Brazilian Horror Story: Campus escrita por Math Green


Capítulo 2
Episódio 2 - Balas doces de vingança


Notas iniciais do capítulo

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1705

A cadeira estava gemendo baixinho, enquanto ia para frente e para trás com os movimentos que Flor fazia. Estava com o filho dos patrões no colo, mamando, sugando dela a fonte de energia e saúde que ela nunca poderia dar para um bebê seu. As cigarras murmuravam ao escurecer do céu, seus sons acompanhando a canção de ninar que a índia cantava para seu sinhozinho.

– “A mulata já fez teu cumê

A mulata te deu de beber

A mulata te pôs pra dormir

A mulata de vosmecê”

Tinha algo de triste naquela canção de ninar que Flor obrigava-se a contar. O verso final, era tão cruel, mas verdadeiro. Ela, assim como todos os outros, eram escravos, presos. Eram coisas dos outros, sem vida própria. Quem era ela? Ela era uma ama de leite. Sentiu raiva do bebê adormecido em seu seio.

Um ruído e a porta abriu devagar. O Senhor João botou a cabeça e caminhou para dentro do quarto silenciosamente. Seu dono. Ele a olhou nos olhos com um brilho feroz, e sorriu. Desviou então seu olhar para o bebê, o filho imundo daquela coisa imunda. Ele tinha olhos negros, profundos, e dentes tortos. Andou devagar, passo a passo, enquanto Flor abaixava e se encolhia a cada centímetro que o patrão chegava mais perto. Ele levantou o queixo dela com a mão e falou:

– Ele é tão lindo, não acha? Vai ser um homem forte e corajoso. – sua mão escorreu do queixo para o corpo. Desceu pelo pescoço, passou pelo seio e chegou no cabelo da criança. Flor contraiu os lábios com o gesto. - Já está grandinho. Três meses, e veja como está forte. Que leite poderoso você tem. Até eu quero mamar também. - ela levantou o olhar, que se encontrou com o dele. O homem sorriu. - O garoto já está dormindo, escrava. Ponha ele no berço. - Ele disse imponente. A escrava o fez; levantou-se segurando firme o garoto, e caminhou de cabeça baixa até o berço, onde o colocou cheia de cuidados. Virou-se para o patrão, olhando para os pés, e ficou a espera de ser dispensada. Ao invés disso, João olhou-a da cabeça aos pés, observando todas as curvas e contornos da escrava indígena. Os traços selvagens, os quadris largos, os seios fartos e com os mamilos vermelhos por estarem ativos. Mas, sobretudo, o cabelo. Era imenso, descendo até a altura de seu quadril, liso e escuro como a noite. Não hesitou ao caminhar e passar a mão pelos cabelos dela. Sedosos em suas mãos.

– Ah, Flor... Que belo cabelo. Macio... - a escrava ficou tensa com a proximidade do patrão. Sentiu-se mais presa que nunca, sem poder reagir. Com a mão livre do cabelo, ele tocou-a no seio, desceu pela barriga e chegou ao meio de suas pernas. - Flor... Como eu quero ver a flor que você esconde aqui.

Fátima chegou nesse exato momento. Contraiu o lábio de raiva, olhou para o marido e a escrava, seu olhar ardendo como o inferno.

– Flor, saia! - disse rispidamente à escrava. Ela correu de onde estava e passou pela senhora na porta. Correu para fora da Casa Grande e o mais longe possível. Fátima, à sós com o marido, caminhou até perto dele. Cuspiu à seus pés e disse:

– Você é um cavalo bastardo! - mas todas as outras palavras dela foram silenciadas pelo forte tapa dado pelo Senhor de Engenho.

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O Engenho de açúcar, como todo e qualquer engenho, tinha uma vasta plantação de cana-de-açúcar. Os escravos plantavam e cuidavam da cana, permitiam que ela crescesse e depois a cortavam. Também eram os escravos que giravam a máquina de moer a cana e que transformavam a planta em açúcar. E do açúcar, a cozinheira fazia doces com as frutas que recebiam dos sítios da região, e os escravos faziam cachaça para o Senhor João oferecesse aos visitantes e parceiros comerciais. Os escravos transportavam a cana e orgulhavam o senhor de engenho por serem tão eficientes. Também se orgulhava do solo saudável e propício da região, que ele agradecia em cada moeda de ouro de sua poupança. Mas os escravos também cuidavam dos animais, limpavam a casa, transportavam o casal para a área comercial de Recife, e os escravos construíram todo o engenho, a Casa Grande, a senzala, e a capela. Claro que fora contratado um engenheiro e um arquiteto, que fizeram do engenho de João da Fonseca, também um reino e um lar.

Nesse lar também viviam outras pessoas além do casal e o bebê. Na Casa Grande, já velha, a mãe de João da Fonseca, Susana, divertia-se ficando na varanda sombreada enquanto os negrinhos trabalhavam como formigas. A mulher era o verdadeiro pesadelo de Fátima, como uma outra sogra qualquer, mas a senhora de engenho se via obrigada a curvar a cabeça todos os dias para a mulher. Susana tinha uma irmã, Bernadete, que por acaso morava no sítio ao lado. Bernadete costumava visitar a irmã algumas vezes, aos domingos, trazendo jacas que vieram dos escravos, goiabas e mangas. Susana perdia seu tempo chupando as mangas até os caroços e atirando-os nos mulatos que passassem. Essa raça imprestável. A verdadeira diversão de Susana, secretamente, era seu escravo pessoal. Ganhara de presente de João, sabendo que a mãe, velha como era, iria precisar de alguém que fizesse o que ela quisesse. O mulato, que ela chamara de Mouro, era sua mesa de por os pés, seu correio, seu transporte, e seu escravo sexual em algumas noites.

Na capela, num quartinho, dormia o padre fajuto que João bondosamente abrigou. Ele abençoou o sítio com suas palavras e comeu cada um dos pães que a cozinheira fez. Todos os domingos o padre reza uma missa, que Susana e a irmã não perdem, pois ambas são bestas e preguiçosas. O padre Alberto também abençoou o garoto Guilherme, filho de João e Fátima, mas se recusou à batizá-lo por não se sentir santificado o suficiente.

Por fim, no engenho, vivia o capataz José, que mais tarde, naquele dia, estava vigiando com prazer os escravos cortarem a cana. - Mais rápido! - gritou. Caminhou de um lado para o outro, com o chicote arrastando no chão.

– Vamos, inúteis! Ainda há muitos metros pra cortar.

Os escravos continuaram cortando, ao máximo que podiam, a planta que estava por todo lugar. José adorava o desespero no olhar deles, quando ele sacudia o chicote e fazia soar o som da dor dos negrinhos. Ele tinha a pele toda queimada do sol, mas não se importava. O prazer superava a dor.

Em algum momento, José viu um escravo gritar e parar de trabalhar. Era Osório, o mais novo. O capataz já estava esperando o momento em que o escravo ia falhar.

– Trabalha, Osório, trabalha! - gritou, o chicote correndo atrás de si como uma serpente. O escravo havia cortado a mão e estava perdendo muito sangue. Ah, aquela cor. José adorava a cor do sangue dos negros. Chegou perto de Osório. Chutou o escravo nas costelas e disse, baixinho:

– Trabalha, imprestável. - Osório se ficou de pé com cuidado, ainda um tanto curvado, e pegou o facão. Já havia uma poça do corte que ele próprio fizera em si. Levantou o braço, mas caiu no chão ao baixar o facão. - Isso, negrinho. - chutou-o nas costas. - Levanta. Você aí - apontou para outro. - Ajuda ele e o leve pro tronco.

O tronco. O ar todo se condensou com aquela palavra. Chegando lá, José amarrou as mãos dele no tronco, propositadamente em seu corte, e puxou com força. Osório gritou e José sorriu. Acenou para dona Susana, no terraço da Casa Grande, logo em frente ao tronco.

– E o que o negrinho fez, José? - perguntou a mulher como numa fofoca.

– Estava de preguiça no trabalho, senhora. - disse, aos sorrisos. - Quantas chibatadas?

– Que dia é hoje?

– Trinta.

– Trinta, então. E assim o capataz fez. Cada chibatada era um grito, cada grito era um prazer para os espectadores. Cada vez mais escravos se juntavam para ver o colega ser chicotado. Por conta da décima sétima, Osório desmaiou.

– Adoro quando isso acontece - disse dona Susana, agora já na praça do tronco. - Não pare, não pare.

Sangue escorria desde o pulso do homem, formando uma poça no chão, vermelha e refletindo ao céu. Dali a alguns dias, haveria uma nova mancha naqueles degraus.

– Trinta. - ele disse. A mulher suspirou ao seu lado, a rápida distração. - Soltem ele.

Osório foi levado para a senzala, onde Vera estava cuidando de alguns outros escravos. Quando ele chegou, desacordado e muito pálido, Vera ficou horrorizada. Mandou colocarem-no em um canto perto da parede e começou a examiná-lo. Estava quente, mandou suas companheiras pegarem panos úmidos do rio. Alguns ela botou em sua testa; outros ela limpou os cortes. O corte da mão estava muito feio, profundo. Vera ficou preocupada com o que fazer.

Já anoitecia quando a temperatura de Osório baixou. Vera relaxou um pouco e se encostou na parede. Num susto, porém, Flor chegou assustada, entrando de repente.

– Mas, ora, o que foi menina? - disse a curandeira.

– Senhor João, aquele homem ruim, me desejando! Dona Fátima viu e está irritada. Estou com medo! E se ele...- não concluiu a fala, mas pousou a mão no objeto de desejo do senhor de engenho. Vera entendeu a mensagem. Sabia que isso alguma hora poderia acontecer, e como a dona Fátima estava muito zangada, tudo poderia acontecer.

– Vou tratar de fazer algo.

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A cozinheira terminou de por a mesa e esperou enquanto os patrões se acomodavam e suas cadeiras. Dona Susana, o Senhor João e a Senhora Fátima sentaram-se e serviram cada um o que desejavam, sem a companhia do padre que ficava de jejum entre o café da manhã e o jantar na época da páscoa. Comeram em silêncio.

A primeira a terminar foi a mãe do patrão - a velha comia com uma ferocidade assustadora. Limpou-se com um guardanapo e retirou-se. Ficaram a sós o casal. Havia um clima de tensão na sala de jantar, como um prato frio que havia sido servido. Fátima pousou o talher e falou:

– Você não acha muita falta de respeito se relacionar com uma escrava na minha cama, em meu quarto? - ela disse. - Eu sou sua mulher, me casei com você e te dei um filho branco e puro. Será que você não está feliz? É a mim que você tem que amar, eu que devo te satisfazer!

– Mas não satisfaz! - ele esbravejou, batendo na mesa. - Não entende nada de sedução, e ainda é batida como uma tábua. Deveria ter me casado com uma francesa. Você não me dá prazer e ainda quer se meter onde não é chamada. Você não entende, não é? - ele segurou-a pelo pescoço e olhou-a nos olhos. - Você é a minha escrava branca. Eu mando em você e você obedece. Você tem que me servir na cama, procriar meu sangue, e eu posso usá-la como uma medalha. Entendeu? Você é só uma mulher qualquer. Seu valor pertence a mim. E eu faço o que eu quiser. Soltou-a, virou de costas e saiu do cômodo.

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Naquela noite, Fátima, com raiva, deitou-se logo cedo. Flor foi ao quarto amamentar a criança, e pô-la para dormir. Por fim, a criança adormeceu. Ela colocou-a no berço e saiu do quarto cuidadosamente. Passou pelo corredor e chegou à cozinha, para utilizar a saída dos escravos.

Chegando lá, deu de cara com o Senhor João, que estava apenas com as roupas de baixo, bebendo da cachaça do engenho. Ao ver Flor, congelada pelo susto, ele depositou o copo na mesa e disse:

– Ah, Flor... Hoje eu vou provar do teu fruto. - Ele sorriu maliciosamente e ficou de pé. Caminhou em direção a ela e puxou os longos e macios cabelos, arrastando-a. Quando chegaram ao escritório, a índia já estava chorando. João despiu-a do vestido leve que vestia, e observou pela primeira vez sua musa nua. A combinação perfeita o excitou mais a cada segundo. Se aproximou dela e forçou sua língua em sua boca, um beijo bruto que ela não podia evitar. Flor chorava e contraia o rosto. Não chorava exatamente por agora, mas pelo o que estaria por vir.

O senhor de engenho baixou as calças e forçou a cabeça da escrava para baixo.

– Beije. - ela não o fez. - Eu quero que você beije. - Flor segurou o membro do patrão, já completamente desperto, e beijou a ponta. - Agora brinque com ele. Vá, me sirva.

A escrava fazia o que seu mestre obrigava, fazendo de sua boca o instrumento de prazer dele. Após algum tempo, ele se cansou.

– Levanta - disse. - Deita na mesa.

A escrava deitou na mesa do escritório, as lágrimas escorrendo pelo rosto.

– Agora eu vou te mostrar como um homem faz. Ele se preparou. Quando por fim adentrou na mata que era a virgindade da Índia, ela gritou. De dor e de medo, angústia. Penetrada pela primeira vez, como um objeto. Não sentia prazer. Tudo que sentia era uma dor física e emocional. Ele começou a movimentar-se, e Flor sentiu um ardor em suas partes. O patrão havia posto uma mão para silenciar o grito da escrava, mas agora apertava com força a mama dela.

Foi quando a Senhora Fátima entrou, desperta pelo grito. João a olhou, assustado ao ser pego de surpresa, enquanto Flor sentia que iria desmaiar. Fátima gritou de raiva e sua boca tremeu ao fechar; num rápido movimento ela pegou o abridor de cartas do escritório de João e o esfaqueou em vários lugares: na perna, nos dedos, no peito. Gritou mais uma vez.

– Agora você vai ver, escrava!

Puxou-a pelos cabelos e trancou o marido no escritório. Levou-a para a cozinha, obrigando-a a sentar. Amarrou-a.

– Sabe, Flor. Eu sempre sonhei em ter uma família feliz, reunida. Em servir meu marido todos os dias e ser seu objeto pessoal de desejo. Eu quase conquistei isso. Mas quando você pôs os pés nessa casa eu soube que você seria a solução de um problema enquanto seria a origem de outro. - enquanto falava, a madame caminhava até o balcão da cozinha, onde encontrava um facão. - E acontece que o problema que você me causa é muito maior que o que você preenche. O que é melhor a fazer? - fez uma pausa como se esperasse uma resposta. Mostrou o facão. - Cortar o mal pela raiz.

E com isso passou a faça nos longos cabelos de Flor.

– Você gostava deles, não gostava? Meu marido também gostava. Mas acho que um corte de cabelo assim combina muito mais para o lugar que você vai. - Fátima retirou do fogão a lenha o atiçador que usavam para mexer as brasas. - Como você vai para o inferno, pensei que podia te fazer se acostumar. Vamos começar por baixo.

Fátima então enfiou o atiçador quente por dentro de Flor, sendo a segunda penetração que ela recebia naquela noite. A escrava gritou de dor enquanto aquilo a perfurava e queimava por dentro. A visão ficou turva e embaçada – uma dor tão forte que cegava. Flor acabou desmaiando, queimada e com cortes que jorravam sangue no chão da cozinha. Fátima bateu em seu rosto para que ela acordasse.

– Escrava maldita. - Colocou a ponta do atiçador no mamilo que amamentara seu filho. O atiçador ainda estava quente, e a escrava já delirava de dor. Fátima apertou cada vez mais o peito da mulher, até que, por fim, perfurou a carne e cravou a ponta no coração. Coração podre da escrava.

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O corpo fora levado por três escravos para ser jogado no rio, por ordens de Fátima. Ela destrancou o marido com uma fala de "Vamos esquecer tudo isso" e mãos sujas de sangue. Os escravos conheciam Flor, mas não poderão fazer nenhuma cerimônia de enterro ou coisa do tipo por estarem sendo vigiados por José, o capataz. O que já havia sido Flor boiou na água do rio, sendo levado pela correnteza e manchando a superfície de vermelho. Foi levado até um lago que se formava por detrás da mata.

E abriu os olhos.

Flor ficou lá até hoje.

1960

Em cima do telhado da escola, Lucas podia observar todo o campus. Mas, naquele fim de horário de almoço, ele olhava para o horizonte sem ver nada, a fumaça do cigarro se misturando com as nuvens que se formavam no céu. O vento batia sua nuca e estava o deixando com um pouco de frio, mas aquele era o único lugar que conseguia fumar e se concentrar um pouco. Aquele lugar e a beira do lago, que agora evitava eternamente.

Se sentia um tanto bobo. Por ter medo. Era um corpo, um cadáver, como ele seria, Aline seria, sua mãe e seu pai. Mas a sensação que ele tinha era que ainda era uma criança, que se assustava com cada ruído à sua volta. Ele correra com o medo e não soubera enfrentar, e sobretudo deixou Aline na mão por toda a semana. Não conseguia ser aproximar da namorada – na verdade ele precisava encarar isso sozinho por um tempo, uma forma de encontrar a paz interior.

Entre tragos e outros, Aline subiu a escada de emergência de incêndio que dava acesso ao telhado:

– Sabia que ia te encontrar aqui. – Sentou-se ao lado dele e pegou de sua mão o cigarro. Deu uma tragada, respirou fundo e liberou a fumaça para o meio externo. Devolveu o cigarro. Depois de um tempo, parados, observando, Aline passou os braços pelo tronco de Lucas e encostou a cabeça em seu ombro. Ficaram assim por um tempo, sem nenhuma palavra ou contato extra, apenas observando e revezando o cigarro. Ambos haviam passado pela mesma situação, e curavam isso com a presença do outro, fortalecendo a relação deles. Cada minuto numa melhora psicológica, passaram por fim ao contato verbal.

– Como você está se sentindo? – perguntou Lucas. Nesse momento ele passou os braços pela cintura dela, como um cinto de segurança envolvendo seu corpo dos pensamentos sombrios.

– Acho que foi só um susto. – Ela disse. – No fim das contas, fizemos tempestade em copo d’água. Assassinatos... acontecem.

– Não é simples assim.

– Não disse que era simples. É só hora de seguir em frente. Vão descobrir o que aconteceu. A gente não precisa se envolver.

– Não precisa.

Enquanto tragava o cigarro de Lucas, Aline se enroscou mais e mais ao corpo dele, até ouvir seu coração. Ao sentir o ritmo acelerado da pulsação, seus pensamentos dançaram naquela música e ela teve certeza no que sempre fora incerto em sua vida.

– Eu te amo, Lucas.

– Então eu também te amo.

– Eu poderia fugir com você pra São Paulo.

– E eu com você pra Nova Iorque.

– Então vamos!

– Sim, vamos. Mas vamos descer e ter aula de história primeiro. – Ficaram de pé e deram as mãos, os cabelos de Aline sendo puxados para trás pelo vento, enquanto os fios de Lucas estavam firmemente fixados de acordo com a moda da época.

O professor de história era ninguém menos que o diretor Fonseca. Um homem de meia idade, com cabelos curtos e algumas rugas de expressão marcando o rosto que aparentava já ter passado por muita coisa escondiam o verdadeiro homem que existia por trás dele. Mas ele havia batalhado muito e carregado consigo por todo esse tempo as marcas de guerra. E aqui ele chegou, como diretor dessa instituição. Que sempre foi sua, sempre.

Os alunos chegaram na sala de aula e se acomodaram rapidamente, pela imponência que a presença do diretor exercia. Sentaram e esperaram quando o professor ia dar seu assunto favorito:

– Hoje, eu irei apresentar um pouco da história de nossa cidade. E para isso, eu vou começar com o lugar mais próximo de vocês. Advinhem.

– O motel da Av. Recife? – sugeriu um aluno.

– Não tão próximo.

– A praia de Boa Viagem.

– O Marco Zero!

– Não, não e não. – Ele sorriu ao responder, andando de um lado para o outro e hipnotizando os alunos, as mãos para trás e o peito estufado. Parou e disse: - O campus!

Os alunos não ficaram impressionados como suspeitava o professor. Aparentemente, não consideravam o campus como um lugar de referência histórica para a cidade.

– Pois bem, talvez vocês não saibam, mas o nosso campus já foi um engenho de cana-de-açúcar. Vocês devem saber que o solo de nossa região, do tipo massapé, é muito adequado para o cultivo da cana. Então aqui, onde estamos, é um território que foi dado à família Fonseca – minha família – e onde foi construído esse engenho.

– Então, o senhor tem alguma posse pelo engenho, professor? – Lucas ergueu o braço para fazer a pergunta. Os olhos de Fonseca faiscaram por um momento, um leve traço indicando que a perguntava o incomodava.

– Não, pois um parente, há alguns anos, disponibilizou o território do antigo engenho para a construção da Universidade. – como um ponto final, ele deu um sorriso fino em direção ao aluno e continuou a falar sobre como funcionavam engenhos e sobre a época do Brasil-colônia.

De repente, um som explodiu pela sala, perfurando os ouvidos dos alunos, e o professor Fonseca caiu no chão. Alunos e alunos correram para cima dele e entender o acontecido.

– Foi um tiro...

– Chamem a enfermeira!

Sangue espalhou pela manga da camisa branca do professor, tingindo de vermelho onde havia sido o tiro. Enquanto isso, ele não sentia nada, nada além da arma da vingança furando cada vez mais a pele. Surpreso, ele se concentrou em apertar o ferimento para estancar o sangramento. Encostou-se na parede enquanto os alunos, que estavam mais em pânico que ele, movimentavam-se pela sala.

Antônio invadiu a sala e passou o braço do professor por seu ombro, ajudando-o a caminhar até seus aposentos.

– Está tudo bem, Antônio. Foi um tiro de raspão.

– Tem certeza, professor? – o funcionário parecia aflito talvez com o estado do superior ou com a situação em si. Primeiras semanas de aula e já havia sido encontrado um corpo no lago, e agora esse atentado a homicídio. – A escola não parece muito segura. Talvez contatar a polícia...

– Não! Não! Vocês e esse péssimo hábito de confiar na polícia e nessa falsa segurança que eles trazem. A segurança vem de nós, e eu irei lutar pela segurança da escola. Avise que estarei melhor em breve e tenho algumas palavras a dizer assim que puder. Agora vá! – o funcionário não questionou mais nada e saiu com seus passos largos e desajeitados, fechando a porta atrás de si. – Depois de todos esses anos...

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O som da música preenchia o ar como fumaça de cigarro, embaçando os sentidos dos garotos no salão no fim da aula. Lucas e Aline estavam de mãos dadas dançando ao som do rádio, que tocava apenas as músicas de sucesso entre os jovens. Mais alguns casais dançavam, e até algumas garotas faziam par juntas, mas todos os olhos estavam neles.

Amanda observava tudo como numa droga, sentada em seu canto com um livro no colo. Lucas estava de costas, então ela podia o penteado e o caimento perfeito da calça jeans enquanto ele se movimentava.

– Que sonho, não é? – Amanda levou um susto quando um menino sentou-se ao seu lado, encostando suas pernas na dela. Ela fechou o livro com cuidado tentando lembrar o nome dele, mas ele era só mais um rosto misturado aos outros alunos. E, sobretudo, seus olhos geralmente estava em um grupo restrito de pessoas. O garoto era alto e largo, o cabelo divido ao meio caindo em cachos castanhos escuros.

– O quê? – ele fez uma cara de “não banque a boba” para ela, e voltou a direção para o salão, onde dançavam.

– Eu tenho uma tara pelas bundas deles. Sobretudo a dele. – E apontou para Lucas.

– Espera, o quê?

– Ai, cansei de você, garota. Eu sou o Tobias, mas sempre me chamam de Tobi – e num sussurro mais íntimo ele disse – ou de “bi”, quem me conhece bem.

– Eu... – ela começou, pensando como e o que dizer – Eu não tenho amigos... assim. Não conheço gente assim.

– Agora você me conhece. Estamos juntos na organização da festa de nossa formatura. – ele fez uma pausa reflexiva, e disse – vamos ser amigos!

Não era exatamente disso que ela precisava.

– Eu estou bem, obrigada. – e abriu o livro. Tobias tocou seu ombro e ela notou que apesar da personalidade boba, ele tinha corpo a ser notado.

– Não, nós vamos ser amigos. – seu olhar desviou para a pista de dança – eu posso ajudar com ele.

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A sala de professores estava cheia, e os professores se divertiam na sexta-feira à noite assim como os alunos. O cheiro de whisky e fumaça de cigarro predominava enquanto fofocas sobre os estudantes e vida acadêmica predominavam. Em algum momento, Jéssica notou a quietude da professora substituta e resolveu puxar assunto com ela.

– Então, ahm... Como se chama mesmo? – estava apoiada de costas na mesa, segurando o copo meio vazio de bebida enquanto cruzava o outro braço pelo corpo.

– Fernanda.

– Fernanda, sim. Então, o que tem achado da nossa – abriu os braços – saudosa instituição?

– É bem diferente de lugares que eu já tenha trabalhado, na verdade – ela sorriu e olhou para o chão. Não era muito de conversa, Jéssica já havia notado.

– Ah, não?

– Eu trabalhei em escolas públicas, mas trabalhava com crianças, sabe – ela fez um gesto indicando o tamanho de uma criança – menores.

– Sim, claro. Whisky?

– Não, obrigada. Eu não bebo. – Jéssica pareceu achar engraçado.

– Tão nova – passou a mão já enrugada pela bochecha macia da pele de Fernanda. – mas cheia de orelhas. Preocupações e pesadelos te atormentam?

Fernanda levou um tempo para responder, talvez imaginando se devesse confiar ou não na colega de trabalho. Decidiu que sim.

– Eu tenho tido visões, desde que pisei aqui. – a expressão de Jéssica mudou um pouco com a revelação, mas sutilmente. – Corpos e mais corpos de escravos negros, pendurados, esfolados, pelo chão... E tanto sangue...- o olhar dela baixou para o chão, como se ali estivesse sujo de sangue antigo. Nessa hora petúnia se aproximou, etérea, com um charuto chique e longo, e encostou na substituta.

– Soube que sua vida aqui está conturbada. Quando fiz minha viagem para o oriente aprendi táticas tranquilizantes e como afastar esses espíritos. Você pode passar em meus aposentos para uma sessão. – Ela sorriu, mas então olhou preocupada, avaliando a aparência dela – e também sei como tirar essas olheiras.

Juntando-se ao grupo veio Marcelo, o professor de biologia. Alguma coisa nele despertava um pânico em Fernanda, talvez o olhar feroz ou o comportamento grosseiro. Ela evitava ficar perto ou à sós desse tipo de gente.

– Então, docinho. – ele passou a mão devagar por seu braço. – Soube que desmaiou outro dia na aula. Você está melhor? Há algo que eu possa fazer? – ele sorriu e recolheu a mão. – Como biólogo, eu sou bem cético, mas, me diga, teve mais alguma dessas suas visões?

– Na verdade – disse ela – tem uma exatamente atrás de você nesse momento. E ela me diz para matá-lo.

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Era noite, e o lago refletia no céu escuro e a metade brilhante da lua. João da Fonseca, que evitava usar seu primeiro nome para não causar desconfiança, caminhava a passos lentos pelo caminho traçado por outros passageiros, no meio da grama. Caminhou em direção ao pequeno bosque que se formava do outro lado da água. Dali era possível ver o colégio dele, algumas luzes acesas nos dormitórios e corredores.

Um assovio cortou o silêncio da noite, perfurando os ouvidos do homem. Ele parou, em pé, enquanto esperava. Um movimento repentino em algumas árvores arbustivas o fez erguer a lanterna nesta direção. O resultado foi que um vulto derrubou a lanterna de sua mão e torceu seu braço nas costas. Depois, amarrou-o com uma força e habilidade surpreendentes. Quando achou seguro, parou em frente à ele. Reconheceu-a no mesmo instante.

– Flor. Há quanto tempo! – sorriu como ao ver uma velha amiga. – Nesse mundo de atualidades, só sobramos você e eu.

– Você é um monstro, e eu estou aqui para dar um aviso. – ela falou com firmeza na voz. Os cabelos, agora longos novamente, estavam trançados em várias tranças, e na mão ela tinha um chicote feito de cipós trançados. Usava roupas em péssimo estado.

– Um aviso? Pois bem, escrava. O que quer? Vingança? Você já se vingou.

– Minha vingança apenas começou, monstro. – Ela chicoteou-o no rosto, sangue escuro escorrendo pela bochecha. – Eu sei o que você faz. Eu sei o preço que você paga. Eu quero que você pare de matar inocentes que você atrai com esse seu colégio.

– Você sabe que esse é o fruto da minha vitalidade.

– Existem outros jeitos.

–Existem. Então, me diga: e se eu não parar?

– Bom, então sabe aquele... acidente de hoje cedo? – ela sacou o revólver de algum lugar da roupa e exibiu-o como um troféu. – Foi apenas um aviso. Seu colégio vai virar um inferno.

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