The 69th: For What I Believe In escrita por Luísa Carvalho


Capítulo 8
Aliados


Notas iniciais do capítulo

Sim, eu sei que esse capítulo demorou. Bastante. Mas é que eu realmente não tive tempo de escrever ou de postar durante essa semana, mas espero que o próximo possa sair logo. Obrigada mesmo pela paciência! Ah, e, apesar do título, esse cap não tem nada ver com a Arena haha. Aproveitem (:



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(POV June)

Estou em meu quarto já faz algumas horas. Entrar no cômodo me passou uma sensação estranha, porém da qual gostei: me lembrou da minha vida antes de tudo; da vida que, a essa altura, nem parece pertencer a mim, mas sim a alguma outra garota com quem eu perdi contato durante esse mês.

Ou talvez para sempre.

Olhei para a escrivaninha cujo tampo de vidro não era visível devido à enorme quantidade de papéis espalhados no topo. Peguei um deles nas mãos e comecei a ler seu conteúdo: era uma tarefa escolar. História de Panem era a disciplina; o tema, a Rebelião e suas consequências.

Esse sempre foi um assunto distante de minha realidade. Nunca estive familiarizada com a Rebelião, então nunca fiz ideia da dimensão das ações que conseguiram causá-la. Porém, sempre quis que os distritos persistissem e tentassem novamente, derrubando a Capital na segunda tentativa. É claro que pensamentos desse tipo nunca transcenderam as barreiras dos meus pensamentos.

Bom, até agora.

Tendo sido ameaçada pelo Presidente Snow, sei que eu mesma sou capaz de fazer algo desse tipo guiada por meus valores. Tenho ideia do que é preciso para começar uma rebelião, tanto que sei que o que fiz até agora foi um começo e tanto. É bizarro pensar que, agora que tenho chances, não quero continuar. Não agora; quem sabe em alguns anos. Meu antigo eu sem dúvidas estranharia essa atitude, mas tenho esperanças de que entenderia que o caminho que tracei até agora já está de bom tamanho, e que o que farei no futuro será algo de que Panem precisa tanto quanto de uma rebelião: ajuda.

Meu quarto como um todo me trouxe diferentes lembranças em todos os aspectos. Minha televisão fez com que voltassem à memória todos os anos em que assisti aos Jogos Vorazes como uma mera espectadora. A caixa fechada em meu banheiro era a prova viva do quanto me recusei a adotar os padrões da Capital: delineadores metálicos, cílios postiços, batons das mais diversas cores; todos fechados e enfurnados em um pequeno baú metálico no fundo do armário. Quem diria que um dia eu de fato usaria algo parecido tendo consciência do que estou fazendo.

Mas o que acabou me chamando a atenção foi um porta retrato quase imperceptível em meio aos livros em minha estante. Puxei a moldura e o que vi sob o vidro me deu arrepios.

Uma foto de família tirada no quintal mostrava meu pai, minha mãe, e eu e Cameron entrelaçados em um abraço apertado; Mathew e Daniel não eram nem mesmo nascidos. A lembrança do momento exato do flash me veio instantaneamente. Corríamos em volta da casa, rindo como crianças costumam fazer. Minha mãe tentava acalmar-nos e pedia desesperadamente para que posássemos para a foto, mas não o fizemos até que uma oferta nos foi feita: se ficássemos parados durante a foto, poderíamos dormir juntos no mesmo quarto naquela noite.

Foi involuntária também a memória de nossa primeira discussão.

Eu tinha oito anos e Cameron, nove. Era época de Jogos Vorazes, dia da Colheita; estávamos assistindo ao sorteio dos tributos do Distrito 11, e me lembro muito bem de que essa foi a primeira vez em que vi algo de errado com os Jogos.

– Mamãe - pergunto, virando-me para ela -, por que eles estão tão tristes?

– Os pais? Porque vão ter que dizer adeus a seus filhos para... - Ela se corrije: - por algum tempo.

Fiquei um tempo em silêncio. A garota foi sorteada, tinha apenas doze anos e cabelos loiros.

– Ela está chorando, mãe! Por que está chorando se vai ser tributo? Ela não está feliz! Por que ela não está feliz?

Naquela hora, acabo não dando muita importância ao olhar incrédulo nos olhos de meu pai.

– Ela está chorando porque vai sentir saudades dos pais - ele diz, mas não me convenço.

– A menina vai morrer?

Meus pais ficam em silêncio, e parecem recusar-se a responder. Cameron, por sua vez, não hesita.

– Mas é claro que vai! - exclama, rindo. - Olha só, tão pequenininha... Aposto que um Carreirista vai matá-la nos primeiros dois minutos! Aposto que vai ser uma facada! Tomara...

– Por que está rindo? Você quer que ela morra?

– E você quer que ela ganhe? Eu quero é ver aquele grandão do 1 levar a coroa, isso sim...

Corro até minha mãe e me jogo em seus braços.

– Mãe, o Cameron quer que a menina morra! - deduro, então faço a mesma pergunta anterior, agora mais certa de qual seria a resposta: - Ela... Ela vai morrer, não vai?

Ouço-a suspirar.

– É provável que sim, meu amor - minha mãe responde, mas nota minha expressão desapontada e se apressa em me animar. - Mas esses são os Jogos, é isso que faz deles tão legais. Pense assim: se a garota não morrer, não haverá tanta diversão. Os Carreiristas não vão lutar pela coroa, a final não vai ser emocionante… Vai ser divertido se ela, fraquinha, morrer no começo.

– Mas eu não acho divertido vê-la morrer logo. Nem com uma facada.

Cameron se intromete.

– Isso porque você não sabe o que é diversão.

– Você é um idiota! - grito, virando-me para ele.

– Ei, ei - meu pai interfere, apartando a briga. - Não falem assim. É época de Jogos Vorazes e vocês têm que se divertir, crianças!

Vou em sua direção, me desvencilhando dos braços de minha mãe.

– Ela se parece comigo, papai - digo, apontando para a televisão.

Ele passa as mãos por meu cabelo e me dá um beijo na testa.

– Não pense nisso, querida. Você estará sempre aqui na Capital. E enquanto for assim, estará sempre protegida.

A última coisa de que me lembrei foi que, seis meses depois disso, Cameron e eu já brigávamos diariamente. Não demoraram mais seis até que as roupas extravagantes e coloridas começassem, aos poucos, a desaparecer de meu guarda roupa. Eu questionava a questão das “fantasias serem só para a Capital”, e afirmava querer me vestir como as crianças na Colheita.

Mas mal eu sabia que livrar-me das “fantasias” era só o primeiro passo para que eu nunca mais fosse a mesma.

**

Ouço o barulho que a porta de entrada faz quando a destrancam, e não demoro a abrir a de meu quarto de forma escancarada, decidida a descer os degraus da escada correndo e sem pensar muito. Em questão de segundos, chego ao andar de baixo e sou recebida com entusiasmo - vulgo Mathew e Daniel correndo em direção aos meus braços. Acabamos caindo no chão devido ao impacto e por isso os dois começam a rir de forma sincronizada. O som é doce e melódico; eu não havia percebido o quanto me fez falta, e ouvi-lo mais uma vez me faz querer abraçar os meninos com toda a força que tenho.

– Você está me esmagando, June! - Mathew grita em meio a um sorriso que vai de orelha à orelha.

Afrouxo o aperto, mas continuo segurando os dois em meus braços, alternando meu olhar entre cada um deles. Não consigo pensar em nada além do quanto são preciosos e como sou grata por tê-los ali, bem em minha frente. É uma alegria que faz meus lábios se abrirem em um sorriso tão grande quanto o de Mathew.

– Isso é porque vocês me fizeram uma falta imensa, seus monstrinhos! - respondo com entusiasmo. - Eu pensava em vocês tanto… Vocês nem imaginam o quanto.

Continuamos no chão e, ainda grudados, rolamos de um lado para o outro. Durante alguns segundos, me sinto novamente uma criança com meus nove anos, rindo, com a mente escassa de preocupações. O mundo ao meu redor se torna só nosso. Seu número de habitantes é quatro: eu, Mathew, Daniel e nossa felicidade tão intensa que pode ser concretizada.

Só percebo que estou chorando quando sinto a mão de Daniel em meu rosto e noto que está secando uma lágrima que escorre por minha bochecha. Não sei ao certo se o choro é reflexo da alegria ou da nostalgia, seja essa referente a cinco anos atrás ou a apenas um mês, antes de tudo acontecer.

– Não precisa chorar - Daniel me consola, desconectando-me de meus pensamentos. - A gente já está melhor com... Você sabe...

Congelo. Não quero ouvir nada relacionado à morte de Cameron vindo de nenhum dos gêmeos. Quero poder arrancar essa realidade de suas mentes inocentes, quero evitar que seja verdade para eles...

– Não acho que seja hora de falarmos disso. - Ouço a voz de meu pai vinda de trás da sala e começo a me levantar do chão. - Acredito que o que esse momento pede é um forte abraço de minha pequena revolucionária.

Estou no meio do caminho para seus braços quando hesito por um momento. Eu não achava que ele fosse me dar uma bronca ou um sermão logo nos primeiros segundos de nosso reencontro, obviamente, mas o apelido que recebo me surpreende. E muito.

Desde que me entendo por gente vejo meu pai vangloriar a Capital. Fã número um dos Jogos Vorazes, seu apoio às decisões que Snow toma a respeito de nós e dos distritos sempre foi absoluto, e tal como seu amor ao nosso lar era seu favoritismo a Cameron. Não que eu tenha sido rejeitada em algum momento de minha vida, mas sempre soube que meus valores se opunham aos dele e que isso causaria certo desconforto entre nós. Indiretas na mesa de jantar, roupas e maquiagem postas sobe minha escrivaninha durante a noite. Nossa convivência acabava sendo um pouco... conturbada.

Minha pequena revolucionária.

Teria eu escutado direito? A mim, inicialmente, aquelas palavras não fazem o menor sentido. Mas é quando olho para o lado, pensativa e sem compromisso, que vejo uma fotografia de Cameron recém pendurada na parede. E aquilo abre meus olhos para algo que nunca havia sequer passado por minha mente.

Cameron, sua antiga miniatura ambulante. Com um pouco mais de esforços, poderia vir até mesmo a ser Idealizador Chefe um dia, quem sabe. Seria seu orgulho eterno, a realização do que nunca teve chances de fazer. E agora, nada.

Tudo graças a Snow, ao seu sistema e às suas regras.

Ele é um pai que perdeu muito mais que um filho: Cameron era também um projeto de sucesso. E, por mais egoísta que isso possa soar, é completamente possível. Conheço meu pai e sei que ele nunca mais será o mesmo depois do que aconteceu.

Porém, qualquer coisa, sei que ganhei um aliado contra os Jogos e a Capital. Alguém que, assim como eu, está disposto a começar do zero e se desvencilhar por inteiro dessa vida que só lhe trouxe esperanças para, no final, jogar todas fora.


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Notas finais do capítulo

Surpresos? Adorei escrever sobre o passado da June, MESMO. Espero que tenham gostado também, me digam nos comentários (:



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