The 69th: For What I Believe In escrita por Luísa Carvalho


Capítulo 33
Resgate


Notas iniciais do capítulo

Oi, queridos! Primeiramente, feliz natal! Eu estava viajando esse tempo todo, mas aqui está um capítulo finalmente pronto pra vocês, espero que gostem (:



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(POV June)

A primeira coisa que noto no momento em que desço do telhado e coloco os pés no chão é uma multidão em volta de mim; dezenas de "Lyandras" em um lugar que mais parece o interior de sua casa do que qualquer outra área aberta do distrito. Meu primeiro instinto é manter-me na defensiva. Sei que ninguém novo passa pelo muro já deve fazer, no mínimo, alguns anos; quem dirá uma jovem vinda do Leste.

– Eu... Eu só quero ajudar! - grito, sem saber muito bem para quem ou por quê.

Encolho-me quando uma figura se desprende do grupo e me puxa pelo braço de forma um tanto invasiva. Sou mais arrastada do que simplesmente direcionada a uma pequena tenda caindo aos pedaços.

– Não sei quem você é, por que diabos está aqui ou como chegou. Mas parece sã demais para ser largada em meio àquela loucura. - O homem que me puxou agora mexe uma mistura qualquer sobre um fogão à lenha. Quando termina, entrega-me a panela. - E são aqueles loucos que você vai ajudar. Dê isso a eles e depois conversamos.

O início de sua fala é inevitavelmente recíproco; não sei quem ele é, por que diabos está aqui ou como chegou. Não que eu tenha tido muita convivência com morfináceos, mas aquele não é um deles e disso tenho certeza. Ele tem cabelos negros e bem cortados, um rosto corado - o oposto das vítimas da morfina - e, percebo, uma figura bem definida, os músculos torneados e salientes mesmo sob a roupa. Se é assim, por que colocaram-no nessa realidade que não é sua? E o que ele faz da vida? Seria alguém como Constance?

– Posso ao menos saber seu nome? - pergunto antes de sair com caixas de isopor nos braços.

– Wallace Dash.

– Bom, Wallace, prazer - falo por simples educação. Não sei o que estou fazendo e muito menos se é realmente um prazer conhecer quem me mandou fazê-lo. - Sou June Haylon.

Ele fita meu rosto, indiferente.

– Eu sei.

Acontece que Wallace já está familiarizado com minhas intenções no Distrito 6 e, embora não saiba exatamente o que faço, sabe o bastante para imaginar que distribuir comida aos morfináceos me seria familiar. E, de fato, é quase o que faço ao lado de Constance, a única diferença é que os habitantes do Oeste precisam muito mais da ajuda que estamos dispostos a dar, se é que isso é possível. O cheiro de comida quente instiga as pessoas espalhadas pelas ruas imundas de modo que avançam na minha direção e arrancam as caixas de minhas mãos sem sequer falar comigo antes. Não é surpresa que o trabalho não tenha levado muito tempo.

Depois de esvaziarmos as panelas até o fundo, Wallace me mostra algumas partes da região, como o conjunto de cabanas onde mora a maioria da população. É uma versão das casas de madeira ao redor do Centro bem mais precária e cheia de gente, percebo. Quando conheço sua casa, ele faz questão de mostrar-me um quintal vasto no qual crescem vegetais dos mais variados. Fico impressionada; parece impossível que somente duas pessoas cuidem de uma plantação daquelas, e ele então me esclarece que consegue muita ajuda vinda dos morfináceos.

– E aqui é o lugar onde eu e meu pai elaboramos nossos planos diabólicos. É calmo, bom para pensar.

Estamos agora em uma velha fábrica abandonada. Desde o início de nossa caminhada, Wallace já me disse que está aqui há um ano, quando parte de sua família passou a ter problemas com morfina. Todos eles foram denunciados e mandados para cá sob ordens da Capital.

– E por enquanto os tais planos envolvem só distribuir comida?

– Cuidar de uma horta para abastecer três quartos de distrito não é fácil.

Sinto-me ligeiramente mal; não quis passar essa impressão, reconheço seu trabalho e imagino o quanto deve ser difícil - talvez até mais do que roubar dos Pacificadores. Porém, não importa o que eu diga, ele permanece sempre objetivo, fechado. Não o culpo; fora seu pai, não deve haver muita gente com quem possa conversar por aqui, já que todo o resto de sua família - e de sua comunidade - rendeu-se à morfina.

– Vocês já pensaram em tentar fazer as indústrias voltarem a funcionar? - pergunto enquanto olho em volta. Tudo é velho e enferrujado, certamente, mas todos os equipamentos daquela antiga fábrica ainda estão ali. Seria um começo, não? - Isso daria bem mais visibilidade a essa parte do distrito, quem sabe se a Capital voltar a receber de vocês, permita o abastecimento e...

Wallace suspira e interrompo minha fala imediatamente.

– Isso custa caro, June Haylon, muito caro.

Mas é claro que sim; não é como se duas palmas bastassem para reanimar todo o processo de produção, e não é como se alguém pudesse doar...

Ah, mas é, sim.

É para isso que meu dinheiro serve agora, afinal, pois nem eu nem os gêmeos precisamos de nada enquanto usufruímos das riquezas fornecidas pela Capital. Fazer um lugar como aquele voltar a funcionar seria exatamente o que eu pensei em primeiro lugar quando quis vir ao 6.

– Wallace, eu posso ajudar! - exclamo, entusiasmada. - Se eu te vir mais uma vez depois de tudo isso, prometo que farei a doação mais generosa que puder. Não vai ser tudo de que precisam, mas acredito que uma boa parte.

Não sei se vejo direito, mas tenho a impressão de vislumbrar um leve sorriso em seu rosto antes de passos apressados irromperem na nossa direção.

– Alguém pediu um telefone?

A voz do senhor Dash é firme e grossa a princípio. Porém, quando estamos próximos o bastante para projeção não ser mais necessária, seu tom revela-se calmo e até convidativo.

– Prazer, Otto Dash.

Ele me estende o braço e eu a aperto sua mão.

– June Haylon - respondo às pressas porque quando me dou por mim já tenho o telefone em mãos e disco desesperadamente o número de minha casa na Vila. Tamanha é minha ansiedade que nem me impressiona o fato de Wallace e seu pai, Otto, terem se comunicado por meio de morfináceos na rua para trazer-me o bendito telefone.

– Saya? - digo, ofegante. - Por favor, diga que Burton está aí.

– Está sim, June - ela concorda, e ouço um grito que o chama ecoar. Pergunto-me o que tanto ele teria para ver dentro de minha casa a ponto de não estar perto do telefone, ou seja, na sala.

– June! - Burton exclama, e um aperto em meu coração segue sua voz. - Você está bem? De onde está ligando?

– Estou bem. E consegui um telefone de um... - hesito. - Amigo. Mas isso não importa agora. Diga aos meninos que eu sinto muito e que não vejo a hora de voltar.

– Ah, June, eu sinto muito. Não suporto a ideia de você sozinha a Oeste, eu... - Ouço sua respiração profunda através do telefone e sinto uma vontade absurda de abraçar, traquilizá-lo. - Pedi a ajuda da minha tia para tirar você daí, e já pensamos em algumas coisas. De qualquer jeito, não vamos conseguir fazer nada hoje, está tudo em estado de alerta. Então nos falamos amanhã e eu sem falta coloco alguma coisa em prática. Acha que consegue um lugar para dormir?

Olho para Wallace e Otto. Até agora, eles me pareceram ótimas companhias e, contanto que me aceitem em sua casa, eu ficaria feliz em ser sua hóspede.

Mas não é como se eu fosse mencionar qualquer incerteza pelo telefone.

– Com certeza - respondo, finalmente.

Ficamos uns instantes em silêncio; acho que nenhum dos dois tem o que dizer, mas eu é que não quero desligar. Porém, sei que não posso ser assim tão apegada a uma ligação, e Burton parece concluir o mesmo ao dizer:

– Está bem. Eu... Eu te amo. Me desculpe.

Congelo. Não sei se essa última frase foi por causa de sua própria fala ou do evidente fato de que acabei aqui sozinha. Mesmo assim, depois que ouço os diversos bipes que indicam o final da ligação, murmuro:

– Eu também te amo.

**

“Tive que correr, sinto muito. Lhes devo mil favores. Obrigada.

– June.”

Deixo o bilhete escrito às pressas sobre a cama generosamente cedida a mim para passar a noite na casa dos Dash. Apesar do ambiente extremamente simples e cheio, minha estadia não poderia ter sido mais agradável. Serviram-me refeições quentes, aqueceram o pouco de água que tinham no fogão para que eu tomasse banho e foram muito simpáticos comigo o tempo todo. Em particular, gostei de conhecer a mãe, tia e avó de Wallace, morfináceas de uma doçura que me lembrou Lyn.

E, por esse motivo, quando a ligação de Burton me acordou e ele me instruiu para correr para a parte do muro que atravessei ontem, foi com muito peso na consciência que vesti os sapatos e deixei a casa sem despedir-me propriamente da família Dash.

“Rápido, June, você não tem tempo,” Burton me alertou pelo telefone.

Por sorte, não estou longe do telhado no qual aterrissei da queda, e alguns minutos correndo pela minha vida são suficientes para que eu reconheça a construção de madeira em frente ao velho muro. Procuro por uma brecha na estrutura que pudesse me permitir qualquer visão do outro lado, e por sorte enxergo um pequeno buraco grande o bastante para meu olho.

A barra está limpa e eu posso pular.

Escalar a casa até chegar ao telhado é o de menos, pois o que realmente dificulta minha passagem é - mais uma vez - o arame farpado no topo do muro. Mordo a língua com força para desviar a mente da dor dos cortes provocados pelo metal, alguns feitos por cima de meus machucados do dia anterior que não estão nem perto de cicatrizados. Quando vejo a grama do lado Leste abaixo de mim, não hesito antes de pular e, depois de rolar algumas vezes no chão, correr para qualquer lugar longe do muro e dos Pacificadores; sabe-se lá onde estariam agora.

Não sei exatamente durante quanto tempo corro, desviando das árvores e tropeçando vez ou outra em pedras no chão. Só sei que, de um jeito ou de outro, acabo passando por um dos pequenos caminhões com a insígnia do Distrito 6, aqueles usados pelos amigos de Constance que nos ajudam nos furtos. Dele, porém, não saltam caminhoneiros segurando rádios roubados de Pacificadores, mas sim Burton tendo um deles em mãos.

Posso estar tão cansada a ponto de atirar-me no chão e ficar por lá durante algumas boas horas. Porém, a exaustão não é o bastante para impedir-me de correr mais um pouco; correr ao encontro dele.

Burton me abraça forte como nunca havia feito antes. Ele pressiona uma das mãos na parte de trás de minha cabeça enquanto estou apoiada em seu peito. Com seus braços em volta de mim, sinto-me protegida.

– Eu não dormi essa noite - Burton diz, e ainda não nos mexemos. - Você não tem ideia do quão preocupado eu fiquei, June. Se algo tivesse acontecido com você, eu nunca poderia me perdoar. Nunca.

Ele dá um beijo em minha testa antes de que eu me afaste dele o bastante para falar.

– Eu queria que você estivesse lá comigo.

Sei que Burton e eu tínhamos preocupações diferentes envolvendo o que aconteceu. Não é como se houvéssemos sentido saudades um do outro, não; ele não me queria lá sozinha, e eu não queria fazer nada lá sem ele.

– Vocês podem ter quantos momentos românticos quiserem mais tarde, mas eu também quero conversar! - Ouço a voz de Constance atrás de mim, então desprendo-me de Burton para dar nela um abraço. Agradeço-a o que parece ser um milhão de vezes e ainda sim sinto como se não conseguisse expressar toda a minha gratidão. Constance volta a falar. - Ah, June, querida, que loucura deve ter sido! Que bom que está bem!

– Na verdade, não foi tão ruim assim - afirmo, então lembro-me de algo muito mais importante de que quero falar. - Mas isso não importa. Como vocês me tiraram de lá?

Constance e Burton se entreolham, então ele exibe o rádio preto.

– Sabia que se você mudar a frequência, pode se comunicar com os Pacificadores? - Rio pensando no que raios Burton disse para afastá-los, mas ele volta a falar e logo não preciso mais imaginar nada. - Eu fingi que era um chefe qualquer e disse que íamos demolir só aquela parte do muro para construir algo mais resistente e seguro. Não fez o menor sentido, mas acontece que esses caras morrem de medo dos líderes e seguem qualquer ordem vinda de uma posição mais alta.

Abraço Burton só de pensar no quão errado tudo aquilo poderia ter dado, e no quanto ele e Constance se arriscaram por mim. Já estou meio acostumada a mexer com Pacificadores, mas isso considerando os roubos dos mesmos caminhões numa mesma floresta; não imagino como seria viver qualquer perigo além do que já costumo correr. Por fim, voltamos para o pequeno caminhão, onde Constance me pergunta com quem passei a noite.

– Conheci uma família incrível! Otto Dash e o filho dele, Wallace, em especial. Acho que eram os únicos naquela região independentes da morfina.

Burton me encara, ao mesmo tempo confuso e esperançoso.

– Wallace Dash? - pergunta-me, e estranho o interesse a princípio. Porém, depois que faço que sim com a cabeça, ele se faz claro enquanto esboça um sorriso orgulhoso. - June, você acabou de conhecer o namorado de Kryanna.


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Notas finais do capítulo

Pois é, meus caros! Espero que tenham gostado (: