Uma Nova Chance escrita por Elvish Song


Capítulo 15
Confissões


Notas iniciais do capítulo

Olá! Aqui estou eu, com um capítulo mais light (ou nem tanto). afinal, Eragon e Arya receberam uma notícia e tanto, e certamente precisam esfriar a cabeça. Espero que gostem do capítulo, porque o seguinte já traz mais ação.



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                Olá, pequenino— disse Saphira, erguendo um pouco a cabeça. Ela estava cansado, e precisaria dormir bastante para se recobrar – Ouvi as coisas que Ângela revelou a você e Arya, e sinto sua perturbação.

                Você não parece perturbada com o que ouviu.— constatou Eragon.

                E não estou. Entenda, eu sempre senti que você e Arya eram diferentes; pensei que fosse algo meu, influenciado pelo fato de você ser meu Cavaleiro, e por Arya ter me carregado consigo por tanto tempo. Ou talvez fosse a chama de um Cavaleiro dentro de ambos. Agora, entendi o que há de singular em ambos, mas isso não muda nada. Sempre foram diferentes. Apenas descobriram o motivo.

                Para vocês, dragões, tudo parece tão fácil...— ele acariciou o focinho machucado, ajoelhando-se ao lado dela e abraçando delicadamente a enorme cabeça azul – sinto-me perdido. Ângela falou de uma sombra, de algo ligado à própria essência de magia, e à origem dos dragões...

                Sei tanto quanto você a esse respeito, pequenino.

                Mas você é um dragão! Quer dizer, se está ligado à sua raça, você deve sentir algo!

                O que sinto, você chamaria de instinto: comer, dormir, caçar, acasalar, cuidar de meus filhotes... Proteger você. São coisas que fazem parte de mim, como respirar. Minha magia flui ao sabor de meus sentimentos, e não conheço sua fonte; sinto-a em meu sangue e minhas veias, em meu Eldunarí, e sinto-a ao meu redor, permeando e circundando tudo o que vive. Da menor mosca ao maior dragão, tudo ligado e conectado pela magia. Isso é o que sei, e o que sinto. Mas se há nisso uma vontade maior, já não posso dizer. Se existe, não é uma vontade consciente, e certamente nunca interveio em meus pensamentos.

                — Ângela disse que essa força não intervém nas mentes dos dragões – a voz de Arya, embora sussurrada, pareceu quase um grito no silêncio dos nichos de dragão. Ela se sentou ao lado de Eragon, e explicou – Fírnen está dormindo. Tive pena de acordá-lo.

                Feliz em rever Arya, à qual se afeiçoara muito desde a época em que era apenas um ovo aos cuidados da elfa, Saphira acariciou a mulher com o focinho, e brincou:

                Sabe, o cheiro de vocês parece melhor que o dos demais. Deve ser o sangue de dragão.— e emitiu um som rouco e áspero, que era o mais próximo possível de uma risada.

                A elfa sorriu e beijou o focinho da dragoa. Sentada no chão, abraçou as próprias pernas daquele modo que a fazia parecer tão vulnerável, o que fez Eragon estender a mão timidamente, e tocar a dela. Para sua surpresa, ela não retirou a mão, mas a fechou ao redor dos dedos do guerreiro, fitando-o com as duas esmeraldas que eram seus olhos:

                - Onde nós estamos, Eragon? Pensei que fôssemos algo definido, que estivéssemos em posição conhecida... Agora, é como se houvessem me deixado numa ilha deserta, diferente de tudo o que conhecesse.

                - Ainda é o mundo que conhecemos... Só o estamos vendo de outro ângulo.

                - Mas o que nós somos, Ebrithil? – era a primeira vez que ela chamava Eragon de Mestre, e ele sorriu com leve constrangimento.

                Vocês, pequenos, se preocupam demais em definir o que são, sabiam disso?— a voz de Saphira ecoou na mente de ambos – conformem-se com o que são, não se preocupem com palavras. Sabem quem são, então não importa a parte do “o que”. Se encontraram a fonte de seus poderes, ótimo; isso pode ajuda-los a descobrir forças que ainda não sabiam ter. Mas não muda mais nada. Ainda são Eragon e Arya, Cavaleiros de Dragão, Primeiro Shur’tugal e Rainha dos Elfos. Parem com reflexões tolas acerca dos “por ques” e dos “comos”, e aceitem de uma vez a realidade. Descubram o que mais podem fazer com os dons que não sabem ter. Procurem saber o que é esta força misteriosa, mas não percam tempo com questões existenciais. Até porque, dragões não fazem isso. - A dragoa se espreguiçou como um gato, e mudou o lado sobre o qual se deitava – Estou com uma pedrinha presa entre as escamas do nariz. Alguém pode tirar, por favor?

                Eragon sorriu e retirou a “pedrinha”, que era quase do tamanho de sua mão. Apesar de parecer duro, e muito simplório, o pensamento de Saphira estava correto: confabular acerca do que ambos eram, e que significado isso teria, não mudaria nada. Ainda tinham suas posições dentro do mundo em que viviam, e os segredos revelados mudavam apenas o modo como ambos viam o mundo, não como o mundo os via. Ainda tinham os mesmos deveres a cumprir, e obrigações para com os demais; se tivessem de pensar acerca do que Ângela dissera, que fosse para entender a situação e resolvê-la. Não para filosofar.

                Se já terminaram as lamentações, eu vou dormir. Estou com sono.— e assim dizendo, a voadora se enrodilhou, pondo-se logo a roncar. O casal riu dos roncos dela, e deixou os nichos junto.

                - Sei que devíamos voltar para falar com Ângela e ouvir o restante da história, mas... A verdade é que não quero ouvir. – falou Arya. Ela parecia tão cansada! Como se os últimos doze anos houvessem sido um enorme fardo para carregar sozinha – Às vezes, gostaria de deixar tudo para trás, e desaparecer nas profundezas de uma floresta desabitada. Sem responsabilidades, sem ninguém que dependa de mim, além das crianças. Mas então eu acordo, e me lembro de quem sou, de quais são meus deveres. Fugir é um luxo que não posso me dar.

                - Nem mesmo por algumas horas? – perguntou o Cavaleiro. Arya franziu o cenho, intrigada, e ele explicou – fui à encosta sul com Saphira, uma vez. Regatos, floresta... Talvez um ou dois ursos, mas nada que nos represente uma ameaça. Por que não vem comigo?

                - Sair deste modo, sem dar satisfações a ninguém? – espantou-se a moça.

                - Ora, o que há, majestade? – provocou o humano – faz parecer que você mesma nunca fez isso. Parece que anda precisando de um pouco de diversão, ultimamente.

                - Nisso você está certo. – sorriu ela – com certeza preciso. Na verdade, preciso de diversão há longos doze anos. – pondo-se em pé de um salto, deu um tapa leve na cabeça de Eragon – vai criar raízes aí, ou vamos respirar um pouco de ar puro?

                O homem riu, levantando-se e pondo-se a caminho, lado a lado com Arya. Para sua surpresa, aquela mulher dura e fria, que já o fuzilara com o olhar devido a um simples beijo, estendeu a mão para tocar a dele. Com um sorriso, ele entrelaçou os dedos aos dela, num gesto de carinho e proteção. Juntos, subiram pelas incontáveis escadarias e rampas que conduziam à encosta sul das montanhas. Era uma caminhada de mais de uma hora, mas a fariam com prazer, pois significava uma breve pausa em meio ao turbilhão de pensamentos que os tomara, depois da conversa de horas atrás.

                *

                Arya sorriu ao contemplar o lugar para onde Eragon a levara: um pequeno lago formado pelo represamento de um riacho, fundo e largo o bastante para nadar, mas sem forte correnteza. Encravado no meio de rochas cobertas por musgo e samambaias, cercado por floresta densa, parecia um recanto de paraíso intocado pelo mal... Lembrava muito a elfa de Du Weldenvarden, quando era pequena, antes de todo o mal que atingira seu povo. Eragon reparou nos olhos sonhadores dela, e perguntou:

                - Gostou?

                Ela lhe sorriu misteriosamente, antes de responder:

                - Você me conhece bem – embora houvesse dito em tom absolutamente natural, havia ali uma ironia: é claro que Eragon a conhecia bem, uma vez que ela mesma lhe dissera seu nome verdadeiro!

                A rainha se agachou à beira do lago, lavando as mãos e o rosto, enquanto o Cavaleiro se sentava sobre uma pedra mais seca, apenas contemplando-a. Foi só quando Arya se levantou e começou a tirar a camisa que ele se surpreendeu: o que ela pretendia?!

                - Ahn, Arya... O que está fazendo?

                - Viemos a um lago e não vamos nadar? – perguntou ela, com naturalidade, deixando a camisa no chão e abrindo o cinto. Ante o olhar embasbacado de Eragon, livrou-se de toda a vestimenta e, despida como viera ao mundo, caminhou lentamente para dentro d’água. Eragon não sabia o que dizer, ou como reagir: seus olhos estavam presos, enfeitiçados pela beleza daquela mulher. Como compreendê-la? Mantinha-se sempre tão fria e distante e, agora, despia-se diante dele sem o menor pudor... Onde estava a rainha que considerava imprópria uma maior aproximação? Pois ali estava não Arya Drottning, mas a Arya que ele, por uma única e maravilhosa noite, tivera nos braços, exposta em todo o seu esplendor. Ao voltar-se para o Cavaleiro, a mulher comentou com leve maldade:

                - Eu sei que sou bonita, mas você já está me constrangendo com esse olhar. – e quando o Cavaleiro não reagiu, deu um tapa na água, molhando-o – Quer entrar de uma vez, homem?! Estou ficando envergonhada!

                Percebendo que sua atitude fora bastante imprópria – ainda haveria algo impróprio entre eles, quando haviam tido filhos juntos? – o Cavaleiro também se despiu e entrou na água fria. O líquido em contato com seu corpo pareceu revigora-lo e desfazer as tensões ganhas naquele dia. Arya se deitara de bruços numa pedra, apenas os ombros emergindo enquanto a água corrente massageava seu corpo e purificava sua mente. Assim, de olhos fechados, ela parecia tão frágil e delicada que era quase impossível ver o aço que havia em sua alma; assim, sozinho com ela, sem ter de fechar o próprio coração sob camadas de pedra para fazer o que era certo, ele percebeu quanta falta sentira daquela mulher...

                Não fora fácil, para o jovem Cavaleiro, suportar aqueles doze longos anos; ele era jovem, pouco experiente, e tivera de assumir o papel de mestre, tutor, mentor de crianças e jovens... Não podia demonstrar medo, mesmo quando estava apavorado; não podia mostrar dúvidas, mesmo quando não tinha certeza de tomar a decisão correta... Sempre forte, sempre invencível, sempre o mentor, guia, sábio e poderoso... Mesmo com a ajuda de Blödhgarm e dos demais, fora um fardo terrivelmente pesado. Mas nem tanto quanto a distância da mulher a quem amava e – ele suspeitava – haveria de amar por toda a eternidade. Ao lado dela, não tinha medo; com ela, sentia-se forte, e não tinha vergonha de não saber algo. Confiava em Arya, entendia-a... Era o único amor que podia compartilhar sem restrições – excetuando-se Saphira, é claro. Arya era parte dele, parte de seu passado e de seu futuro, uma parte que jamais poderia ser retirada, mesmo que fossem separados pela eternidade.

                Num suspiro baixo, ele se debruçou sobre a mesma pedra e estendeu a mão para tirar uma mecha negra da frente do rosto feminino; ela abriu os olhos, surpresa, mas não fez menção de se afastar. Também para ela haviam sido anos muito longos e solitários, e o toque de Eragon era o único que não temia – excetuando-se Fírnen, é claro. Sim, os longos meses de tortura em poder de Durza haviam deixado marcas que – ela suspeitava – seriam irreparáveis. Eragon fora o único que a tocara, não apenas física, mas mental e emocionalmente. Só a ele seu coração se abrira, e isso resultara numa dor terrível, quando ele partira. Uma dor, porém, da qual não se arrependia, pois lhe haviam ficado Brom e Islanzadí, filhos dela e de seu amor, as pequenas criaturas pelas quais teria dado – e daria sem hesitar, sem preciso fosse – a própria vida. Por eles, arrancaria o próprio coração do peito... Ela conseguira encontrar certa paz e estabilidade, esquecendo-se do sofrimento da solidão, encontrando conforto em seu dragão, em seus filhos e, ocasionalmente, em Ângela, que agora sabia ser sua irmã... Mas Eragon retornara, e toda a sua vida virara de cabeça para baixo, especialmente suas emoções.

                - Você não fugiu de mim – constatou o guerreiro, tomando a liberdade de acariciar o rosto da elfa, que fechou os olhos, desfrutando daquele toque. Como era bom ser tocada outra vez! Como era bom receber um carinho que não viesse de seus filhos ou de seu dragão... Só ao ser outra vez acariciada, percebia quanta falta sentira daquilo. Ela suspirou e segurou a mão de Eragon junto a seu rosto. Por algum motivo, aquele lugar a deixava vulnerável, sentimentalmente falando... Ela já não se importava em estar exposta, e queria antes se expor. Pois confiava em Eragon... Amava Eragon, e queria que aqueles breves instantes a sós pudessem permitir que estivessem verdadeiramente juntos, sem outras preocupações que não eles dois.

                - Não aqui. Aqui não há nada a esconder. – respondeu ela, enfim. Sem pudores ou reservas, aproximou-se do Cavaleiro e beijou-lhe os lábios com delicadeza – se soubesse como senti sua falta...

                - E eu, a sua. – respondeu Eragon, retribuindo o beijo. Droga, não queria que as coisas fossem para aquele lado! Mas Arya parecia não rejeitá-lo, e sim, corresponder à sua ânsia por amor e carinho. Eram ambos dois solitários, afastados da única pessoa que realmente os compreendia... Agora que se reencontravam, após tantos anos, enfim compreendiam como, sem o outro, estavam incompletos. E o desespero de aplacar a solidão era maior do que tudo; a ânsia de estarem juntos, de nunca mais se separarem... Um desejo que ultrapassava os limites físicos, mentais e psíquicos, uma vontade que os unia em alma. Os beijos começaram a se tornar mais calorosos, e logo estavam envolvidos nos braços um do outro; de repente, porém, a rainha pareceu se aperceber do que fazia, e enrijeceu nos braços do Cavaleiro, empurrando-lhe o peito sem muita vontade, virando o rosto com ar de profunda tristeza.

                - Arya? – perguntou ele – o que foi? Eu fiz algo errado?

                - Não, Eragon... Eu fiz. – havia lágrimas nos olhos da mulher... Arya chorando? Isso parecia tão estranho! – eu me apaixonei por você! – ela começou a chorar, e alguns soluços escapavam a seus lábios, por mais que tentasse contê-los – eu sabia que não poderia ser, que estava errado... Você era só um menino, e eu, uma mulher muito mais velha... Mas então você se tornou parte elfo, e amadureceu tão rápido, que pensei haver um futuro para nós. Ah, como doeu vê-lo partir! Eu preferia ter a alma arrancada a sofrer aquilo de novo! Pensei que o tinha esquecido, que havia superado, e agora você volta... E entendo agora que nunca o esqueci. Terei de vê-lo partir outra vez, e ficarei sozinha de novo... Sem você. E agora sem as crianças, também... Sozinha, como sempre. – ela o encarou com aqueles olhos tão tristes, e Eragon percebeu que ali ela expunha todas as dores e fraquezas guardadas desde que fora banida de Du Weldenvarden pela mãe, aos trinta anos. Era terrivelmente triste, mas também era uma honra: ela confiava em Eragon o suficiente para deixar suas dores expostas a ele, e o cavaleiro não seria indigno disso. Apenas a abraçou e ouviu seu pranto - Porque todos que amo me são tirados? Por que tenho de estar sempre sozinha?

                Ele a deixou soluçar até que o choro se acalmasse, para então tomar seu rosto nas mãos e limpar as lágrimas salgadas com os polegares molhados. Beijou o rosto pálido de tanto chorar, e falou com seriedade e verdade:

                - Você não vai mais ficar sozinha, Arya.

                - Você vai partir. Nossos filhos vão partir...

                - Eu não vou te abandonar outra vez. Cometi essa estupidez quando era jovem, tolo, e acreditava que as coisas só se resolviam por um caminho. Eu estava errado, mas não vou errar uma segunda vez. Eu sou seu, e você é minha. Somos os únicos de nossa raça, lembra-se? – brincou ele, o que a fez sorrir – e mesmo se não fosse o caso... Eu te amo Arya. Amo tanto, que meu amor por você faz parte de meu verdadeiro nome. Ele me define, e você sabe disso. E eu juro que nunca mais vou abandoná-la.

— Como pode prometer isso? - perguntou ela, se recompondo - Ainda temos ambos nossos deveres.

— Daremos um jeito. Se pudemos vencer Galbatorix juntos, então juntos vamos encontrar uma solução, para nós dois. – ele a abraçou com força, deixando que sua mente tocasse a dela, que seus pensamentos se misturassem e fundissem até não saberem mais quais eram as emoções e sensações de cada um. Fizeram amor naquele pequeno lago, e nunca uma união fora tão completa: sequer sabiam diferenciar as sensações de um e de outro, pois estavam completamente unidos em suas mentes... Unidos em suas almas. Naquele instante, não havia nada além deles dois.


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Notas finais do capítulo

E então? Gostaram do capítulo? Espero que sim, porque agora teremos mais ação!
Beijos enormes, e um especial à Gato Cinza (leiam a fic dela, Um Outro Lado da Meia Noite. Muito boa!).
Deixem suas reviews!
kisses



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