A Verdade Sobre Nós escrita por sayuri1468


Capítulo 4
Um dia Para o Casamento




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Durante um tempo, eu não tive mais notícias de Sherlock, e embora isso fosse uma coisa boa para quem estava disposta a esquecê-lo, eu sentia falta dele. Era diferente de quando eu sabia que ele estava fora do país. Nessa condição, era mais fácil pra mim, pois sabia que não havia formas de nos encontrarmos, mas agora, com ele de volta á Londres, e eu sabendo que poderia encontra-lo a qualquer momento, eu aguardava por ele. Olhava para os lados na rua, procurava discretamente pelo hospital, e sempre que um conhecido em comum se aproximava, eu fazia questão de mencionar seu nome. Eu queria vê-lo, mesmo sabendo que não podia.

Naquela época, o convite para o casamento de John e Mary chegara, e eu não poderia ficar mais feliz pelos dois. Mal conhecia Mary ainda, mas sempre me identifiquei muito com John, e por isso, sempre lhe desejei toda a felicidade do mundo. Inconscientemente, meu cérebro encontrou uma forma de me aproximar de Sherlock, usando o casamento como desculpa. Era óbvio que John iria chama-lo para ser padrinho, e eu sabia que Sherlock detestava falar em público, especialmente sobre assuntos sentimentais. Pensei em ligar para ele e oferecer ajuda com o discurso, mas então minha mão parou antes que eu pudesse apertar o botão. Não tinha sentido ligar para ele. Eu não era a pessoa mais próxima dele, e estava noiva. Não era apropriado que eu ligasse. Guardando meu celular no bolso, eu tentei me policiar, mas a visão de Sherlock tremendo em frente á multidão, ou falando coisas inapropriadas no casamento veio à minha mente, e mais uma vez, retirei o celular do bolso. Fiquei contemplando por um tempo o nome dele na minha agenda de contatos. Deveria ou não ligar? Por um lado, eu tinha uma ideia que poderia ajuda-lo, mas por outro lado, eu não deveria me oferecer assim. Então, logo acima do nome dele, eu vi o nome de alguém que poderia me ajudar. É verdade que eu desejava falar com Sherlock, mas meu lado racional nesse momento foi mais forte, então deixei passar essa chance, e ao invés de Sherlock, liguei para Sra. Hudson.

– Molly, oi! – ela me disse com bom-humor.

– Sra. Hudson, tudo bem com a senhora? – perguntei educadamente. Eu realmente adorava a Sra. Hudson.

– Sim, não poderia estar melhor! Recebeu o convite do casamento?

– Acabei de abrir! – informei radiante – Fico tão feliz que eles tenham marcado!

– Eu também! Mas e você, querida? Está noiva há mais tempo, não vai marcar a data?

Era verdade, noivei três meses antes de John. Tom sempre chamava minha atenção para que marcássemos uma data, mas eu sempre inventava uma desculpa e protelava.

– Vou esperar saírem a data das minhas férias para isso! – menti.

– Não vá demorar demais, ou o noivado pode terminar antes de vocês casarem! – ela disse com o seu habitual bom humor, e eu sorri.

– Acha que Sherlock vai ser o padrinho de John?! – perguntei mudando bruscamente de assunto.

– Imagino que sim, eles são os melhores amigos! Na verdade, estou até surpresa que não tenham se casado!

Eu ri e concordei. Sra. Hudson sempre tivera a suspeita que os dois possuíam um romance secreto. Se eu contasse que não era só John que era hétero, tenho certeza de que a desapontaria.

– Não acha preocupante que Sherlock, como padrinho, terá que fazer um discurso?! – tentei não desviar do assunto.

– Bem, ele sempre fala tão bem em público! Na verdade, ele adora se exibir!

Sim, eu sabia disso.

– Mas as coisas são diferentes! Sherlock detesta falar de coisas sentimentais, e acho que talvez, ele acabe por fazer um discurso anti-matrimonial!

Sra. Hudson emudeceu por um instante, e logo depois, soltou uma exclamação. A ficha havia caído para ela.

– Você tem razão, minha querida! – ela exclamou preocupada – O que vamos fazer?

– Bem, eu acho que posso ajudar! Mas acho que Sherlock só vai ouvir, se for a senhora que der a ideia!

Ela concordou, e então, contei meu plano de usar as mensagens de casamento. Como essas mensagens se tratam de recados de carinho e felicidades para os noivos, se Sherlock iniciasse seu discurso com isso, tinha certeza de que ele pegaria o jeito, e entenderia que tipo de coisas ele deveria dizer. Sra. Hudson achou a ideia maravilhosa, e contou-me de como eram as mensagens de seu próprio casamento, e rimos muito. Ela, por conta da lembrança, e eu, pela forma como ela contava e ria em seguida. Quando desliguei o telefone, tenho quase certeza de que ela ainda estava rindo. Respirei aliviada, Sherlock estava a salvo, pelo menos por enquanto.

Embora tudo ocorresse maravilhosamente bem no noivado de John, eu não poderia dizer o mesmo do meu. Tom e eu não tínhamos relações desde que Mycroft pisara em minha casa, e apesar dele não reclamar, eu sabia que ele estava incomodado. Eu não sabia explicar, mas eu não queria que ele me tocasse ou me beijasse. O que era estranho, já que não havia me incomodado com isso durante esse tempo. Inventava trabalhos extras pra fazer - com a desculpa, para ele, de que estava economizando para o casamento -, apenas para chegar em casa quando ele já estivesse dormindo. Eu me culpava por isso, mas pensava que era uma fase que em breve passaria. Eu sabia, claro, que a volta de Sherlock tinha tudo a ver com isso, e, com o tempo, eu iria esquecê-lo e as coisas voltariam ao normal.

Eu só precisava de tempo. E esperei que Tom entendesse isso.

Dois dias se passaram normalmente, sem qualquer grande novidade. Porém, no final do meu expediente, um torpedo de Sherlock me avisa que ele está chegando para falar comigo. Meu coração deu uma tremida, e eu pensei, naquele momento, que a melhor coisa a fazer era mentir. Mentir que estava bem e que não me importava, porque, em primeiro lugar, era assim que eu deveria estar me sentindo. Decidi fazer meu trabalho normalmente, como se aquele torpedo nada representasse, e fiquei feliz ao ver que quando ele entrou, meu auto-controle estava impecável ao ponto de eu nem sequer levantar a cabeça, ou sorrir- lhe amigavelmente, como geralmente fazia.

– Aconteceu alguma coisa? – perguntei-lhe indo direto ao ponto.

– Bem, eu queria fazer uma despedida de solteiro para o John, aparentemente, é uma das funções do padrinho! – ele disse com certo desprezo, embora eu soubesse que estava brincando.

– Sim, é a sua função como padrinho! – concordei ainda concentrada em meu trabalho.

– Pensei em leva-lo as cenas dos assassinatos! – ele disse triunfante, como se fosse a melhor ideia que alguém poderia ter.

– Cenas dos assassinatos? – repeti achando, no mínimo, muito não convencional para uma despedida de solteiro.

– Sim, bares, clima alegre!

– Sim, mas por que não vão para as estações de metrô? É o usual!

– Perde o toque pessoal, Molly! Nós vamos beber...

– Em cada rua onde encontraram um corpo! – completei entendendo qual era a ideia dele – Adorável, e onde eu entro?

– Não quero ficar bêbado! Estraga meu humor!

– Você é formado em química, não consegue resolver isso sozinho? – brinquei.

– Não tenho experiência de campo!

A justificativa dele foi ótima, e eu não pude deixar de brincar com ele nesse momento.

– Está dizendo que eu gosto de beber? – falei séria.

– Ocasionalmente!

– Está dizendo que eu sou uma bêbada! – disse como se estivesse ofendida.

– O que, não? Eu não disse isso!

A tentativa dele de consertar me fez rir, e nesse momento, Sherlock percebeu que eu estava brincando. Acredito que ele tenha ficado sem-graça por ter caído no meu truque, pois ele sorriu sem jeito e um silêncio foi criado.

– Você parece bem! – ele falou hesitante.

– Eu estou! – respondi sorrindo. Naquele momento, eu realmente estava.

– E como está...Tom?!

– Ainda não é um sociopata! – respondi, ainda brincando com ele. Haja o que houver, Sherlock teria que acreditar que eu estava bem e que o tinha esquecido.

– Ainda não? Bom, bom!

– E estamos fazendo muito sexo! – era mentira, mas ele não precisava saber.

Era divertido ver Sherlock ficar sem graça, conforme o andamento daquela conversa. Tentando mudar de assunto, ele retirou a pasta com os dados dele e de John para que fizesse os cálculos.

– Ok! Preciso que calcule os níveis etílicos meus e de John para que possamos ficar somente alegres! Cabeça girando, bom!

– Mijando no armário, ruim! – completei, e ele, sorrindo, confirmou.

– Você está pegando bem rápido, Molly! – disse como um elogio.

– Eu nunca fui estúpida, Sherlock! – respondi como se estivesse ofendida.

– Não, eu não disse que era!

Eu ri, era a segunda vez que ele caia. Ao perceber que era outra brincadeira, Sherlock sorriu, dessa vez menos sem-graça.

– Você se aproveita por que não quero ofendê-la! – ele rebateu.

– Ora, tenho que divertir de alguma forma! – respondi rindo enquanto olhava os papéis na pasta que ele me trouxe. – Ok, Sherlock, eu te ajudo! Assim que eu finalizar aquele obituário, eu vejo esses papeis, e levo os resultados na sua casa!

– Ah pensei que iria fazer agora!

– Tenho que terminar esse obituário, Sherlock! – respondi firme. A Molly visivelmente apaixonada por ele largaria, e faria qualquer coisa que ele pedisse, mas a Molly noiva, comprometida e feliz não. Essa Molly tinha prioridades, e eu sinceramente, estava gostando muito mais dela.

– Tudo bem, eu espero então! – ele falou sentando-se no banco ao meu lado.

– Sério?! Vai ficar ai mesmo?

Tudo bem que eu havia reclamado que estava com saudades dele nos últimos dias, mas tê-lo ali, olhando pra mim enquanto eu trabalhava, era algo meio desconcertante.

– Sim! Você não vai demorar muito pra terminar, então eu espero!

Respirei fundo, tentando manter a calma. Concordei e voltei aos meus afazeres, como se tê-lo ali não fosse nada mais. Eu deveria ter ganho um Oscar pela minha atuação naquele dia. Apesar da vontade de lhe dizer coisas que estavam entaladas na minha garganta, desde aquela noite há dois anos, eu não o fiz. Agi naturalmente, como se sua presença não me deixasse nervosa.

– John se casando, quem diria! – ele murmurou, em um início de conversa.

– Bom, você ficou dois anos fora! Perdeu muita coisa! –respondi enquanto me mantinha focada nas minhas tarefas.

– Perdi mesmo! – ele concordou me encarando.

Se aquele comentário significou o que eu achei que significasse, eu iria no mínimo mata-lo. Como ele se atrevia a me soltar indiretas como essa, quando foi ele que, praticamente, me jogou nos braços de Tom.

– Bem, pelo menos você voltou a tempo pro casamento! – disse me fazendo de desentendida.

– E o seu casamento?

– O que tem?

– Você noivou antes de John, não pretende marca-lo?

Ele queria mesmo entrar nesse assunto! Eu não podia me alterar, qualquer sinal que eu desse, ele iria perceber.

– Estamos esperando as minhas férias! Além do mais, estamos juntando dinheiro para o casamento, ainda! Queremos comprar uma casa, com um grande jardim!

– Para as crianças, eu presumo! – ele falou, agora com a cabeça baixa.

– Sim! Queremos ter três filhos! Um casal de gêmeos e uma menininha! – falei. De fato, eu queria tudo isso, só não tinha certeza se queria com Tom. – Também teremos dois cachorros, e quanto maiores, melhor!

Falar dos meus próprios sonhos me ajudou a manter a aparência de noiva feliz, e Sherlock, num impulso, se levantou. Ele estava nervoso, e eu notei. Eu sempre notava.

– Lembrei que tenho algo pra fazer! – ele falou - Espero os resultados em casa, tudo bem?! Se eu não estiver, pode deixa-los com a Sra. Hudson!

Ele andou até a porta e parou. Fez-se um pequeno momento de silêncio, e então, ele olhou pra mim e disse, com a voz levemente mais grave que o normal.

– Obrigado, Molly! Eu espero que seus sonhos se realizem!

E me dando um último sorriso, saiu. Como era ingênuo. Mal sabia ele que meus sonhos estavam bem longe de serem realizados.

Essas atitudes de Sherlock me intrigavam. Para alguém que disse que me amava, e pediu para que essa confissão não fosse mais mencionada, ele agia ao contrário. Ao mesmo tempo em que decidiu ficar sozinho, ficava atrás de mim perguntando sobre mim e Tom, me pedindo para fazer cálculos, que ele conseguiria fazer em muito menos tempo. E aquela justificativa de “experiência em campo”, eu ri. Ele conseguia ser óbvio de todas as formas. Será que ele estava arrependido da decisão que havia tomado? Ás vezes eu sentia que o estava magoando, como quando contei do sonho da casa e dos três filhos. Mas se ele queria tudo isso comigo, por que não me dizia? Eu sabia que queria tudo isso com ele! Eu sabia por que ele não me dizia, eu estava noiva, e enquanto estivesse, Sherlock não falaria nada a respeito de nós dois. Eu tinha que tomar uma decisão, e eu a tomei em menos tempo do que deveria. Seguindo meu coração, eu fui até a Baker Street. Iria tirar aquela situação em pratos limpos, e seria naquela noite.

Entrei sem bater, e lá estava ele, em sua posição habitual, olhando pela janela.

– Você foi rápida! – ele disse. Provavelmente me viu entrando quando sai do táxi. – Trouxe os resultados?

– Não! Eu vim antes porque precisava conversar com você!

Ele andou até sua poltrona e se sentou, indicando-me com a mão a poltrona que até então, havia pertencido a John. Eu recusei, naquele momento, preferia permanecer em pé.

– Sherlock, o que está acontecendo?

Ele fez uma expressão confusa, e eu percebi que deveria ser mais clara.

– Se eu te dissesse que não estou mais noiva, o que você faria?

– Você está noiva, o anel ainda está no seu dedo! – ele rebateu.

– Sim, mas se eu dissesse que não estou, o que você faria?! – insisti meio impaciente.

Sherlock hesitou. Provavelmente estava pensando. Seus olhos se fixaram nos meus, e ao invés de fugir, dessa vez tentei transmitir tudo o que sentia através deles. Eu queria que ele me lesse.

Ele levantou do sofá e se encaminhou de volta para a janela.

– Eu disse que não queria que “aquilo” fosse mencionado de novo!

Ele me derrubou ao dizer isso.

– Então por que você faz isso? Por que se comporta como se estivesse sofrendo com meu noivado, como se estivesse arrependido por ter me deixado ir?!

Eu não acreditava no que eu estava dizendo. Naquele momento, todos os meus filtros foram embora, e quando me dei conta, as palavras já não podiam mais ser retomadas. Elas haviam sido ditas, e eu só podia esperar temerosa, pela resposta.

– Eu não estou arrependido! – ele disse secamente. – E nem estou sofrendo!

Sherlock então virou-se para mim, e eu pude ver sua expressão mais fria do que nunca. Aquilo me magoou, e eu não sei de onde tirei forças para não demonstrar isso.

– Você está arrependida, por acaso?! – ele perguntou com certo desdém.

Não, eu não iria permitir.

– Nem um pouco! – respondi com convicção – Tom foi o melhor homem que já apareceu em minha vida, e eu o amo!

– Então caso resolvido! – ele disse cínico, voltando-se a se sentar na poltrona. – Fico feliz que tenhamos esclarecido!

– Eu também! – falei sorrindo, tão cínica quanto. – Vou pra casa então! Até mais, Sherlock!

Não esperei que ele me respondesse, apenas sai daquele apartamento. Não suportava mais ficar lá. Acenei para o primeiro táxi e pude vê-lo me olhando da janela. Sua expressão não estava mais fria, estava triste, e isso só me deixou com mais raiva. Eu tentei, mas se era assim que Sherlock queria, era assim que seria. Fechei a porta do táxi e fui pra casa.


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