Dentro do Espelho escrita por Banshee


Capítulo 33
Poder & Controle




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Sabe, eu queria ter sido uma loira oxigenada e eu não sei por que, mas me sinto uma iludida. Queria ser uma adolescente desocupada e não uma ingênua inocente. Lá dentro, dentro do ímpeto, dentro do meu ser havia a voz de uma garotinha alegre e risonha brincando com uma garota heterocrômica. Mas essas duas garotinhas, hoje, estão mortas.
Eu ansiava ficar dentro de casa o dia todo e que todas as pessoas fossem embora, queria beber sangue e ser corajosa, comer chocolate... Na verdade? Eu sempre fui uma verdadeira falsa, uma espécie de cria sheakesperiana. Dentro de mim haviam aquelas palavras dizendo que eu não passava de uma adolescente desocupada que queria ter sido convidada para o baile de inverno, e mais, uma rainha do baile que disputou pelo titulo... Mas ao invés disso lá estava eu com dezesseis anos, queimando uma bíblia e me sentindo a maior suicida de todos os tempos.
Eu desperdicei minha juventude, contei belas mentiras antes de cair de cara num muro chamado realidade. Uma realidade feia. O dia em que irei morrer está chegando... Tudo isso para quê? Para descobrir que eu estou viva. Eu nunca fui fã de ironias.
Sabe, eu quero ser uma virgem pura, ou melhor, uma prostituta do século XXI. Eu quero minha virgindade de volta, para eu poder me sentir infinita. Anseio beber até sentir dor, cometer mais um grande erro, sangrar, ser audaciosa e comer um ultimo bolo angelical da minha mãe... O mesmo bolo que sempre vomitei.
Queria não ter sido tão narcisista, não ter beijado o espelho de verdade quando estava sem ninguém. Oh Deus, estou prestes a morrer sozinha. Isso tudo foi uma perda de inocência, os anos amargos sendo uma tola... Alguém me disse uma vez que a juventude era bela, mas essa pessoa mentiu.

♀ POV Skye Delevingne ♀

Atenção senhores passageiros, peço que coloquem os cintos e desliguei os celulares, pois iremos decolar. Atenção senhores passageiros, peço que coloquem os cintos e desliguei os celulares, pois iremos decolar.
Era o avião 312 da Airfire, prestes a decolar, não foi difícil pegar quatro acentos na primeira classe com toda a grana que Faith me deixou. O meu destino de viagem? Nerfoni. O meu real destino? Nem Deus sabia.
Eu cresci numa pequena cidade, e quando a chuva caia, eu apenas olhava pela janela, sonhando com o que poderia rolar. Eu terminaria feliz? Naquela época eu ainda rezava com fé. Tentava ao máximo alcançar meus objetivos, mas quando tentava falar, sentia que ninguém me ouvia. Eu queria continuar aqui, mas algo parecia tão errado aqui... Então eu rezei, rezei para um milagre como de Esther, um milagre que me fizesse escapar.
Ainda quero sentir a brisa quente, dormir embaixo de uma palmeira do Hawaii, sentir o agito do oceano e o som das marés e subir num trem em movimento para poder viajar para bem longe e fugir. Conhecer edifícios de milhões de andares, passar por suas portas giratórias. Sim, eu não sei para onde essas portas me levarão, mas eu tenho que continuar, escapar, fugir... Libertar-me.
–– Parecia... Parecia um sonho tão impossível há dois anos, não é? –– Perguntei à Alaska, mesmo não a vendo, sabia que estava na poltrona ao meu lado –– Conhecer a Kelly Clarkson, publicar meu livro e ir à Disney... Eu posso. Agora eu posso, eu tenho dinheiro, identidades falsas e inteligência... Nas minhas mãos eu tenho o poder, mas por que esse poder me parece tão sujo?
–– Por que há dois anos você estava em outra situação –– Ela responde –– Você não mais aquela criancinha ingênua com ódio de Deus. Você se tornou uma mulher, Skye Delevingne, uma mulher cheia de defeitos e abençoada com dons incríveis que descobriu cedo demais o que o poder faz com as pessoas. –– Ela fez uma pausa, estava pensativa. Seus olhos olhavam para céu e já não eram mais âmbares, mas castanhos. Castanhos muito escuros –– Aqueles homens, se é que posso chama-los assim, eles querem o poder. E para consegui-lo, matam, roubam, forçam, estupram, destroem vidas sem dó ou piedade. O poder é imundo Skye, por mais puro que seja, continua sendo uma força da natureza mais poderosa que tornados ou tsunamis. O poder é sinônimo do mal.
–– Não acho que o poder seja sinônimo do mal. –– Disse Hope, que aparece na poltrona ao meu lado direito –– O poder é bom, poder é vida, todos anseia ter poder para realizar seus sonhos, destruir quem querem destruir... Força, dinheiro, persuasão... Todas são formas de poder, por que esse não uma maldição, é uma benção. Não é o todo poderoso?
–– Creio que, na situação que nos encontramos, não é muito útil tocar no assunto “Deus”. –– Disse Alaska –– Quando se está no Inferno, somente o Diabo pode te salvar.
Era uma citação de Saw, eu lembro que sempre vomitava assistindo-o, mas a ideia de um homem prestes a morrer raptando pessoas injustas para coloca-las em jogos onde pudessem perder suas vidas sempre me cativou.
–– Esses dons. Essas pessoas. Essa coisa que eu sou... Eu nunca pedi isso. –– Digo –– Por que justamente eu? Se não fosse por isso, agora eu estaria no Texas com pais lindos que me amam e talvez com irmãos... Eu teria um cachorro. Sim, um cachorro chamado Fernino e um gato chamado Drefin, eu não sei o porquê, mas sempre amei esses nomes. Estaria concluindo o ensino médio e prestes a ir pra uma faculdade, cursaria inglês e me formaria. Poderia ter sido a rainha do baile, ter lutado pelo titulo e ter sido uma popular. Nada seria igual.
–– Você já notou que, se você fosse diferente, não teria conhecido Joshua ou Anthony? Que Josh teria morrido de qualquer forma e que mais e mais pessoas estariam sendo mortas? –– Alaska pergunta –– Ester não pediu para ser a rainha e José não pediu para ser levado ao Egito, mas eles foram, e se tornaram importantes da sua própria forma. Deus nunca escolhe os capacitados, ele capacita os escolhidos. E a propósito, Fermino é mais um anagrama de Nerfoni, da mesma forma que Drefin é um anagrama de Nifred. Você não seria Skye Delevigne, não teria o amor pelos livros, não iria fazer letras e poderia ter se tornado uma vadia popular pior do que a Liz... Você seria você, mas ao mesmo tempo não seria a mesma. Seria...
–– Seria um erro. Um erro da natureza. –– Disse Hope por fim.
Permaneci quieta e pensativa, sentido-me da mesma forma quando Teresa me repreendia. Fazia sentido, mas não queria aceitar.
–– Skye, em algum momento alguém teria que fazer alguma coisa contra eles.
–– Eles são os palhaços e você nasceu com um objetivo. –– Disse Hope –– Mate o palhaço, ele é tão falso... Deixe-o morrer.
–– Todos nascem com um objetivo. Esse é o seu. E é por isso que tu é assim.
–– Assim como? –– Pergunto a Alaska.
Uma Garota Cristal.
Olhei para os lados, olhei para elas, mas sabia que nenhuma tinha dito aquilo.
–– Me digam que também ouviram. –– Digo
Alaska fita a poltrona vazia a nossa frente, uma poltrona de couro escarlate.
–– Ela está aqui. –– Sussurra.
–– Quem? –– Pergunto.
–– A mais poderosa de nós três. Aquela que sobreviveu ao palhaço. –– Hope responde.
Fecho meus olhos e aperto com força, abro-os lentamente para ver o mesmo acento na minha frente. Mas há alguém sentado.
–– Olá. –– Ela diz. Seu olho direito é azul e o esquerdo é verde, sua pele é bronzeada e bochechas rosadas, os cabelos louros agora estavam secos e brilhava no tom dourado mais lindo que já vi, com seus dentes branquíssimos e infantis. Era apenas uma garotinha, e eu a reconhecia. Eu a salvei diversas vezes. –– Me chamo Glass. Glass Vermogen.

♫ POV Alice Lidell ♫

–– Solte-me! –– Gritou possessa –– Você não tem esse direito, me solte agora!
Continuávamos no mesmo beco em que recebemos a chamada de Pixie. Estava prestes a desistir, mas Anthony puxou-me pelo braço, agora me arrastava para longe da viela, prestes a me levar para o jato com que chegamos.
–– Nem pensar, eu não deixarei que você abandone tudo que conseguimos até agora só por que uma desconhecida ligou dizendo para fazer isso. –– Ele retrucou –– Achava que era mais racional.
–– Eu sou racional, e é por isso que estou abandonando tudo. –– Digo, abandonando seu aperto e massageando meu pulso –– Você está sendo guiado por uma emoção, pessoas racionais sabem quando é a hora de desistir! Sinto muito por sua perda, mas nós...
–– Minha perda? Minha perda!? Você fala como se ela estivesse morta, pútrida, a sete palmos abaixo da terra...
–– Tecnicamente está! –– Grito –– Ela morreu para mim no instante em que o celular vibrou! Ela morreu, Liz morreu, a missão morreu... Esse corpo é meu agora, essa vida é minha agora e eu sou uma bomba-relógio prestes a incinerar todo mundo! Não posso perder o pouco tempo que me resta indo atrás de um cadáver!

Dei as costas, não sabia para onde estava indo, mas queria abandona-lo e esperar que morresse de fome em uma vinheta qualquer da cidade.
–– LIZ NÃO FARIA ISSO! –– Grita –– ELA ME AJUDARIA, NÃO DESISTIRIA E IRIA COMIGO ATRÁS DA SKYE!
Rio da sua piada. Era tão cômica a fé das pessoas na humanidade.
–– Ah, então é isso que você pensa? –– Pergunto, mas sem me virar –– Liz era má. Era pior que qualquer um deles.
–– Você...
–– Você não entende. A programação acontece do forma diferente para cada classe humana... Quando uma Banshee é pega, enlouquece, fica em coma, perde audição, visão... Pode até morrer. Um Serafim? Perde emoções. Uma cristal? Múltiplas personalidades. Um Índigo? Bem, a personalidade original se torna má e a persona, justa. O alter-ego de um Índigo reprogramado é um Índigo Perfeito, melhor do que qualquer Índigo seria se não sofresse a programação... E eu? Eu sou perfeita. –– Digo –– O plano da Liz era te levar até eles e te oferecer como sacrifício na frente da Corte. Seria uma espécie de batalha final, onde você, Skye, Tessa, Raven e qualquer outro amigo seu participaria... Aposto que agora alguém foi mandado atrás de Teresa Delevingne e Raven Enders para rapta-las para o Primórdio. Sim, esse é o nome do evento onde matariam vocês.
–– Mas... Não faz sentido... Por que a Liz mataria o piloto do avião se eles estavam do mesmo lado?
–– Era um teatro, seu estúpido! –– Me viro e grito, estava com raiva, raiva de tudo e de todos –– A faca acertou uma bolsa com molho de tomate! Você é tão idiota que nem ao menos soube diferenciar sangue de molho de tomate! E digo mais: Skye viajando até Nerfoni agora mesmo, e eles a encontraram assim que sair do avião e a levarão para o Grand Finale. A Cristal, a Bruxa e a Enviada de Deus, como foram apelidadas em suas fichas, serão devoradas por cães selvagens. E assim termina nossa história de amor, com Ele vencendo.
Invisto para frente, Anthony Gottes não poderia me parar, iria pegar o jato e ir para a América atrás de Pixie e o resto da Savior.
–– Você não vai passar daqui. –– Ele diz sério, abrindo os braços para me impedir. –– Não antes de dizer quem é Ele.
–– Ele? É o mal em pessoa. –– Digo –– Agora saia da minha frente ou serei obrigada a acabar com você.
–– Comigo? –– Ele ri –– Sou maior e mais forte que você Alice, se coloque no seu lugar.
–– Você pode ser mais forte. –– Digo –– Mas eu sou mais inteligente.
Me atiro contra seus braços, acerto em cheio e seu peito e ele cai, mas me segura consigo.
–– Eu não vou te deixar ir assim! –– Ele diz.
–– Eu não vou a lugar algum se você tentar me estuprar!
–– O quê?
Dou um tapa na minha própria cara, desajeito meu cabelo e fico minhas próprias unhas nos antesbraços, tentando de toda a forma rasgar minha pele e roupa, torcendo para que a policia ainda estivesse no hotel.
–– SOCORRO! –– Grito –– POLICIA! ESTUPRO! ELE QUER ME ESTUPRAR! POLICIA ME AJUDA!
–– Mas o quê...?
Forço meus braços para as calças dele e as arranco, quase levando a cueca junto. Dou um tapa em sua cara para dar a impressão que tentei me defender.
–– ALGUÉM ME AJUDA! SOCORRRRRRRRRRRRO!
Chuto seu peito enquanto está atordoado, lançando-o para a parede. Ouço passos e os gritos dos policiais.
–– Por aqui. –– Um deles grita.
–– Eu não... Eu...
–– Talvez uma noite na prisão, ou uma surra, vá te fazer esfriar a cabeça e não ir atrás dela. –– Digo –– Eu realmente queria que não fosse assim Tony, eu juro que não queria.
Os homens de farda chegam, fecho meus olhos para não ver o soco que um deles da no rosto do Anthony. Ouvi um estalo, torci para ter sido os óculos e não sua mandíbula. Abro os olhos lentamente. Foram os dois.
–– Eu penchei que Indixos fossem justos... –– Ele diz.
–– São outros tempos Tony. –– Digo –– As coisas precisam mudar.
Recuo lentamente, com a esperança que os quatro policiais prestem atenção na surra que o dão e não em mim.
–– É isso que pessoas como você ganham. –– Diz um deles, batendo com a arma no crânio do pobre adolescente.
Ele me fita com os olhos. Lindos olhos verdes musgo com enormes cílios.
–– Eu não sei o nome dele. –– Grito, mas não estou falando de Anthony, e sim, com ele –– Só sei que ele se apresentou como Sr. Pholberg quando matou o professor de história e se pôs em Nifred em seu lugar! Quando encontra-lo de novo, reconhecerei seus grandes olhos azuis. Isso tudo é um jogo de poder e controle, Tony.
Dou um beijo na palma da mão e sopro, saio correndo com esperanças de que ele tenha me ouvido e que conseguisse fugir. O deixo para trás, junto com a missão de resgate de Skye. O fim se aproximava.


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