Rapariga do Norte escrita por Maya


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá, espero mesmo que gostem.Boa Leitura!



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« As raparigas do Norte têm belezas perigosas, olhos impossíveis »

— Miguel Esteves Cardoso

Era impossível não notar a alegria que pairava no local. Era Junho, o mês das temperaturas altas, das sardinhas e do caldo verde. Tudo tão normal para qualquer morador do país. Mas este ano havia algo mais. O mundial estava quase a começar e com isso vinha toda a emoção que anda sempre em redor quando o assunto é futebol.

No entanto, para Camila, um mundial à porta significava trabalho, muito trabalho. Já se encontrava habituada com a azáfama que as festas populares traziam, mas se juntarmos a isso um mundial num país onde ver pessoas a correr atrás de bola é tão ou mais importante que a comida que se põe na mesa, então teria dias longos de trabalho árduo para satisfazer todos os dependentes de um bom jogo acompanhado da sua Super Bock e dos tremoços.

Mas naquele momento nada disso importava, não enquanto estivesse com a câmara na mão. Camila sabia que não podia perder a oportunidade de fotografar todo o ambiente que se punha a volta das bancadas de peixe, em vésperas de São João. Era uma correria, tanto para as peixeiras, que gritavam que tinham a melhor sardinha da região norte, como para aqueles que as queriam comprar. Era incrível como apesar de toda a crise que o país enfrentava, havia sempre dinheiro para aquilo que é considerado das melhores tradições do país.

Fotografava agora a troca de produtos entre a comerciante e o cliente. Pelo sorriso da senhora, diria que tinha sido um bom negócio. Ao reparar melhor em quem segurava o saco, notou que não se tratava de um português. Talvez alguém de origem nórdica pelo seu tom de pele pálido e o seu cabelo claro. Diria norueguês ou talvez russo.

O rapaz notara a câmara, e moveu o seu olhar até lá, sorrindo. A morena não perdeu oportunidade e um click foi ouvido, alargando mais o sorriso do jovem. Afastou a máquina fotográfica da cara, dando a oportunidade ao turista de a observar melhor. Sentiu-se seduzido pela sua beleza simples. Era das mulheres mais lindas que tinha visto e soube logo que ela seria daquela zona. Não tinha o ar arrogante da capital, nem o descontraído do sul. Era uma nortenha, uma doce nortenha. Klaus sempre ouvira falar das mulheres do norte de Portugal com encanto por parte dos seus amigos imigrantes. Eles diziam que de todas, as do norte eram as melhores. Sabem e fazem de tudo. Atraem com a sua simplicidade e com a sua elegância. Dizem o que pensam, pensando sempre no que dizem. Em duas palavras: “são incríveis”.

E naquele momento a olhar para a morena, decidiu que devia falar com ela. Conhece-la, testar se todas aquelas teorias são verdadeiras. E quando começou a caminhar na sua direção, esta puxou um telemóvel do bolso para atender uma chamada, quebrando o contacto visual com o pobre rapaz que entretanto desistiu. Afinal o que diria? Se ela era tudo o que os amigos descreviam, iria receber um não e ainda seria provável ouvir um “Fuck you” ou melhor “vá para o caralho” um tanto habitual pela região. Deu a volta e foi em direcão à casa dos seus amigos.

● ☼ ●

O dia estava quente, tal como todos os anos. Era estranho, mas podia estar uma enorme tempestade durante toda a semana, que chegava a dia 24 (São João) ou 28 (São Pedro) e o sol brilhava o dia todo e só se notava que era noite por não existir raios solares, porque a temperatura, essa era sempre alta. Fossem dez da noite, ou uma da manhã. Não adiantava. Parecia uma espécie de pacto com o divino, durante as festas populares o calor reinava sempre, dando a liberdade a que todas as festas tinham direito. Camila, particularmente gostava do São Pedro, especialmente o da Póvoa de Varzim. Pensava que este ano não fosse conseguir o fim-de-semana para festejar, mas com a promessa que andaria com a máquina sempre na mão e que segunda-feira entregaria uma matéria suficientemente boa para o jornal, poderia festejar à vontade.

Não gostava de sardinhas, muito menos de caldo verde, porém isso nunca fora motivo para não gostar da celebração. Adorava ver a cidade dividida e decorada pelas cores dos bairros. Tinha um especial apreço pelo bairro norte, caracterizado pela sua cor azul e amarela e pela estrela polar como símbolo. O bairro contém a mais densa zona balnear da cidade, zona onde Camila sempre passara o verão. E este ano não seria diferente, embora mais tarde, devido às reportagens de que estava encarregue por causa do mundial que já tinha começado há uma semana.

Fizera ainda na semana anterior uma mesma reportagem para o Porto Canal sobre esse assunto. Falou com muitos turistas que estavam pela ribeira do Douro a ver o primeiro jogo entre Portugal e Grécia. Encontrou de tudo. Portugueses que apoiavam a seleção nacional, gregos a apoiarem a sua, estrangeiros que preferiam que os Portugueses ganhassem o jogo, outros que elegiam a seleção da Grécia. Também achou aqueles que eram indiferentes e que só ali estavam pelo convívio.

O jogo terminou numa derrota para o povo lusitano, que se queixa de sofrer uma maldição com a Grécia, assim como sofre com a Alemanha. Camila, no entanto, não acreditava em nada disso. Achava que os jogadores tinham metido na cabeça que perderiam com a Grécia e como tal, aconteceu. Desistiram logo no início do jogo, ou melhor, nem sequer jogaram. Para ela fora uma desilusão. Para além disso, achou uma estupidez atribuírem a culpa a um só jogador, só por ser considerado o melhor do mundo, quando toda a gente sabe que não é só um que joga. É uma equipa. Logo a culpa é de todos.

Desviou os olhos da estrada e encarou o horizonte. Já era possível ver o mar. Concentrou-se mais uma vez no percurso e voltou a cantar “Birthday” deixando-se envolver pela alegria da cantora norte americana. Parou por causa dos semáforos. A música chegou ao refrão, levando Camila a mexer os ombros ao ritmo da mesma, enquanto cantava sem se importar se tinha uma voz bonita ou não.

I’ll make like it your birthday everday — cantarolou mais alto. Começou a percorrer a estrada com os olhos. Parou no carro que se encontrava ao seu lado. Os três rapazes dentro do veículo encontravam-se a encarar a moça de olhos castanhos que logo se sentiu intimidada parando devagar o movimento de ombros. Reparou que conhecia um deles de algum lugar. Aquele cabelo loiro desorganizado era-lhe muito familiar, até demais. Será que o tinha apanhado numa das suas fotos? É, provavelmente era isso. Desviou o olhar do carro vizinho e logo prosseguiu o caminho até casa da sua tia.

No outro carro, Klaus sabia que era a fotógrafa do outro dia. A mesma com quem teve vontade de falar. Seria coincidência? Claro que sim! Afinal não acreditava de todo no destino. Isso era uma maneira que os escritores arranjavam de vender os seus livros repletos de cliché e lamechices que ele odiava. Nunca fora um rapaz romântico e tinha quase a certeza que nunca seria.

Wir erschrecken das Mädchen (assustamos a menina) — comentou Sérgio. Klaus sabia que era provável que o tivessem feito, afinal pareciam três estátuas fixas nos movimentos doces da miúda.

Sie ist die nördliche? (é do norte?) — A voz rouca de Klaus saiu, sem que ele conseguisse conter a pergunta. A curiosidade sobre aquela fotógrafa foi mais forte que qualquer vergonha que ele pudesse ter ao demonstrar interesse. Esperava, porém, que os amigos pensassem que aquilo vinha da descrição feita por ambos das mulheres nortenhas e não do súbito interesse naquela mulher desconhecida.

Ja, ja. (sim, sim) — proferiu Carlos. Contudo, aquela confirmação só aguçou mais a sua curiosidade, levando a pensar que, se calhar, ter ficado na ignorância teria sido a escolha mais acertada.

Olhou para fora do carro e notou a decoração maioritariamente azul e amarela espelhada pelas ruas. Via a alegria daqueles que estavam em volta do grelhador a preparar para mais tarde colocarem lá as sardinhas. Já tinha visto ambiente semelhante no porto. Mas algo lhe dizia que hoje seria melhor que no São João. Talvez fosse, mais uma vez, a influência dos amigos, que diziam que era a melhor festa da região, ou então a esperança de encontrar a rapariga do norte, como ele denominara.

● ☼ ●

A noite já ia alta e os braços já doíam de tanto fotografar o local. Nunca pensou que fosse achar aquilo, mas estava de facto cansada, se não mesmo farta de andar com a máquina para trás e para a frente. Ainda nem tinha conseguido aproveitado a festa direito.

— E pousares essa porcaria, não achas melhor? — a voz da sua prima fê-la desviar a cara do objeto fotográfico — Aproveita isto Camila! Sempre gostaste do São Pedro e devias estar a divertir-te, não a trabalhar. Além do mais já tens fotos que chegue, — puxou a prima pela mão — vamos procurar algo para beber — e foi puxando-a por entre as pessoas que dançavam freneticamente aquela música eletrónica.

Nunca fora de beber muito, mas aceitava sempre uma ou duas vodkas. Era a única coisa que bebia. Não gostava de shots, por causa da sensação de ardência na garganta que a bebida lhe proporcionava. Todavia, já ia na quinta. Não se sentia bêbada, era preciso mais que isso, além do mais tinha comido bastante, o que lhe ajudava a manter-se sóbria.

Tinha-se perdido da sua prima e caminhava agora pelo areal deserto. Dali, conseguia ver a animação das pessoas que se amontoavam na rua e balançavam o corpo da melhor maneira possível. Puxou a máquina e fotografou o que via. Estava tudo como sempre, alegre.

É, alegre era a melhor palavra para descrever o país no mês de Junho.

Are always with camera in your hand? (estas sempre com a câmara na mão?) — assustou-se ao ouvir aquela voz rouca atrás dela. Virou-se e encarou o loiro. Era o mesmo que presenciou as figuras tristes que fizera no carro. E olhando melhor, notou que era o mesmo rapaz nórdico, como a própria intitulara, que fotografara no outro dia no mercado do porto. Notou que ele parecia esperar por uma resposta por parte dela, e forçou-se para se lembrar da pergunta. Já há muito que não treinava o seu inglês, e desejou que não estivesse enferrujado.

Yes, it’s my job (sim, é o meu trabalho) – abriu um sorriso tímido, levando Klaus a perder-se no mesmo. Tal e qual como tinha visto de longe. Ela era simplesmente linda. Não era aquela beleza de modelo de capa de revista, era uma beleza subtil, doce.

May I know your name? (posso saber o teu nome?) — rezava para que a sua voz não saísse tremula como ele encontrava por dentro.

— Camila, and yours? (Camila, e o teu?) — não sabia porquê, mas a voz dela tinha tudo a ver com aquilo que idealizou, superando até as expectativas. O loiro abriu um sorriso e estendeu a mão.

— Klaus — disse com o seu carregado sotaque alemão.

Encararam-se durante alguns segundos enquanto apertavam a mão um do outro. Se isto fosse um livro cliché, Klaus diria que sentiu um choque quando tocou na pele suave da nortenha. Mas tal coisa nunca admitiria. Amor à primeira vista não existe, pelo menos não para ele. Camila afastou a sua mão do loiro, assim que sentiu um arrepio causado pela brisa marítima, obrigando-a esfregar os braços. Klaus despiu o casaco para coloca-lo por cima dos ombros da rapariga, aproximando-se para o fazer. Estavam próximos o suficiente para sentirem o calor que de ambos emanava. As respirações já estavam misturadas. Nunca sentira uma atração tão grande como naquele momento, como se um íman a puxasse contra o corpo do alemão.

Podia não ter grande conhecimento da língua alemã, mas era suficiente para reconhecer através do nome e da pronúncia. E por mais estranho que isso lhe pareça, saber da sua origem germânica só lhe pôs mais fascinada. Tudo que desejava era sentir os lábios dele encaixados nos seus. Sabia que ia acontecer, ele também. Desejavam-no.

— Ah, estás aqui Camilinha! — afastaram-se assim que ouviram a voz estridente da prima da morena — Procurei por ti feita maluca e tu estavas aqui a agarrar-te com um loiro? Nem sei porque é que ainda me preocupo… — notava-se de longe que estava bêbada. E, mais uma vez, Camila viu-se obrigada a tomar conta da prima. Virou-se para Klaus e entregou-lhe o casaco.

– Er… Thanks! I have to go (Obrigada! Tenho de ir). – Klaus assentiu e despediu-se com um aceno de cabeça. Ficou a observa-la caminhar para fora da praia arrastando a miúda que ele amaldiçoara por ter interrompido o quase-beijo.

Assim que as perdeu de vista, começou a caminhar em direção à casa alugada dos amigos.

Os olhos castanhos cintilantes não saiam da sua mente, assim como o tão rosado das suas bochechas. Ficava ainda mais linda corada, como se ser tímida fosse um sinonimo de beleza. Riu sozinho. Definitivamente, Klaus já não se conhecia mais. O Klaus frio e anti-romance não iria estar neste momento a tentar decifrar do aroma do perfume de uma rapariga. Mas não conseguia parar, sabia que conhecia aquele cheiro que lhe lembrava praia e sol. Sol?! Estranhou como não chegou logo à conclusão que ela cheirava a protetor solar. Mas quem usa isso à noite? Ah, que mulher misteriosa! Queria descobrir cada pedaço daquela mente incerta. Encontrar todas as razões para ela ser assim, feliz com a vida.

● ☼ ●

Pela primeira vez na vida de Camila, pelo menos desde que se entende por gente, chovia no dia de São Pedro. Era algo inacreditável, inédito talvez.

Quando se levantou, pensou que poderia passar o dia a fotografar o que sobrara do da comemoração, no entanto, fora apanhada pela chuva tempestuosa que rapidamente se formou. Podia correr para um abrigo, fugir daquilo. Mas as suas pernas não se mexiam, como se quisessem mostrar que aquele pacto com o divino tivesse sido quebrado com algum propósito.

De súbito, sentiu a chuva parar de cair e ouviu uma voz grossa atrás dela:

You’ll get sick if you keep here (vais ficar doente se continuares aqui) — Virou-se para trás e encarou Klaus com um guarda-chuva na mão. Era a terceira vez que se esbarrava com o alemão. Se fosse crente, diria que era o destino. E por um momento, desejou que fosse. A beleza germânica daquele rapaz cativava-a de maneira que ela nunca sentiu por qualquer um dos seus antigos namorados.

Thanks (obrigada) — agradeceu enquanto se aproximava mais de Klaus, para tentar molhar-se menos.

Com o braço que estava livre, puxou-a para si, deixando a mão na cintura da morena. Assim de perto, pode voltar a sentir o seu perfume. Só lhe fazia mais atraente. Entreabriu a boca várias vezes, não sabia o que dizer. Mais uma vez sentiu-se tonto pela beleza portuguesa dela.

Camila tão pouco sabia o que falar. Alias, na cabeça dela a única coisa que queria era beija-lo, principalmente depois que ele resolveu abrir a boca. Então, tomou coragem e foi ao encontro daqueles lábios estrangeiros que há algum tempo lhe seduzem. Sentiu o seu calor misturar-se com o frio dele, talvez procurando o equilíbrio térmico. O beijo era feroz tal como imaginara. Afinal, aquele homem exalava por todo um clima selvagem. Algo que nunca pensara em ver num alemão.

Por fim, percebeu que nunca pensou que se sentiria tão feliz por chover no seu predileto dia de São Pedro.

E Klaus?

Bem, ele sabia que aquilo não passava de uma espécie de amor de verão. Mas tinha importância? Claro que não. Naquele momento, só queria saber dos lábios da nortenha junto dos seus. Ah, o doce sabor do norte, da sua rapariga do norte.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Beijinhos!

Segundo conto: http://fanfiction.com.br/historia/577959/Against_Fate/