Designium escrita por Caio Historinha


Capítulo 1
Ted


Notas iniciais do capítulo

Capítulo de autoria de Frank Henz



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Sua cabeça latejava, andava de um lado para o outro. Como um silvo interminável de uma grande serpente. Já havia tomado duas cartelas de comprimidos que dizia inibir dores assim, e nada se alterava em sua dor, em sua agonia. Gritou o mais alto que podia e houve resmungos por toda a parte, morava em um cubículo que tinha a ousadia de se chamar apartamento e os demais adjacentes de todo o prédio reclamava por todo aquele barulho. Mas que se fodesse eles. Gritou novamente e mais estridente que pode, faria o que pudesse pra espantar aquele zumbido, aquela dor.

Seu nome era Ted, altura mediana, cabelos castanhos claros e olhos verdes- acinzentados. Trabalhava numa corretora de seguros, e odiava isso. Não mais do que odiava seu chefe: Ben Hudson. Que há muito lhe prometera uma promoção, mas que á meses lhe parecia mais uma piada de mau gosto dele. Podia se dizer o que quisesse do velho,mas não que ele não tinha senso de humor.

O zumbido se alternava em diferentes freqüências e a cabeça de Ted parecia que ia explodir, ajoelhou se no carpete com as mãos nos ouvidos. Quase conseguia ver sua ex-mulher ali naquele momento. “eu disse que você enlouqueceria de tanto trabalhar pra aqueles egocêntricos” ela diria. Não se vá tentou pedir Ted. Todos o deixavam, ate seus pais haviam mudado de cidade para morar perto do filho prodígio da família, Curt. Queria chorar, queria esmurrar tudo á sua frente, mas acima de tudo queria que aquele zumbido fosse para o quinto dos infernos junto com os demais. Com todos sem exceção pensou amargurado dando mais um grito de agonia, ou o mais puro ódio não saberia definir. Muito menos os seus vizinhos que tinham acordado com isso. Logo estariam á sua porta, e o que importava? Questionou-se.

Ainda no chão tentou alcançar esticando os braços, outra cartela de comprimidos, mas não conseguia onde estava. E não encontrava as forças necessárias para sair dali, tamanho era o seu torpor. Precisava daquilo, ainda tentava alcançar com as mãos, o problema era o metro e meio que o separava. O zumbido foi diminuindo, mas deixava “pancadas” sonoras a cada vez que diminuía, como um carro que encontra lombadas na descida.

Não devo desistir, Ted pensou, com os braços ainda esticados, um apelo mudo. A cartela sobre a mesa da cozinha/sala/quarto vibrou pululando como se houvesse criado vida. E de imediato saltou para o alto caindo perto de um sofá. Ted se assustou e retesou seu corpo no chão. O zumbido já era quase uma má recordação e só se ouvia o fantasma dele em sua cabeça. Assustado demais conseguiu por fim levantar-se mais se afastou o Maximo que podia da cartela como se aquilo fosse o próprio diabo. Encostado na parede de costas observou a cartela inerte por quase quinze minutos e não chegava a nenhuma conclusão plausível.

Recordou-se que o ato acontecera quando ele apontava os braços na direção daquilo, como se os comprimidos não gostassem de ser apontados. Uma loucura atrás da outra. Zumbidos inexplicáveis e remédios que ganhavam vida. Afinal sua ex-mulher tinha razão. Tentaria mais uma vez, se era louco mesmo não saberia de fato, nenhum louco se achava fora da razão.

Apontou uma mão para a cartela no chão, mas nada acontecia. Vincos de preocupação surgiram em sua tez, e a cartela voltou a vibrar. Pego de surpresa se afastou daquilo preocupado se tinha acordado o mal que ali habitava novamente. Mas a caixinha se mostrava agora inerte.

Isto reage a mim, ele chegou à conclusão. Talvez eu só tomei remédios demais. Mas pior do que está é impossível ficar. Voltou a apontar a mão para os remédios, mas sem saber como desta vez foi um dos sofás que levitaram. A principio emborcando para o lado direito como se este fosse à parte mais pesada do móvel, mas ele usou a outra mão na direção do mesmo alvo e o sofá voltou a ficar nivelado enquanto flutuava a cinqüenta centímetros do chão. Eu posso fazer as coisas voarem com o pensamento, pensou Ted extasiado. “largou” o sofá e era como se as cordas invisíveis que haviam subido o móvel tivessem sido cortadas. Sentiu uma dormência nos músculos da face e sabia que deveria estar sorrindo, há tanto tempo não fazia isso. Riu alto, apesar da dor que passara naquela noite e toda a inconveniência que proporcionara aos vizinhos estava tão feliz agora que poderia ate cantar, e se um vizinho viesse enfim reclamar ele o puxaria para uma dança.

Isto é um presente ele disse a si mesmo, fitando as suas mãos. Olhou para a cartela ao chão e como se atraído magneticamente a ele, ela veio sem gravidade e veloz, e parou a três centímetros de seu corpo. Eu controlo a sua velocidade, controlo o quanto você sobe, e para onde você vai. Pensou Ted realizado de suas convicções. Tudo estava ao seu alcance agora.

No dia seguinte fora trabalhar com uma confiança que antes não havia. Antes de sair de casa fez sua roupa levitar até ele e tomou café de um jeito inovador; a caixa de cereal e as xícaras de café e leite o rondavam como satélites orbitando pra lá e pra cá quando ele queria. Derramou um pouco no sofá, mas isto não era nada estava tão contente que riu pelo mais simples prazer de ouvir o som que fazia. Ainda antes de sair do seu prédio cumprimentou os vizinhos mal humorados, e deu uma desculpa razoável para o síndico.

Aturou as piadas sem graças do humor negro de seu chefe Ben Hudson sem soltar um pio de reclamação. O seguro não cobre isto, o seguro não cobre aquilo ele ouvia e assentia sem qualquer preocupação. O mundo era tão belo, por que se preocupar?
Seu chefe lhe ordenara adiantar umas requisições do dia seguinte, na certa o achara felizinho demais. Mas Ted cumpriu sem reclamar.

O ocaso se aproximava e as folhas douradas de outono davam certo brilho para a metrópole suja. Os transeuntes passavam pelas ruas sem reparar nesta maravilha ou em qualquer outra, preocupados com cônjuges, trabalho e contas. Eu já fui um destes, pensou aliviado Ted. Há quatro quadras de seu apartamento havia um lixão aparentemente abandonado. Ted ignorou a faixa amarela de interditado e a saltou. Lá dentro havia pilhas de seis metros de entulho. Carros, motos, pedaços avulsos de caminhões. A ferrugem cobria tudo como uma bactéria. Tirou o seu Blaser e jogou sobre um esquadro jogado displicentemente separado dos grandes montes de entulho. Desafivelou a sua gravata e a jogou para cima, despreocupado com o seu fim.
Ficou á frente da pilha mais próxima. Imaginou como se um anzol invisível fosse ate uma das peças retorcidas de metal e a “puxou”, fazendo um movimento parecido com um dos braços como se puxasse algo físico. Um campo de um fusca, em parte azul, em parte corroído pela ferrugem saltou para o seu encontro.

Varias outras peças do entulho deslizaram do monte perdendo o equilíbrio e o apoio que esta peça dava as outras. Sentia uma calma que antes nunca sentira e sinalizando a palma da mão á frente à peça parou instantaneamente na vertical, a centímetros do chão e de Ted, bloqueando ele da última luz do dia que desaparecia no horizonte longínquo. Fechou a mesma mão e a peça se retorceu como se um punho gigante e invisível a amassasse. Satisfeito jogou a bola de metal á uma das pilhas á esquerda e acertando o seu centro, ela se desfez como um castelo desfeito por terremotos. Pedaços de todo tipo de automóvel que um dia circulou pelas ruas daquela cidade caiam perigosamente pra todos os lugares. Ted deveria sair o mais depressa ou seria esmagado, sabia disso.

Mas não tinha testado os seus limites o suficiente. Mentalizou a força que ele produzia como um casulo e ele era o inseto lá dentro. Parte de uma cabine de um caminhão rural foi ate sua direção. Deslizando pelo chão e produzindo uma nuvem de poeira. Toneladas se chocaram com seu casulo invisível e ele pode sentir a força do impacto de toneladas, fechou os olhos, mas não vacilou na concentração e o casulo não foi desfeito. Estava seguro ali de qualquer coisa, se mantivesse a concentração. A sua mente era o escudo e o ataque mais poderosos do mundo.

Quando tornou a abrir os olhos à poeira já abaixara e metade da cabine estava atrás do seu lado direito e a outra metade atrás do seu lado esquerdo. A bolha ou casulo invisível que ele criara cortara a estrutura de toneladas de metal em duas. Não correndo mais perigo desfez o casulo e foi como se tivesse aberto alguma comporta dele e emanou uma espécie de onda de ar, reflexo de romper a bolha invisível. Percebeu um movimento em sua visão periférica e se virou para se deparar com um garoto de boné laranja e cabelos negros que escorriam até a sua cintura, seus olhos azuis cintilavam do que parecia divertimento misturado a fascínio.

- Incrível. - disse o garoto- pode me ensinar a fazer isto?

Ted riu.

- Acho que não se dá pra ensinar isto garoto, agora sai do meu pé.

- E vou para aonde? Este é meu lar e você é que está tecnicamente no meu pé. - disse o garoto teimosamente.

Ted revirou os olhos, só faltava um “Fanboy” seguindo-o agora. Olhou para o estrago que havia feito no “lar” do menino, se era que ele havia dito a verdade, mas não se ressentiu,havia bebido desse cálice á muito tempo. Não mais.

- Eu não vou mais te perturbar então, garoto do lixo- disse Ted virando-se.

- Achei ofensivo me apelidar assim – disse o garoto sem nenhum sinal de tristeza na voz, parecia mais empolgação o que seu timbre sugeria. - Ainda ta cedo, não se vá-tornou a dizer o garoto irritantemente, ainda o seguindo. Vou assustá-lo pensou Ted.

Olhou para uma porta de uma ambulância e levitando-a a arremessou na direção do garoto com pouca força. Á poucos passos do garoto havia mais uma das pilhas de ferrugem e não havia tempo pra correr para os lados. Mas ele ainda assim tentou saltar para trás e o barulho do baque da porta arremessada contra os demais entulhos foi o único ouvido.

A bem da verdade não tentara machucar o garoto, mas ainda estava se descobrindo e esses poderes não era brincadeira de criança. Começou a voltar ao monte de entulho em que tinha arremessado a porta. Preocupado com o garoto. Quando o topo da cabeça dele emergiu pela porta da ambulância. Foi subindo aos poucos agora sem o boné, e seu corpo atravessava a matéria como se fosse liquido. Um braço e depois o outro emergiram da porta se apoiando em outros recipientes de metal para se impulsionar a sair dali.

- O que é você? - perguntou Ted.

- Eu sou como você, especial - disse o garoto sorrindo assim que saltou dos entulhos.

Ted ainda não acreditava no que os seus olhos viam, e olha que fazia as coisas flutuarem. Havia uma calota de carro perto de seus pés. A pegou com a mente e jogou á girando na direção do garoto. Desta vez o menino não correu, e continuou caminhando á frente. A calota girava como um disco voador e atingiu o rapaz na altura da cintura, e passou por ele como se ele não fosse feito de carne, como se ele fosse uma miragem e foi de encontro aos montes de entulho que ficavam atrás do garoto.

- Por que fica fazendo isso?- o garoto perguntou-não irei te machucar. Promessa de escoteiro-ele levantou a mão como um juramento.

- Não se aproxime-alertou Ted. Mentalizou novamente uma redoma ao seu redor e Viu o chão ao seu redor se marcar com um circulo,o peso da bolha quando em contato com o chão .sabia que agora nada passaria por suas defesas.

Nada sólido... O garoto passou pela sua bolha invisível sem se dar conta do que havia feito e não entendeu a consternação nos olhos de Ted.

- Me deixa em paz, sua aberração! - Ted exclamou desfazendo a bolha liberando toda aquela força novamente, mas nada parava algo não sólido pelo o que parecia. O garoto arqueou as sobrancelhas e parou de andar na sua direção.

- Aí já é demais amigo. -ele soltou parecendo claramente ofendido.

Já era demais mesmo, demais para um dia só, Ted pensou. Focou seu poder, sua força de gravidade em si mesmo não somente ao seu redor, mas como um manto que ele agora vestia. Invisível e sob a sua mercê. Focou as ordens do que queria e a gravidade inerte ao seu manto, lhe obedeceu. Começou devagar centímetro por centímetro, flutuando ainda em pé. O garoto abria a boca como um retardado, pelo menos tinha se calado.

Depressa, ele ordenou ao seu manto e seu corpo voou mais veloz do que um projétil para as alturas. Tudo passou num borrão e nem teve tempo de se assustar com a altura. Começou a sentir seus ossos congelando e parou. Acima via as estrelas brilhando mais do que nunca viu, e de certa forma maiores também. Tomou coragem e olhou para abaixo e só havia o céu, escuro e profundo como o mar. Mas se olhasse atentamente veria pepitas brilhando ao fundo.

A cidade. Com medo de morrer de hipotermia achou sensato voltar. E se precipitou para baixo como um saltador de pára-quedas. O vento congelante bagunçava seus cabelos e produzia sulcos de expressão em sua face, como um carro de bois arando uma terra virgem. Era rápido demais pra ele, pressão demais, se cobriu de um segundo manto invisível, e sentiu menos a queda e os ventos, uma camada extra de uma armadura que ele próprio confeccionava.

Os prédios iam crescendo em sua direção, quando passou por suas torres parou seu corpo sem o menor esforço ou impacto. Estava pegando o jeito. Estava flutuando á cento e cinqüenta metros das ruas e avenidas lá de baixo, se virou e percebeu que estava entre as os três prédios que formavam uma espécie de triângulo no labirinto de condomínios daquela região da cidade, por ser maiores do que tudo ali.
E ele estava acima daquilo, acima de todos. Recebera um presente e já tinha uma idéia de como o usá-lo. Mas precisava de mais informações a respeito disso.

O garoto do lixão percebeu resignado que precisava dele. Amanhã eu vou ate ele, pensou Ted. E voou a toda para seu cubículo cheio de expectativas para o dia seguinte.


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