só teu amor para fechar a sombra escrita por Ironborn


Capítulo 2
02


Notas iniciais do capítulo

tô postando esse capítulo até meio que antes do prazo, mas deixa pra lá UHSAHUSA e se acham que eu demorei: demoro mesmo pra postar/atualizar história. isso é notícia velha
fora isso, espero que vocês gostem da parte 02



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x. Nesse instante terminaram os livros

Parecia realmente irônico que ali, em meio às romãzeiras do jardim de Perséfone, Nico e sua madrasta tivessem a última conversa antes do garoto deixar o Mundo Inferior.

— Você estaria morto se não fosse por essa árvore aqui, vê? — a deusa lhe disse, dando leves batidinhas no tronco da planta. Tirou os lisos cabelos castanhos da frente dos olhos e colocou-os atrás das orelhas. — Acho tão engraçado tê-las aqui, no meio do palácio da morte.

Os dois estavam sentados debaixo dos galhos da romãzeira, a única espécie de árvore que mantinha a mesma aparência tanto ali quando no mundo dos vivos, sem os bizarros tons de neon que permeavam as outras árvores. Perséfone girava uma enorme ametista na mão enquanto conversavam; a cor da pedra era igual a de seus olhos.

— E é por causa dessa mesma árvore que você está presa aqui também — Nico disse-lhe, irônico, enquanto pegava uma pequena safira do chão e guardava-a no bolso de sua surrada jaqueta de aviador.

Ela riu, levantando-se para colher uma grande romã dos galhos, madura e carmesim como sangue. Depois de examiná-la rapidamente, a deusa da primavera logo se sentou mais uma vez e abriu a fruta ao meio com suas longas unhas, sem se importar com o suco que manchava seu longo vestido verde, e começou a retirar as sementes.

— Ah, é impressionante como a história é sobre mim e ninguém jamais sequer teve a ideia de perguntar a minha versão dos fatos — disse num tom de deboche e revirou os olhos enquanto continuava retirando uma por uma as sementes da romã. Logo, o suco da fruta começou a escorrer por suas mãos, fazendo-lhe cócegas ao desaparecer por baixo das largas mangas da sua vestimenta. A deusa ainda não parecia dar a mínima atenção a este fato.

— Então você tem outra versão para contar? — Nico perguntou, grato por ela não querer mais transformá-lo num dente-de-leão. — Estou certo de que deve ter revelações dramáticas, huh? — ironizou. No último ano em que o garoto passou no submundo, a convivência com a madrasta evoluiu de um fardo para um alívio, principalmente quando os dois decidiram ver-se como primos, e não madrasta e enteado.

— Tudo bem, primo. Ela não chega a ser muito diferente da história original, para ser sincera. Mas Nico — ela suspirou, limpou suas mãos na saia do vestido e cuidadosamente começou a contar quantas sementes havia pegado. — deuses precisam comer?

Perséfone pode perceber a surpresa de Nico por sua mudança repentina de expressão: os olhos arregalaram, as sobrancelhas arquearam e a boca abriu num pequeno “o”, como alguém que descobre o segredo da vida. Ela deu uma leve risada, se deliciando na surpresa do primo.

— Você quis ficar presa aqui. Você escolheu — ele disse, e agora encontrava sentido no convite da deusa. — Foi para isso que me chamou aqui, para me falar de escolhas.

Ela acenou de leve com a cabeça. Pegando mais duas romãs, ofereceu uma a Nico enquanto começou a comer a outra.

— É tudo mais simples do que escolher entre comer ou não a romã, primo. Você tem que escolher entre voltar para o lugar que deseja ir ou passar o resto da era se escondendo no escuro. Eu escolhi entre ser conhecida como a rainha do Mundo Inferior ou a simples deusa da primavera. Entre ficar transformando você em uma flor aleatória a cada cinco minutos ou ter uma conversa agradável, como uma criatura civilizada e capaz de ouvir o outro lado da história. Até porque não sou como Hera ou Anfitrite, aquelas ridículas. — Conseguiu fazer com que os dois rissem — Entende, querido?

Nico assentiu, e decidiu dar uma mordida na romã.

(talvez fosse hora de começar a deixar o passado para trás)

— Sabe, parece até fácil quando você fala.

— Porque é fácil, Nico — ela suspirou — Aqui, pegue isto. — e estendeu ao enteado a mão direita, repleta de sementes de romã. — Nunca se sabe quando vai precisar. Pelo menos agora você não vai precisar roubar meu jardim como um filho de Hermes, huh? — ela disse, e sorriu enquanto arrumava outra vez os cabelos.

Os dois levantaram-se então. Ela, colocando a ametista de volta no chão. Ele, guardando as sementes no bolso que já continha 101 Coisas Interessantes que Nico di Angelo Encontrou no Submundo — incluindo uma flor branca que Bianca colhera nos Campos Elísios para ele, uma dessas frutas estranhas laranja neon do jardim de Perséfone, uma carta que ele escreveu para Percy e nunca teve coragem de mandar, outra que ele escreveu para Jason e também não foi mandada, uma safira pequena, e agora, dez sementes de romã (tudo isso nos bolsos da surrada jaqueta de aviador marrom) — A prima passava a mão pelas marcas que vincaram seu vestido de modo a disfarçá-las e o italiano guardava na memória cada gesto que ela fazia, cada suspiro de ele dava enquanto a marca teimava a continuar naquele pedaço do tecido. Sabia que haveriam vezes em que olharia para o lado esperando encontrá-la, sempre a transformar tudo o que via em hibiscos e hiacintos.

Mas Nico di Angelo tentava não se apegar muito a pessoas, ou deuses. Hazel já era o suficiente.

— Não se esqueça de me visitar de vez em quando — Perséfone disse e piscou para ele, com seus olhos lilases refletindo o neon das árvores. — E aquela outra prima também. Helen, não é? Prometo não transformá-la em uma lágrima-de-cristo. — ela parecia triste agora, como se estivesse arrependida de deixá-lo ir. — Obrigada por ter vindo, Nico — disse em voz baixa.

E seguiu seu caminho até o palácio, de volta a seu trono esculpido em forma de rosa e seu lugar como rainha. Nico ficou observando-a partir, até que estava sozinho no jardim, assim como no dia em que Hades convocou-o a seu reino, um ano antes.

Nico di Angelo desfez-se ali mesmo, nas sombras da romãzeira, em direção ao Acampamento Júpiter — à Hazel.

(e Jason)

x

ix. a amizade, os tesouros sem trégua acumulados

De todas as sensações estranhas que Nico já sentiu, a de viajar nas sombras sempre mantém sua posição em primeiro lugar. Claro, poucas coisas poderiam tentar se comparar a estar praticamente flutuando, quando na verdade ele está se movendo numa velocidade tão absurda que não é possível sentir parte alguma de seu corpo. A única curiosidade é que ele pode ver o que acontece ao seu redor, por qualquer lugar que passe.

Graças a essa estranheza da grande estranheza que já é viajar nas sombras, de Los Angeles até Berkeley, que Nico teve que aguentar Rhoda falando sobre vídeo games durante um dia inteiro.

Foi no meio da estrada que eles se conheceram, quando o filho de Hades surgiu da sombra da garota, enquanto ela e outro garoto mais velho estavam lidando com três empousai. Nico — tão gentil — decidiu ajudar. Entre gritos de guerra, uma enorme fissura aberta no meio do asfalto e mais golpes de espada do que o possível, os três demônios são tão impotentes quanto bonecas de pano, e deixam de existir numa explosão de pó dourado. Apenas depois de certificar-se de que não havia mais nada à espreita foi que a garota virou os olhos azul céu para Nico, com a ponta da lança próxima demais ao seu rosto.

Mas não era como se ele pudesse fazer qualquer coisa mesmo. Sem que ele percebesse, uma enorme raiz havia rompido a estrada e se enrolado nas suas pernas, até a altura dos joelhos, apertando-o até chegar ao ponto onde começava a doer. Tinha certeza de que acabaria virando uma árvore caso o garoto não mandasse as raízes retrocederem, mas com sorte, aqueles olhos azuis reconheceram-no antes disso.

— Honda, solta ele! — ela gritou, abaixando a lança. Tinha certeza de tê-lo visto antes.

O único problema era que as raízes estavam o sustentando na hora, logo, assim que elas desapareceram sob o asfalto, o italiano teve uma bela queda e terminou com a cara no chão — que aliás, doeu mais do que o aperto em suas pernas. A primeira coisa que viu quando se virou e começou a levantar foram os cabelos curtos e loiros da garota logo acima dele, quase encostando em seu rosto. E depois, os olhos e o rosto pintado por sardas.

— Honda é um desajeitado em todas as ocasiões. Sinto muito — ela disse, e Nico pode ouvir um indignado “Ei!” acima de si. — Você é o Embaixador de Plutão, não é? Aquele garoto grego. Nico, isso. Eu sou Shepard. Ou Rhoda, tanto faz. Filha de Marte, aliás. Esse do meu lado é o Honda, filho de Ceres. — e estendeu-lhe a mão enquanto sorria.

O dito embaixador pegou a mão dela e se levantou, grato pela ajuda. Num rápido movimento ele limpou a sujeira da roupa e pode prestar atenção nos dois semideuses à sua frente. A loira — Shepard, ela tinha dito — era baixinha e a lança que segurava era maior a própria garota, que mantinha uma postura aparentemente relaxada depois de lutar com três monstros; mas por seus constantes movimentos, como se ela não pudesse ficar parada de jeito nenhum, Nico percebeu que ela estava pronta para entrar em combate caso visse algo que lhe despertasse a atenção. Já o outro, Honda, era bem mais alto, com cabelos castanhos cacheados e olhos de um tom verde claro, e até mesmo a maneira como ele ficava em pé era meio desengonçada. Os dois pareciam ser semideuses normais — até onde um semideus pode ser normal — no meio de uma missão. Só houve uma coisa que chamou a atenção do italiano.

— Cadê o outro?

— Outro o quê? — Rhoda perguntou, franzindo as sobrancelhas.

— Não existe uma missão com dois integrantes — ele disse, e ela sorriu. Deu a lança para que a Honda a segurasse e, virando-se para as árvores que flanqueavam a estrada, gritou:

— Pierre, estamos indo!

Um menino de uns dez anos, com cabelos e olhos castanhos, saiu correndo dali em direção à Rhoda. Nas mãos bronzeadas ele carregava um aparelho eletrônico branco que Nico não sabia dizer o que era.

— E por último: Este é Pierre. Nossa missão era apenas resgatar uma filha de Minerva que teve a casa invadida por um monte de monstros. Parece que ela estava fazendo uns projetos bem legais para chamar a atenção deles assim, mas ela não quis no falar o que era — ela tentou se explicar — Nós não íamos trazer Pierre, mas bem, ele fez um escândalo e tanto — e terminou rindo — Os augúrios de Octavian podem dizer coisas bem bizarras se alguém chorar o suficiente.

O tal menino estava dando risadas, sem prestar atenção na conversa, e olhava com carinho para o negócio que segurava. Nico inclinou um pouco o pescoço e pôde ver um bicho estranho na tela, no que parecia uma batalha com outro mais estranho ainda.

— Ah, não esquenta. Ele não presta atenção em ninguém quando ‘tá com esse 3DS na mão, e ainda menos quando ‘tá jogando Pokémon.

(é necessário revelar que durante o restante da viagem, Pierre foi encarregado da árdua tarefa de explicar ao filho de Hades o que era um 3DS. O que o levou a falar sobre smartphones, DVDs, vídeo games e mais um monte de “novidades” que Nico não fazia ideia de como funcionavam, como pranchas de cabelo)

— Você poderia ir com a gente até o Acampamento Júpiter, se quisesse. Não luta mal para um grego. — Foi a vez de Honda falar com ele. Os três romanos se viraram e começaram a andar em direção a Berkeley. Pierre estava de mãos dadas com Rhoda.

Ela é estranha, Nico decidiu. Os três são. Mas era um tipo bom de estranheza, divertido até. E sem pensar, ele já estava correndo para manter o ritmo porque a loira andava como se a vida fosse uma maratona e a ideia de chegar em segundo lugar mal passava em sua cabeça.

— Ei, como você fez aquela coisa de sair da sombra da Shepard? — Pierre perguntou horas depois, quando estavam os quatro no McDonalds, depois de fazer um lanche. A boca do menino estava toda suja de ketchup, mas ele nem percebera. Nico suspirou, preparando-se para uma longa explicação.

— Chama-se viagem nas sombras. Basicamente, posso me transportar para qualquer lugar do mundo onde haja uma sombra qualquer. — Já coçava a cabeça ao imaginar o turbilhão de perguntas que viria a seguir.

— Ah tá — foi tudo o que Pierre disse

Ah tá.

Nico ficou olhando de soslaio para o menino por alguns minutos. Era a primeira vez que ele falava sobre esse assunto com alguém que não lhe fizesse mil questões como “como você faz isso?”, “qualquer lugar mesmo?”, “pode me ensinar?” ou afins. Mas ainda assim, ele tem vergonha de admitir que passou sólidos 30 minutos pensando se o tal vídeo game era enfeitiçado ou não. Pierre só tirou os olhos da tela quando Rhoda lhe estendeu um guardanapo.

Foi só à noite, quando os quatro estavam escondidos no mato, espalhados ao redor da fogueira que crepitava baixinho e comendo um pacote de Doritos que Honda descaradamente furtara de uma loja de conveniências na estrada, que o assunto foi trazido à tona novamente, dessa vez pela loira.

— Nico, essa tal viagem nas sombras que você mencionou antes... Você não poderia levar a gente pro acampamento desse jeito?

— Bem, eu nunca tentei levar tantas pessoas. Só uma vez, mas a minha irmã me ajudou. — Era bom saber que logo veria Hazel de novo. — Além de que, eu preciso de muita energia para isso, e andar o dia todo me cansou bastante.

— Tá, tudo bem. — Mesmo com a negativa, ela estava sorrindo — Eu só queria... Sabe, ver se era tipo fast travel mesmo e tudo mais. Tá beleza — ela riu da cara confusa que Nico fez, ainda com metade do doritos fora da boca.

— Só ignora a Rhoda, tá? Esse é o segredo — Honda ajudou-o, entrando na conversa enquanto a garota lhe fazia caretas. — Ela passa tempo demais jogando em vez de ser realmente útil, como se espera de uma filha de Marte. Não é, Pierre? — ele disse, e olhou para o menino que tentava enfiar uma mão cheia de salgadinho na boca enquanto apertava os botões do vídeo game com outra.

— ‘Eu sou Comandante Shepard, marinha da Aliança’ — o pequeno imitou a personagem predileta de Rhoda, fazendo uma saudação militar que seria mais convincente caso sua boca não estivesse cheia.

— Claro, como se Pierre pudesse falar de mim. Ele começou esse jogo semana passada e o Pokémon dele já é de que nível? 50? Fala sério — ela revirou os olhos, mas a verdade era que achava tudo aquilo divertido.

Foi assim que Nico se viu deitado na grama, olhando para as estrelas através da copa das árvores enquanto Rhoda e Honda tinham uma acalorada discussão para decidir qual o melhor jogo existente ao seu lado — Bioshock, dizia Honda; Rhoda rebatia com Mass Effect. Os constantes apitos do Pokémon de Pierre faziam um ótimo som de fundo enquanto ele tentava dizer ao filho de Hades o que havia de tão especial nos dois. Foi assim que ele percebeu que poderia sim — ao menos tentar — ser um adolescente normal.

(mesmo sendo filho do rei do submundo e tudo mais?

mesmo assim)

x

viii. a casa transparente que tu e eu construímos:

Os quatro se despediram no Portão Pretoriano, depois de receberem o sorriso e as boas vindas de Reyna (e depois de tomados os banhos, porque francamente). Os romanos seguiram para as barracas da Primeira Coorte e Nico lentamente fez seu caminho até a Colina dos Templos através da Via Praetoria.

Com cada passo dado, pensava em Hazel — Hazel, que lhe disse que esperaria na saída do túnel Caldecott, mas ele não a vira ali — sua irmã de pele morena, cabelos emaranhados e coração doce. Não eram poucas as vezes em que o filho de Hades tinha sua mente focada apenas em uma pergunta: como seria se Bianca não houvesse escolhido renascer? Só havia trazido a Levesque de volta à vida porque sua irmã — a que ele procurava — não estava mais lá. Mas talvez, ele pensa, seja melhor assim. Melhor ter Hazel, que abre um sorriso de orelha a orelha a cada vez que os dois conversam por mensagens de Íris e que pede ao irmão todos os dias para que ele volte, e logo — vamos, Nico, estou com tantas saudades. Sim, talvez seja melhor ter Hazel do que Bianca, que correria de volta às Caçadoras de Ártemis e abandonaria o irmão como da primeira vez.

(a única falha nesse pensamento é que nico sabe que bianca não o abandonou — que isso é apenas ele sendo birrento como uma criança de dez anos, porque bianca era tudo o que ele tinha além de cartas e estatuetas de mitomagia)

Hazel não era um prêmio de consolação, e Nico estava decidido a provar isso.

Quando chegou à encosta da colina — com um pouco de esforço, já que ainda estava cansado da viagem até o acampamento — parou na enorme porta da cripta que servia de templo para seu pai. Dali já era possível ouvir barulhos vindos de dentro, como se alguém estivesse rearranjando o espaço, arrumando aquele local que ninguém frequentava, além dos dois.

Desde muito antes, logo que chegou, ele sabia que sua irmã estaria ali. Conseguia senti-la, quase como se algo o avisasse onde ela estava, como uma espécie de sexto sentido. Os campistas continuavam a passar, indo para os templos ou descendo em direção a Nova Roma enquanto ele permanecia parado, na espera do momento em que Hazel reconheceria sua presença.

(você tem que forçar as pessoas se quer que elas descubram seus poderes — e Nico, com dez anos, uma irmã morta e o labirinto de Dédalo embaralhando-se sobre seus pés, aprendeu isso muito bem)

Então ele escuta com atenção, na tentativa de captar qualquer sinal de que a morena tinha notado algo diferente, sentido algo diferente. Primeiro veio o silêncio — durou um, dois, três segundos e então a filha de Plutão continuou o que estava fazendo, mas com muito mais cautela. Os sons baixaram e rarearam, como se ela estivesse a espera de que algo pulasse das sombras. De repente, o estrondo — um osso que caiu com tudo no chão, pelo barulho.

E só aí — sua voz.

— Nico? — ela sussurrou. Mais um, dois, três segundos passaram sem que houvesse barulho.

— Nico — ela repetiu mais alto, numa afirmação. A língua se enrolou pelas letras e saboreou-as nessa palavra que ela queria dizer há tanto tempo, e agora nada a impedia.

As portas foram abertas com tanta rapidez e força que Nico deu dois rápidos passos para trás. Foi bem perceber que o cheiro de mofo não assaltou imediatamente suas narinas, como antes. Sua irmã realmente deveria estar dando uma boa arrumada no templo.

A dita irmã, com seus cabelos encaracolados, tinha os olhos cheios de lágrimas ao vê-lo. Nico mal teve tempo de abrir a boca antes que Hazel se jogasse com todas as forças contra seu peito, enlaçando os braços ao redor de sua cintura ao mesmo tempo em que os dois caíam inevitavelmente em direção ao chão. E foi ali, sem nenhum ar nos pulmões e depois de levar uma tremenda pancada na cabeça, que sua irmã deu um dos sorrisos mais belos que ele já vira.

— Você veio! — ela gritou — Eu te esperei ontem o dia todo no túnel Caldecott, Nico! Por que não me disse que se atrasaria? — Era engraçado ver como ela podia mudar de humor em tão poucos segundos. As lágrimas ainda desciam de seus olhos e percorriam um caminho por suas bochechas, mas agora sua boca fazia-se num bico, como mimo de criança, enquanto ela continuava em cima dele. Talvez para pressioná-lo a responder.

— Sinto muito Hazel, mas eu ‘tô sem ar. — a voz quase não saia de seu peito. A morena imediatamente rolou para a esquerda, e deu risada quando lhe estendeu a mão para que os dois levantassem juntos.

— Eu encontrei alguns semideuses pelo caminho e, entre matar alguns monstros e comer um Big Mac, acabei me atrasando — disse sorrindo, para amolecer o coração da irmã. O que não era difícil, já que quando o assunto era Nico, Hazel era feita de manteiga derretida.

— Eu te perdoo dessa vez, mas ainda assim você tinha que ter me avisado. Achei que não vinha.

— E já teve alguma vez em que eu faltei com os meus compromissos, hein?

— Duas vezes, di Angelo. Estou contando — ela respondeu e suspirou, abraçando-o de novo. Desta vez, sem derrubar ninguém. — Senti sua falta.

(talvez sair um pouco mais do submundo não fosse lá má ideia)

Já que Nico nunca fora muito bom em verbalizar seus sentimentos, apenas apertou a cintura de Hazel com força e deu-lhe um beijo na testa. Também secou a trilha molhada que as lágrimas deixaram em seu rosto quando ela desatou a falar:

— Aconteceu tanta coisa desde a última vez que a gente se viu... Sabia que o Leo acha que realmente vai conseguir ir pra Ogígia outra vez? Parece que dessa vez a engenhoca que ele ‘tá construindo vai dar resultado, ao menos foi isso que a Piper me disse. Se Calypso pudesse mesmo sair de lá, ela poderia morar em Nova Atenas, né. — Ao ver o semblante confuso do italiano, ela explicou. — É um projeto que Annabeth fez e está em construção agora. É tipo uma Nova Roma grega, para que os semideuses de lá tenham chance de sobreviver até a idade adulta. Percy nos levou lá dois meses atrás; as ruas cheias de fontes, estátuas e colunas são lindas. — Parou para respirar fundo. — Mas bem, e o submundo, como vai?

— Você sabe que não tem nada de novo lá — ele suspirou —, só estive mesmo ajudando o pai a abrir espaço para mais pessoal e também ajudei Thanatos, já que tudo ficou uma bagunça depois do episódio com Alcioneu. Tudo muito entediante, como você bem sabe.

— Ah é? Isso é tudo? — ela disse, em um tom leve e brincalhão. — Talvez você devesse me contar mais depois de comer, di Angelo. Parece muito magro para o seu próprio bem. — E ela já estava sorrindo mais uma vez, aquele sorriso brilhante que fazia Nico querer segurar sua mão e não soltar nunca mais.

— E você ainda parece muito mandona para o seu próprio bem, Levesque.

— Nem adianta fazer birra comigo, hein. Conheço uma padaria que faz cupcakes divinos. Vem comigo. — Estendeu-lhe a mão.

De mãos dadas, os irmãos desceram a Colina dos Templos.

x

vii. tudo deixou de ser, menos teus olhos

Os três primeiros dias de Nico no Acampamento Júpiter não foram nada como ele esperava. E por um único motivo: os campistas ali tiveram a mesma reação dos gregos depois de batalha de Manhattan. As mesmas pessoas que reviravam os olhos para o grande azar que eram os dois filhos de Plutão não conseguiam mais esconder a admiração.

Sinceramente, os constantes olhares dirigidos para os dois não deixavam de irritá-lo. Hazel, ao seu lado, adorava rir das caretas que o irmão fazia, já que aprendera a ignorar os olhos que os perseguiam.

— Você já saberia lidar com isso se não tivesse corrido para o submundo na primeira chance que teve — ela sempre dizia, e ele sabia que era verdade. Apenas três dias ali e Nico já sentia vontade de correr para o Mundo Inferior e ficar mais uns meses por lá. Mas não podia, porque Hazel — a pequenina Hazel, que tinha o coração do irmão na ponta dos dedos — disse-lhe que havia alguém que queria falar com ele.

(nico já imaginava quem era)

Mas nem por isso deixou de surpreender-se quando Jason Grace — sim, o próprio, que não havia mudado absolutamente em nada durante todo esse tempo — apareceu subitamente em uma esquina de Nova Roma, e jogou seu braço sobre os ombros do italiano como se os dois tivessem se visto no dia anterior. No outro lado Zhang — ou Frank, como Hazel insistia que ele o chamasse — fez o mesmo com sua irmã. A diferença era que a garota esperava aquilo.

E Nico não era acostumado a todo esse contato corporal, verdade seja dita.

Se Jason percebeu que ele ficou tenso de repente, não comentou nada. Mas sua mão direita apertou o ombro do moreno com força, quase como para se assegurar de que o filho de Hades estava realmente ali, e sussurrou em seu ouvido, sem que ninguém percebesse:

— Eu sabia que você ia voltar — e era tão, tão estranho ter o loiro assim tão perto ao ponto em que ele podia sentir o calor da respiração dele em seu rosto, tão perto que tudo o que podia ver era a cicatriz que cortava seus lábios — provavelmente fruto de uma, oh!, tão heroica batalha — e as duas fileiras de dentes perfeitos e irritantes.

(tão perto que tua mão sobre meu peito é minha)

Mas é só um instante entre tantos outros que cessa logo que Frank começa a falar.

— Bem Jason, agora que você está limpo e tudo mais, vou deixá-lo descansar. Não se esqueça de preencher seu relatório amanhã.

— Sim senhor, pretor Zhang — ele responde de imediato, e ri quando Frank começa a corar. Os três riem, na verdade; O canadense ainda não se acostumara com o novo posto.

— Brincadeirinhas a parte, vamos até a pricipia. Reyna precisa de mais companhia, e acho que Jason e Nico precisam conversar a sós — sua irmã disse.

— O quê? — foi tudo o que saiu da boca do di Angelo enquanto sua irmã e o namorado dela deram-lhe as costas e seguiram para a direção contrária. Que diabos ele tinha para conversar “a sós” com Jason Grace?

— Ei, não faz essa cara, Nico. Eu só preciso conversar um pouco contigo. Mas se você preferir, não precisa — o loiro disse, um pouco desconcertado.

— O que você quer falar comigo? — ele perguntou, mirando bem os olhos do outro. Não havia motivo ou razão que levasse o filho de Júpiter a querer conversar com ele. Em verdade, depois daquele “acidente” na Dalmatia, Nico sempre esperara que Jason se afastasse dele o máximo possível. Não que eles fossem próximos antes.

— Podemos ir andando enquanto eu falo? Estamos chamando um pouco de atenção aqui. — E lá estavam mais alguns dos bisbilhoteiros que o moreno tanto detestava.

Provavelmente estavam assustados em ver o seu ex-pretor andando com aquele grego estranho — e isso nem o fato de ajudar na guerra apagava —, o filho de Hades.

(oh querido, se apenas todos os gregos fossem como percy jackson)

— Você é a celebridade aqui, Grace. Mostre o caminho.

E foi o que ele fez, finalmente tirando o braço dos ombros de Nico. Os dois andaram por várias ruas de Nova Roma, com suas pequenas casas e jardins e colunas, até que numa praça deserta, o filho de Júpiter, um pouco acanhado, começou a falar:

— Eu só queria saber como você estava, ok? — Ao que Nico arqueou as duas sobrancelhas num semblante de pura descrença, ele continuou com mais convicção. — É verdade, acredita em mim. Depois que você foi embora, aquele dia na festa, eu fiquei preocupado. Você não avisou ninguém e bem... Pelo jeito que você falava, parecia que não queria voltar nunca mais — ele suspirou. — Eu só... Só queria te dizer pra não sumir assim, Nico. Tem gente que sente sua falta aqui.

Além da irmã? Nico tinha suas dúvidas. Ninguém além dela tentara lhe mandar uma mensagem de Íris ou algo do tipo. Estavam todos felizes, sem precisarem lembrar-se dele — e não era assim que ele queria que tudo funcionasse?

— Você mal me conhece, Grace. — e francamente, quem era Jason Grace para vir lhe falar esse tipo de coisa? — Só porque você sabe, acha que pode ficar falando esse tipo de coisa quando quiser, como no Argo e na praia e agora! Você ao menos—

— Mas é verdade! — o romano interrompeu-o. — Hazel, Reyna, Percy, Frank e eu, além de todos os outros. Nós nos preocupamos com você. Pare de agir como se ninguém se importasse!

Será que Jason não conseguia entender que ele era diferente? Foi a falsa ideia de que alguém se importava com ele o que fez com que o sentimento que ele sentia por Percy fosse crescendo enlouquecido dentro de seu peito. E ele estava muito melhor agora, não é? Mal pensava mais no filho de Poseidon. Ao menos no submundo o pai precisa dele; ao menos lá ele respira livremente — os pulmões não mais cheios de água.

Estava prestes a responder quando olhou para o chão e percebeu a estranha aglomeração de sombras em torno de si mesmo. Acontece, às vezes — e é chato, admite — quando ele está nervoso, com raiva ou com medo; ou quando ele está prestes a viajar através delas.

Jason também percebeu, é claro. Com mais um suspiro, ele fez um sinal com as mãos para que Nico não falasse nada e sentou-se na grama, ao lado de algumas tulipas azuis que cresciam no jardim.

— Pelo menos você não matou as flores — ele disse, um pouco sem graça. O moreno continuava em pé, esperando. — Por que você não tenta? De verdade Nico, só tenta. Se tudo der errado, eu me convenço de que seu lugar não é aqui e aceito todas as ideias malucas nas quais você acredita. — Ele levantou a cabeça para olhar diretamente nos olhos marcantes do filho de Hades. Jason, com seus olhos de todas as cores e de cor nenhuma, tão sincero que doía. — Confia em mim.

Você me falou sobre confiança e assumir riscos? Bem, aqui está, filho de Júpiter. O quanto você confia em mim?

Nico sentou ao seu lado, derrotado.

— Se não der certo, você vai me deixar em paz.

— Promessa é dívida.

— Então vamos, Jason — Nico disse, levantando-se. — Vai ser interessante ver por quanto tempo essa sua ideia vai durar.

— Sua descrença não me desanima. Daqui a algum tempo você vai se sentir tão parte do mundo cá de cima como todos nós.

Nico duvidou, mas a ideia de que alguém realmente o quisesse por perto era tentadora demais para sem jogada fora desse jeito, sem nenhuma tentativa ou esperança.

Entre nada e coisa nenhuma, ele preferiu Jason Grace.


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Notas finais do capítulo

OLHA SÓ QUEM DEU AS CARAS sim é jason grace, podem comemorar jogar confeti e dançar um break que eu deixo (sim, tem uns trechos de poemas do pablo neruda aí sim)