Diário do Silêncio escrita por Vaalas


Capítulo 1
Prólogo




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“Minhas desequilibradas palavras são o luxo do meu silêncio.” — Clarice Lispector

Nome: Elliot Hathaway.

Onde mora: Na minha casa.

Telefone: Sou um garoto surdo, logo não vou atender ligações. Tenho apenas dois amigos que moram a duas quadras da minha casa, logo não preciso de mensagens. Minha mãe tem problemas com tecnologia, logo não tem celular. Para que eu gastaria minha mesada com um celular?

Email: Tenho, mas não entendo porque quer saber.

Telefone Residencial: Não lembro, algo que começa com o número 6.

Algo mais: Depois de tanta pergunta desnecessária, poderia ao menos perguntar minha idade e saber se estou bem, não?

[...]

Quando perguntava a alguém o que era o silêncio — ou ao menos o que ela (a pessoa) achava que era —, na maioria das vezes as respostas eram iguais, parecidas ou inexistentes. Digo, é de se supor que qualquer pessoa de coração mole não aprecie conversar sobre isso com uma pessoa como eu. É o que eles costumam chamar de assunto “delicado”. Se você for pensar bem, todos os assuntos da Terra, do Universo, da galáxia ou de qualquer outra dimensão paralela são delicados.

De todo modo, já encontrei diferentes repostas e a mais comum e usada por toda essa fatalidade de pessoas sem pensamento próprio é o velho e enferrujado: “Ora, o silêncio é a ausência do som. ”

Acredite quando digo que essa resposta é ainda mais indelicada do que a resposta sem resposta. Veja, pessoas como eu sabem muito bem que no silêncio não há som, então, quando um alguém qualquer diz que o silêncio é a ausência de som, a impressão que tenho é que estão zombando da minha cara. Aliás, parece que estão zombando da minha cara sempre, nas mais diversas situações.

Pois veja, apenas para começar: eu sou surdo.

Ok, ok, pobre de mim. A realidade é que ser surdo e ter uma audição digna de prêmios não tem lá grande diferença. Nós, surdos, somos incapacitados de ouvir os falatórios dos outros graças à Mãe Natureza, já as pessoas “comuns” com audição apuradas optam por ignorar os falatórios dos outros graças a nada. Se você parar para pensar assim, não há mesmo uma grande diferença.

Então, acho que pelo fato de nunca ter boas respostas a respeito do silêncio — e por acontecimentos explicados mais à frente —, pensei em comprar esse caderno (você), que tomei a liberdade de batizar de Caderno Feio. Sim, sim, paguei 5 dólares em um mini caderno feio, com capa de couro azul desgastada e cheia de arranhões com um rasgo no centro. Creio que alguém tenha comprado e depois jogado fora, mas o dono da papelaria me garantiu que não tinha a achado no chão no caminho até lá. Pessoas mentem, então não posso ter certeza sobre.

E não, um caderno idiota não me dará a resposta para uma incógnita tão simples e difícil como o silêncio.

Na verdade, tudo começou em uma segunda feira comum de setembro: A volta às aulas. Não é necessário entrar em detalhes a respeito do retorno escolar, é mais do que certo de que eu não gosto e nem você — ou talvez goste, não sei, nunca compreendo algumas pessoas.

De todo o modo, era manhã, era segunda feira e era setembro. Estava sentado em uma cadeira branca escutando a minha dose diária de silêncio e indagando sobre como seria o som. Talvez fosse algo detestável e horripilante, porém com o passar dos anos o ser humano se adaptou a achar os estranhos grunhidos algo belo. Vai ver os surdos são uma raça superior que resolveu simplesmente não se torturar com sons.

A quem quero enganar mesmo?

Voltando. Manhã, segunda, setembro. Estava encarando o teto branco da sala de aula — havia uma mancha estranha lá em cima e sempre me perguntei o que seria ela, mas cheguei à conclusão de que não era algo bonito — quando senti um toque no meu ombro.

Virei, olhei. Havia uma garota, cuja boca estava se movendo no vácuo do silêncio e as mãos gesticulavam para a cadeira ao meu lado. Ela falava, falava e falava, enquanto mexia no seu cabelo curto e o colocava atrás da orelha. Acho que ela estava falando sobre frustrações, pelo modo como movia os braços finos para um lado e para o outro, nunca parando de mover a boca. Sentia como se estivesse sendo metralhado por silêncio afiado toda vez que ela abria e fechava os lábios. O mais agoniante de tudo, é que ela falava rápido de demais, tão veloz que eu sequer conseguia ler seus lábios ou tentar pôr coerência em suas palavras.

Até que parou, me encarando como se esperasse uma resposta.

— É. — respondi, esperando que o som houvesse saído corretamente.

Ela sorriu e se sentou na cadeira do lado, sem dizer mais nada — acho —, provavelmente satisfeita com a minha resposta.

E foi ali, naquele momento de desentendimento auditivo, que tudo começou.


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Notas finais do capítulo

O prólogo não é lá muita coisa, mas acho que mostra um pouco da personalidade estranha de Elliot kkkk.
O próximo sairá em poucos dias. Na verdade tudo depende do incentivo de comentários, se tiver uma resposta boa posso até postar hoje mesmo
Espero que se divirtam.
Até logo!