'Til We Die escrita por Mrs Jones


Capítulo 2
Poeira & Sangue


Notas iniciais do capítulo

Que bom que tem gente acompanhando! Obrigada pelos comentários. Talvez o próximo demore um pouco. Espero que gostem e não deixem de comentar



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– Pegou tudo, querida? – Vovó parou na porta do quarto e me virei para olhá-la.

– Acho que sim. Não vou levar tudo, sabe, pro caso de não dar certo. – disse, terminando de dobrar algumas roupas.

Mentir pra minha avó era horrível, mas necessário. Killian achou que seria melhor se eu me mudasse para o prédio, pra não precisar me locomover de um bairro para outro todos os dias. Disse à vovó que ia trabalhar como assistente de um advogado e ela ficou toda feliz por ter arranjado um emprego melhor. Nem sei como ela engoliu essa história, mas o fato é que me apoiou em tudo e ainda me ajudou a organizar minhas coisas.

– Claro que vai dar certo – ela entrou no quarto e observou enquanto eu arrumava o resto das coisas – Sempre soube que um dia iam reconhecer sua inteligência. Como é mesmo o nome do advogado?

– Simons – menti mais uma vez. Não podia revelar o nome do Killian, para o caso de ela descobrir minha mentira – Doutor Colin Simons. Ele é um advogado muito ocupado.

– Ah estou orgulhosa de você. – ela me abraçou apertado. São nestes momentos que me sinto mal por estar mentindo – Bem, espero que este emprego a faça feliz.

– Eu era feliz como garçonete, mas me cansei de fazer sempre a mesma coisa. E não se preocupe, vou visitá-la sempre que puder.

– Oh, não se preocupe comigo, Ruby, preocupe-se com seu futuro. Além do mais, a insuportável da Cora está aí pra me fazer companhia.

– Vovó... não fale assim da dona Cora. Ela é tão boazinha!

Vovó riu de minha ingenuidade.

– Oh sim, tão boazinha que foi rejeitada pela própria filha.

Cora era uma das pensionistas. Ela era sozinha e por isso alugara um quarto e morava ali. Ela e vovó brigavam muito, mas eu entendia que Cora não era rabugenta porque queria, ela só não tinha uma família pra lhe dar amor.

Terminei de arrumar as coisas e fui descendo com uma das malas. Estava levando apenas algumas roupas, objetos de higiene pessoal e meus livros favoritos. Billy, outro pensionista, me viu puxando aquela mala enorme e se ofereceu a ajudar, carregando a mala ao descer a escadaria.

– Ah, obrigada Billy, que gentileza!

Ele sorriu e depois voltou pra buscar a outra mala. Billy era mecânico e vez ou outra também fazia consertos pra vovó. A pensão ficava num casarão muito antigo e vovó reclamava toda vez que uma tábua do assoalho se soltava ou quando um dos canos velhos estourava e inundava tudo.

Dona Cora ia entrando quando eu saí com as malas pela porta da frente e aproveitou pra se despedir, dizendo que ia sentir minha falta. Ela tinha uns sessenta e poucos anos e sempre andava vestida de preto, em luto pelo marido falecido há uns anos. Era um pouco rabugenta, mas conseguia ser simpática com quem a tratava bem.

– Tente não matar a vovó, está bem? – pedi a ela, que riu e prometeu que ia tentar.

– Deus sabe o quanto aquela velha me azucrina – disse, sem nem se importar com o fato de vovó estar por perto – Mas vou tentar. Talvez até jogue xadrez com ela, isto é, se ela largar aquelas agulhas de crochê.

– A única coisa que vou jogar é esta panela na sua cabeça – vovó saiu, segurando uma panela velha e enferrujada, que ia jogar no lixo.

– Está vendo? – Cora olhou pra mim – É ela quem começa. Talvez seja falta de um homem, acho mesmo que ela devia ir ao bingo, poderia conhecer alguém legal.

– Bingo? – vovó retrucou debochada - Faça-me o favor. Você gasta seu dinheiro no bingo e fica me devendo o aluguel. Quando é que vai me pagar, sua velha decrépita?

As duas entraram no casarão, brigando como sempre, e Billy veio para o meu lado, dizendo que ia cuidar das duas enquanto eu estivesse fora.

– Você vai ficar bem? – ele perguntou e assenti.

– Sim, vou ficar bem. Você sabe, é um bom emprego.

Ele me ajudou a colocar as malas no porta-malas de meu carro recém-saído do conserto. Embora estivesse bem conservado, era um modelo antigo de 2014, nada comparado aos carros velozes e silenciosos de hoje em dia. Dei partida e Billy acenou. Ia sentir falta dele, embora soubesse que ele quisesse mais do que minha amizade.

Dirigi calmamente em direção ao centro de Seattle, o bairro em que ficava o quartel general de Killian. As estradas tranqüilas iam dando lugar a estradas mais movimentadas e as filas de casas iam se transformando em prédios altos. Não havia muita vegetação por ali, a não ser umas poucas árvores. As pessoas não pensaram muito no ambiente quando expandiram a área urbana e construíram mais arranha-céus. Ainda havia uns parques na cidade, no entanto, nos quais eu costumava fazer caminhada.

Coloquei uma música pra tocar no rádio mp3. Vovó dizia que aquela música era uma barulheira, mas sempre gostei de rock e heavy metal, aquilo me acalmava de vez em quando. Meu celular tocou quando estava parada no semáforo e só atendi porque vi que era Killian.

– Eu já estou chegando – o informei, após ter colocado o celular no viva-voz. Não me julgue, uma garçonete não teria dinheiro pra comprar dos modelos modernos de hoje em dia, daqueles em que você consegue ver a pessoa com a qual está falando. Killian achou graça quando só ouviu minha voz, sem conseguir ver meu rosto na tela de seu celular.

– Que celular é este que está usando? Seu rosto não apareceu aqui.

– É um modelo antigo, nem sei de que ano é. Não ria, sua casa está abarrotada de coisas da última década. O que quer?

– Hum, só liguei pra avisar que não vou estar aqui quando chegar – ele disse – Vou sair a trabalho. Instale-se como puder e sinta-se à vontade pra arrumar a bagunça. Ah, tem uma pilha de roupas pra você lavar, mas não se preocupe, a lavadora é velha, mas também é secadora.

Ele desligou e o xinguei mentalmente. Aquele bastardo ia me fazer lavar toda a roupa suja que acumulara nas últimas duas semanas. Era só meu primeiro dia, mas ele fizera questão de deixar um bocado de coisas pra eu arrumar.

Dirigi por mais algumas quadras até avistar o prédio. Não era difícil localizá-lo, uma vez que se destacava em meio aos prédios luxuosos e contemporâneos da avenida principal. Antigamente o prédio fora a sede de uma importante revista, mas agora tinha se transformado num verdadeiro quartel contra criaturas malignas. Desci para o estacionamento subterrâneo e Killian saía em seu carro barulhento. Ele parou ao me ver e conversamos pela janela.

– Não sabia que tinha um carro – ele comentou, arqueando a sobrancelha ao contemplar o brilho de meu carro vermelho. Eu ri.

– O que foi, Jones? Inveja do meu carro?

– Não... jamais trocaria essa belezinha aqui – ele sorriu, dando tapinhas no volante. Aquele carro era uma lata velha, não imaginava como ainda estivesse rodando, mas pelo visto Killian amava demais aquela coisa pra se livrar dela.

– Aonde vai?

– Tenho um trabalho em Redmond. Volto em algumas horas. E não se esqueça...

– ... de trancar as portas. Eu sei, eu sei...

Ele riu e arrancou em seguida. Estacionei, descendo do carro em seguida. O estacionamento era amplo, mas um tanto abafado e havia uma grande área vazia. Uma parte fora ocupada por peças antigas e móveis quebrados. Fiz um grande esforço pra tirar as malas do porta-malas e quando consegui as arrastei até o elevador. Cantarolei enquanto subia, mais para me livrar do sentimento claustrofóbico do que por outra coisa.

A porta do elevador se abriu quando cheguei ao quinto andar e arrastei as malas com dificuldade, largando-as a um canto. Olhei em volta para ver quanto trabalho teria de fazer. Aquele bastardo deixara post-its espalhados pela casa, me indicando o que eu devia ou não fazer. Encontrei um post-it azul colado à janela: Se limpar as janelas, não se esqueça de repor o sal. E outro grudado a uma das caixas fechadas a um canto: Não mexa nas caixas. Claramente, havia algo nelas que ele não queria que eu visse e eu respeitaria isso. Encontrei um post-it na porta do banheiro: Limpe os sanitários. Outro no espelho do banheiro: Limpe este espelho, preciso ver meu próprio reflexo pra me sentir bem. Que convencido...

Killian transformara a arrumação numa grande brincadeira e eu estava gostando disso. Resolvi bisbilhotar os armários da cozinha. Tinha um grande estoque de sal grosso e sal comum. Imaginei que sal fosse mesmo uma importante arma de proteção. Ele devia ter feito compras, porque havia comida demais para apenas duas pessoas. Encontrei latas e mais latas de comida em conserva e pacotes de arroz, farinha e macarrão. Nos armários grandes sobre a pia ele guardava as louças e coisas pequenas, como pacotes de chá, vidros de geléia e mel, e potes de condimentos.

Resolvi começar pela roupa suja, que estava amontoada a um canto perto da lavadora. Não gaste muito sabão, ele tivera a cara de pau de escrever. Mal sabia mexer naquela lavadora, mas acabei por conseguir enfiar um monte de roupas lá dentro e fui fazer outra coisa enquanto as roupas giravam lá dentro.

As janelas precisavam de uma limpeza urgente. Abri algumas, permitindo que uma brisa entrasse. O sal endurecera e precisei raspá-lo pra conseguir tirá-lo de lá. Vovó costuma usar limpa-vidro nas janelas, mas não sabia se Killian ia ter dessas coisas. Ele deixara um bilhete, dizendo que encontraria materiais de limpeza num quartinho perto do banheiro. Encontrei de tudo, menos limpa-vidros. O jeito foi esfregar as janelas com esponja e fiquei muito aliviada quando o detergente tirou toda a sujeira acumulada. Finalmente íamos poder ver a paisagem sem um milhão de manchas no caminho.

Trabalhei a tarde toda e Killian não ligou nem uma vez. Imaginei que estivesse ocupado e tentei pensar que ele ficaria bem. Eu mal o conhecia, mas já me preocupava com ele.

Lavei os sanitários do banheiro e esfreguei o chão. Depois limpei o espelho, de forma que agora Killian podia admirar sua beleza. Olhei meu próprio reflexo, afastando o cabelo para o lado. Ainda havia uns hematomas de quando eu fora atropelada, mas não estavam tão feios agora. Vovó quase tivera um treco quando vira aqueles machucados e tive que contar a ela que fui atropelada, dizendo que atravessara a rua sem olhar. Ela repreendeu minha falta de atenção, mas não desconfiou da mentira. É claro que não podia contar a ela que estava fugindo de um lobisomem. Killian me fez prometer que não ia contar isso a ninguém, pois as pessoas iam me achar louca.

Me senti exausta, mas ainda tinha que secar as roupas lavadas e passá-las. A lavadora e secadora era bem eficiente, apesar de velha e com a pintura descascando. Encontrei uma tábua de passar entre os materiais de limpeza e um ferro jogado entre as bugigangas que Killian acumulara a um canto daquele andar. Nunca vira tanta coisa velha num lugar só. Killian poderia montar um museu de antiguidades se quisesse. Mas, por incrível que pareça, todos os eletrodomésticos funcionavam muito bem.

Eu ainda estava na tarefa de passar as roupas quando escutei o elevador subir. Me assustei quando vi Killian cambalear para fora dele, apoiado a um homem.

– Que aconteceu? – perguntei alarmada, largando o ferro ligado e indo até eles. Ajudei Killian a se sentar. Parecia ter levado uma surra e gemia de dor.

– Quem é você? – o outro homem perguntou, olhando pra mim. Era bonito. Alto, olhos azuis, cabelos claros... parecia um príncipe.

– Ruby. A nova assistente. – respondi. O homem olhou pra Killian com as sobrancelhas arqueadas.

– Assistente?

– Que foi? – Killian gemeu, deitado no sofá – Precisava de alguém pra me ajudar.

Corri a pegar os equipamentos de primeiros socorros no armário sobre a pia. Senti cheiro de queimado e logo vi que tinha deixado o ferro ligado. O homem que eu não conhecia o desligou, mas era tarde demais, havia um buraco enorme na camisa branca de Killian.

– Era minha favorita... – ele reclamou e prometi que lhe daria outra.

– Sabia que os ferros de hoje em dia desligam automaticamente? – o homem comentou, enquanto eu tratava dos ferimentos de Killian – Você devia comprar um novo.

Killian não disse nada, mas fez uma expressão de descontentamento, como se odiasse quando as pessoas comentavam sobre seus eletrodomésticos.

– Que aconteceu com você? – perguntei.

– Ele apanhou de uns caras... – o homem disse vagamente, como que querendo mudar de assunto.

– Tudo bem, ela sabe de tudo. – Killian gemeu mais uma vez, quando limpei seus ferimentos - Sobre nosso trabalho, digo.

– Sabe? Por que saiu contando isso pra qualquer um?

Olhei para o homem, indignada. Como é que ele ousava me chamar de qualquer uma?

– Ela quase foi morta por um lobisomem, cara. – disse Killian. Seu olho direito estava bem roxo e provavelmente ficaria bem inchado. Perguntei mais uma vez o que lhe acontecera e ele explicou que apanhara de uns vampiros – Disseram que eu tinha sorte de não ter sido morto. Não sei por que, mas o alho que eu carregava não os afetou.

– Não devia ter ido sozinho – o homem fuçava os armários atrás de comida – Eles evoluíram, Killian. Agora apenas crucifixos tem poder de machucá-los.

– Não te morderam, né? – eu detestaria saber que meu patrão virara um vampiro, ainda mais ele sendo um gato. Sim, eu sei, não devia pensar nele desse jeito, mas não posso evitar. Quero dizer, ele é simplesmente lindo e... tá, vamos voltar à narrativa...

– Não. Mas me espancaram. – ele disse – E tá doendo pra caramba.

Terminei de tratar seus ferimentos e Killian adormeceu no sofá. O homem que eu não conhecia ficou ali por muito tempo, admirando a limpeza que eu dera ao lugar. Ele se apresentou como Príncipe Encantado e arqueei a sobrancelha, achando que ele estava tirando uma com a minha cara.

– É meu codinome – ele explicou – Nós caçadores não usamos nosso nome verdadeiro.

– Tem mais de vocês por aí?

– É claro! – Encantado brincava com uma tampinha de garrafa - Achou que Gancho estava nessa sozinho?

– Gancho? Esse é o codinome do Killian? – sorri. Ele realmente se vestia como um pirata, mas tinha duas mãos, de forma que o apelido não se encaixava – Por quê?

– Ele pode ser frio e cruel como um pirata. Não me pergunte o porquê do Gancho, foi Killian quem inventou o apelido.

Imaginei que ele devia gostar do personagem. Encantado me explicou o porquê de seu apelido. Ele não era nada gentil com as pessoas e às vezes podia ferir seus sentimentos. Sua esposa o apelidara daquele jeito porque ele fora um pouco bruto com ela quando se conheceram. Encantado era realmente uma ironia, porque ele não tinha nada de encantador.

– Me deixe adivinhar – eu disse, colocando as roupas passadas num cesto – Sua esposa é a Branca de Neve?

Ele assentiu e eu achei graça. Pensei que seria legal ter um apelido também, mas não era caçadora, apenas assistente. Terminei de passar as roupas e Encantado foi embora. Killian resmungava durante o sono. Resolvi deixá-lo ali e subi pelo elevador com minhas malas. Saí no andar que era o quarto. Agora entendia por que havia tantas camas, deviam pertencer aos outros caçadores, pra quando precisassem passar a noite ali. Killian separara uma baia pra mim e dissera que eu poderia enfeitar as paredes de plástico como quisesse.

Havia uma cama e um criado mudo pra cada um, mas não havia um armário para roupas. Franzi a testa, intrigada. Ele esperava que eu deixasse as minhas roupas amassadas dentro da mala? Aí notei mais um post-it pregado à cabeceira de minha cama: Coloque suas roupas no closet, no andar de cima.

Subi com as malas para o sétimo andar e qual não foi minha surpresa quando vi que o andar inteiro fora transformado em closet? Havia araras de roupa espalhadas por todo canto. Procurei por uma que estivesse vazia e encontrei uma com meu nome. Notei que tinham sido construídas com canos velhos de metal. Killian era um gênio se tinha feito tudo aquilo sozinho.

Distribuí minhas roupas pelos cabides que havia ali e depois notei que havia nomes em todas as araras. David, Mary Margaret, Regina, Marco, Graham, Archie, August. Seriam todos caçadores?

Havia uma arara de fantasias de Halloween e não me surpreendi nada quando encontrei uma fantasia de Capitão Gancho, outra de Branca de Neve e outra de príncipe. Também havia de bruxa, princesa, fada, entre outras. Na arara ao lado havia uniformes. Notei que eram de verdade e supus que deviam usar aquilo quando precisavam burlar as leis. Enfermeiro, médico legista, policial, FBI... Ainda havia muita coisa sobre esses caçadores que eu não sabia.

Encontrei uma caixa grande, lotada de pares de sapatos. Era impossível achar os pares naquela bagunça. E havia também uma caixa de óculos escuros e de grau, e outra caixa com perucas de todas as cores e estilos. Pra mim aquilo tudo era bem divertido. Imagine só, entrar ali e fazer diversas combinações de roupas, fingir ser policial, mudar a cor do cabelo...

Tomei um banho frio. A água do chuveiro não era quente porque Killian dissera que isso gastava muita energia. Ele é do tipo econômico, sabe.

Passei pela sala e Killian dormia com o braço caído pra fora do sofá. Ele resmungou um pouco quando me aproximei para cobri-lo com um cobertor de lã. O coitado devia estar mesmo exausto porque acordou muito tarde na manhã seguinte.

– Tá tudo bem? – perguntei, enquanto ligava a cafeteira.

– Sim – ele gemeu, levantando-se – Vou ficar um bom tempo com essas marcas.

– O que foi fazer no território dos vampiros?

– Matá-los, é óbvio – ele se sentou – Aqueles desgraçados... Da próxima vez vou chegar com tudo, não vai sobrar nenhum deles.

– Por que não te morderam?

Ele deu de ombros.

– Sabem que vou voltar lá. Me espancaram como um aviso, mas da próxima vez podem até me matar, ou me transformar num deles. Você lavou minhas roupas?

Percebi que ele mudava de assunto quando eu perguntava demais. Encantado dissera que eu não deveria perguntar demais sobre a vida de Killian, porque ele podia se zangar. Eu não podia ajudar a mim mesma, estava curiosa e ao mesmo tempo fascinada por tudo aquilo. Ainda me pegava pensando nas dezenas de criaturas que poderiam estar lá fora, vagando atrás de suas vítimas.

– Lavei e passei – indiquei o cesto com as roupas limpas. Ele apanhou uma muda de roupas e foi na direção do banheiro.

– Pendure as outras no closet – disse – Espero que tenha encontrado a arara com seu nome.

– Encontrei. Escuta, porque tem tantas roupas lá em cima?

– Por Deus, como você é curiosa! – ele exclamou entrando no banheiro e eu ri.

***

Nos dias que se seguiram, aprendi um pouco mais sobre o trabalho dos caçadores. Killian ficou um tempo sem sair de casa. Ainda estava se recuperando e os hematomas iam sumindo aos poucos. Ele ficava irritado quando eu fazia muitas perguntas, mas esclarecia minhas dúvidas como podia.

– Eu não estou lhe pagando pra fazer perguntas, sabe – ele reclamou, estirado no sofá enquanto eu passava o aspirador de pó pelo tapete – E aqueles livros não estão ali como enfeite.

– O que posso fazer? Tenho trabalhado como empregada, mal tenho tempo de ler.

Ele riu.

– É, mas devo admitir que fez um bom serviço. Vai ter mais tempo livre depois que terminar de limpar tudo. – ele suspirou – Devia ter comprado uma TV...

Não tinha televisão na casa, mas eu não me importava. Killian geralmente lia ou desenhava. Descobri que era um dos passatempos dele e ele me contou que pensara em trabalhar como tatuador, mas que o destino o levara por outro caminho. Não sabia o motivo que o levara a ser caçador, achei que não devia perguntar sobre isso porque claramente havia uma parte do passado que ele queria esquecer.

Vovó ligava todos os dias perguntando como eu estava. A cada mentira, sentia um peso nos ombros. Killian disse que eu não precisava ser cem por cento honesta o tempo todo, mas me sentia culpada por estar mentindo pra pessoa que me criara.

O doutor Simons está te tratando bem? – ela perguntou pelo telefone, pela centésima vez.

– Sim, vovó, ele é muito gentil.

Ah, que bom, querida. Gostaria de conhecê-lo, ele parece um bom homem, pelo o que você diz.

– É, mas ele é muito ocupado, sabe. Eu mal o vejo. Bom, tenho que ir, vovó. Depois nos falamos.

Killian sempre erguia as sobrancelhas quando eu desligava o telefone. Ele achava engraçado o fato de eu ter enganado minha avó com todas aquelas mentiras.

– Continue assim e vai acabar como o Pinóquio – ele brincou, fazendo rabiscos em uma folha.

Com o tempo, aquele prédio velho e empoeirado foi ficando de cara nova. Eu estava determinada a me livrar de toda a sujeira e Killian teve que admitir que eu era muito organizada. Havia sete andares e apenas uma empregada, mas acabei por mandar toda a poeira pra longe.

Aquele lugar me fascinava. Killian era realmente um gênio, escondera um quartel de caçadores bem numa das avenidas principais de Seattle. Quem passava por ali e via o prédio, achava que se tratava de uma construção em decadência.

Explorei todos os andares, munida de balde, vassoura e esfregão. O térreo era uma área muito bagunçada. Antigamente tinha servido como saguão de entrada da tal revista, mas hoje havia apenas balcões enfileirados, computadores estragados e pilhas e mais pilhas de revista. Sem falar na camada de poeira e nas teias de aranha. Havia tábuas nas janelas e Killian me proibira de tirá-las, uma vez que as pessoas que passavam em frente ao prédio deviam achar que o lugar era realmente abandonado. Acabei por dar uma bela faxina no lugar e desmontamos os computadores pra usar as peças. Killian não sabia como usar o espaço, então sugeri que guardássemos as velharias ali.

O primeiro andar fora transformado em sala de jogos. Isso explicava o fato de haver tantas janelas trincadas. Pelo o que entendi, os caçadores jogavam futebol, beisebol e golfe naquela área e vez ou outra acertavam a bola nas janelas. Também havia uma mesa de sinuca e um alvo para dardos. Há um canto havia um armário cheio de garrafas e logo descobri que aqueles caçadores adoravam encher a cara. Não havia muito que arrumar por ali.

O segundo andar era o centro de espionagem do prédio. Havia vários computadores, que ficavam ligados o tempo todo. Killian instalara câmeras do lado de fora da edificação, de forma que podíamos assistir a movimentação das ruas. Não entendia pra que isso era necessário, mas Killian acabara por explicar que devíamos ficar atentos quanto a ladrões e criaturas sobrenaturais que pudessem vagar por ali. Algumas delas não podiam entrar, por causa do sal nas portas e nas janelas, mas era sempre bom ficar de olho.

Neste andar também havia outras parafernálias. Escutas telefônicas, walkie-talkies, óculos de visão noturna, e até um aparelho que Killian usava pra caçar fantasmas. Ele também dera um jeito de grampear os telefones das principais estações policiais, de forma que podíamos ouvir todas as chamadas. Às vezes mortes estranhas aconteciam e a polícia não sabia como explicá-las. Quando algo assim acontecia, Killian ia ao local, já certo de que se tratava de criaturas sobrenaturais.

O terceiro andar era o mais legal de todos. Killian me proibira de limpar porque temia que eu desorganizasse as coisas ou me machucasse numa das armas. Sim, aquele andar estava ocupado por armas, diversas armas de todos os tamanhos e tipos. Tinha uma caixa de madeira só com munição. Também havia facas e canivetes, barras de ferro e prata e estacas. Uma prateleira a um canto guardava vários frascos com líquidos estranhos. Havia sangue de gente morta, que Killian disse ter poder pra enfraquecer vampiros, além de água benta. Pendurados na parede, crucifixos. E havia uma mesa só de ferramentas, incluindo uma serra elétrica.

O quarto andar estava vazio, mas Killian pretendia transformá-lo numa sala de cinema e apoiei a ideia. O quinto servia como sala e cozinha e o sexto era o quarto. Estes eram os únicos andares em que não havia tábuas nas janelas, Killian resolvera retirá-las pra que o ar entrasse. Perguntei se as pessoas não desconfiariam quando vissem que havia gente morando naqueles andares, mas ele respondeu que as pessoas andavam apressadas demais pra perceber essas coisas.

– Você não fez tudo isso sozinho, não é? – perguntei a Killian, que ainda desenhava – O prédio, não montou tudo sozinho, montou?

– Os outros ajudaram – respondeu sem me olhar.

– Como conseguiu esse prédio? Estava abandonado, mas imagino que não possamos invadi-lo assim.

Ele ergueu a cabeça pra me olhar. Senti que tinha perguntado demais.

– Como você disse, estava abandonado. Não se preocupe, ninguém vai tirá-lo de nós. Por que não esquenta uma lasanha? Estou com fome.

Ele voltou a se concentrar no desenho, deixando claro que não queria falar sobre aquilo e que eu não devia perguntar mais nada. Bufei.

– Por que sempre faz isso?

– Isso o quê?

– Sempre muda de assunto quando pergunto algo sobre o prédio ou sobre você.

– Talvez eu não queira falar sobre isso – ele me olhou, irritado – Eu não fiz perguntas sobre sua avó ou sobre o que aconteceu com seus pais. Talvez devesse ter um pouco de bom senso e parar de perguntar.

Eu estava mesmo o incomodando com aquelas perguntas, mas ele não precisava ter sido tão grosso. Apertei os lábios pra evitar falar mais alguma uma coisa, e me virei para pegar a lasanha congelada na geladeira. Puxa, eu só queria conhecê-lo melhor... Talvez ele tivesse um passado doloroso e não quisesse falar sobre isso. Eu até que entendia, também passei por coisas ruins que nem gosto de lembrar.

– Não fique chateada – ele disse depois de muito tempo, quando coloquei a lasanha já assada sobre a mesa – Há coisas que você não precisa saber, que eu não quero compartilhar...

– Tudo bem, eu não devia ser tão enxerida.

Aquela foi a primeira vez que Killian me tratou com grosseria. Ele se desculpou, mas continuei um pouco chateada. Logo descobri o porquê daquele apelido. Ele era mesmo frio, arrogante e cruel como um pirata.

***

Já fazia uma semana que estava morando com Killian e dez dias desde que fora atacada pelo lobisomem. Meu rosto voltara ao que era antes, sem todos aqueles machucados, mas ainda tinha umas marcas roxas nas costas.

Killian, por outro lado, ainda tinha um olho roxo e vários hematomas, mas ele já conseguia andar sem mancar. Estivera de folga naqueles dias, já que não podia se esforçar muito, mas logo deu sinais de que voltaria a caçar criaturas.

Eu não fazia ideia de como aquilo era um trabalho. Nem tive coragem de perguntar o que ele ganhava com tudo aquilo, temendo que ele me tratasse com grosseria outra vez. Talvez as pessoas que ele salvasse lhe dessem alguma recompensa, mas eu duvidava disso.

– Vou sair – ele disse, na manhã de domingo – Não sei a que horas volto, mas não se preocupe, você pode me ligar se estiver preocupada.

Vi que ele desceu para o terceiro andar, provavelmente pra apanhar as armas de que ia precisar. Nem me atrevi a perguntar pra onde ia. Killian sabia o que fazia, não devia me intrometer.

Estava absorta na leitura de um livro. Havia diversos títulos clássicos ali, além de outros que tratavam de criaturas. Neste dia eu estava lendo Romeu e Julieta, mais pra me distrair do que pra outra coisa. Sempre achei aquela história dramática demais.

Depois de algumas horas ouvi o barulho do elevador e me virei para olhar. Achei que era Killian, mas na verdade era Encantado.

– Cadê o Killian? – perguntou.

– Ele saiu. – disse. Ele pareceu alarmado e fiquei assustada. Algo de ruim devia estar acontecendo - O que foi? Aconteceu alguma coisa?

– Ele não disse pra onde ia?

– Não e eu também não perguntei.

Encantado me encarou por uns instantes, depois foi na direção do elevador e eu fui atrás. Entramos e ele apertou o botão do terceiro andar.

– Que está acontecendo? – indaguei, enquanto o elevador descia.

– Você realmente não faz ideia? Ele foi atrás dos vampiros, eu tenho certeza!

– Mas... mas por que ele voltaria lá? Disse que o espancaram como um aviso, se ele voltar lá vai ser morto.

– Aquele inconseqüente! – Encantado pôs as mãos na cabeça e respirou fundo – Sabia que havia algo de errado, ele não atendeu o celular.

– Talvez não queira ser incomodado.

– Não... aconteceu algo a ele...

O elevador parou no terceiro andar e saímos. Encantado vasculhou as armas, olhando o que Killian tirara do lugar. Duas facas, um revólver, um frasco de sangue de morto e algumas estacas. Ele tinha ido mesmo atrás dos vampiros.

– Eu vou atrás dele – Encantado apanhou uma bolsa de lona a um canto, na qual enfiou mais algumas estacas, facas e dois revólveres. – Preciso que vá comigo!

– O quê? Pra quê? – arregalei os olhos, amedrontada. É sério? Ele queria mesmo que eu enfrentasse vampiros?

– Precisamos de uma distração – ele respondeu calmamente.

– Vou ser a isca? Não, de jeito nenhum!

– Ruby... por favor. Estou sozinho nessa, Branca está participando de outra caçada e você é a única que pode ajudar.

– Eu quase fui morta por um lobisomem, não vou ser atacada por vampiros.

– Não vou deixar nada te acontecer. – ele prometeu – Você vai estar segura, com um crucifixo e água benta.

***

– Eu devia estar louca quando concordei com isso – disse a Encantado, que dirigia. Estávamos no carro dele, que graças a Deus era de um modelo atual. – Se algo acontecer comigo, juro que te mato.

– Não vai acontecer nada – ele encarava a rua – Você sobreviveu a um lobisomem, pode muito bem sobreviver a vampiros.

– É, mas eles são um bando! – exclamei – Um bando! E se me morderem? E se eu virar uma deles?

– Nesse caso, encontraremos a cura pra você. – Eu odiava o quanto ele podia ser calmo - Não é com as crias que você tem que se preocupar, é com o vampiro alfa.

– Alfa?

– O primeiro vampiro, o que criou todos os outros. É o mais forte, quase invencível.

– Ótimo! Que bom que fez esse comentário, era tudo que eu precisava.

Ele riu e continuou a virar o volante suavemente. Sugeriu que eu inclinasse o banco e fizesse uma massagem, pra relaxar. Viva a modernidade! Ele devia ser rico, pra ter um carro desses. Encantado apertou um dos botões no painel do carro e meu banco se inclinou para trás, de forma que agora eu podia deitar. O estofado começou a vibrar, como se mãos invisíveis estivessem massageando minhas costas. Ele riu da minha alegria e por um momento esqueci que íamos atrás de criaturas sanguinárias.

– Como sabe onde é o bando deles? – perguntei, curiosa. Ele não estava seguindo nenhum GPS ou algo assim.

– Não é a primeira vez que Killian os enfrenta. Eu o salvei duas vezes, mas esse idiota ainda se arrisca indo até lá.

Não perguntei mais nada, apenas apreciei minha massagem. Percebi que estávamos indo pra Redmond, cidade a leste de Seattle. De fato, minutos mais tarde, entramos na cidade e avistei uma placa de boas vindas.

– A cidade das bicicletas – comentei. Aquela era a capital das bicicletas e, felizmente, as pessoas ainda pedalavam por aí, mas é claro, as bicicletas de hoje são muito mais confortáveis e modernas. – É sério? Vai me dizer que tem um covil de vampiros escondido por aí na floresta? Será que eles pedalam por aí de vez em quando?

– Não seja idiota. Acha que vampiros vivem em casas na floresta? Não, eles vivem na área urbana, onde podem fazer mais vitimas a cada dia. Eu não me surpreenderia se este lugar se tornasse a cidade dos vampiros.

Estremeci ao pensar que metade daquela população podia ser formada por vampiros e Encantado dirigiu pela cidade, fazendo um caminho que eu não conhecia. Já estivera ali com a vovó algumas vezes, mas não conhecia o lugar tão bem quanto conhecia Seattle. Por fim ele estacionou numa rua sem saída, na qual havia umas casinhas bonitinhas.

– Não se engane pela fachada das casas – ele disse, descendo do carro – A maioria delas é lar de vampiros.

Recusei-me a descer do carro depois de ouvir isto. E se por um acaso os moradores-vampiros-assassinos me perseguissem e me matassem? Usava um pequeno crucifixo no pescoço, mas, sinceramente, não achava que aquilo fosse me proteger.

– Quer largar de frescura e descer logo do carro? – ele me apressou, impaciente.

– Merda. Olha aqui, Encantado, se alguma coisa me acontecer, você vai pagar por isso. – desci do carro e bati a porta.

– Já disse que você vai ficar bem! Vamos, temos que encontrar o Killian.

Anoitecia e imaginei que a maioria dos vampiros sairia para caçar agora à noite. Talvez nenhum deles estivesse por ali. Caminhei ao lado de Encantado, tremendo dos pés à cabeça. Ele tinha um andar confiante como o de Killian e seus passos eram largos. Caminhava de cabeça erguida, meio de nariz em pé, como se quisesse mostrar que era superior aos outros.

– Digamos que a gente o encontre – eu disse baixinho – Como vamos tirá-lo de lá?

– Não faço ideia – ele respondeu – Mas você tem um crucifixo e água benta e eu tenho sangue do morto. Não se preocupe, vamos ficar bem.

Ouvimos gritos vindos de uma casa no fim da rua. Nos entreolhamos e corremos até lá, tentando não fazer muito barulho. Havia um pequeno bosque nos fundos da casa e nos esgueiramos até a lateral da mesma, onde nos escondemos em meio a arbustos.

– Me fala! – ouvimos Killian gritar – Me fala! Onde ele está?

– Eu não sei... eu não sei...

A pessoa que gritava era uma mulher e imaginei que meu querido patrão devia estar torturando a mesma. A voz dele soava desagradável. Ele estava irado e logo imaginei a expressão de ódio que devia carregar em seu rosto. Os gritos continuaram e Encantado se arriscou, aproximando-se da janela na lateral da casa.

– Dois vampiros amarrados – ele sussurrou pra mim, olhando pela janela suja – Killian tem controle sobre a situação.

– Não vai entrar aí, vai? – sussurrei de volta, aproximando-me para espiar pela janela. Vi duas pessoas amarradas: um homem e uma mulher jovens. Seus pulsos e pés estavam atados por correntes e eles estavam sentados em cadeiras de madeira. Killian se mantinha de pé próximo a eles e segurava uma estaca de madeira.

– Anda! – Killian gritou – Me diz, me diz onde ele está!

– Eu não sei, eu juro que não sei... – a moça choramingava.

Ao invés de me responder, Encantado simplesmente caminhou até a frente da casa. Eu o segui e tentei impedi-lo, mas ele simplesmente chutou a porta, que se abriu bruscamente e quase foi arrancada das treliças.

– Mas que mer... – ia dizendo Killian.

– O que é que você tem na cabeça? – Encantado esbravejou.

– Eu é quem pergunto – respondeu o outro, irritado – E o que ela está fazendo aqui?

– O que pensa que está fazendo? Por que não atende o celular?

Olhei em volta. A casa era uma imundície e cheirava a sangue e podridão. Tudo ali era muito empoeirado e rústico e havia dois corpos amontoados a um canto. Estremeci quando vi que aquelas pessoas mortas tinham sido presas dos vampiros.

Killian, como tinha imaginado, estava enfurecido e seus olhos estavam quase vermelhos pelo ódio que carregavam. Ele e Encantado se encararam e fiquei sem saber o que fazer. Os dois vampiros se remexiam em suas cadeiras, tentando se soltar. Havia sangue escorrendo de suas bocas e imaginei que aquele devia ser o sangue que Killian dissera fazer mal a eles.

– Que diabos ela está fazendo aqui? – Killian voltou a perguntar, olhando pra mim.

– Você não atendeu o celular e viemos atrás de você – respondi, tentando ignorar o fato de estar numa sala imunda e fedida com dois vampiros.

– Não é assim que vai encontrar vingança, Killian – falou Encantado – Esquece isso, cara, não há nada que você possa fazer.

Killian socou a mesinha de canto ali perto. Notei que ele segurava uma espada. Isso mesmo, uma espada. Tudo bem que ele se veste como um pirata e tem um apelido bizarro, mas daí a sair por aí carregando uma espada...

– Não se intrometa, David! – ele gritou. Ah, então esse era o verdadeiro nome de Encantado. – Isto não diz respeito a você.

– Não percebe o quão doentio isto está ficando? – David/Encantado aproximou-se de Killian, tentando acalmá-lo – Vingança não vai trazê-la de volta, Gancho. Desista!

– Não... – Gancho balançou a cabeça – Eles sabem onde ele está e eu o quero. Eu vou matá-lo, vou fazê-lo sofrer como ele fez com ela...

Eu não estava entendendo nada. Quem era ele? E quem era ela? De quem Killian queria se vingar e por quê?

– E depois? E depois que fizer isto, como fica sua vida?

– Eu não sei... – Killian sorriu, meio enlouquecido – De que isso importa? Tudo o que eu quero é vingar o nome dela, só assim estarei em paz. – ele se voltou para a moça-vampira, que se contorcia tentando se livrar das correntes – Por que não me diz onde ele está, hein? – ele se abaixou até ficar na altura do rosto da moça e sussurrava pra ela – Você gostou da água benta? Está gostando da sensação de ter estas correntes queimando sua pele? Pois é, elas foram banhadas em água benta... Agora... eu me pergunto o que aconteceria a um vampiro que bebesse dessa água... queimaria por dentro? Oh, você não ia querer isso, não é?

– Já chega, Killian! – bradou Encantado, mas Gancho não lhe deu atenção.

A moça parecia amedrontada. Eu teria ficado com pena, não fosse o fato de ela ser uma vampira. Era até bonita. Tinha uns cabelos loiros e cacheados, que caíam como uma cascata sobre seus ombros. Ela implorava com os olhos, mas Killian não era misericordioso.

– Eu não sei... – ela balbuciou, encarando Gancho – Eu juro que não sei onde ele está... Se eu soubesse, juro que diria a você...

– Oh, é claro... – Gancho soltou uma risada fria – Ele te criou, é claro que sabe onde ele está.

Então era disso que se tratava. Ele estava atrás do Vampiro Alfa, o vampiro mais poderoso de todos e que criara todos os outros. Estremeci ao pensar numa criatura super veloz e com sentidos super aguçados. Aqueles dois deviam ser vampiros mais novos, recém-criados. Eram assustadores, mas não deviam ser cruéis como os vampiros que espancaram Killian.

– Não diga a ele – o rapaz sentado ao lado da moça disse a ela – Ele vai nos matar do mesmo jeito.

– Oh, eu poderia poupar sua vida – Killian sorriu. Detesto ter que admitir, mas ele fica ainda mais sexy e atraente quando mostra esse seu lado cruel – se me contar onde ele está...

– Eu não vou dizer nada! – gritou o rapaz – Vamos, me mate! Eu não vou contar nada a você.

– Killian, vamos embora, eles não vão colaborar – falou David, com as mãos na cintura e impaciente. – De que vai adiantar encontrá-lo? Nós nem sabemos como matá-lo...

– Eu vou descobrir um jeito... – Killian disse simplesmente.

– Olha, isto não está certo – Encantado balançou a cabeça – Não é assim que vai honrar o nome dela. O que aconteceu com Milah foi uma fatalidade, Killian, não há como mudar isto.

– Não diga o nome dela! – Gancho gritou, apertando os punhos.

Milah. Quem seria Milah? Uma ex-namorada de Killian? Queria dizer algo, mas minha voz não saía. Estava amedrontada demais pra fazer qualquer coisa.

Killian e Encantado se encaravam e Killian ainda segurava a espada. O sol já se pusera e os postes da rua começaram a acender. Um vento forte balançou a casa e a porta bateu com força. Pulei de susto, mas os dois homens continuaram como estavam, se encarando.

– Temos que ir – Encantado disse por fim.

– Ótimo, então vá – Killian voltou a olhar os vampiros, nos ignorando completamente.

– Killian, por favor – pedi.

– Vá pra casa, Ruby – ele disse calmamente – Ainda tenho coisas a fazer.

David e eu trocamos um olhar e então ele começou a me puxar pra fora.

– Vamos, Ruby, deixe que Killian se vire sozinho.

– Mas quando os vampiros voltarem... – eu ia dizendo.

– Eu mato todos eles – Killian respondeu sombriamente. Os olhos dele brilhavam, embora a casa estivesse quase imersa em escuridão. Ele ergueu a espada e então fez um movimento rápido, decepando a cabeça da moça-vampira. Soltei um grito abafado quando a cabeça dela caiu para o lado e seu corpo relaxou.

– Vamos, tire ela daqui – Killian disse a David, e então ergueu a espada mais uma vez, pronto pra decapitar o outro vampiro.

Encantado me arrastou pra fora e eu estava tão horrorizada que mal conseguia andar. O céu escurecera completamente e não havia viva alma naquela rua. Gancho saiu da casa como se nada tivesse acontecido. Ele pisava duro, visivelmente irritado por não ter conseguido o que queria.

– Vamos – me chamou e adentrou no bosque escuro. Fui atrás dele e vi que ele tinha deixado o carro ali, camuflado. – Não devia ter vindo aqui.

Não disse nada, apenas tomei o lugar do passageiro e evitei olhá-lo quando ele ligou o carro e deu a ré. Encantado foi embora sem dizer nada. Milhares de perguntas passavam pela minha cabeça, mas não ousava perguntar nada. Killian manteve o olhar na estrada e logo saímos de Redmond.

– Você entende que eu precisei fazer aquilo, não é? – ele disse de repente, quando paramos no semáforo – É meu trabalho... matá-los, quero dizer.

– Eu sei... O Vampiro Alfa... você está atrás dele?

Ele me olhou.

– Como sabe sobre isso? David disse alguma coisa?

– Disse algo sobre um vampiro mais forte que todos os outros...

– Esqueça isso, está bem? – foi tudo o que ele disse. Voltou a encarar o semáforo digital, que logo mudou do vermelho para o verde. – Está com fome?

– Um pouco...

Como ele podia pensar em comida numa hora dessas? Eu quero dizer, ele tinha acabado de decapitar dois vampiros... Notei que havia respingos de sangue na camisa dele, mas Killian parecia nem ligar pra isso. Ele simplesmente dirigiu até o drive-thru mais próximo e comprou uns hambúrgueres e batatas fritas.

– Você está bem? – ele arqueou a sobrancelha, mordendo uma batata enquanto dirigia.

– Sim... sim, estou bem...

Aquilo não era exatamente verdade. Apenas me concentrei no meu hambúrguer e fui pra casa pensando que meu patrão devia ser bipolar...


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