Ninguém entende o que acontece dentro da mente de um suicida, eu confesso, que as vezes nem eu. É complicado, bagunçado, um horror. Comigo começou assim, do nada. O tempo vai passando, você vai vendo tudo ao seu redor se desmoronar. Tudo que você vivia e acreditava, vira pó. Tudo é falso. Um dia você chora por causa de um xingamento, no outro por causa de uma briga, no outro por se sentir sozinha, e assim vai, até que um dia você chora e não adianta. Os cortes aparecem, porque precisamos de uma dor física para distrair da dor emocional. No começo ardem de mais, doem, coçam, mas depois viram bons amigos. Você para de ter motivos para se machucar e mesmo assim os faz. Sem explicação. As vezes com choro, outras sem choro. Todo mundo tem seu vicio, são drogas, sexo e eu me machuco. Meu vicio é me matar todo dia um pouquinho. Complicado entender né? Nada justifica uma pessoa a fazer isso, eu sei, eu sei. Pensava o mesmo, até que um dia, eu chorei e me cortei e as lágrimas cessaram, porque ver o sangue escorrer me acalmou.

Agora lá vai um segredinho. Ninguém faz isso porque quer se matar, faz porque quer matar a dor, a dor que está na alma, que criou raízes. Não sei se já sentiram uma dor assim, que sufoca, parece que alguém aperta seu peito com força, dói igual levar um murro. Você chora descontroladamente, até se engasga com o choro, a garganta trava. As vezes dói tanto, que é inescapável. Cada um sabe o tanto que aguenta, o tanto que dói. Não é não?

Enfim esse ciclo vira um vicio, você até tenta parar. Eu mesma já fiquei meses sem fazer e do nada surgiu um pequeno e lindo corte vermelho. Isso é tão insano. O quanto uma lâmina pode trazer uma calmaria. É insano.

Já me suicidei tantas vezes, que perdi as contas. Só quem já se suicidou, como eu, sabe do tanto de coragem que é necessário. Suicídio não é para qualquer um, você pode ter certeza disso. Relutamos tanto em não fazer, fugimos, corremos ao lado ao contrario, evitamos pensar, mas as vezes não tem como fugir. Você se vê, andando em direção aquela encruzilhada. Está na ponta de um prédio, em cima de uma cadeira com a corda no pescoço, com a arma na boca, com a faca no pulso, com as drogas na mão. E você se matou, mais um vez. Ninguém acreditou né? Que você teria coragem? Mas você foi tão corajoso. Tem que ser para tirar a própria vida. Covarde é quem tira a vida de outro. Agora não há mais porque ter arrependimento. Dormimos mais um vez, em um sono eterno. Porque costumo dizer que a morte é tão parecida com adormecer, apenas não se acorda horas depois. Por mais suicídios que já tenham cometido, eles sempre acreditam que aquele seu suicídio será o último e definitivo. Por esta razão, há sempre um novo medo que ele jura que nunca sentiu antes, mas sentiu. Morremos todos os dias, porque ainda sentimos a esperança, que algo vai mudar. Talvez hoje eu morra e não acorde depois. Que eu caminhe até o final e encontre a cama mais macia e deite nela e durma pela eternidade. Talvez.