no meu coração desde que me entendia por gente, e principalmente casos e escolhas que ocorreram depois da decisão de Amberly de sair do palácio e abdicar de seu posto de rainha. Os holofotes então ficaram apontados para os gêmeos, com 16 anos, e o início da preparação para o trono foi intensificada, requisitando maturidade onde antes haviam apenas dois garotos. Eu sentia o peso da juventude roubada, e de certa forma culpava meus pais por isso, por serem indiretamente causadores das minhas atitudes precipitadas e algumas vezes imorais. Agora, com vinte anos, os tempos que eu nunca vivi e o desgaste por tanta pressão cobravam o seu preço, e eu descontava tudo nos meus irmãos.

— Eu realmente sinto muito quando digo que me arrependi das escolhas que tomei, sobre vocês dois, mas principalmente sobre você Celeste. Nada dessa confusão com Lorenzo deveria ter acontecido com você, mas pelo menos pude notar algo bom nisso tudo. Eu pude ver que minha irmã cresceu. – admito resignado. 

Antes que eu possa notar, Celeste pula em meus braços e me aperta, com tanto carinho que é impossível eu conter a minha emoção. Eu apenas retribuo o abraço que sentia falta a mais tempo do que poderia imaginar. Mas, para a minha surpresa, quando Celle me solta, ela me dá um tapa no rosto, ao mesmo tempo em que sorri para mim.

— O tapa foi por todos os erros que você cometeu, mas o abraço foi muito mais importante irmãozinho. – Celle continua sorrindo enquanto pega na minha mão e alcança a mão de Shay também. – Vocês são meus irmãos, e eu nunca conseguiria ficar muito tempo sem conversar com vocês. Você errou sim Jules, e soube reconhecer o seu erro, e isso é o mais importante para mim. As pessoas erram, e por causa das posições que nós ocupamos as vezes temos a sensação de que não podemos fazer isso, que devemos ser seres perfeitos, para servirmos de exemplo para uma nação. Porém também somos jovens, e estamos aprendendo através de experiências como todos os outros jovens do mundo.

Não consigo me conter de alegria por ver a maturidade no olhar de Celeste. Ela tinha se transformado numa mulher incrível que qualquer país teria orgulho de chamar de rainha.

— E isso também vale para você Shalom. Você não é o Julian, e ele não é você. Ambos possuem suas qualidades e seus defeitos, e nossos pais reconhecem isso, quer você queira ou não. Contudo eu preciso te dizer algo: suas atitudes de diamante como algo indestrutível e impenetrável precisam mudar, nem que sejam aos poucos, caso você queira realmente conhecer a sua companheira de vida. Essas garotas precisam conhecer quem você é de verdade, quem a sua família conhece por trás dessa fachada.

— Concordo com Celle, Shay. Infelizmente essa é a nossa única oportunidade em conhecer a nossa futura noiva, então não podemos desperdiçar essa chance.

Com um suspiro de frustração Shay finalmente nos responde: - Por que vocês sempre que tem que estar tão certos? – Ele sorri tentando disfarçar o desconforto pela conversa. – Eu também já estava cansado de manter essa postura de bad boy 24 horas por dia. Vocês não imaginam o quanto isso é exaustivo! 

— Mas é sério Shay, mais do que nunca precisamos ser mais responsáveis, já que todos os holofotes de Illéa e talvez do mundo estejam direcionados para nós. – É assustador admitir isso em voz alta, mas ao mesmo tempo torna tudo mais certo e verdadeiro. 

Há uma longa pausa até que meu irmão volta a falar, e em alguns momentos era praticamente possível enxergar as engrenagens do cérebro dele trabalhando em um novo plano e no que viria a seguir.

— Eu sei que eu estou longe de me tornar um exemplo de pessoa, de irmão, porque sei que vocês fazem isso muito melhor do que eu...- eu e Celeste o interrompemos discordando, mas Shalom logo nos corta e continua a falar. – Caramba! Será que vocês podem me deixar falar com emoção? Deve ser a primeira vez que faço isso em anos e vocês dois ficam me interrompendo! 

Shay não está genuinamente bravo, pois notamos um sorriso em seu rosto, um sorriso de ansiedade misturada com emoção. Fico feliz por vê-lo se abrindo assim conosco, e me faço a promessa de não interrompê-lo novamente.

— Como eu estava falando, vocês são melhores exemplos do que eu em muitas coisas, e acho que eu posso aprender muito com vocês, e eu sei que também tenho minhas qualidades das quais seriam úteis para vocês. Portando gostaria de propor um acordo: a partir de agora vamos ser totalmente sinceros uns com os outros, e assim vamos saber nos ajudar, seja a fugir do palácio, a flertar com alguém ou até comandar um país. – Quando termina de falar Shay olha diretamente nos meus olhos, e essa é a primeira vez que vejo nele um orgulho de todo o conhecimento que eu adquiri no escritório, fazendo o meu peito inflar de satisfação.

— Mas e se não nos sentirmos confortáveis sobre o assunto e quisermos um pouco de espaço e privacidade? – indaga Celle olhando para as próprias mãos envergonhada.

— Podíamos ter um código para isso, caso estejamos na frente de outras pessoas. – sugiro animado. – Eu sei que é bobo, e vocês podem recusar é claro, mas o que vocês acham de Vitor Hugo?

— Da onde você tirou isso Jules? – Celeste pergunta rindo

— Vitor Hugo é o escritor dos três mosqueteiros. Então se a pessoa estiver desconfortável diz “Vitor” e o outro para dizer que entendeu e respeita, diz “Hugo”. Ai cada um podia ter um codinome dos mosqueteiros e quando precisasse urgentemente de ajuda precisaria apenas enviar um recado com o codinome respectivo. – Quando termino de falar estou quase saltitando com a minha ideia, que mesmo simples poderia funcionar muito bem.

— Nossa Jules, acho que essa é a pior melhor ideia que você já teve na vida! Mas gostei – meu gêmeo me dá um aperto de mão selando nosso pacto, seguido por Celeste. – Eu ainda tenho uma coisa para falar, se vocês não me interromperem novamente...

“Completando o meu raciocínio, todos nós precisamos de ajuda na vida como Um, e para piorar estamos no meio de uma Seleção, com um monte de gente querendo saber sobre nós e afins. Você mesmo disse Jules, que está sobrecarregado e tudo mais, e até mesmo eu me sinto assim quando decido ir trabalhar, e para a solução para nossos problemas está bem aqui na nossa frente.”

Demoro alguns segundos para entender que Shalom estava falando de nossa irmã, e ela demora mais ainda para entender suas intenções.

—Não, não não. Você não pode estar falando sério. – Responde incrédula. Mesmo com um terror espalhado pelo rosto noto um brilho de desafio em seu olhar e sei então que vai topar essa aventura.

— É simples irmãzinha, você é mais do que capaz de fazer tudo o que a gente faz, e tenho certeza que nossos pais vão aprovar a ideia, e seus príncipes também. – Shay afirma com um sorriso malicioso

— Você tem que concordar que todos eles ficarão loucos em saber que a princesa sabe tanto quantos eles sobre governança e que daria uma ótima rainha para seus súditos.

— Roubando as palavras do Shay “por que vocês sempre que tem que estar tão certos?” – Diz sorrindo de orelha a orelha. – Acho que já estava cansada de só organizar eventos e participar de aulas de etiqueta com Silvia.

— Não se esqueça de adicionar beijar jovens irresistíveis pelos cantos do palácio na lista Cel... – Shay a provoca, no fundo tentando descobrir o que realmente aconteceu, e como reação as bochechas de Celeste ficam mais vermelhas do que o vestido que usava.

— Vitor..? – Ela suplica olhando para a gente. Por um momento penso em insistir até saber a verdade, mas as vezes o que a gente mais precisa é de espaço para respirar e entender o que está acontecendo em nossos corações.

— Hugo. Temporariamente. Mais tarde conversamos sobre o que está acontecendo entre você e seu triângulo amoroso.  Agora eu tenho coisas mais interessantes para fazer – aviso me afastando dos meus irmãos.

— E aonde o senhor pensa que está indo? Você precisa me ajudar sobre as minhas novas funções! – Celeste está indignada comigo, e eu só posso rir.

— Encontrar algumas senhoritas maravilhosas para conhecer um pouco mais enquanto vocês dois fofocam e se organizam para contar para nossos pais o que decidimos. Fui! – Atravesso a porta rapidamente e a fecho no instante em que ouço um baque surdo atingindo a madeira, e no fundo consigo ouvir resmungos dos meus irmãos em protesto. Após muitos dias eu apenas ignoro os dois, mas de forma saudável, pois sei que irão fazer um excelente trabalho, e agora só me restava aproveitar o resto do dia de uma forma leve e divertida, coisas que não aconteciam a muito tempo em minha vida.

Acho que nunca estive tão entediado na vida. Quatro horas haviam se passado desde que me despedi dos meus irmãos e não podia estar mais arrependido. Meus dois últimos encontros tinham sido um desastre.

Enquanto espero a garota mais importante do dia chegar para fazermos algo que eu estava super ansioso, repasso tudo o que aconteceu nas últimas horas, para entender o que eu fiz de errado. 

Assim que saí do escritório passei em meu quarto e enviei uma mensagem para Luna tentando marcar um encontro, sendo simplesmente ignorado pela mesma. Não queria admitir, mas o seu silêncio doeu mais do que eu gostaria, me preocupando genuinamente. Uma semana havia se passado desde o incidente com os repórteres fazendo perguntas ardilosas para todos, principalmente para Luna, levantando questões sobre sua mãe e sua família que eu não sabia. Eu entendia que ela estava com vergonha, mesmo sem nenhuma necessidade, e seu afastamento não me dava a chance de esclarecermos as coisas e ficarmos bem.

Tentaria conversar com ela pessoalmente depois, com calma, talvez até fazer uma surpresa, e algumas já estavam passando pela minha cabeça. Minha segunda tentativa foi com Solaria, a garota sempre muito animada na qual nunca estive sozinho antes. Ela estava tão feliz em me ver, com as faces coradas e um sorriso sincero no rosto que decidi levá-la para um piquenique no jardim e um cinema romântico depois. 

Ser romântico era algo que não era nada natural para mim, então sempre pedia dicas para Amberly e America, para saber o que elas gostariam de fazer em um encontro, sempre me recomendando coisas relacionadas com comidas diferentes e um cinema para criar um clima de intimidade. Então a ideia piquenique + cinema não poderia dar errado, não é? Engano meu.

Os criados prepararam várias comidinhas da cidade natal de Sol e da Nova África para experimentarmos no almoço, debaixo de uma tenda cheia de almofadas, flores e tapetes para relaxarmos. Solaria ficou encantada com tudo, bem como com a comida, degustando um pouco de cada, e talvez sendo essa a origem do problema. Pouco tempo depois de comermos a garota fugiu para dentro do palácio passando mal, voltando logo depois como se nada tivesse acontecido. Faço questão de levá-la para a ala hospitalar, no que ela recusou com veemência, querendo continuar o nosso encontro. Passa a comer então coisas bem leves como frutas e tomar um chá como o almoço, e mesmo assim fico receoso de algo mais voltar a acontecer. Já no cinema, tudo preparado, um filme de suspense romântico, luzes apagadas e eu com as mãos suando de nervosismo já que era a primeira vez no cinema com uma selecionada. Não sabia exatamente o que esperar, mas definitivamente acabei tendo uma surpresa. Logo depois do filme começar, na parte introdutória da história, vou comentar com Solaria sobre os atores do filme e como gosto muito deles. Percebo que ela dormiu, e continuou assim até o final. Quando as luzes se acenderam Sol reagiu como se nada tivesse acontecido, tentando disfarçar o fato de que não tinha visto nada do filme com muita educação, me levando a reagir da mesma maneira mas sem muito entusiasmo.

Agora estava eu, sentado na escada, esperando a salvadora do meu dia para termos um encontro divertido e longe de todos. Me encontrava um pouco escondido ao lado do guarda-corpo e usando roupas totalmente fora do padrão príncipe: calça jeans, tênis, uma camiseta branca e um boné azul, que escondia meus cabelos ruivos. Dessa forma passei despercebido por várias pessoas, menos para os guardas, atentos à minha movimentação.

Em determinado momento passei a escutar vozes femininas se aproximando, e por um momento não tive certeza de quem era, mas sabia que era de alguém que eu conhecia.

— Um mês se passou e ainda estamos na mesma. As vezes eu tenho vontade de desistir de tudo isso, sabia? – Diz uma voz aborrecida

— É, eu também. – Concorda a outra voz de forma quase inaudível 

— Mas sabe o que mantém aqui? Aqueles príncipes maravilhosos que nos dão mais atenção que os príncipes de Illéa. – A primeira voz agora adota um ar sonhador, cada vez mais próximo de onde estou. – E para piorar, nos últimos dias Julian só teve olhos para aquela menina com problema mental. Eu não a suporto. Aposto que se faz de coitada para receber mais atenção do príncipe e de sua família.

Nesse momento as duas garotas aparecem em minha frente, prontas para descer as escadas, porém quando levanto, Louise e Taís estagnam no próprio lugar.

— Boa tarde senhoritas. – Cumprimento solenemente, recebendo murmúrios como resposta. – Taís, você poderia nos deixar a sós? Gostaria de ter uma conversa particular com a senhorita Louise.

A garota ruiva não pensa duas vezes antes de descer as escadas rapidamente e abandonar a amiga, sem nem olhar para trás. Louise por sua vez se mostra extremamente embaraçada, desviando seu olhar dos meus. Consigo controlar a irritação em minhas palavras, mas sei que meus olhos e meu rosto não são capazes de esconder meu aborrecimento pela situação. 

— Gostaria que repetisse o que disse por último à senhorita Taís.

— Nós estávamos apenas conversando sobre como está sendo difícil a Seleção. Não foi nada demais Jules. – Louise tenta se justificar. Continuo esperando que complete sua defesa, percebendo que eu posso ter escutado muito mais do que imaginava. – Eu só disse a ela que os príncipes são legais conosco. Prometo que foi só isso.

— Eu gostaria de ouvir o que você disse sobre Charlotte olhando nos meus olhos. – Minha impaciência aumenta com os rodeios da garota, cruzando os braços para conter a energia que gostaria de descarregar em minhas palavras. A loira engole em seco, totalmente perdida sobre o que responder, decidindo por fim, por uma meia verdade.

— Disse que ela recebia mais atenção de você por possuir uma doença mental.

— Escutei muito bem o que disse sobre Char, e não foi isso. Entendo que não tenha coragem de dizer na minha frente, mas espero que tenha sido a primeira e última vez que falou coisas ofensivas sobre uma garota tão adorável quanto ela. – Essa é a primeira vez que digo algo em tom de ordem para alguma selecionada, levando a reação esperada: Louise concorda com um aceno de cabeça e sai cabisbaixa, na mesma direção que Taís seguiu.

Depois de tudo isso restava apenas um fio de esperança, me deixando quase a ponto de desistir de sair depois de tantas coisas negativas terem acontecido no meu dia. Meus ombros estão tensos e minha cabeça um pouco nebulosa, mas logo tudo isso vai embora quando um pequeno sol, ou eu deveria dizer estrelas, surge na minha frente.

Sam estava linda como em um dia de primavera. Não porque usava um vestido rodado e volumoso, maquiagem extravagante e jóias, e sim porque era ela mesma. 

— Eu posso apostar que você chegou no palácio com essa roupa. – digo rindo

— O que você apostaria? – indaga sedutoramente ainda longe de mim.

— O que você quiser... – Flerto com Sam. Com ela é tão fácil fazer essas coisas, tão natural, que todo o desconforto do dia vai embora com apenas minutos de convivência.

— Apostado. – Concorda vindo em minha direção. Abro os braços para ela e Sam nem hesita em se aproximar e me apertar forte. Ainda abraçados, continua: Infelizmente tenho que dizer que você perdeu. Eu usava menos tecido quando cheguei aqui, mas minha criada me obrigou a usar uma roupa mais comportada, já que sairia com vossa alteza para um lugar misterioso.

Ela se afasta e consigo imaginar exatamente o que está falando, pois lembro do nosso primeiro encontro onde usava apenas um top, ressaltando suas curvas. Hoje estava usando um jeans rasgado, uma camiseta preta que diz “ocupada”, com uma princesa dormindo na cama desenhada, tênis como os meus e um boné velho, igual ao meu. Via claramente que sua criada andou bisbilhotando o meu armário para que nós dois saíssemos combinando. Até que era bonitinho.

— Ela tinha razão, para onde vamos é melhor você estar mais protegida. – Concordo misteriosamente.

— E aonde vamos afinal de contas? – Pergunta curiosa. Eu ignoro a sua pergunta e pego sua mão para nos guiar para longe dali. Andamos por corredores não muito utilizados e chegamos numa área quase secreta, mas uma das minhas favoritas do palácio. Abro a enorme porta de madeira e escuto Sam arfar surpresa.

Em nossa frente havia um enorme saguão, com pelo menos duas dúzias de carros dos mais variados estilos, dos mais antigos e estilosos aos mais modernos e seguros, os mais utilizados pela família real em suas viagens.

— Essa aqui é a coleção particular da família Schreave. Não é bem um segredo, mas não são muitas pessoas que também conhecem esse lugar. Se não me engano essa coleção começou com o meu bisavô, continuando com o rei Clarkson e meu pai, mas ele apenas mantém essas relíquias porque não é muito fã. Agora eu e Shay...

— Uau. A maioria desses carros eu nunca vi na minha vida, muito menos me aproximei de um. – O brilho em seus olhos era impressionante, me surpreendendo visto que essa não era a verdadeira surpresa. – Eu só não entendi porque deveria estar “coberta” para vir aqui.

Sam caminhava em torno dos carros maravilhada, passando suavemente a mão nas pinturas impecáveis, vez ou outra parando para analisar um retrovisor ou o interior de algum dos automóveis.

— Para nós continuarmos eu preciso que prometa guardar segredo de todas as selecionadas e da minha família também. Principalmente de Daniel. – Completo mal contendo o meu entusiasmo.

— O seu segredo é uma ordem, alteza. – Sam concorda fazendo uma reverência com uma mão no coração, gesto indicando nosso outro segredo compartilhado. – Se é um segredo tão secreto assim acho que ainda não estamos no lugar correto. Acertei?

— Sim. Nós vamos fazer uma pequena viagem para fora do palácio. Todos os guardas estão cientes e estarão nos monitorando, só não sabem exatamente o que iremos fazer. Para eles saberem que estamos em segurança fiz um acordo escrito indicando que o local e o trajeto são seguros, e caso algo aconteça com você é inteiramente minha responsabilidade. Ainda quer continuar mesmo sabendo disso? – Sou obrigado a perguntar, mesmo desejando que ela não desista. Vejo em seus olhos a dúvida, mas a curiosidade e a vontade de se aventurar falam mais alto, concordando por fim. – Ufa, eu não saberia o que fazer caso desistisse.

— E eu por acaso pareço alguém que desiste fácil? – Indaga com um sorriso malicioso no rosto, deixando-a incrivelmente sedutora. Meu coração acelera um pouco com a atração e a ansiedade, e para desviar sua atenção faço uma proposta irrecusável.

— Então, qual deles você quer?

— Quero o quê? – pergunta realmente confusa

— Em qual carro você gostaria de viajar? – Refaço a minha pergunta sorrindo. A garota olha para mim incrédula, e continuo a incentivando. – Você pode escolher qualquer um deles, mas eu aconselharia algum conversível. Será mais emocionante assim.

Sam corre para mim e se joga nos meus braços, rindo como uma verdadeira criança. Aproveito o momento e a seguro com firmeza, girando-a no ar, no que ri com mais vontade ainda.

— Jules, isso é um sonho! Eu sou apaixonada com carros, principalmente com os antigos, mesmo que não tenha nenhum. Sempre foi um sonho andar em um desses por aí e nunca imaginei que teria essa oportunidade. – Para minha surpresa Sam planta um beijo demorado em minha bochecha antes de sair procurando a opção certa para nosso passeio. Ainda bem que fez isso, pois não saberia esconder todo o meu rosto vermelho de vergonha pela sua atitude.

Depois de alguns momentos e várias análises decide por um Austin Healey preto, que havia sofrido uma atualização mecânica mais moderna para continuar rodando. Enquanto Sam observa o motor e as modificações, eu guardo nossos suprimentos no compacto porta-malas e acrescento o combustível suficiente para a ida e a voltar, para irmos sem preocupações.

Dentro do carro, prontos para partir me volto novamente para a garota ao meu lado, com seu sorriso encantador pronta para a aventura. Com um arranque partimos em direção ao litoral, uma área pertencente à coroa e praticamente abandonada, exceto por algumas casas de conselheiros e funcionários importantes do governo.

Longe de Illéa e seguros de todos os olhares abro a capota para sentirmos a brisa suave da tarde e aproveitarmos a vista incrível. De um lado observávamos as cadeias de montanhas irregulares com pedras, árvores retorcidas e plantas selvagens e do outro o desfiladeiro com fileiras de areia e o oceano infinito.

— Preciso ser sincera com você. Quando vi minha foto no Jornal Oficial acreditava que minha liberdade tinha acabado e que nunca mais seria a mesma Sam novamente. Hoje mais uma vez você me provou que posso estar nessa competição e ser autêntica, tendo oportunidades que eu nunca teria se não fosse por você. Obrigada por tudo. – Por um momento desvio os olhos da estrada para olhar para Sam, e vejo que está sendo completamente sincera. Suas palavras aquecem o meu coração, já que me tranquilizam sobre um dos meus maiores medos: transformar a personalidade das selecionadas em algo que elas não são apenas para alcançarmos nossos objetivos.

— Sempre fui muito sincero com você e agora não seria diferente. Em alguns momentos eu penso que não conheço essas meninas verdadeiramente, apenas o que elas pensam que eu quero. Faz sentido isso? – Indago confuso. Toda a história com Louise continua se repetindo na minha cabeça, me fazendo ter dúvidas sobre todas as Selecionadas, menos da garota ao meu lado.

— Infelizmente isso é verdade Jules. Escutamos muitas coisas no Salão das Mulheres, muitas das quais eu sinto até mesmo vergonha. Acho que você já sabe que nem todas estão perdidamente apaixonadas por vocês, não é? – diz Sam. Ela está embaraçada com esse assunto, e no entanto não confio em mais ninguém para conversar sobre, por isso continuo.

— É, já passou pela minha cabeça... Eu realmente gostaria de saber quem são essas pessoas.

— Isso é um pedido que você não pode me fazer Julian. – ela me interrompe. Pela sua voz percebo que está falando sério e ficando um pouco irritada com a minha insistência, mas não posso desistir. – Eu guardo todos os seus segredos e vivo essa vida por você, mas não me peça para denunciar garotas que dão a vida para continuar no palácio. Simplesmente não posso destruir seus sonhos.

—   E novamente você não me decepciona. – falo baixo para mim mesmo, e vejo pelo canto dos olhos que Sam escutou e enrubesceu com as palavras. – Deixe-me tentar uma nova abordagem, e dessa vez eu preciso que você me conte a verdade. Você já escutou alguém falando mal de Charlotte.

Viro-me para olhar para Sam sem medo. Estando numa parte linear da estrada sem carros é possível encará-la sem correr riscos. A garota empalidece um pouco, mesmo com o sol sobre nossas cabeças, e com um ligeiro aceno afirma minha indagação.

Antes de fazer minha última pergunta conto tudo o que ocorreu enquanto esperava por ela na escada com Louise e seus esquivos. Para minha decepção Samanta não parece surpresa, e quando questiono sobre Louise frequentemente ofender Char longe da minha mãe e de Celeste Sam concorda novamente, pondo um fim na conversa.

Uma pequena parte do meu coração está partido diante de tanta maldade dentro da minha própria casa, mas me ensina que temos que ter cuidado com pessoas que se mostram maravilhosas em nossa frente, e que podem esconder muito mais por trás. A solução para isso eu já conhecia, e esperava que Louise aproveitasse ao máximo o seu dia no palácio, pois seria o último.

Passamos o restante da viagem em silêncio, escutando uma trilha sonora leve e divertida, com vários estilos musicais diferentes. Aos poucos a seriedade de Sam vai passando ao ouvir as músicas, reagindo suavemente a elas. Chegando ao nosso destino ela já estava cantando a plenos pulmões, me deixando grato por ter escolhido as músicas certas.

Estamos na base de uma pequena colina de areia e arbustos, numa área costeira totalmente deserta. No topo há uma casa de madeira em construção, com dois andares já prontos e o telhado em desenvolvimento. Ela não é muito grande, mas comparada ao palácio seria uma verdadeira derrota.

— Onde estamos Jules? – Sam pergunta curiosa saindo do carro. Eu ignoro a sua pergunta e sigo em direção à casa, através de uma passarela de madeira já finalizada, que serve como meio de locomoção para levar os materiais da estrada para o topo da colina. Finalmente respondo a sua pergunta quando chegamos na porta de entrada, ou onde ela um dia estará.

— Essa é a minha casa. – digo orgulhoso. Ver todos os meus sonhos sendo realizados na minha frente era muito emocionante, ainda mais um sonho que era segredo para todos até esse momento.

— Como assim sua casa? E o palácio, e sua família? – Sam está realmente perdida sobre tudo, ao mesmo tempo em que percorre a estrutura da casa com um olhar crítico e cheio de expectativa.

— É a minha casa também... Eu sempre tive um sonho de ter um espaço mais privativo no palácio, com a minha cara, com a decoração que eu escolhi. Quanto mais tempo passava eu via que isso seria impossível lá, e como responsável pela reforma da casa de praia oficial da família eu tive essa ideia. – No final estou um pouco tímido por exprimir todos os meus planos para Sam, no que ela responde com um sorriso acolhedor e um aperto de mão caloroso. 

— Eu não entendo nada de arquitetura, mas parece que vai ficar linda. Que tal um tour pela casa? – Oferece Sam. Sigo então entusiasmado na frente, mostrando onde será a cozinha, os quartos de hóspedes e a sala. Mostro também o espaço externo que tem uma vista maravilhosa para a praia logo abaixo e termino no meu cômodo favorito, a suíte. 

— Aqui é o espaço que eu mais demorei a chegar a uma conclusão. Eu e o arquiteto discutimos algumas vezes até chegar no ponto ideal. Aqui quase não haverá paredes, mas janelas enormes para uma vista quase panorâmica da praia. – Digo apontando os vazios na estrutura. Indicando o teto continuo. – E aqui o pé direito será alto para dar uma amplitude maior ao quarto, com um grande lustre em cima da cama, que ficará de frente para o mar.

Estava andando a esmo pelo quarto, empolgado por falar de tudo o que estava esperando a tanto depois de Sam ter me dado abertura. Parado de frente para o oceano eu ganhava confiança sobre o meu destino, sobre as coisas que poderia conquistar. Sabia que com a ajuda de algumas pessoas eu teria muitas realizações. Eu não estava sozinho, e definitivamente a pessoa ao meu lado estaria em meu futuro, só não tinha descoberto como ainda.

— Parece maravilhoso Jules. Um verdadeiro sonho. – Sam suspira ao dizer as últimas palavras, se posicionando ao meu lado, enganchando seu braço no meu e deitando a cabeça em meu ombro.

— Fico feliz que tenha gostado, de verdade. A expectativa é que a casa fique totalmente pronta até o final da Seleção. Para a lua de mel. – Engulo em seco e paraliso. Percebo que Sam também ficou totalmente imóvel e até aquele momento não havia ligado o final da Seleção vulgo casamento com Sam, e o peso do que tudo significava. 

— É, acho que a futura princesa gostará daqui. – diz Sam, e no fundo noto um pouco de lamento, como se não se considerasse hábil para o cargo. Estava constrangido demais para argumentar, portanto deixo-a ir em direção à praia.

Para a tarde havia separado alguns lanches e bebidas para o meu segundo piquenique, esperando do fundo do coração que esse ocorresse muito melhor do que o outro. E assim foi. 

Sam e eu conversamos sobre todos os nossos últimos problemas e situações engraçadas também, como quando Sam cochilou em suas aulas de etiqueta e Silvia a fez ficar em pé com livros na cabeça para treinar sua postura. Ou quando falava algo criticando o governo alto demais e recebia olhares incriminadores de todas da sala. Mas suas melhores histórias sempre envolviam a luta diária entre sua criada, a garota e os trajes do dia, demorando semanas para entrarem em um consenso. Conto para ela sobre toda a briga com os meus irmãos e o dilema com Daniel e Celeste, até mesmo sobre como resolvemos tudo. Apenas o Vitor Hugo que fica de fora, pois foi feito quase um juramento de sangue entre nós três.

Havia muito tempo que eu não me divertia tanto assim, e todos os problemas do palácio pareciam pequenos demais ou longe demais agora. Infelizmente tudo tinha que acabar, mas por enquanto estávamos aproveitando o pôr-do-sol que tingia o céu de lilás e laranja.

— Sabe, eu acho que poderia viver o resto da vida assim. – falo com sinceridade olhando para Sam ao meu lado.

— Acho que eu também... – diz Sam baixinho. Depois de alguns minutos em silêncio ela volta a falar. Em sua voz havia algo de diferente, mas não sabia dizer o que era. – Jules, você confia em mim?

— Achei que o dia de hoje tinha sido a maior prova da minha confiança. – respondo confuso, não sabendo onde Sam queria chegar com essa história.

— Então feche os olhos. – ordena. Ainda não entendo aonde a garota quer chegar, mas com um pouco de desconfiança faço o que pediu.

Parece que vivi uma eternidade até sentir os lábios de Sam encostar aos meus com delicadeza. Abro os olhos surpreso, e Sam já tinha se afastado de mim. Agora estava sentada em minha frente com as bochechas vermelhas, envergonhada com sua atitude.

— Eu só queria saber como...

Eu a interrompo com um beijo, fazendo o meu coração explodir como fogos de artifício numa coroação.


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Notas finais do capítulo

Espero muuuito que tenham gostado! Foi incrível voltar para esse mundinho, e vocês podem perceber que eu empolguei né?! Acho que para um segundo primeiro capítulo valeu a pena, e nos próximos tentarei ser mais sucinta kkkk E por favor, nos contem o que vocês acharam! Adorarei saber a opinião de vocês ♥

Cams



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