O Mal se levanta novamente escrita por O Patriarca do Santuário


Capítulo 10
A Prisão do Rei


Notas iniciais do capítulo

Segue mais um capítulo da narrativa. Aos que porventura ainda acompanham, espero que gostem.

Um abraço a todos.



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Toc, toc, toc... Addae bate com a mão fechada no elmo, tentando sentir sua resistência. —Boa resistência, pai. Devem proteger bem as “ideias” de quem os usa.

—Dão uma proteção razoável, dependendo da força e da qualidade da arma utilizada pelo atacante. São mais utilizados pelos soldados do Exército Thaiano... Responde Sam. __Recebi uma encomenda do Palácio. 120 elmos. Estes são os quinze primeiros que forjei. Vou forjá-los e enviá-los ao longo de oito semanas, segundo o que combinei com o intendente do Exército que veio fazer a encomenda.

—São um pouco pesados... Diz Addae.

—Quase um quilo, cada um.  Responde Sam. __Vou acondicioná-los neste caixote. Vai ficar um pouco pesado para você levar até o Palácio, Addae. Por isso quero que você utilize aquele carrinho, ali. Sam aponta para um carrinho de madeira, de duas rodas, que pode ser puxado por uma espécie de alça, encostado em um canto do depósito da loja.

—Ah, tá limpo. Diz Addae. —Com o carrinho vai ficar fácil. Aqueles outros caixotes ali contêm o carregamento do Mestre Arturos, não? O que ele vai levar para Rook...

—Exato. Ele virá buscá-los no dia do embarque... Responde Sam. __Addae... você está certo a respeito do que ouviu daqueles mestres de Rookgaard, ontem, no Cais? O Príncipe Pedro vai mesmo para a Academia?

—Foi o que entendi, pai... Responde Addae. —Aquele Capitão Vascalir está bem chateado com algumas novidades em relação à nossa turma... sobre os alunos estrangeiros, principalmente.

—Conheci o Vascalir. Diz Sam. —Chegou a Rookgaard três semestres após a minha turma e do Tim. Era meio invocadinho, por isso os veteranos, da minha turma inclusive, pegavam no pé dele. Você está me saindo um belo espião, Addae. Se aqueles oficiais e mestres de Rook te descobrissem atrás dos caixotes, escutando a conversa deles, não sei se o Tim conseguiria manter a sua inscrição na Academia. Cuidado com essas “escutas” furtivas.

—Não foi algo planejado, pai. Responde Addae, coçando a cabeça. —Eu estava ali perto dos caixotes... eles desceram do barco e começaram a conversar...

—Aí você se encolheu atrás da pilha de caixas... foi ficando por ali e escutou a conversa... entendo. Emenda Sam, em tom de brincadeira. E continua. —_Assim a TBI vai te recrutar ao término do curso, hehe... mas não será algo inédito, a ida de um príncipe a Rookgaard. Na história da Academia uns três príncipes já fizeram o curso, se não estou enganado... o último deles foi o bisavô de Tibianus, o Rei Aqueron Segundo. Mas na verdade me chamou mais a atenção, de tudo o que você relatou ter ouvido, a menção ao nome de Santiago... se for quem estou pensando, e deve mesmo ser, já que você afirmou que o instrutor se referiu a ele como pertencente à Legião Vermelha...

—Se referiu sim, pai.  Aquele Mestre Hykrion disse que esse tal de Capitão Santiago é um excelente instrutor, por justamente pertencer à Legião Vermelha... Responde Addae.

—É... Completa Sam. __Deve mesmo ser ele... Santiago Breogan.  Estudou comigo e com Tim. Foi o primeiro de nossa turma. O único homem que conheço que é tanto habilidoso com a espada, como com o machado e com a maça. Isso tudo em um nível máximo de excelência. Logo que terminou o curso a Legião Vermelha o requisitou. Foi um dos heróis da batalha decisiva contra os orcs, no Norte do Continente, nos Campos de Glória, durante a guerra contra Ferumbras. Só estranhei ele estar ensinando em Rookgaard, pois após a guerra, aconteceu um episodio trágico em sua vida... diziam que devido a isso teria ficado um pouco perturbado... teria se afastado da vida militar... enfim, são boatos que nem mesmo Tim, até agora, conseguiu confirmar ou desmentir... tudo relacionado à Legião Vermelha é mantido em uma espécie de segredo...

—Sério, pai? E que episodio trágico teria sido esse? O que dizem os boatos?  Indaga Addae.

—Bem, foi algo relacionado à esposa e à filha dele... sua casa, que ficava nos campos, foi atacada por um bando de orcs, já depois da guerra e...

Neste instante, Sam é interrompido por uma batida na porta aberta do depósito, seguida por uma indagação em tom de brincadeira: —Alô... alguém em casa?

—Gorn. Como vai? Entra aí. Diz Sam.

—Olá, Capitão. Como vai o senhor? Pergunta Addae.

—Ahaha. Ex-Capitão, você deve dizer, Addae. Responde Gorn. —Eu deveria ter feito como o seu pai. Deveria ter pedido baixa ainda tenente. A indenização paga à Coroa teria sido muito menor.

—Eu te avisei, na época, Gorn. Complementa Sam. —Mas você quis atingir a patente de capitão...

—Pois é... Gorn coça a cabeça. —Mas eu até que gostava da vida militar. Meu pai ainda tinha saúde e forças para cuidar do negócio. Mais tarde, já quando capitão, ou eu assumia a loja ou o negócio da família teria que ser passado adiante, para outras pessoas. Essa loja aí em frente está com a família desde o meu bisavô. E o faturamento é muito bom. Não podia deixar que saísse das mãos dos Findell... Gorn se volta para Addae: —Ah, soube de sua inscrição em Rook, Addae. Você vai gostar de lá. Ninguém que tenha ido à mítica ilha consegue se esquecer dela... eu e seu pai aprontamos poucas e boas por lá, eheheh... nossa turma tinha muitas figuras, mas o pessoal era bom nos treinos e nos estudos.

—E o Felix? Desistiu de ir para Rook? Pergunta Sam.

—É mesmo. Intervém Addae. —O Felix vivia dizendo para mim e para o Cadi, na escola, que iria para Rook, com a gente.

—Mas ele vai. Responde Gorn, em um tom enigmático, como se quisesse surpreender Sam e Addae, ao mesmo tempo em que demonstra uma expressão um tanto quanto triste.

—Mas de Thais, mesmo, indo pelo Exército, só tem eu, o Cadi e o Struggle. Insiste Addae. —Eu vi a relação anteontem, no Cais.

—Pois é. Complementa Gorn. —Mas ele não vai pelo Exército Real...

—Como assim? Indaga Sam. —Não vai me dizer que o Felix vai por uma guilda...

—Pois é... Responde um desconsolado Gorn. —Eu não queria que ele fosse nem mesmo pelo Exército... queria que ele me auxiliasse na loja. Ele poderia viajar para mim, trazer produtos de outras cidades para que revendêssemos aqui em Thais, enfim... agora Alice e meu genro estão me ajudando, já que Felix está fazendo os preparativos para a viagem junto à guilda. Não houve jeito de tirar isso da cabeça dele... se minha esposa estivesse viva talvez conseguisse demovê-lo, mas eu não consegui, como poderia? Já que eu mesmo fui para Rookgaard...

—M-mas por qual guilda ele vai, Capitão??? Pergunta, ansioso, Addae.

—Vai pelos Cavaleiros de Banor. Responde Gorn.

—Mas de onde Felix conhece esse pessoal, Gorn? Nem mesmo você se relaciona com gente de guilda... Diz Sam.

—Bem... Gorn respira fundo. __Eu, de uns tempos para cá, passei a fornecer alguns tipos de equipamentos para essa guilda. Na verdade eles vieram a minha loja em busca de um fornecedor confiável. Acabaram gostando da qualidade do material que comercializo. A partir de então alguns membros da guilda passaram a frequentar a loja. Felix acabou fazendo amizade com eles. Daí você pode imaginar. Encheram a cabeça do garoto com histórias de aventuras e viagens incríveis, falaram de como os guildanos fazem verdadeiras fortunas nos assaltos aos esconderijos de diversas criaturas...

—Seria melhor ele ter feito inscrição pelo Exército. Diz Sam. —A vida nas guildas tem um certo grau de incerteza e eles se arriscam demais nessas incursões. Na Guarda Real ele se fixaria em uma cidade, poderia levar uma vida, digamos, mais “normal”.

—Foi o que ponderei com ele, Sam. Responde Gorn. —Se é para ir a Rook, que fosse pelo Exército. Mas não teve jeito. Aqueles guildanos literalmente “fizeram a cabeça” do garoto... mas não posso proibi-lo, Sam. Eu mesmo, quando quis fazer a Academia, tive que enfrentar meu pai, que era contra.

—Eu entendo, Gorn. Eu e Marta relutamos muito em deixar Addae ir a Rook. Na verdade ficamos preocupados em relação aos perigos que um militar ou um guildano possam enfrentar. Mas se formos pensar bem... se eclodir uma nova guerra ou um novo ataque de Ferumbras, todo súdito do reino terá, dentro de suas possibilidades, que colaborar na luta... melhor que os garotos estejam treinados no manuseio de armas e em técnicas de combate...

—É... por essa ótica você tem razão, Sam. Resigna-se Gorn.

—Fique tranquilo, Capitão. Diz Addae. —Vai dar tudo certo em Rook. Eu e o Cadi vamos dar uma força para o Felix. A gente vai se ajudar por lá. E depois, na guilda, ele vai estar preparado para enfrentar os desafios. O curso em Rook é muito bom.

Gorn dá um sorriso tímido, condescendente, percebendo que a intenção de Addae é tranquiliza-lo. Em seguida toca o ombro do jovem, como a agradecê-lo pela tentativa.

Novamente, alguém bate à porta entreaberta do depósito: __Alôô... posso participar dessa reunião aí?

—Hardek! Entre. Você me abandonou. Nunca mais trouxe novidades para vender... Diz Sam, em tom de brincadeira.

—Olá, senhor Hardek. Diz Addae.

—Olá, Hardek. Há muito não o vejo aqui em Thais. Viajando muito? Indaga Gorn.

—Muito, senhor Findell. Responde Hardek. —Na verdade tenho vendido e comprado para uma guilda, os Filhos de Thais. Isso tem me feito viajar bastante. Mas agora vou sossegar por algumas semanas aqui na Capital, hehe. Volta-se para Sam. __Jamais o abandonaria, senhor Smith. Inclusive trouxe umas coisas boas aqui para o que o senhor veja. Em seguida diz a Addae: —Olá, Addae. Sinto falta de nossas conversas a respeito de armas. Nesta minha última viagem vi algumas inacreditáveis, cuja existência eu ignorava...

—Aquele castelo enorme que fica ao sul do Porto Externo pertence aos Filhos de Thais, não? Indaga Addae.

—Exato, Addae. Responde Hardek. —Dentro há coisas que, se eu contasse, você não acreditaria. Só vendo, mesmo. Eles têm muito dinheiro. E eu tenho feito uns trocadinhos trabalhando para eles, hehe. Bem, deixem-me mostrar o que tenho aqui.

Hardek retira a pesada mochila que traz às costas, coloca-a sobre uma mesinha, abre-a e dela extrai vários objetos metálicos, embrulhados em uma bonita pele de carneiro.

—Uau... olha só essas espadas. Espanta-se Addae.

—Spikes... Diz Gorn. —É a espada mais utilizada pelos tenentes do Exército Real. Ainda tenho a minha pendurada na sala de estar, lá em casa.

—A minha eu já vendi. Diz Sam. — Elas têm uma boa procura e se consegue vender por um bom preço. Sam empunha uma das espadas e a analisa. —Muito boa têmpera.  A empunhadura é muito elegante. Há desenhos e símbolos em alto relevo. De onde elas vêm, Hardek?

—Bem, segundo os cavaleiros da guilda que me repassaram para vender, eles a conseguiram após matarem umas criaturas sugadoras de sangue, que habitavam aquela catedral fantasmagórica que fica lá para os lados de Plains of Havoc...

—Vampiros... Complementa Gorn. —Caramba...  essas guildas se metem em alguns buracos assustadores. Isso que me deixa preocupado em relação ao Felix...

—Vampiros? Isso existe mesmo? Pergunta, surpreso, Addae.

—Addae... em Rook você vai aprender que muitas das criaturas, que o povo em geral julga pertencerem ao campo da mitologia, existem mesmo. E acredite-me, reze para nunca cruzar o caminho de algumas delas... Diz Gorn.

Ao ouvir o que Gorn acaba de dizer, Hardek se dirige a Addae: __Addae. Então vai mesmo para Rook??? Parabéns! Era seu sonho, não?

—Vou sim, senhor Hardek. Responde um sorridente Addae.

—E quando parte? Pergunta Hardek.

—Bem, o Exército espera que o Capitão Bluebear chegue a Thais daqui a três dias, zarpando para Rookgaard dois dias depois, com os alunos. Portanto, a princípio, parto para Rook daqui a cinco dias.

—Meus votos para que façam uma boa viagem, Addae, e que aproveitem ao máximo a estadia em Rookgaard. Fico feliz por você estar realizando um sonho, mas um pouco triste por não poder mais vê-lo pelos próximos quatro anos, meu jovem amigo...

—Obrigado, senhor Hardek. Também sentirei saudades de todos os amigos que deixarei aqui em Thais, mas quatro anos passam rápido, breve nos veremos novamente...

—E então você já será um jovem tenente do Exército Real, hehe. Hardek, então, indaga a Gorn. __Senhor Findell. O senhor agora há pouco citou Felix e fez menção às guildas... seu filho se associou a alguma?

—Ele vai para Rook através de uma. Os Cavaleiros de Banor. Responde Gorn.

—Opa. Reage Hardek. —Os Cavaleiros são uma das grandes. Riquíssima. Quem sabe Felix não me ajuda a iniciar um contato com eles? Mas em seguida Hardek conclui: —Não, não, má ideia. Isso pode me causar problemas com os Filhos de Thais. Eles gostam de exclusividade em relação aos fornecedores e compradores com os quais trabalham. Pelo menos no que se refere a outras guildas. Não posso perder essa boquinha, hehe...

Addae empunha uma das spikes e diz: __Poxa... não deve ser fácil combater utilizando uma dessas... são pesadas.

—Cerca de um quilo e meio. Diz Sam. —Mas você e os demais vão adquirir músculos e habilidades para bem manusearem estas e outras espécies de armas... Sam se volta para Hardek: __Qual o precinho camarada que você vai fazer por cada uma delas, Hardek? Pergunta Sam, meio em tom de brincadeira, mas demonstrando querer comprar as armas por um preço bem em conta.

—250 cada uma. Responde Hardek.

—200 cada e fico com todas. Rebate Sam.

—Hummm... Hardek coça a cabeça. __Ok. feito. O senhor tem sido um ótimo freguês, senhor Smith. Sempre compra minhas armas. Em consideração ao senhor deixo por 200 cada e o senhor leva o lote todo.

Aproveitando que Hardek passa a conversar com Addae, mostrando-lhe as características das espadas que acabara de vender para seu pai, Gorn se aproxima de Sam e lhe diz, discretamente: —Acho que você consegue vender cada uma dessas por uns “cinco mil ouros”...

Sam responde, também discretamente, enquanto empunha uma das espadas: __Oito mil, brincando...

Gorn arregala os olhos e diz: —Uau... o ramo das armas está bem lucrativo, hein... Complementa, meio em tom de brincadeira. E continua: —Sabe, Sam, na verdade vim aqui para saber se você vai almoçar no Frodo.

—Pretendo, Gorn. Só vou esperar o Addae entregar um lote de elmos no Palácio. Responde Sam.

—Ótimo. Façamos o seguinte. Eu vou estar na loja. Quando o Addae voltar, vocês passam lá e vamos juntos para o Frodo... Diz Gorn.

—Combinado, Gorn. Aguarde-nos lá que chamamos você. Responde Sam.

Gorn se despede de Addae e de Hardek, voltando para sua loja.

Hardek pega um objeto embrulhado em um pedaço de pele negra e sedosa, em seu alforje, e o coloca em cima da mesa. O desembrulha diante de Addae e diz: —Um pequeno presente para você, Addae. Um bônus por seu pai ter arrematado todas as minhas spikes e também uma lembrança comemorativa de sua ida a Rookgaard.

Addae olha surpreso para uma bela adaga, brilhante a afiada, com uma elegante empunhadura de cor negra, feita de alguma madeira nobre e rara.

—Poxa... obrigado, Senhor Hardek, ela é linda... Diz Addae, admirando a peça.

Sam também admira a pequena arma: __Nunca vi uma empunhadura assim tão bem trabalhada... onde a conseguiu, Hardek?

—Eu a comprei de um morador de Liberty Bay que veio a Thais. Ele disse que um pirata deixou cair durante uma tentativa de ataque à cidade... Responde Hardek.

—É... poderia mesmo pertencer a um pirata... Diz Sam, ainda examinado a Adaga.

—Agora pertence a mim! Diz Addae, meio em tom de brincadeira, estendendo a mão como a sinalizar a seu pai que a devolva.

Sam, segurando a lâmina, coloca a empunhadura sobre a palma da mão de Addae. — Hehe, cuide bem de sua nova adaga, Addae. Só tome cuidado caso o pirata que a perdeu venha a saber um dia que você a possui. Ele pode querê-la de volta. Diz Sam, brincando com seu filho.

Sam então se volta para Hardek. —Hardek... Addae levará um carregamento de elmos até o Palácio Real... após retornar, ele, eu e Gorn vamos almoçar no Frodo. Não quer almoçar conosco?

—Mas é claro, Senhor Smith. Responde Hardek. —Gosto muito de almoçar na taverna do Senhor Frodo. Os preços são um pouco salgados, mas a comida, e principalmente a bebida, valem cada moeda, hehe. Hardek diz a Addae. —Addae, se quiser eu o ajudo a levar o carregamento até o Palácio. Deve estar pesado.

Mas Sam responde por Addae. —Não se preocupe, Hardek. Addae vai utilizar um pequeno carro para o transporte do carregamento. Não terá dificuldades. E enquanto ele vai até o Palácio, eu gostaria de lhe dar uma lista de armas para que você tentasse obtê-las para mim, com outros comerciantes. Eu as revenderia aqui na loja e dividiria o lucro com você. Que tal?

—Sem problemas, Senhor Smith. Em minhas próximas viagens para Fibula e para Venore, tentarei comprá-las de alguns fornecedores meus, por um preço bem em conta... para auferirmos um bom lucro... Responde Hardek.

Na sequência, Sam, ajudado por Hardek e por Addae, pega um pequeno carro, o mesmo que indicara a Addae um pouco antes de Gorn e Hardek chegarem ao depósito, e o leva para a loja propriamente dita. Em seguida, acomoda no veículo de madeira um caixote contendo os elmos.

—Puxe devagar, Addae. Não precisa se apressar. Diz Sam. __Vai sacudir um pouco sobre as pedras da rua.  Provavelmente o oficial que o receberá e conferirá o carregamento, pedirá a você que deixe o carrinho no Palácio, para que lá eles possam levar os elmos até o Almoxarifado. Pedirá a você que volte no dia seguinte para pegar o carrinho. Pelo menos nas últimas vezes em que eu mesmo levei algum carregamento até o Palácio, usando o carrinho, foi isso o que aconteceu. Pode deixar o carrinho com eles, caso de fato o peçam.

—Tá no esquema, pai. Responde Addae. Em seguida se despede de Sam e de Hardek, ganhando a Temple, puxando, com a mão direita, o pequeno carro pela alça, localizada na extremidade de um fino cabo de couro acoplado ao corpo do veículo de madeira.

Como Sam avisara, o carro sacode sobre os paralelepípedos da Temple Street, fazendo um certo ruído e atraindo a atenção dos transeuntes.

Caem alguns flocos de neve e uma brisa fria despenteia os cabelos castanhos de Addae que, com a mão esquerda, procura fechar mais o casaco e se proteger melhor. A respiração um pouco ofegante, devido ao esforço, produz pequenas baforadas de ar condensado.

Addae logo chega à esquina com a Royal Avenue, tomando a direção da bonita praça que antecede a ponte para o Palácio. Mais uma vez voltam à mente de Addae as lembranças relativas à cerimônia de recepção às delegações estrangeiras, à medida que se aproxima da guarnição de soldados que toma conta da extremidade da ponte.

Ao chegar perto da guarnição, Addae se dirige a um dos guardas: __Bom dia, seu guarda. Eu trouxe um carregamento de elmos, encomendados pela Guarda à Armearia Smith.

Os demais componentes da guarnição também têm sua atenção voltada para o jovem e seu carrinho de madeira

O guarda a quem Addae se dirigira observa o carrinho por alguns segundos e então diz: —Faça o seguinte, filho, siga até o Portão, no outro lado da ponte, e peça para chamarem o Sargento Krump.

—Sargento Krump... entendi, obrigado seu Guarda. Responde Addae, passando pela guarnição e seguindo, pela ponte, até o Portão Principal.

Alcançando a guarnição do Portão, Addae solicita a um dos soldados que chame o Sargento Krump.

Alguns segundos depois, sai pelo Portão um homem alto e gordo, possuidor de um semblante bonachão, embora se esforçasse por assumir uma expressão séria, quase severa, ao se dirigir a Addae: —Sou o Sargento Krump. Em que posso ajudá-lo?

—Bom dia, sargento. Responde Addae. —Trouxe um carregamento de elmos encomendados à Armearia Smith. Um dos soldados da guarnição da ponte pediu-me que o chamasse.

—Ah, os elmos. Finalmente. O sargento faz uma expressão mais desanuviada, leve. Passa a ostentar um simpático sorriso, que movimenta suas bochechas e seu nariz avermelhados. —Pode remover a tampa, filho, para que eu inspecione o carregamento?

—Claro, sargento. Responde Addae. Em seguida procura remover a rampa do caixote, não sem alguma dificuldade, pois Sam, aparentemente, encaixara-a de maneira apertada, utilizando-se de algumas pequenas ripas de madeira localizadas entre a tampa e os lados.

O Sargento Krump se oferece para ajudar Addae: —Deixe-me ajudá-lo a remover a tampa, meu jovem.

Após abrirem a caixa, o sargento pega um dos elmos e o examina. Bate com a pesada mão na peça e em seguida grita para um dos soldados da guarnição: —Scappa!!! Venha cá!!!

O soldado, surpreso com o súbito comando, se aproxima: —Sim, sargento!

—Retire o seu elmo e experimente este aqui. Faça com que essa sua cabeça vazia tenha alguma utilidade. Diz Krump.

Os demais soldados riem do que acabaram de ouvir, se divertindo com as palavras do sargento dirigidas a seu camarada.

Mesmo Addae se esforça para não rir.

O Soldado Scappa, um pouco ruborizado, retira o próprio elmo e coloca o que o sargento lhe entrega.

—E então? O que lhe parece? Pergunta-lhe o Sargento Krump.

—Poxa, muito bom, sargento. Responde o soldado. —A superfície interna é bem lisa e o formato bem confortável. Muito bem forjado.

—Ótimo. Diz o sargento. Então se volta para Addae. —Trouxe o recibo, filho?

—Sim, sargento. Responde Addae, enquanto retira um papel de um dos bolsos e o entrega a Krump.

—Voors, corra até a minha mesa no pátio e me traga a caneta-tinteiro. Diz Krump a outro dos soldados.

—Sim, sargento!  O soldado atravessa o Portão para cumprir a ordem.

Addae tenta olhar através do Portão para ver se avista algum elfo ou anão, ou alguma de suas montarias. Mas da posição em que está não consegue ver muita coisa.

O sargento então lhe diz: —Diga a seu patrão que o equipamento que vocês produzem na Armearia Smith é de ótima qualidade. O pessoal lotado no almoxarifado já me disse isso, algumas vezes.

—Na verdade o patrão é o meu pai, sargento. Responde Addae.

—Você é filho do Armeiro Samuel Smith?? Surpreende-se Krump. —Bem, diga a ele o que acabei de falar a respeito do produto que ele fabrica e comercializa. Seu pai é um grande armeiro. Imagino que você futuramente assumirá a Armearia.

—Bem, não posso dizer com certeza, sargento. Neste semestre estarei indo para Rookgaard. Responde Addae.

—Ora, ora, ora... Diz Krump. —Um futuro oficial da Guarda. Bem, você está indo pela Coroa, não? Ou vai por alguma guilda?

—Pela Coroa, sim, sargento. Diz Addae.

—Quem sabe este sargento aqui não estará servindo, no futuro, sob as ordens do Tenente... do Tenente... errr, qual seu nome, filho?

—Addae, sargento. Responde Addae, exibindo uma expressão radiante diante do que o sargento acabara de dizer.

—Então... quem sabe este sargento aqui não estará servindo, dentro de alguns anos, sob as ordens do Tenente Addae Smith.

—Poxa, seria demais, sargento. Addae exibe um sorriso de orelha a orelha.

O Soldado Voors retorna trazendo a caneta-tinteiro de Krump, como também um pequeno frasco de tinta: —Sua caneta, sargento...

—Hummm, deixe-me ver... Diz Krump, examinado o recibo trazido por Addae. __Esta é a primeira de oito entregas semanais, certo... o pagamento será parcelado e efetuado contra a entrega da terceira remessa e da oitava... isso, então assino aqui....  Krump pousa o recibo sobre a tampa do caixote trazido por Addae, mas as frestas da madeira atrapalham a escrita, então o sargento diz ao Soldado Voors: __Voors, incline-se um pouco para que eu possa assinar este recibo aqui.

O Soldado Voors, um pouco surpreso e constrangido, inclina-se para que Krump possa pousar o recibo nas costas de sua armadura, e assinar o documento.

Os demais soldados dão risadas discretas, brincando com a situação vivida pelo camarada.

—Então é isto. Diz Krump. —Aqui está, “Tenente” Smith. Recibo assinado. Só lhe pediria um favor, “Senhor”, que deixasse o carrinho conosco para que conduzíssemos a carga até o Almoxarifado Real. Pode vir pegá-lo de volta a partir de amanhã.

Addae ri da brincadeira de Krump, quanto a sua futura patente e entra no clima: —Concedido, sargento. Pode levar o carrinho.

—Voors! Leve o carregamento até o Almoxarifado... e devolva a caneta à minha mesa. E você, Scappa, devolva esse elmo novo à caixa... recoloque o seu elmo antigo...

—Poxa, sargento, pensei que eu ficaria com este elmo novo... é muito melhor do que o antigo. Protesta Scappa, devolvendo o elmo novo à caixa e colocando o antigo na cabeça.

—Depois eu vou te mostrar com o que você vai ficar. Rebate Krump.

Novamente Scappa é alvo das risadas dos demais soldados da guarnição.

Krump diz a Addae: __Addae, você está ciente de que pode visitar o Palácio até o dia da partida, já que está inscrito na Academia, não? Os alunos que vão pela Coroa e que residem em outras cidades estão hospedados aqui. Pode visitá-los.

—Sim, sargento. Eu inclusive estive presente à cerimônia de recepção às delegações estrangeiras, anteontem.

—Ah, certo. Reparou nas amazonas de Eloise? Cada monumento, hein, hein? Brinca Krump, piscando um olho para Addae.

Addae ri, um pouco sem graça, e concorda: —É verdade, sargento. Um amigo meu ficou maluco por elas, hehe. Bem, sargento, foi um prazer conhecer o senhor. Tenho que voltar para a Armearia, meu pai me espera. Como vou para Rook dentro de alguns dias, meu pai é quem trará os próximos carregamentos de elmos. Caso eu e meus amigos visitemos o Palácio novamente, até a partida, espero revê-lo, sargento.

Krump, ainda em tom de brincadeira, emenda, fazendo uma continência: __Terei prazer em recepcioná-lo, “senhor”.

Addae, rindo, devolve a continência, acena para os soldados da guarnição do Portão se despedindo e parte em direção à esquina com a Temple, atravessando a ponte e passando pela guarnição postada na extremidade, junto à praça.

Quando vem descendo a Temple rumo à Armearia, olhando as lojas e os transeuntes, escuta uma voz familiar chamando por ele, vindo em sua direção, entre ele e a loja de seu pai: —Addae!!! Addae!!!

É Struggle que vem correndo, com uma expressão de angústia no rosto.

Ao chegar perto de Addae, Struggle para, se inclina um pouco colocando as mãos nos joelhos e respira com força para recuperar o fôlego.

Addae indaga a seu amigo: —O que houve, Struggle? Por que essa correria e essa cara assustada?

Struggle se ergue, coloca as mãos na cintura, ainda tentando recuperar o fôlego, e diz: —Ufa... ufa... Addae, me leva até a casa do Cadi, preciso falar com ele... na verdade preciso da ajuda do pai dele... preciso falar com o Capitão Tim... ufa... ufa...

—Cara, vai ser difícil. O Capitão Tim está morando por esses dias no Palácio Real. Está assessorando e ajudando o Rei e o Alto Comando nas negociações com as delegações estrangeiras... mas o que aconteceu, Struggle?

—Poxa vida... precisava da ajuda do Capitão Tim... ufa... caramba, o que eu faço agora? Ufa...  Addae...  a Aruda... ufa... a Aruda foi presa...

—A Aruda, presa? Mas por quê? Quando?

—No dia da chegada das delegações. Anteontem. Só soube disso hoje porque ontem não vim trabalhar no Porto. O Luke me deu uma folga e eu fiquei em casa ajudando minha mãe. O Cadi até passou lá em casa levando a trouxa de roupas da família dele. Alguns estivadores me disseram hoje que a Aruda foi flagrada batendo carteiras e enfiando a mão em bolsas de senhoras distraídas, que viam as amazonas de Carlin entrarem na cidade... ela quase foi linchada pela multidão, mas três soldados chegaram a tempo e a prenderam... eu pensei em pedir ao Capitão Tim que intercedesse pela Aruda com o Xerife Wyat...

—Poxa, Struggle, mas o que o Capitão Tim poderia fazer? Se ela foi pega em flagrante, furtando...

—Sei lá... ele é um oficial influente... poderia pedir ao Xerife que pegasse leve, desse uma pena pequena para a Aruda... também conseguir que ela fosse bem tratada na prisão...

—Entendo... na verdade, se não estou enganado, uma vez o Cadi me disse que o pai dele é, de fato, muito amigo do Xerife Wyat. O Xerife, apesar de exercer a função de xerife, propriamente dita, também é um capitão do exército... nesta cidade os militares têm os tentáculos espalhados sobre quase todas as atividades de estado... olha só, talvez o Cadi pudesse nos dar uma luz a respeito do que fazer neste momento, em relação à Aruda. Neste dia da semana ele geralmente faz umas compras para a mãe dele, na parte da manhã... talvez a gente o encontre agora na fazenda do Senhor MacRonald...

—Então vamos lá, Addae, é até melhor que a gente fale com ele fora da casa dele, não gostaria que a mãe dele soubesse disso... e foi bom tê-lo encontrado aqui na rua, Addae, seria complicado falar com você dentro da Armearia... seria chato seu pai ouvir a respeito da Aruda...

—Tudo bem, Struggle, vamos procurar o Cadi, se ele não estiver na fazendo do Senhor MacRonald, pode estar na padaria do Senhor Biff. Mas vamos rápido, meu pai está me esperando para a gente almoçar na Taverna do Senhor Frodo...

Addae e Struggle descem a Temple, em um passo apressado, chegam à esquina com a Main, em seguida alcançam a Farm Lane e descem em direção à fazenda.

Na “fazenda” de Donald MacRonald, na verdade uma chácara urbana encravada entre as casas e prédios de Thais, coincidentemente naquele momento, Cadi comprava alguns itens para sua mãe.

—Quero um pernil generoso, Senhor MacRonald, este está muito pequeno.

—Pequeno, Cadi? Este aqui tem dois quilos e meio. É de bom tamanho. Você não disse que seu pai está morando no Palácio Real por esses dias? Então... para você, sua mãe e suas irmãs está bom... mas se quiser mesmo eu mato outro porco.. um maior.

—Não, tudo bem, pode ser esse mesmo... ah, o senhor guardou uns miúdos de frango, como eu pedi na última vez?

—Guardei. Tenho bastante fígado e coração de frango. Exatamente como você pediu.

—Uuuuu, que maravilha. Coraçãozinho de frango. Isso cozido é uma delícia...

—Espere aí que eu vou lá dentro pegar...

No momento em que MacRonald se dirige para uma das dispensas, Addae e Struggle chegam, ofegantes, à chácara, e avistam Cadi.

—Cadi! Ainda bem que te encontramos logo, aqui. Diz Addae.

—E aí, galera? O que é que está pegando? Por que vocês estão ofegantes?

Struggle se adianta: —Cadi... você conhece o Xerife Wyat?

—Conheço, claro... amigão do meu pai. Já foi lá em casa várias vezes. Aliás, tem uma filha... meu amigo, nem te conto...

—Cadi, eu sei que seu pai no momento está no Palácio... não poderia nos ajudar... Mas será que você iria com a gente até a Prisão... falar com o Xerife? Indaga Addae.

—Falar com o Xerife, lá na Prisão? M-mas por quê? Espanta-se Cadi.

—A Aruda foi presa, Cadi. Anteontem, durante a entrada das amazonas na cidade. Flagraram- na furtando nas ruas. O Struggle queria pedir ao Xerife por ela... Responde Addae.

—Putz... que ruim, cara. Diz Cadi, olhando para Struggle. __Mas olha, a fiança em caso de furto é de umas mil pilas de ouro. Fora isso, sem chance do Xerife soltar a Aruda. Ele é carne de pescoço em relação aos prisioneiros. Ainda mais ela tendo sido presa em flagrante...

—Mas será que o Xerife não deixaria a gente ao menos vê-la? Pergunta um aflito Struggle. —Não poderíamos pedir a ele que a tratasse bem? Em consideração a você e ao seu pai, ele talvez tivesse boa vontade em relação ao caso dela...

Cadi coça a cabeça, olha para o chão um pouco ansioso com a situação. —Tudo bem. Vamos lá falar com ele. Deixem que eu falo com os guardas e com o Xerife. Não posso prometer nada... mas podemos ao menos tentar...

MacRonald retorna com os miúdos e Cadi lhe diz: —Senhor MacRonald, aconteceu um lance aí... preciso dar uma saída rápida com meus “brothers” aqui. O senhor pode guardar este pernil e os miúdos para mim? Daqui um tempinho eu volto para pegar...

—Ué, o que aconteceu??? Algum problema??? Pergunta um surpreso MacRonald.

—Não, ta tudo bem. Responde Cadi. —Logo eu volto para pegar.

—Humpft. Tudo bem.  Mas daqui a pouco vou almoçar. Aí você só vai conseguir pegar isso tudo aqui depois do almoço. Rebate MacRonald.

—Pode deixar que vai dar tempo, Senhor MacRonald. Diz Cadi. Depois se volta para Addae e para Struggle. __ “Bora”, galera.

O trio sai apressado em direção à Upper Swamp, observado por um intrigado MacRonald, que coça a cabeça.

Os três jovens vencem a Upper Swamp com pressa em direção à esquina com a Harbour. É de se notar a expressão de angústia e apreensão estampada na face de Struggle. Addae e Cadi tentam acalmá-lo.

Após alcançarem a Harbour, descem rápido na direção do Portão Sul, dobrando à direita, um pouco antes do Portão, para em seguida adentrarem uma espécie de rua sem saída, onde se localiza, em um dos lados, a entrada do Hostel de Thais. No fundo da rua, podem ser vistos três guardas corpulentos e altos, portando pesado armamento e guarnecendo a entrada de um prédio de aspecto soturno e comprido, de dois andares. Ao lado do prédio, nota-se a existência de um beco gramado que aparentemente conduz à margem do rio ou fosso que protege Thais ao sul.

Addae e Strugle, à medida que se aproximam, juntamente com Cadi, dos três guardas que guarnecem a entrada do prédio, percebem neles expressões carrancudas, de poucos amigos, como se não estivessem gostando da aproximação dos três jovens.

—O que querem aqui? Um dos guardas logo pergunta, de maneira ríspida, ao trio de amigos, assim que alcançam a entrada da Prisão.

Struggle faz menção a responder ao guarda, mas Cadi lhe segura o braço como a pedir que deixe ele, Cadi, falar pelos três.

—Seu guarda... bom dia... Diz Cadi, tentando demonstrar respeito e educação. —Será que poderíamos falar com o Xerife Wyat?

—Hoje não é dia de visitas, garoto. E o Xerife é um homem muito ocupado. Responde o guarda, ainda com um tom autoritário. __Se querem dar queixa de algum delito procurem alguns dos guardas que fazem ronda pela cidade ou vão até a guarnição do Portão Sul. Eles encaminham para o Xerife. Agora deem o fora.

—O senhor poderia ao menos dizer ao Xerife que o filho do Capitão Tim está aqui e precisa falar com ele? Rebate Cadi.

Ao ouvirem o que Cadi acabara de dizer, os guardas se entreolham. Um deles faz gestos com a cabeça e com o olhar, como a indicar ao camarada que dialoga com Cadi que seria melhor dar o recado ao Xerife, após a menção a respeito do Capitão Tim.

O guarda que conversa com Cadi, então, com uma expressão um pouco contrariada, diz aos três jovens: —Esperem aqui. Em seguida se dirige à porta da Prisão e entra.

Os três amigos aguardam na rua, diante da Prisão, sob o olhar severo dos outros dois guardas.

Alguns segundos depois, o guarda reaparece na porta e, fazendo um gesto com uma das mãos, diz aos três adolescentes: —Venham, o Xerife vai recebê-los.

Os três entram na Prisão. Na recepção notam mais dois guardas fortemente armados, ladeando um comprido balcão. E atrás do mesmo balcão, sentado, um homem de meia idade, corpulento, cabelos alourados, de rosto anguloso, queixo e nariz proeminentes, com algumas cicatrizes na face e trajando uma vestimenta cara, de cor ocre e elegantes luvas de couro.

Ao ver Cadi, o semblante do homem, aparentemente severo, se abre em um sorriso receptivo: —Cadi... fiquei surpreso quando o guarda disse que você estava aí fora, querendo falar comigo. Em que posso ajudá-lo? Indaga o Xerife, ao mesmo tempo em que deita o olhar sobre Addae e Strugle, meio que os cumprimentando com um movimento da cabeça. —E seu pai? Como está? Complementa.

—Está bem, Xerife. Ele está morando no Palácio por esses dias, ajudando nas negociações com as delegações estrangeiras. Responde Cadi.

—Eu soube. Vá se acostumando com a ideia de um dia seu pai chegar ao generalato. O Alto Comando o tem em muito boa conta. Mas então, o que o traz à Prisão Real?

—B-bem, Xerife... Cadi gagueja um pouco. —E-eu gostaria de ter notícias a respeito de uma pessoa... uma amiga... q-que segundo eu soube, f-foi presa...

Wyat o interrompe: —Amiga sua? A única mulher presa neste momento é a Aruda. Você é amigo da Aruda??? Não pensei que você cultivasse certos tipos de amizade, Cadi. Estou surpreso...

—B-bem, Xerife... é que... Cadi procura encontrar as palavras para se explicar.

Então Struggle intervém e diz ao Xerife: —Xerife, na verdade a Aruda é minha amiga. Cadi e o Addae, aqui, a conheceram há apenas dois dias. Ela foi apresentada a eles por mim. Fui eu quem pediu ao Cadi para que conseguíssemos falar com o senhor a respeito da Aruda...

Wyat faz uma expressão de surpresa, levanta as sobrancelhas e olha para Struggle. —Você é o...

—Struggle, senhor. Na verdade meu nome é Phineas. Struggle é só um apelido...

Wyat se recosta mais na cadeira, cruza os braços e olha fixamente para Struggle: __E que tipo de relação você tem com essa moça? Está a par das “atividades” dela pelas ruas?

Struggle, um pouco constrangido, responde: __Eu a conheci em uma ocasião, na qual ela me ajudou, em uma tentativa de assalto que sofri, quando voltava do trabalho. Desde então ficamos muito amigos... s-sobre as atividades dela, às quais o senhor se refere, eu só fiquei mesmo sabendo há poucos dias... pensava que ela vivia de comprar e revender objetos decorativos aos viajantes que passam pelo Porto... depois até a aconselhei a parar com os furtos, procurar um trabalho decente ou algo do tipo...

—Furtos são apenas uma parte das atividades de Aruda. Rebate Wyat. E continua: —Ela atua como receptadora de produtos de roubos de mercadorias no Porto, os dois vagabundos que roubavam para ela revender foram presos há uma semana. Acabaram confessando tudo. Portanto Aruda já estava na nossa mira, iríamos prendê-la por esses dias, mas o flagrante de furto precipitou as coisas. E... bem, vocês já tem idade para compreender certas coisas... Aruda é uma moça muito bonita, atraente... digamos que ela eventualmente também oferecia um outro “tipo” de mercadoria, pelas ruas, a quem pudesse pagar o preço, evidentemente...

Struggle, Addae e Cadi se entreolham e depois direcionam o olhar para o chão, constrangidos.

Os três soldados presentes exibem pequenos sorrisos cínicos, como se estivessem se divertindo com o constrangimento dos jovens. Mas Wyat, percebendo isso, olha para seus subordinados com uma expressão de censura, fazendo com que se recomponham. Em seguida se dirige a Struggle: —_Veja, rapaz. Eu vou fazer o seguinte. Vou considerar que Aruda se viu forçada a participar da receptação de carga roubada no Porto, apesar de saber, pela confissão dos ladrões, que ela participava de livre e espontânea vontade. Vou relevar também, desta vez, o exercício da... da... o uso que ela faz, comercialmente, dos dotes físicos que possui. Você me entende.  Só por esses dois delitos eu poderia sentenciá-la a levar 200 chibatadas em praça pública e enviá-la, em seguida, para realizar trabalhos forçados em uma das minas do Rei. Mas sobra o flagrante de tentativa de furto. Isso eu não tenho como relevar. Havia muitas testemunhas e ela quase foi linchada. A fiança para esses casos gira em torno de mil moedas de ouro. Vocês evidentemente não têm este dinheiro. Mesmo que tivessem, talvez nem valesse a pena pagar. Eu vou aplicar a pena mínima para furto, que são de três dias de prisão, segundo o Ordenamento Real. Como Aruda foi presa anteontem, posso soltá-la amanhã, pela manhã. Que tal?

Os rostos de Struggle, Addae e Cadi se iluminam em sorrisos de gratidão para com o Xerife.

Struggle então diz: —Muito obrigado, Xerife. Peço, por favor, que a trate bem na Prisão. Ela teve uma infância difícil, sabe? É órfã e...

Wyat o interrompe: —Eu conheço a história da Aruda. Já levantei o “prontuário” dela... a morte dos pais na guerra... o orfanato e tudo o mais. Sei que ela teve uma trajetória difícil. Isso, no entanto, não serve como justificativa para o cometimento de crimes. Quase todo vagabundo que vem parar nas prisões também tem uma história de vida complicada. Mas fique tranquilo. Ela está sendo bem tratada. Está aquecida, tem cobertores na cela. Está sendo alimentada corretamente...

—Só mais uma coisa, Xerife... Continua Struggle. —Não querendo abusar de sua benevolência... mas será que poderíamos ver a Aruda? Mesmo que por alguns minutos...

Ao ouvir isto, Wyat, ainda bem recostado na cadeira, com os braços cruzados, olha bem para Struggle e fica em silêncio por alguns segundos. Então, respira fundo e diz: —Veja, hoje não é dia de visitas na Prisão... mas em consideração ao pai deste rapaz aqui... Ao dizer isto, Wyat aponta para Cadi. E prossegue: —Em consideração ao pai deste rapaz aqui, um grande amigo meu e a quem eu devo não poucos favores, vou conceder a vocês uns cinco minutos lá embaixo, para verem e para falarem com Aruda. Não mais do que cinco minutos, combinado?

—Claro, Xerife. Respondem os três amigos em uníssono, não escondendo um tom de alegria na voz.

Wyat diz a um dos três soldados presentes: —Sewell... leve os garotos para verem a Aruda. Cinco minutos cravados. Nem um minuto a mais.

—Sim, senhor. Responde o soldado. Em seguida diz aos três rapazes: —Sigam-me, garotos.

O soldado leva Addae e seus amigos, através de uma porta localizada no fundo da sala de Wyat, para outra sala, onde podem ser vistos dois lances de escada, um que conduz ao segundo andar do prédio, outro que desce, através de uma espécie de alçapão, para o subterrâneo da construção. O grupo desce para um grande recinto, um pouco escuro e úmido, no qual estão dispostas várias celas.

No recinto há dois outros guardas que demonstram surpresa ao verem os três jovens sendo conduzidos por seu camarada. O Soldado Sewell faz um sinal para os dois sentinelas como a dizer que está tudo bem.

Sewell conduz o trio para um corredor com celas em ambos os lados, no lado esquerdo de quem desce as escadas. Addae e os outros dois jovens observam os prisioneiros nas celas.

—Ei garotos. Têm alguma coisa para comer? Uma fruta? Pergunta um homem agarrado às grades de sua cela, no lado direito do corredor, com a barba por fazer e vestindo trajes um pouco remendados.

Addae e os outros se assustam um pouco com a interpelação do prisioneiro.

—Cale a Boca, Partos! Responde Sewell, um pouco ríspido. —Essas visitas não são para você!

Na cela ao lado da de Partos, os jovens observam um homem deitado na cama, cochilando, com roupas caras, luvas e botas igualmente elegantes. O prisioneiro está com os braços cruzados atrás da cabeça. Seu rosto coberto por um bonito chapéu de abas largas.

Sewell aponta para a última cela no lado esquerdo do corredor. Struggle e os outros quase que saltam em direção às grades.

Dentro da cela, sentada na cama, com as costas contra a parede e as pernas flexionadas, seguras pelos braços, juntas ao peito, Aruda ergue o olhar e faz uma expressão de surpresa. Levanta-se e caminha até a porta gradeada. Seus cabelos agora soltos e um pouco despenteados acabam lhe conferindo um aspecto mais atraente até, se comparado ao modo como costuma prender os cabelos e usar maquiagem, quando nas ruas.  

Struggle segura as grades e Aruda envolve as mãos do jovem com as suas: —Struggle... você veio... pensei tanto em você nesses dias...

Aruda nota a presença de Addae e de Cadi. Com a voz um pouco embargada diz: __Olá, meninos... E direciona o olhar para o chão, um pouco constrangida com a situação.

—Oi, Aruda. Respondem juntos Addae e Cadi, tentando, sem muito sucesso, animá-la. Os dois amigos notam melhor a beleza de Aruda, agora com os cabelos ruivos soltos, com madeixas pendendo até o ombro, combinando bem com seus olhos verdes. A parca luz da prisão cria algumas sombras, que acabam por realçar os belos traços da jovem.

Struggle nota alguns hematomas e cortes no rosto de Aruda. Indignado, pergunta: —Bateram em você aqui na prisão???

O guarda que acompanha o trio de amigos, irritado, intervém: —Ei, garoto, veja lá o que fala. Ninguém aqui na prisão encostou em um fio sequer de cabelo dela. Esses machucados foram causados pela multidão que a flagrou furtando. Ela quase foi linchada e depois ainda tentou lutar com os guardas que a escoltavam para a prisão. Tentou inclusive pegar uma faca na bolsa. Os guardas tiveram que usar de energia para dominá-la. Nada, além disso...

Aruda diz aos rapazes: —O guarda está falando a verdade, meninos... não se preocupem, estou sendo bem tratada aqui na prisão...

Sewell, ainda um pouco chateado, diz, consultando o relógio de pulso na mão esquerda, oculto sob a luva: —Humpft... bem, vocês ouviram o Xerife... vocês têm cinco minutos... Após dizer isso, o guarda se afasta para dar um pouco de privacidade aos amigos, indo para junto dos outros dois guardas postados ao lado da escada.

Addae e Cadi notam que Struggle soluça baixinho, emitindo uma espécie de choro contido.

Aruda desliza suavemente as mãos sobre a face de Struggle: —Não fique assim, Struggle. Está tudo bem. Eu estou bem.

—Por que você nunca me falou das atividades que você exerce nas ruas, Aruda? Eu só soube dos furtos através de colegas no Porto, que te conhecem... mas as outras coisas que o Xerife me contou... você nunca me disse...

—Strugglezinho... Diz Aruda, em um tom terno. —Você é a melhor coisa que me aconteceu nesses anos todos pelas ruas. Você tem um coração puro, é uma pessoa boa. Eu não queria que você tivesse contato com esse submundo... isso não é para você...

—_Aruda... Diz Cadi. __Olha, o Xerife disse que você vai ser solta amanhã pela manhã...

—Mesmo? Mas que bom! Viu Struggle? Tudo isso vai passar... Diz Aruda, tentando, agora, animar Struggle.

Addae toca discretamente o braço de Cadi e diz: —Cadi, vamos nos afastar um pouco e deixar o Struggle conversar com a Aruda. Vamos dar um tempo para eles, sozinhos.

Cadi fica surpreso com a sugestão de Addae, demonstrando querer presenciar a conversa entre Struggle e Aruda, mas acaba cedendo. Os dois amigos se afastam um pouco do casal, indo para o outro lado do corredor como também, um pouco, na direção do centro do recinto, onde se localizam as escadas.

Ao passarem diante da cela de Partos, o prisioneiro, segurando as grades, os interpela mais uma vez: —Olá, rapazes. Já vi que a Aruda tem amigos aí fora. Sorte a dela... vocês não têm mesmo alguma coisa aí para comer?

Addae e Cadi a princípio se assustam com a chamada de Partos, mas depois, percebendo nele uma atitude amistosa e um aspecto até simpático, relaxam um pouco.

Addae revista os próprios bolsos e não encontra nada, mas Cadi tira um volume de um dos bolsos, duas pequenas broas envoltas em um pano bordado.

—Toma, amigo, fique com as broas, tem muito mais lá em casa, minha mãe fez umas cem hoje de manhã cedo... Diz Cadi.

—_Oh, muito obrigado, amigo. Responde Partos, ao mesmo tempo em que agarra as broas com avidez. —E sejam muito bem-vindos ao meu pequeno reino... crunch... err, suas graças, por favor...

—Chamo-me Cadi e este é meu amigo, Addae...

—Humm... crunch... muito boa esta broa... Cadi e Addae, muito prazer... crunch... como já devem ter ouvido, através do “gentil” Soldado Newell ali, meu nome é Partos... mas podem me chamar de Party... crunch...

—Como tem passado, Party? Pergunta Addae, tentando ser gentil.

—Oh, ótimo... crunch... comida, cama e teto de graça... crunch... e de vez em quando alguém desce aqui para me fazer perguntas idiotas... crunch... vocês não adorariam isso, se estivessem na mesma situação? Crunch...

Addae percebe o sarcasmo nas palavras de Partos e franze a testa um pouco. 

Cadi ri da situação e emenda: —E o que você faz da vida?

—Adivinha! Vou lha dar uma pista. Não estou nesta cela para fazer a limpeza... na verdade eu gostaria de nunca ter deixado Ankrahmun... crunch...

Desta vez é Addae quem ri de Cadi, devido à resposta dada por Partos.

Mas Cadi parece não se importar, uma vez que fica interessado no que Partos acabara de dizer após a resposta sarcástica. E pergunta, curioso: —Você já esteve em Ankrahmun??

—Sim. Responde Partos. __Eu vivi em Ankrahmun por algum tempo... crunch... ah, bons e velhos tempos... crunch... infelizmente eu tive que me mudar de lá... crunch... por motivos de negócios, entendem?  Crunch...

—Posso imaginar que tipo de negócios você fazia por lá... Diz Addae, meio que repreendendo-o.

—Ora, eu não fiz nada sério. Responde Partos, comendo o último naco de broa. —Eu só concedi a mim mesmo um pouco de diversão... e para falar a verdade, em Ankrahmun as pessoas não se incomodam muito com certo tipo de coisas... ao contrário do Rei, por aqui... o Rei, humpft... o cara que pode roubar os outros em virtude da Lei... não precisa fazê-lo durante a noite, como eu...

Addae e Cadi se entreolham, contendo o riso, pois Partos , apesar de ser um larápio, não deixa de ser uma pessoa divertida.

Mas Addae, mesmo em um tom bem humorado, insiste na reprimenda: __Pois é, Partos, mas olha onde você foi parar com essa sua filosofia... na prisão!

—O que???  Você está querendo dizer que isto aqui é uma cadeia??? Eles me disseram que isto aqui é o melhor hotel da cidade! Isso explica o péssimo serviço de quarto! Continua Partos com o tom sarcástico e debochado.

Addae e Cadi agora não conseguem conter o riso, diante da cara de pau de Partos.

Neste instante, o Guarda Sewell retorna para o corredor onde se localizam as celas e se dirige a Addae e a Cadi, como também a Struggle, que ainda conversa com Aruda, nas grades da cela da jovem: __Muito bem, garotos. Seu tempo acabou. Se despeçam e vamos subir.

Struggle envolve as mãos de Aruda, que agora segura as grades da cela. Toca a testa contra o metal e fecha os olhos, abaixando um pouco a cabeça, demonstrando a tristeza devida à situação por que passa sua amiga.

Aruda afaga os cabelos de Struggle, beijando-lhe a testa. Se dirige a Addae e a Cadi, que tinham se reaproximado de sua cela, após o aviso de Sewell, agradecendo a visita e pedindo-lhes: __Obrigada pela visita, meninos. Não deixem o Struggle ficar assim, triste. Amanhã já estarei livre.

 Addae e Cadi, assentem com um leve sorriso e acenam para Aruda, se despedindo.

Struggle se afasta da cela, cabisbaixo e melancólico.

Quando os três passam novamente diante da cela de Partos, Addae se despede do prisioneiro: —Valeu, Partos. Boa sorte e espero que sua estadia aqui seja breve...

—Até logo, amigos. Venham me visitar novamente... eu estarei por aqui, eu prometo. Responde Partos, com seu proverbial sarcasmo.

 

Cadi e Addae por pouco não riem, mas conseguem evitar fazê-lo, em respeito à tristeza de Struggle.

O Guarda Sewell conduz os três amigos para a escada. Passam sob os olhares dos dois guardas que ficam postados ao lado da mesma escada. Em fila, todos vão subindo, devagar, para o térreo. Em seguida, já em cima, voltam para a sala do Xerife Wyat.

Ao vê-los novamente, Wyat diz: —Bem, rapazes, foi o que pude fazer por vocês. Em seguida, olhando para Struggle, complementa: __Lamento que sua amiga esteja nesta situação, Jovem.  Sei que conselhos são fáceis de serem dados. Mas se pudesse lhe dar um, diria que tentasse demover Aruda da ideia, caso ela assim ainda pense, após essa experiência desagradável... diria que tentasse demovê-la da ideia de continuar pelas ruas, cometendo delitos.  Esta foi a primeira vez que ela veio parar na Prisão do Rei. Se tiver que voltar para cá um dia, a situação dela ficaria bem complicada. Já seria reincidente e muito provavelmente seria condenada a uma pena pesada. Ela é jovem, bonita... poderia tentar arranjar uma ocupação decente... enfim, é o que eu disse, conselhos são fáceis de serem dados...

—Eu agradeço por nos ter deixado vê-la, Xerife. Responde Struggle, um pouco melancólico. —_Agradeço também por sua preocupação. Eu vou tentar sim convencê-la a mudar de vida...

Wyat continua: —Eu devo colocá-la em liberdade amanhã lá pelo meio-dia. Se quiser pode vir para acompanhá-la pela rua. Ela deve gostar de ver algum rosto conhecido esperando por ela, após ser solta.

—Eu virei esperá-la, Xerife. Responde Struggle.

—Obrigado por tudo, Xerife. Diz Addae.

—Valeu mesmo, Xerife. Diz, por seu turno, Cadi.

—Dê lembranças a seu pai, Cadi. Diz Wyat.

Os três amigos saem da prisão.

Os guardas que ficam de sentinela na entrada lhes dirigem olhares ainda um pouco severos, como se persistisse neles um sentimento de inconformismo com o fato dos jovens terem sido recebidos pelo Xerife.

Enquanto caminham pela rua que conduz à Prisão, em direção à esquina com a Harbour, Addae e Cadi notam que Struggle tem uma expressão bem triste. O Jovem começa novamente a soluçar baixinho, cabisbaixo.

Addae e Cadi tentam novamente animá-lo.

—Não fique assim, Struggle. Amanhã darei um jeito de vir na Prisão com você, para receber a Aruda de volta à liberdade. Diz Addae.

—_Eu também virei. Completa Cadi. —Ânimo, Struggle. O pior já passou.

—Não sei se o pior já passou... Diz Struggle, enxugando com o braço direito algumas lágrimas que caem através do rosto. —E se a Aruda não quiser mudar de vida? Sabem, o Luke, lá do Porto, estava precisando de uma pessoa para conduzir visitantes e turistas em passeios pela cidade... pensei em indicar a Aruda... mas e se ela não quiser? Eu quero muito ajudá-la, mas e se ela não quiser ser ajudada?

—Vamos pensar de modo positivo, Struggle. Rebate Addae. __Você teve uma boa ideia a respeito da Aruda trabalhar como guia. Ela com certeza conhece a cidade. Quem sabe ela aceita a sugestão? Fale com ela, com calma. Pode dar certo...

—E olha só Struggle. Diz Cadi. —Eu estava pensando se a gente não poderia dar um passeio pela cidade amanhã. Como aquele que eu, o Addae e a Genevieve demos anteontem. Mas dessa vez você iria também, como o Tatius e também a Aruda. Vamos levar a Aruda e aí a gente aproveita e tenta convencê-la a tomar outro rumo na vida... você está escalado para trabalhar amanhã no Porto?

—Bem... Responde Struggle. __Na verdade eu hoje cedo me desliguei do trabalho do Porto. Preciso intensificar os preparativos para a viagem a Rook. Então eu posso sair com vocês, amanhã. Tem certeza que se a Aruda for com a gente não vai ter problema?

—Claro que não, cara. Amanhã depois que ela for solta a gente a convida. Diz Cadi. —A gente só precisa, hoje, convencer o Senhor Frodo a liberar o Tatius, pois a hospedaria funciona nos Die Eru, mas o pai do Addae não abre a armearia. Com certeza o Senhor Tokel não se importará se a Genevieve for também.

—Caramba! Diz Addae. —Meu pai estava me esperando para a gente almoçar no Senhor Frodo, assim que eu voltasse do Palácio. Deve estar preocupado com a minha demora.

—Então vamos apressar o passo, Addae. Completa Cadi. —A gente aproveita e fala com ele sobre o passeio amanhã. Para que ele deixe você ir. E quem sabe ele não convida a mim e ao Struggle para uma boca livre na Taverna do Senhor Frodo... aquele almoço anteontem após o passeio com a Genevieve foi antológico...

Addae ri da cara de pau de Cadi. —Mas e as compras que você deixou com o Senhor MacRonald??

—Droga, você tinha que me lembrar disso... Reage Cadi. —É, não vai rolar boca livre. Tenho que levar as compras para a minha mãe. A gente então só fala com o seu pai sobre amanhã...

Quando os três amigos dobram a esquina com a Harbour, quase colidem contra três homens que vinham em sentido contrário, no intuito de entrarem na rua que conduz à Prisão.

Os dois grupos se encaram por alguns segundos.

Addae, Cadi e Struggle se assustam com o aspecto dos homens, um pouco mal-encarados.

Os três homens trajam vestimentas parecidas, no estilo e no corte, mas de tonalidades diferentes. Os trajes são, em quase sua totalidade, de couro.

Segundo o ponto de vista dos três jovens, o homem mais à esquerda tem a cabeça inteiramente raspada, mas com uma espécie de rabo de cavalo pendendo desde a parte de cima, em um estilo que lembra talvez um bárbaro ou mesmo um ciclope. Uma enorme cicatriz corta-lhe a face em diagonal, desde a têmpora direta até a bochecha esquerda. Usa calça, camisa e um comprido sobretudo, todo o conjunto em couro marrom. Roupas caras, de muito bom gosto, como também as luvas e as botas, feitas de uma espécie de pele de cor cinza. No cinto, bem largo, uma brilhante fivela prateada adornada com alguns símbolos misteriosos.

O homem do meio, talvez o de aparência mais soturna, usa roupas de couro negro. Seu sobretudo liga-se a um capuz que chega quase a lhe ocultar os olhos, dependendo do ângulo de visão de quem o observa.  Usa um cavanhaque de onde pendem duas pequenas tranças com apliques na extremidade. Tem pendurado junto ao corpo um grande alforje, parcialmente escondido pelo sobretudo.

O terceiro do grupo tem a aparência menos pesada, apesar do semblante sério. Ostenta um espesso bigode louro. Usa um chapéu típico dos arqueiros, pontiagudo na frente e com um grande penacho pendendo para trás. Todas as peças de seu vestuário, o sobretudo inclusive, são feitas de um estranho tecido esverdeado, que lembra o couro de algum tipo de réptil. Trás às costas uma grande besta e um recipiente para flechas.

Addae e Cadi baixam o olhar e procuram contornar o misterioso trio.

Struggle segue seus dois amigos, mas vai fitando os estranhos nos olhos, de maneira desafiadora.

Os homens olham para Struggle com expressões de deboche, percebendo o inchaço de seus olhos, devido ao fato do jovem ter chorado momentos antes, por ter presenciado a situação de Aruda.

Mesmo após contornar o grupo, Struggle se mantém encarando-os.

Os homens estão prestes a lançar algum gracejo contra o adolescente, quando Addae o puxa pelo braço: __Vamos Struggle. Está maluco? Quer arranjar encrenca com esses tipos aí?

Struggle acaba seguindo em frente, após a intervenção de Addae, mas diz: —Que caras folgados. Ficaram encarando a gente de um modo meio debochado.

Cadi diz: —Pela maneira como se vestem devem ser guildanos. Não é uma boa ideia se meter com eles...

Os três amigos acabam finalmente subindo a Harbour, deixando os estranhos para trás.

Por sua vez, os três homens, ainda com sorrisos de deboche nos lábios, adentram a rua que conduz à Prisão.

Os três guardas que ficam de sentinela na rua, em frente à Prisão, percebem a aproximação do trio. Dois dos guardas posicionam suas lanças a frente do corpo, assumindo uma atitude de prontidão. O terceiro guarda, o mesmo que anteriormente dialogara com Addae e seus amigos, assume uma expressão um pouco tensa, demonstrando preocupação com a presença, ali, dos três homens, e indaga: —O que querem?

—Bom dia, seu guarda. Responde o careca, com expressão e tom que denotam uma certa irreverência. —Viemos pagar a fiança para um amigo, que está “hospedado” aí dentro...

Ao ouvirem isso, os guardas se entreolham.

O guarda que indagara aos homens sobre a razão de estarem ali aponta para o homem de capuz e para o arqueiro: —Não poderão entrar com isso aí. Diz, se referindo ao alforje e ao equipamento de ataque à distância.

O arqueiro retira a besta e o recipiente para flechas das costas e os entrega ao guarda.

O homem de capuz retira o alforje, mas, antes de entregá-lo, o abre e dele retira um saco que, pelo tilintar, parece estar cheio de moedas. Em seguida entrega o alforje, dizendo ao guarda: __Tenha cuidado com o conteúdo do alforje, seu guarda... pode ser assim, um pouco perigoso...

O guarda olha para o homem com um olhar intrigado.

O homem devolve um sorriso enigmático.

O guarda pede aos homens que abram os capotes. Em seguida os revista rapidamente. Então diz: —Venham comigo.

O guarda, seguido pelos três, adentra a sala do Xerife Wyat.

O Xerife, sentado atrás do balcão, lendo algumas anotações relativas à administração da Prisão, ergue o olhar, curioso para saber o motivo da presença, ali, dos três homens.

Os dois guardas que ficam de sentinela nas extremidades do balcão, entre eles o Guarda Sewell, assumem uma postura de prontidão.

—Xerife... Diz o guarda que conduzira o trio para dentro. __Eles vieram pagar a fiança de um prisioneiro...

—Fiança? Indaga Wyat. —Para quem?

—Pierre Laderry. Responde o careca da cicatriz.

—Hummm... Reage Wyat.  __O Pierre... o brigão do jogo de dados... sei. Bem, ele se envolveu em um entrevero sério, por causa de umas apostas no jogo de dados, na taverna do Grande Hostel, aí em frente. Muitas cadeiras, mesas e garrafas foram quebradas. Alguns hóspedes ficaram feridos. Fixei a fiança em... deixem-me ver... Wyat consulta o livro de registros de ocorrências. —Aqui... Pierre Laderry... bem, senhores, podem levá-lo por... 30.000 moedas de ouro.

—30.000? Ora, Xerife, foi só uma briguinha... Reage o arqueiro. —Ele tentava ganhar um dinheirinho em um jogo honesto. Foi trapaceado e teve que assumir uma atitude assim... mais drástica.

O homem de capuz faz um sinal para o arqueiro, para que ele pare de se manifestar. Abre o saco que trazia dentro do alforje, e que fora retirado antes da entrega do alforje para o guarda que revistara o grupo, lá fora. Do saco retira um outro saco, menor, que tilinta com o movimento, revelando conter muitas moedas. Subitamente, o encapuzado joga o saco menor no balcão, o que causa um grande ruído devido à presença das moedas.

O Xerife Wyat reage: —Ei... olha os modos, forasteiro. Desacato à autoridade também dá cadeia...

Os guardas presentes ao recinto dirigem um olhar agressivo ao homem.

O encapuzado se desculpa, ainda que de uma maneira irreverente: —Oh, queira me desculpar, Xerife. É que estou um pouco ansioso para colocar o meu amigo em liberdade... E exibe um sorriso sarcástico.

—E outra coisa... Continua Wyat. —Baixe esse capuz. Não gosto de encapuzados aqui dentro da prisão. Deixe-me ver melhor o seu rosto...

O homem joga o capuz para trás, revelando, além do cavanhaque com as tranças, cabelos negros presos por um pequeno rabo de cavalo e ainda, para espanto de Wyat e dos guardas, um olho vazado e já cicatrizado.

Os guardas olham surpresos para o olho vazado do forasteiro.

Mas Wyat rapidamente se recompõe e diz para o guarda que escoltara o trio para dentro: —James, abra o saco e conte as moedas.

—Sim, Xerife. O guarda desamarra a boca do saco e cuidadosamente derrama algumas centenas de moedas de platinum no balcão.

O homem do capuz diz: —Tem o equivalente a 50.000 moedas de ouro aí, Xerife. Pode ficar com o troco. Uma pequena ajuda para a manutenção da Prisão. Este prédio parece estar precisando de umas reformas.

O tom de deboche irrita o Xerife: —Escute aqui, engraçadinho... mais um comentário ou atitude debochada e você vai precisar de muito mais dinheiro, não só para pagar a fiança de seu amigo, como a sua própria... e não tem essa de dinheiro a mais ou a menos, são 30.000 exatos.

O Xerife se volta para o Guarda James: __Conte 300 de platinum e devolva o resto.

—Sim, Xerife. Responde o guarda.

Após o guarda separar 300 moedas de platinum, recoloca o restante no saco e o devolve ao zarolho.

—Coloque no cofre, James. Diz Wyat, dando uma chave metálica para o guarda. E se voltando para os três visitantes, enquanto abre o enorme e surrado livro de registros, continua: —Quero nome, residência e ocupação dos três, para registro. Os que pagam fiança tem que ter seus dados registrados... você, careca, vai cantando...

Dessa vez os três homens demonstram um certo constrangimento. Percebem que Wyat tem uma personalidade forte e destemida e concluem, internamente, que é melhor não brincar ou subestimar o Xerife de Thais.

O careca, meio que balbuciando, responde: __Cardomius Markov...  Salvation Street, 3, Venore... ocupo a função de cavaleiro da Guilda Crimson, sediada em Venore...

—Já tinha percebido, pelo sotaque, que vocês são de Venore... como o Pierre...  venorianos, sempre folgados... gosto de hospedar venorianos folgados na minha aprazível “pensão”... costumo dispensar um serviço de quarto especial para eles... Diz Wyat, sarcástico, enquanto escreve.

Os três sentem desconforto com as palavras e o tom empregado por Wyat, mas o “cascudo” Xerife irremediavelmente já crescera para cima deles, colocando-os em uma posição de inferioridade.

Os guardas presentes emitem risinhos debochados, aproveitando o momento para tripudiar em cima dos, minutos antes irreverentes, guildanos.

Wyat ergue os olhos, após fazer as anotações relativas a Cardomius e aponta para o zarolho: —Sua vez... zarolho...

O homem das vestes negras trinca os dentes, em sinal de profunda irritação com o tratamento dispensado pelo Xerife, mas declara: __Tomazzo Vincevic... Salvation Street, 3, Venore... mago da Guilda Crimson...

Após concluir as anotações sobre Tomazzo, Wyat ergue os olhos e as sobrancelhas e aponta a caneta para o terceiro homem, aguardando sua declaração.

O arqueiro, já com o espírito rendido diante da personalidade impositiva do Xerife, diz, em voz baixa: —Willborn Fenster... Silver Street, 2, Venore... Paladino da Guilda Crimson...

—Como é que é? Fala alto, rapaz. Rebate Wyat. —Está com algum problema?

Willborn engole em seco e repete a declaração, desta vez em um tom de voz mais alto.

—Muito bem... Diz Wyat após as últimas anotações. __Vou enviar um ofício ao Comando da Guarda em Venore, pedindo que cofirmem essas informações dadas por vocês... e também indagando se eles têm registros de alguma, digamos assim, atividade irregular por parte de determinados “guildanos” de Venore, em visita à Capital... Completa Wyat, exibindo um sorriso sarcástico e desafiador para os três homens em pé diante dele.

—Fique à vontade, Xerife... faça isso. Diz Cardomius, dando de ombros e tentando transparecer uma atitude de quem não se importa.

—Farei sim... responde Wyat, mais uma vez sorrindo sarcasticamente. Se volta, então, para o Guarda Sewell. __Sewell, traga o Pierre.

—Sim, senhor, Xerife. Responde o soldado, se dirigindo para a sala posterior e para a escada que conduz ao subsolo.

Após descer as escadas, Sewell solicita ajuda aos dois guardas posicionados ao lado das mesmas escadas. Vão se dirigindo para o corredor de celas à esquerda de quem desce. Passam diante da cela de Partos.

Partos, vendo o trio de soldados passar, diz: —_Isso aqui está movimentado hoje...

—Cala a boca, Partos. Rebate Sewell. —Vai dormir um pouco...

Aruda também percebe a aproximação dos guardas, levanta da cama e se posta perto das grades para ver o que ocorre.

Sewell para diante da cela oposta a de Aruda, no mesmo corredor, no outro lado. O prisioneiro que Addae e seus amigos viram, quando da visita a Aruda, continua deitado na mesma posição.

—Hora de levantar, Pierre. Diz Sewell, batendo com um pesado molho de chaves contra as grades.

O prisioneiro faz um leve movimento com a cabeça e tira o chapéu de cima do rosto. É um jovem adulto bem apessoado, com cabelos castanhos claros penteados para trás e presos por um rabo de cavalo de tamanho médio e vívidos olhos azuis, bem claros. Uma barba rala lhe corre pelo maxilar de orelha a orelha.

—O que foi, Guarda? Indaga o homem. __Hora da boia?

—Vieram pagar sua fiança. Você vai para a rua. Responde Sewell

O homem arregala os olhos ao ouvir o que Sewell acabara de dizer e se levanta rápido e animado, da cama.

—Vá para o fundo da cela, vire-se para a parede e coloque as mãos para trás. Diz Sewell.

—Ah, seu Guarda. Para que isso??? Acha que eu tentaria alguma coisa, agora que estou saindo??? Protesta Pierre.

—Você vai por você mesmo ou quer que nós entremos aí e façamos do jeito difícil? Indaga Sewell.

—Aff... Suspira Pierre, colocando-se de frente para a parede e jogando os braços para trás.

Sewell abre a cela e entra, juntamente com os dois outros corpulentos soldados. Do cinto pega um par de pesadas algemas ligadas entre si por uma grossa corrente. Prende as algemas nos pulsos de Pierre e liga o conjunto, através de outra corrente, a uma coleira metálica, que prende ao redor do pescoço do prisioneiro.

—Vamos. Diz Sewell, agora conduzindo Pierre pelo braço.

Quando o grupo sai da cela e passa diante das grades de onde Aruda observa, Pierre diz, para a jovem: — “Ciao” boneca... pena que não tivemos mais tempo para nos conhecer melhor... mas quem sabe a gente não se esbarra por aí, depois que você sair...

Aruda entra um pouco no clima e devolve, rindo: —É... quem sabe...

—Vamos, anda! Não temos o dia todo. Diz, de maneira ríspida, Sewell, enquanto empurra Pierre com um movimento brusco.

—Ai... calma seu guarda. Responde Pierre, um pouco debochado. —Só queria me despedir dessa “ criança” aí...

Ao passarem diante da cela de Partos, o prisioneiro diz para Pierre: —Sei não... tenho um pressentimento que você em breve voltará a se hospedar aqui no “hotel” do Xerife Wyat...

Pierre não gosta muito de ouvir o que Partos afirmara e devolve: —Tchau, otário, fique aí com a umidade, com os ratos, e com as baratas...

—Vamos, ande! Diz Sewell, empurrando Pierre.

—Ai, seu guarda. Calma. Estou indo. Protesta o guildano, desta vez manifestando um sincero desconforto com a brutalidade e rispidez de Sewell.

Após subirem as escadas, Sewell e Pierre finalmente alcançam a sala do Xerife. Pierre mostra uma expressão de satisfação ao ver seus companheiros de guilda, no que é correspondido por Willborn. Mas fica intrigado ao perceber que Cardomius e Tomazzo lhe dirigem olhares tensos, quase agressivos.

—Muito bem... pode soltá-lo, Sewell. Diz Wyat. —Vocês quatro... assinem aqui no livro ao lado de seus respectivos nomes... James, pegue os pertences do prisioneiro e devolva os dos fiadores...

Após ser libertado das algemas, Pierre assina no livro, no que é seguido por seus três camaradas.

O Guarda James vai até a sala contígua a do Xerife e retorna com uma bela espada thaiana, uma mochila negra e um escudo em tons amarelos e azuis. Entrega o conjunto a Pierre. Depois pega, em uma gaveta larga na parte posterior do balcão, a besta e o recipiente de Willborn e o alforje de Tomazzo, entregando-os a seus respectivos donos.

—Podem ir agora. Diz Wyat, secamente.

Os quatro saem em silêncio da prisão, seguidos pelo Guarda James, que se junta aos outros dois sentinelas na rua.

James comenta com seus dois camaradas a respeito da dura que o Xerife deu nos guildanos. Os dois emitem risadas provocativas, no intuito de tripudiarem sobre os quatro homens, que vão se afastando na direção da esquina com a Harbour.

—Xerife bastardo. Resmunga Cardomius. __Em uma outra situação eu lhe deceparia a cabeça.

Pierre indaga a Willborn: —O que aconteceu na sala do Xerife? Por que Cardomius está tão irritado?

—O Xerife ficou dirigindo provocações e ameaças a nós três. Não gostou do fato de Tomazzo ter arremessado o saco com o dinheiro da fiança na mesa dele e depois ter dito umas coisas em tom de deboche... Responde Willborn.

Os quatro começam a subir a Harbour na direção norte.

Assim que passam do Grande Hostel, Cardomius aponta para um pequeno beco localizado no lado esquerdo da rua: —Entrem aí, precisamos conversar.

Pierre e Willborn entram na frente, no que são seguidos pelos outros dois guildanos.

Quando Pierre e Willborn se voltam para saber a respeito do que Cardomius quer falar, o cavaleiro desfere um violento murro no queixo de Pierre, que desaba contra o solo.

Pierre, atordoado e ainda no solo, em um ato reflexo, leva a mão à bainha com o intuito de pegar sua espada e reagir à agressão de Cardomius.

Tomazzo, em pé ao lado de Cardomius, retira de seu alforje um fragmento cinzento de pedra, que ostenta na face um símbolo representando um crânio humano, e o direciona, através da palma de sua mão e de modo ameaçador, para Pierre, na tentativa de demovê-lo da ideia de esboçar qualquer reação contra Cardomius.

Willborn, agachado, tenta ajudar Pierre a se levantar ao mesmo tempo em que procura convencê-lo a não reagir, como também mostra a palma da mão para Tomazzo, no sentido de pedir que não use a runa que segura, contra Pierre. Por fim, indaga a Cardomius: —Perdeu o juízo, Cardomius? Por que fez isso?

Cardomius aponta o dedo indicador da mão direita para Pierre e diz: —Idiota! Na véspera do assalto e você se envolve em uma briga por causa de jogatina. Era hora de ficarmos quietos, fora da atenção das pessoas na cidade, principalmente da Guarda. Agora você atraiu a atenção, sobre nós, de ninguém nada menos do que o Xerife de Thais.

—E o que você está fazendo justamente agora, Cardomius? Indaga Willborn. —Você vai atrair para nós a atenção das pessoas que passam na rua, bem aí em frente do beco.

Mas Cardomius ignora a fala de Willborn e continua, olhando para Pierre: __Se ainda está dentro do “serviço”, esteja amanhã às sete na pracinha defronte à filial do Banco de Venore. Os 30.000 pagos na fiança serão descontados da sua parte.  Caso contrário, suma da minha vista.

Pierre, transtornado com a agressão por parte de Cardomius diz: —Nunca mais encoste um dedo em mim, Cardomius. Porque caso o faça alguma outra vez, vai pagar com a vida!

—Humpft. Desdenha Cardomius, enquanto se vira e caminha para a rua, saindo do beco.

Tomazzo, após devolver a runa ao alforje, o segue.

Pierre massageia o maxilar, tentando aliviar o trauma decorrente da agressão por parte de Cardomius. Tenta dar um passo mas ainda sente um pouco de tonteira.

Willborn o auxilia, segurando seu braço e o ajudando a caminhar.

—Panaca, esse Cardomius. Se o serviço amanhã der certo, pego minha parte e me mando para Port Hope ou para Liberty Bay, ou mesmo cruzo a fronteira para o Reino de Carlin. Não vou comprar minha admissão entre os Cavaleiros Negros. Vou é viver minha vida, tranquilo, longe dele e do babaca do Tomazzo. Diz Pierre se movendo com dificuldade para fora do beco.

—Eu também estou pensando em fazer isso. Complementa Willborn. —Aqueles dois são muito difíceis de se conviver. Arrogantes. Como se não tivessem sido expulsos da Crimson, como nós. E sinceramente, não acho uma boa ideia viver sob as ordens do maluco do Modred. Se precisar de um parceiro para empreender essa viagem, conte comigo...

Os dois guildanos vão subindo a Harbour, a uma certa distância de Cardomius e de Tomazzo.


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