Controlados- Interativa escrita por White Rabbit, Soulless


Capítulo 2
Capítulo 1- O Observador


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!!! Aqui é o Murilo desejando a todos uma boa leitura.



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Aquele foi o maior e mais desesperador acidente de toda a humanidade, ninguém esperava que o fim, o apocalipse, o ragnarok- chame como quiser- fosse chegar assim de súbito, sem aviso. Começou pequeno, apenas algumas mudanças de clima, uma chuva torrencial de vez em quando, uma seca prolongada, coisas pequenas e que todos consideravam sem importância. Mas aos poucos o planeta começou a morrer. Apenas explicando, a vida de um planeta é medida pelo grau de aquecimento, ou seja, quando um planeta esfria ele morre, e era isso que estava acontecendo com a Terra, em poucos anos ela não passaria de uma grande bola congelada com alguns poços de lava vulcânica. As florestas começaram a morrer e os animais sofreram mutações indescritíveis.

A ilha do Havaí afundou num piscar de olhos matando todos os seus habitantes. Um terremoto pegou os japoneses de surpresa destruindo boa parte do país. Na América do Sul, a morte das florestas resultou numa grande crise financeira e muitos não tinham o que comer. Vulcões começaram a entrar em erupção, o derretimento das geleiras trouxe um aumento significativo no volume marítimo, resumindo, todos estavam no mesmo barco e ele estava afundando.

Os poucos sobreviventes se refugiaram em bases militares construídas em diversos locais do mundo, era impossível sobreviver fora dessas bases, a mutação que ocorreu nos animais transformou a maioria em perigosos, o clima mudava drasticamente de uma hora para a outra, e a falta de recursos apenas dificultava as coisas. A única esperança da humanidade encontrava-se agora na Base Militar Esperança, onde um grupo de cientistas criava o que todos consideravam um milagre.

° ° °

Nate River

The Watcher

Imagine Dragons- Radioactive

Fechou os olhos deixando que aquela suave brisa acalmasse os seus nervos, era raro ter uma brisa tão refrescante daquelas em sua base. Geralmente o máximo de refrescância que ele poderia aproveitar eram os míseros trinta minutos que ele e sua turma passavam no auditório da escola ouvindo o diretor relembrar todas as semanas o que levou a humanidade a beira do colapso. Deslizou os dedos pelos cabelos brancos, eram daquela cor desde que ele tinha nascido, mas ele sempre amaldiçoou o dia do seu nascimento e os amargos dias em que viveu naquele orfanato.

Era como diziam os sábios, as pessoas só dão valor quando perdem, era essa a realidade. Ele conhecia muito bem a história da humanidade e desde o início ela sempre fora a mesma, ambiciosa, inconseqüente, desesperada. Ela nunca mudou, nem mesmo depois de duas guerras mundiais e de que uma quase terceira guerra pelas nascentes de água que sobraram purificadas, uma delas foi tomada pelo governo inglês e agora abastecia a Base Militar Rainha Vitória- nome um tanto brega na opinião dele.

Mas de todo modo, agora os cientistas estavam bolando algo para salvar o que restou da humanidade, mas era praticamente impossível realizar o que eles planejavam, criar uma realidade alternativa não era tão simples assim, a menos que estes cientistas pudessem realizar milagres, ele preferia não confiar muito no que seus professores diziam e tomar as próprias opiniões.

Apenas continuou aproveitando aquela brisa que logo iria embora, tudo em breve iria embora, o ciclo iria se completar e nenhum ser humano iria impedir isso, pelo menos não a esta altura quando as coisas estavam tão críticas. O sol já sumia por detrás do horizonte que erguia ao longe, ele podia ouvir as risadas das crianças que voltavam da escola, o barulho dos militares em suas torres de guarda, o cheiro de chá com torrada que inundava a base todo o final de tarde.

Gostava de prestar atenção em tudo àquilo que acontecia ao seu redor, uma maneira de deixar o tempo passar, afinal nada de interessante acontece quando se está preso em uma base cheia de militares, era disso que ele vivia: observar. Tinha uma memória excelente e pelo mesmo motivo aprendia as coisas rapidamente, tirava boas notas, seguia as regras, um aluno exemplar, ninguém tinha o que reclamar dele. O sino começou a badalar, era à hora do famoso “toque de recolher”, ninguém poderia sair de casa durante a noite, afinal os animais agora eram perigosos, e ficar zanzando por aí a noite seria fatal.

Como se tudo fosse premeditado a brisa parou, acordando-o do seu semi-sonho. Obrigou-se a se mover em direção a sua casa, nas ruelas escuras e sombrias as pessoas corriam afoitas como se o toque de recolher fosse a sétima trombeta do apocalipse, ninguém sabia na realidade o porque de tanto medo da noite, pra que serviam então aquele monte de militares dentro da base? Enquanto andava pode ver a imponente Casa Real que manteve-se mesmo em meio a catástrofe, era como diziam, uma vez rei, sempre rei.

Enquanto os reis e os ministros desfrutavam de todo luxo que ainda lhes era permitido, a “plebe” tinha de contentar-se morando em casas incrivelmente idênticas comendo a comida que era dada todas as noites aos trabalhadores da base. O que seria de um feudo sem escravos não é mesmo? Nate sempre teve de trabalhar, nunca conheceu a verdadeira liberdade, os orfanatos não eram tão aconchegantes quanto às televisões mostravam. Não existiam empregados, eles é que tinham que limpar, arrumar, concertar, cozinhar, uma infinidade de tarefas que transformavam os órfãos em “adultos precoces” como seu professor de Filosofia costumava dizer.

E depois que os donos do orfanato foram assassinados vieram os difíceis e rigorosos dias vivendo na rua, tendo de pedir esmolas nas esquinas, comer o que conseguisse encontrar e tentar sobreviver ao frio intenso das noites no Reino Unido, todas as crianças do orfanato tiveram o mesmo destino, nem todas conseguiram sobreviver. Mas ele teve o que poderia chamar de “sorte”, se acreditasse nela.

Foi encontrado por um casal que o acolheu e o deu tudo o que ele precisava. A família River era bastante conservadora e mesmo em meio ao colapso mantinham uma doutrina rigorosa de estudos que foi fundamental para transformar Nate no que ele era hoje, para quem cresceu trabalhando duro no orfanato, poder ter o prazer de apreciar boas horas de leitura junto a lareira era um grande avanço.

Finalmente chegou a rua de sua casa, pessoas ainda conversavam nas portas- um bando de fofoqueiros que não tinha nada melhor para fazer- quando o sino tocou pela segunda vez, sinal de que a partir dali quem fosse pego fora de casa seria punido, ninguém nunca soube realmente como eram feitas essas punições e ninguém queria mesmo descobrir. Entrou em casa silenciosamente, pode ouvir a voz de seus pais adotivos e o cheiro de molho de tomate tomava conta de cada cômodo.

Dirigiu-se até a cozinha, seus pais falavam sobre os seus dias cansativos no trabalho, mas quando o viram mudaram logo de assunto, eles nunca gostaram de falar sobre o dia deles, preferiam voltar sua atenção para o seu filho adotivo, quer dizer, filho legítimo, afinal eles criaram aquele menino não foi?

– Nate- sua mãe puxou-o para um abraço apertado quase o sufocando- você demorou, sabe que não deve ficar fora depois do toque de recolher.

– Sim eu sei, é que eu me distraí vendo as pessoas na rua- ele puxou uma cadeira sentando-se- prometo que não vai acontecer novamente.

– O diretor da sua escola esteve aqui esta manhã- seu pai falou com uma notável pitada de orgulho no seu tom de voz- disse que você é bastante promissor, continue assim.

– Só tenho a agradecer a vocês por isso, afinal, foram vocês dois que me tiraram daquela vida não é?

– Não filho- as mãos quentes e reconfortantes de seus pais seguraram suas duas mãos- você é que nos tirou da amargura, nós não salvamos você, você nos salvou.

Eles ficaram se encarando em silêncio por algum tempo, Nate se perguntava se os seus colegas de orfanato tiveram a mesma sorte que ele teve, sabia que muitos estavam mortos agora, mas outros deviam ter encontrado uma casa, uma família, ou ao menos dar um jeito de sobreviver naquele mundo tão insano e cruel.

– Fiz a macarronada que você adora- sua mãe sorriu para ele- pondo a sua frente um prato fumegante e aparentemente delicioso, adorava ter toda aquela atenção só para si- mas aproveite que é só por hoje, não sabemos quando vamos receber suprimentos novamente, as coisas andam tão loucas ultimamente.

– É- comentou o seu pai servindo-se de uma bela porção daquele prato- as bases são aliadas, mas nós temos água potável e isso pode ser perigoso, o ser humano é muito imprevisível e faz loucuras quando está desesperado.

Nate sabia muito bem o quão louco e enigmático era o ser humano, quando sua vida é posta em risco ele é capaz de qualquer coisa, foi assim na antiguidade, é assim no presente e será assim no futuro, existem coisas que realmente não mudam. Enquanto se servia da deliciosa macarronada de sua mãe, pode ouvir o barulho das sirenes ecoando entre as ruelas da base, os militares sempre faziam ronda para ver quem não estava cumprindo o toque de recolher.

– Eu soube na escola que uma garota foi pega ontem a noite- falou para que o silêncio inquietante não se mantivesse por muito tempo- disseram que jogaram ela para os lobos mutantes de fora da base, mas não acho que os militares venham a fazer esse tipo de coisas.

– Na verdade filho, a coisa mudou muito. A três décadas atrás quando o mundo começou a entrar em colapso tudo enlouqueceu. A única saída foi nos isolar dentro das bases e sermos protegidos pelos militares, eu ainda era muito novo quando tive de viver uma vida cheia de regras, mas você está acostumado afinal nasceu dentro desta base, nunca conheceu a liberdade- seu pai sorriu para ele tristemente, era verdade, sua geração nascera dentro das bases, colocados para seguir um regime militar rigoroso, ele nunca conhecera a “liberdade” que ouvia falar nos livros da história inglesa- espero que um dia consiga conhecê-la filho.

– Não se preocupe pai, surtos como estes que estamos vivendo não duram mais do que quatro décadas, é como a crise do sistema feudal. Dura por bastante tempo, mas nunca é eterno, até mesmo Roma caiu não foi.

– A propósito anunciaram esta manhã que a base do Vaticano foi invadida por algumas bestas mutantes, foram necessários muitos homens para contê-los.

– Esses religiosos- sua mãe falou em tom irônico- foram os primeiros a se trancafiar dentro da cidade do Vaticano quando tudo isso começou, e ainda ousam dizer que são “mensageiros de Deus”.

– Eles estão apenas tentando preservar o tesouro que acumularam estes anos todos, é compreensível, afinal não é isso que a família real está fazendo?- Nate falou dando uma grande garfada naquele manjar dos deuses que só sua mãe sabia fazer.

Um vento frio invadiu a cozinha de assalto arrepiando todos os pelos de seu corpo, Nate teve um pressentimento ruim, não que acreditasse em premonições ou fosse uma pessoa supersticiosa, mas teve a estranha sensação de que algo ruim estava por acontecer. Estaria enlouquecendo? Não, talvez fosse apenas o sono, sim estava bastante cansado, qualquer um ficaria depois de ter duas aulas tediosas de física seguidas do sermão das aulas de filosofia. Sua mãe correu para fechar a janela e o calor característico da cozinha voltou a reinar.

– Nossa, acho que essas mudanças climáticas estão acontecendo mais rápido do que disseram- sua mãe comentou voltando a sentar-se.

Comeram em silêncio, Nate apenas aproveitou aquele momento em família, era raro uma família manter-se íntegra em meio as catástrofes, poderia citar uma lista inteira de garotos que ele conheceu que foram jogados ao acaso pelos próprios pais durante o desespero. Tentou lembrar-se do nome da garota que provavelmente servira de “comida para os lobos”, mas não conseguia lembrar-se de seu nome, engraçado, ele nunca esquecia nada e agora não lembrava o nome de uma garota?

Balançou a cabeça retirando esses pensamentos, o que ele tinha a ver com isso? Se ela morreu, ele nada poderia fazer para trazê-la de volta, e se ela fora rebelde e saiu depois do toque de recolher, ela teve de encarar as conseqüências. Vivia num mundo difícil e cheio de regras, ninguém tinha escolha, aliás, ninguém tinha culpa, nem mesmo os militares. Se o mundo hoje estava assim, foi porque as gerações passadas não cuidaram do planeta como deviam.

Quando terminou de comer pode ouvir batidas na porta, fortes e repetitivas, como se alguém estivesse prestes a quebrá-la. Quem seria aquela hora?

– Eu atendo- Nate falou levantando-se e cruzando os poucos cômodos da casa, a porta de madeira já não era tão nova e quebraria com outra soco daqueles- já estou indo!

Abriu a porta lentamente, dando de cara com dois militares. Seus rostos mantinham o semblante sério e o encaravam discretamente, apenas mais dois robôs controlados pelo governo, quanta originalidade. Um deles trazia um papel na mão, e o outro apenas mantinha as mãos para trás como se estivesse escondendo alguma coisa.

– Nate Rivers?

– Sim sou eu, algum problema.

– O senhor acaba de ser recrutado para o Projeto Esperança, pode vir de livre e espontânea vontade ou será forçado a fazê-lo- o tom de voz do militar mantinha-se sério, já ouvira falar desse projeto, eram os cientistas que estavam trabalhando na salvação da humanidade, mas o que ele tinha a ver com isso?

– Sinto muito, deve ter tido algum engano.

– Não, é o senhor mesmo que estamos procurando, então, pode andar logo?

– Eu não vou a lugar nenhum.

– Foi o que imaginei.

De súbito, o soldado o agarrou, ele lutou para livrar-se, mas as mãos do militar o agarraram com firmeza enquanto o outro borrifava algo em seu rosto, aspirou o gás adocicado e sentiu como se estivesse caindo dentro de um abismo, sua vista embaçava e tudo o que ele conseguia ouvir eram as vozes distorcidas de seus pais e do soldado que o agarrou, e então apagou, não via mais nada, apenas escuridão.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, até o próximo!