Dentro do Espelho escrita por Banshee


Capítulo 15
Mentiras




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/526031/chapter/15

– Acorde, vadia! – Alguém gritou, logo em seguida fui encharcada por um balde de água fria.
Me levantei, ou quase isso. Minha visão estava embaralhada e minha cabeça doía como se uma marreta a tivesse acertado. As sombras impediam que visse o rosto dos três vultos que se erguiam na minha frente, mas pude distinguir quando um deles ergueu sua mão segurando um objeto.
Meu coração ameaçou sair do peito quando Diane acendeu a lanterna.
– Que diabos, Sky! – Disse Raven, que estava ao lado de Tony. – Será possível que você não pode ficar longe dos problemas por algumas horas?!
Ergui minha coluna e senti como se alguém tivesse me colocado numa centrifuga gigante, uma pequena mecha de cabelo cor de fogo caiu dobre meus olhos. Eles ardiam.
– Pelo amor do Lorde Vader, Sky, o que você está fazendo com essa roupa de puta dos anos oitenta? – Perguntou Di.
Sim, puta dos anos oitenta foi o mais conceitual possível. Um longo vestido vermelho com um belo corte na parte inferior, dando a visão privilegiada da minha perna esquerda, e eu não precisávamos de um espelho pra saber que minhas costas estavam nuas.
A roupa da meretriz.
– Palavras malditas e noites mal dormidas. Talvez esse seja o problema, afinal.
Pisquei para distinguir de quem veio à voz. Alguns metros de distância de Raven estava Gaby encostada na parede. Seu rosto sem maquiagem parecia ser tão sinistro, principalmente quando segurava uma vela, cuja luz bruxuleava, dando uma imagem nova... Quase mística.
– Em que merda você se enfiou agora? – Ela perguntou.
Tentei responder, porém minha garganta doía. Coloquei a mão em frente a boca... Vinho. Cheiro de vinho.
Em que merda fui me meter agora?
– Dama da noite. – Disse Tony, com seu habitual tom pensativo – Dama da Noite de Scar Nitrolock, é isso que você se parece.
– Não me venha com seu papo nerd, Tony – Respondi.
Minha voz. Ela soou como... Como aquela que antes estava na minha cabeça. Amarga e desumana.
– Pois é, acho que alguém andou ingerindo mais do que algumas doses de vinho. – Disse Raven enquanto colocava sua mão em minha boca, tirando um liquido branco e viscoso. Queria acreditar que era leite condensado – Sky, precisamos te tirar daqui.
Tony pegou seu casaco e colocou sobre mim, enquanto Diane ajudava-me a a ficar de pé. Gaby ficara ali de canto observando.
– O que você faz aqui? – Perguntei.
– Calma esquentadinha – Respondeu ela, num tom petulante como o de Liz – Estou aqui por que sou a única pessoa que se preocupa com você e tem carteira de motorista. Posso ir embora e deixar vocês aqui, se preferir.
Ah, a mascara caiu. Perfeito!
– Que horas são? – Perguntou Diane, enquanto fuçava em sua bolsa.
– Três da madrugada. – Respondeu Raven – É agora que os demônios tem mais poder.
Saímos do pequeno quarto por uma minúscula porta que me fez lembrar Coraline e o Mundo Secreto, Diane foi em frente segurando a lanterna, enquanto Gaby ia logo atrás com a vela. Raven e Tony ao meu lado como se fossem guarda-costas.
– O que eu fiz dessa vez? – Perguntei.
– Até onde sabemos, nada além de sexo oral pra quase todos os homens da festa, e algumas mulheres. – Respondeu Antony – Precisamos de um psiquiatra pra você.
– Ou de um exorcista. – Cochichou Raven, de modo que só eu ouvi.
– Mas... Eu não entendo... Como me acharam?
– Gaby te seguiu logo após a briga com Liz... Ainda não acredito que você fez aquilo.
Aquilo, a palavra soou como um crime. Um pecado imperdoável. Tinha vislumbres da briga com Liz e de me ver apanhando, mas nada até o momento em que ela me chutava. Mas talvez...
Parei de andar.
– O que aconteceu na briga? – Perguntei, pude não soar, mas estava desesperada.
– Sky... É melhor irmos. – Antony me pegou pelo braço, porém me neguei a ir. Precisava de respostas.
– O que aconteceu na briga? – Eu disse mais alto.
A rua era silenciosa e os postes já estavam apagados. A aura negra do lugar me assustava de verdade, principalmente por que não era possível ver algo a mais de dois metros de distancia. Eu estava com medo, e tinha que admitir.
– Por favor... O que houve? – Perguntei.
Raven e Tony trocaram olhares, como se telepaticamente discutissem se e devia saber, ou até onde poderiam ir. Desde quando eram tão íntimos?
– Sky... – Começou Tony – Bem... Como dizer isso?
– Você espancou Liz. – Disse Diane, sem desvios – Lançou sua cara contra os armários e socou alguns ossos. Ela quebrou três dentes e algumas costelas, que quase perfuraram órgãos vitais. Tenho que admitir que nunca vi alguém socar a cara de uma pessoa com tanta força e precisão.
Deixei a jaqueta cair. Não fui eu. Não poderia ser eu. Dentro de minha cabeça pude ouvir aquela risada sodomita e demoníaca de alguém que se sentia feliz matando e agredindo. Alguém que poderia ser qualquer coisa, menos humano. A garota de olhos azuis.
Olhos azuis.
– Rápido! – Eu disse desesperada – Me deem um espelho! Por favor.
Diane tirou um pequeno refletor cor de pérola de sua bolsa, deu lhe a mim.
Um olho verde e outro azul, minha cara coberta de maquiagem para encobrir alguns arranhões da briga e um batom vermelho desbotando. Cabelos cor de fogo.
Minhas pernas fraquejaram e eu me curvei. Uma forte dor no meu estomago e quando vi já estava vomitando.
Vomitando o vinho e vomitando a porra que engoli, vomitando a amargura de uma alma pecadora e a dor de um coração ferido.
Vomitando a merda que me tornei.
Senti vontade de chorar, porém não o faria. Eu não chorei na morte do meu pai e nem em todas as vezes que apanhei da minha mãe. Não chorei nas várias vezes que fui humilhada, então não choraria agora.
Segure seu choro. Chorar é normal, mas o faça sozinha, despejar seu pranto na frente dos outros é fraqueza.
Raven e Tony me ajudaram a ficar em pé e ir até a velha caminhonete do pai de Gabriela.
Fiquei entre os dois, com Gaby e Diane na frente...
Olhei pro céu da madrugada noturna e constei que as estrelas nunca foram feitas de pedras preciosas.
Fechei meus olhos e tudo ficou mais escuro do que o luar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!