Segredos de Família escrita por Carolina Moreira


Capítulo 1
Prólogo




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Campo Verde, 1890

Baltasar Aires trancou a pesada porta de seu escritório e guardou a chave no bolso. Ele havia feito fortuna há alguns anos com uma fábrica de meias e agora trabalhava até tarde da noite. Assim como ele, Amadeu, seu sócio, permanecia na fábrica até a madrugada.

A noite estava fria e escura, fazendo Baltasar se encolher no casaco. Sua esposa Domitila e seus oito filhos não gostavam que ele saísse tarde da noite de seu trabalho. Campo Verde era uma cidade pacata, mas eles tinham muitos inimigos e pessoas invejosas de olho em sua fortuna.

O homem atravessou a rua de pedras. Para chegar até a gigantesca fazenda onde viviam, ele precisava de um cavalo. Baltasar desamarrou o cavalo do poste e montou. Sua esposa o alertara diversas vezes sobre o perigo de andar na estrada tarde da noite. Domitila adorava a fazenda, mas com o marido trabalhando em Campo Verde, uma cidadezinha perto de onde viviam, ela acreditava que deveriam se mudar.

Já era por volta de meia-noite quando Baltasar andava pela estradinha, repleta de árvores e praticamente sem habitação. Desde criança, ele ouvira experiências e lendas contadas pelo povo da cidade. Eles alertavam a todos sobre o perigo de se estar na rua por volta da meia-noite, já que supostamente era a hora das coisas de outro mundo surgirem. Aos 38 anos, já considerado idoso , ele não acreditava mais nessas coisas.

A cada centímetro que ele avançava, a mata parecia estar mais fechada e a noite, por sua vez, mais escura. Ele apenas podia ouvir o cavalo trotando no silêncio da noite.

Foi quando avistou alguns galhos de árvores caídos na estrada, impedindo sua passagem. Baltasar saltou do cavalo e agachou para tirar os galhos do caminho. Um vulto saiu de trás de uma árvore e caminhou em direção ao homem abaixado. Puxou um punhal e cravou-o nas costas do pobre homem.

Baltasar gritou de dor. Ele mal conseguia olhar para trás e sentia o sangue escorrer. Havia sido apunhalado. Olhou novamente para trás e viu Amadeu, seu sócio da fábrica. Mas como poderia? Eles eram amigos há anos, o que fez Amadeu agir daquela maneira?

Ainda com o punhal nas costas, Baltasar gritou de dor e Amadeu não fez nada a não ser olhar.

– Por que está fazendo isso? – perguntou, quase sem fôlego.

– Era algo que precisava ser feito há muito tempo. Com você e com sua família.

– Deixe-os em paz. O que quer de mim?

Ele não respondeu. Apenas puxou e guardou friamente o punhal no bolso, fazendo Baltasar gemer novamente. Em seguida subiu no cavalo do sócio, continuando estrada a frente.

Não muito longe dali, em uma grande propriedade, o jovem Domingos despertou. Ele olhou para o lado e viu seus três irmãos dormindo no quarto.

Levantou-se e saiu do cômodo. Pinturas enfeitavam o longo corredor. Ele foi até a sala de costura de sua mãe. Já era tarde e como de costume, ela costurava calmamente. As janelas estavam abertas, permitindo a entrada da suave brisa no pequeno quarto.

– Que faz acordado até essa hora? – perguntou-lhe a mãe.

– Acabei de levantar. Tive um sonho estranho, parecia real.

– Todos temos sonhos desse tipo. Conte-me sobre o seu.

– Meu pai estava morto.

A mãe parou e com pavor no rosto, lhe perguntou:

– De onde tirou essa ideia?

– Eu sonhei. E o homem que o matou está vindo atrás de nós.

– Domingos, não confunda seus pesadelos com a realidade. Seu pai não está morto, tampouco alguém está planejando nos matar.

– Precisas acreditar em mim. Vi claramente: meu pai vinha montado no cavalo, caiu numa emboscada, foi morto e o homem disse que viria atrás de nós.

– Isso é insano, meu filho.

– Precisamos sair daqui.

– Seu pai está para chegar, não o quero escutando essas tolices.

Domingos caminhou até a cadeira onde sua mãe estava e disse:

– Minha querida mãe, temos que sair daqui.

Antes que Domitila pudesse negar, eles ouviram barulhos de passos do lado de fora do casarão.

Domingos desceu a escadaria correndo e foi até a cozinha. Puxou um facão e abriu as portas do fundo. Ele saiu calmamente, sem fazer um ruído e encontrou Lázaro, o homem que trabalhava na fazenda, caído no chão. Cutucou-o e ele sequer se mexeu. Estava morto.

Correu novamente para dentro de casa e contou à mãe o que se sucedera. Ela parou, aterrorizada com a notícia e perguntou:

– O que iremos fazer?

– Vamos fugir.

– Como?

– Temos alguns cavalos ali fora. Se não estiverem mortos, iremos montar e escapar atravessando a fazenda e o mato, sem passar pela estrada. Depois iremos procurar hospedagem em Campo Verde.

– Mas quem sabe os perigos de andarmos sós pelo mato?

– Alguma outra ideia?

Ela pensou e apenas disse-lhe:

– Vou acordar seus irmãos.

Domitila foi até os quartos e acordou os sete filhos. Tudo precisava ser feito rapidamente para que pudessem escapar. Domingos pegou a espingarda do pai para levar consigo e por ordens da mãe, uma mala que continha parte da fortuna da família. Ele encontrou a pesada mala de dinheiro guardada dentro de um baú trancado a chave.

Logo, todos estavam montados nos cavalos, atravessando a fazenda.

– Meu filho, – cochichou Domitila para Domingos, o filho mais velho – e se tudo isso não se passar de um engano? E se seu pai estiver vivo? Como podemos acreditar?

– Lázaro está morto.

– Mas e se não tiver nada a ver?

– Eu sonhei com a morte dele, também.

A noite estava escura e todos estavam assustados. O frio era cortante. Domingos ia à frente, montado em seu cavalo enquanto equilibrava um lampião na mão esquerda. Sua mãe ia montada em outro cavalo levando o caçula enquanto os outros irmãos iam juntos na garupa de outro. Foram adentrando a mata, seguindo uma trilha pouquíssimo usada, iluminada pelas estrelas.

Após algumas horas chegaram até a casa da irmã de Domitila em Campo Verde. A mulher deixou os filhos sob cuidados da irmã e pegou a mala com parte da fortuna da família. Quando se preparava para sair, foi abordada pelo filho mais velho.

– Aonde estás indo?

– Vou esconder nosso dinheiro.

– Onde?

– Em um lugar em que Deus protegerá.

Pela manhã, foram informados da morte do pai e de Lázaro. Também ouviram que o casarão havia sido arrombado e alguns pertences foram levados. Cientes de que não estavam seguros, Domitila e os filhos partiram para uma cidade longe dali.

Duramente, eles levaram a vida. Toda a fortuna desapareceu da noite para o dia. A família Aires ficou sendo motivo de comentários durante anos. Conseguiram dinheiro apenas para se manter.

O tempo passou, Domitila faleceu. Os filhos, já crescidos, se dispersaram pelo país e deixaram a triste história para trás. E a mala de dinheiro da família Aires nunca foi encontrada.

500 km dali,
cerca de cem anos depois

A criançada berrava de um lado para o outro. Já era fim de tarde e Gardenia, avó, esposa e moradora de um sítio estava a ponto de enlouquecer. Ela estava tomando conta de seus seis netos no fim de semana. A noite de sábado se aproximava e as crianças corriam de um lado para o outro do lado de fora da casa.

Durante o dia ela cuidara de Thomaz, um dos netos mais novos, que se machucara numa brincadeira no riacho e quase teve uma das netas, a distraída Valentina, picada por uma cobra.

Seu marido Abel só dava risadas. Ele prometara às crianças contar lendas antigas à noite e sabia que elas estavam ansiosas por isso.

Na hora do jantar, todos estavam reunidos em volta da mesa e a avó fez uma oração, agradecendo pelos alimentos e pelo dia que tiveram.

– Vó, por que a senhora ora antes da gente jantar? – perguntou Marcos, um de seus netos.

– Meus pais faziam isso sempre e os meus avós também. Temos de agradecer pelo que temos e por quem está conosco.

– A senhora também ia pra casa dos seus avós igual a gente faz, vovó? – perguntou Laila, a mais novinha.

– Não. Infelizmente, eu não tive a oportunidade de sequer conhecer os meus avós.

– Por quê? – perguntou Olivia, a mais curiosa.

– É uma história interessante, porém muito triste. Meu avô, seu tataravô, era um homem muito rico, chamava-se Baltasar. Numa noite escura, ele foi morto e só estamos aqui hoje porque o meu tio, o filho mais velho, teve um sonho no meio da noite e fez com que toda a família fugisse da fazenda onde eles viviam. Foi uma tragédia. Eles perderam o pai e a fortuna da noite para o dia. Alguns anos depois, perderam a mãe, minha avó. Então o meu pai, mudou-se para outra cidade, a 500 quilômetros de distância. E aqui estamos desde então. Por isso, valorizem o que vocês têm. Eu não tive a oportunidade de conhecer meus avós.

– E que cidade era essa aí, vó?

– Qual delas?

– A que seus avós viveram.

– Campo Verde. Eu nunca cheguei a conhecê-la. Dizem que é uma graça, um pouco parada no tempo, mas recebe alguns turistas.

– Você vai visitar essa cidade algum dia, vó? – perguntou Thomaz.

– Talvez. Só Deus sabe.

– Se a senhora for, me leva? – pediu o pequeno Thomaz.

O avô deu uma risada e falou:

– Espertinho você, não?

– Eu sei lá. É que parece ser uma cidade legal.

– Claro, Thomaz. Eu te levo lá algum dia.

A avó levantou-se e juntou os pratos para levar até a cozinha.

– Quem vai querer ouvir histórias agora? – perguntou Abel.

– Eu!

– Eu também!

– Todo mundo!

– Todo mundo podia me ajudar a tirar a mesa, não? – perguntou a avó.

– Que droga.

–Vamos, crianças, não vai demorar. Eu só quero ajuda.

Enquanto os netos ajudavam a retirar as coisas da mesa, Abel chegou para Gardenia e cochichou:

– Eles estão em uma fase boa. Crescem muito rápido. Daqui a uns anos, você vai sentir saudade dessa idade em que eles estão.

Gardenia deu uma risada:

– Eu duvido.


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