O testemunho de uma judia escrita por gilbitchs


Capítulo 1
A vida e a morte


Notas iniciais do capítulo

É para o desafio e tal, o país escolhido foi a Alemanha



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A vida é algo deplorável, maravilhosa, algumas vezes, mas bem poucas vezes. As coisas "perfeitas" são esquecidas. Se desfazem no vento, exceto Adam. Ah, sim. Adam foi a coisa mais perfeita que aconteceu na minha vida, e nunca foi esquecido.

Nem mesmo agora.

Eu era uma judia, na época do nazismo, que vivia escondida na casa dos meus amigos próximos, que eram alemães. Estilo A Menina que Roubava Livros ou O Diário de Anne Frank, sim. Mas eu realmente consegui viver escondida, e nem era ruim. Eu caminhava livremente pela casa e ninguém se importava, contanto que eu me escondesse quando viessem visitas e ficasse longe das janelas e portas.

Entretanto, eu era ambiciosa. Queria mais que proteção e comida, eu queria um amor.

Todos esperam ser amados, ou achar alguém. Todos querem viver o máximo, todos negam que temem a morte, mas imploram pela vida quando a hora certa chega. Eu já passei por isso, mas não foi pela minha vida que eu implorei.

Agora, espero que conheçam minha história:

Numa das noites chuvosas de 1920 eu vesti um dos vestidos da dona da casa. Era leve, não tão enfeitado. Tinha alças finas. Acima da cintura ele era branco e contornado com detalhes, que lembravam renda, da cor creme. A parte de baixo era como uma saia, feita de véu branco. Era espetacular. E bem no final dele, vinham detalhes de creme no véu branco. Peguei um guarda-chuva, o preferido da dona. Eu estava usando aquele guarda-chuva. Maldito guarda-chuva. Eu pagaria um igual aquele apenas se vendesse meus rins e o meu intestino grosso. Peguei-o e saí.

– O que uma bela jovem como você está fazendo caminhando sozinha numa noite tão fria? - Ele pegou minha mão e beijou-a. Aquela barba e aquele sorriso branco, junto com aqueles olhos castanhos apaixonantes, não negavam quem era. Ele sabia quem eu era e ele era um soldado alemão. Amor proibido, tão tentador.

– Procurando por você, é claro. - Respondi, dando um longo beijo em seus lábios quentes.

Caminhamos para um dos celeiros abandonados. Era lá que ficávamos quando não queríamos ser encontrados, até porque eu podia emitir qualquer som que o Adam me obrigasse a fazer naqueles nossos momentos que ninguém escutaria. Certo?

Ele me empurrou contra a parede de madeira verde e eu podia sentir que estava desejando a mesma coisa que ele. Sabia que ele me amava e que nada, nem ninguém, acabaria com aquilo. Ou pelo menos eu achava.

Ele passava uma de suas mãos fortes em minha coxa, enquanto sua barba roçava entre meus seios e seus lábios umidificavam a região. Ele levantou a cabeça e me beijava, beijava meu ombro, meu pescoço, até que chegou em meus lábios.

Nos beijávamos e eu não queria que aquilo acabasse, nunca. Tem algo melhor do que ser uma judia, na época do nazismo, que recebe amor de um soldado e é tratada como uma deusa? Para mim, não. Era como cuspir na cara de Hitler.

Eu já havia tirado sua camiseta e ele já havia me deixado totalmente nua. Eu beijava sua barriga e ia de encontro pra sua genitália quando aquilo aconteceu.

Seis soldados entraram no celeiro e nos viram. Ou escutaram. Eu não sei como, afinal eu não havia feito tanto barulho.

Adam ficou ao meu lado e eu tentei esconder minhas intimidades com a mão, enquanto ele não fez o menor esforço para esconder a sua. Os soldados nos empurraram para fora, e nos tacaram no chão. Éramos iluminados pela luz fraca da lua. Pela primeira vez vi medo no rosto de Adam. O que a minha "dona" iria pensar sobre isso?

– Uma judia, hein, Adam? - um dos soldados, com os olhos azuis e cicatrizes pelo braço inteiro disse maliciosamente. - Acho que você não estava a estuprando, senão poderíamos até relevar.

– Até que ela é bem sadia. - E eles riam. Riam de mim. Ou da situação. Ou dos dois. Eu estava envergonhada e me sentia uma vadia. Uma grande, grande vadia.

Um dos soldados, o mais bruto e corpulento, tirou o meu braço de cima dos meus seios e mordeu o meu mamilo direito. Taquei minha cabeça para trás e urrei de dor, mas ninguém iria me socorrer. Algumas pessoas olhavam através da janela, inclusive minha dona. E ninguém faria nada para ajudar. Adam já tinha se sentado e apenas observava, com os olhos vidrados e assustados.

E foi uma longa noite. Eu fui estuprada pelos seis soldados e eles se divertiam. Riam da minha dor. Mordiam meus seios e enfiavam suas línguas em minha garganta, sem o menor pudor. E eu estava totalmente fragilizada.

Após cada um ter se contentado, pois tiveram um ou dois que me estupraram duas vezes, cada um pegou um cigarro e acendeu.

Todos já estavam vestidos, exceto eu e Adam.

– Pois é, pois é, Adam - o soldado do cabelo preto que tinha uma cicatriz enorme, que vinha do canto do olho direito até a boca, dizia, sorrindo. - Não foi uma escolha tão ruim. Ela tem peitos enormes, e é totalmente prazerosa. Mas ela parece ser quase uma criança. Os pais delas já sabem disso, ou já foram enviados para o holocausto? - Meu rosto queimou por ouvir a menção dos meus pais. Principalmente por ter vindo seguido de risadas. E eu já tinha 19 anos. - Uma pena que você não tenha escolhido se juntar à nós. Joseph.

O último soldado a me estuprar passava a mão pelos meus cabelos castanhos e eu sentia repulsa por ser tocada por ele. Adam não reagiu de imediato. Porém, quando o soldado-brutamontes apareceu com uma arma enorme na mão, Adam disse:

– Eu não a amo. Não tivemos nenhum tipo de relação. Eu apenas a conquistei para poder ter momentos de prazer - eu o olhei, incrédula. Idiota. É isso que eu era e ele também. Um amor perfeito e verdadeiro? Em pleno nazismo? Minha visão ficou turva, como se todos estivessem girando. - Não... Não me matem.

– Maravilhoso que você tenha admitido isso, amigo. Infelizmente, eu nunca gostei de você. Mas olhe pelo lado bom, agora você pode ir para o inferno com a consciência limpa.

E o soldado Joseph atirou bem na cabeça. A cabeça de Adam explodiu, fui recebida com pedaços de seu cérebro e fui encharcada de sangue. Nada mais dava para ver em seu rosto, estava totalmente deformado e sua cabeça aberta. Me senti enjoada, prestes a vomitar, felizmente, não havia nada em minha barriga. E eu chorei. Chorei por ter amado-o. Chorei por não ter conseguido o que queria. Chorei por decepcionar as pessoas que cuidaram de mim. E eu fiquei lá, chorando em cima de seu peito, enquanto os soldados fumavam, conversavam e riam.

No dia seguinte fui enviada para um dos holocaustos. E lá morri. Eu estava fraca, e desamparada. Não conseguia realizar os trabalhos, e eu tinha um ódio por todas as mulheres que choravam por terem se separado dos maridos. Pelo menos vocês se casaram eu pensava, com nojo. Pelo menos, vocês sabem que alguém realmente amou vocês, velhas ingratas. E os filhos que vocês carregaram na barriga não foram frutos de um estupro. Sim, eu estava grávida, uma senhora estranha me examinou quando eu expliquei para ela o que estava sentindo nos últimos dias.

Fiquei viva por um mês, o pior mês da minha vida e eu acariciava minha barriga todos os dias. A felicidade chegou quando fui enviada para a câmara de gás. Uma mulher que está enjoada todas as manhãs, está fadigada, cansada e constantemente enjoada não é o bem do tipo que os alemães deixavam viver nos holocaustos.

A câmara de gás estava lotada, alguns velhos choravam. Algumas crianças se perguntavam o que estava acontecendo e outras choravam, clamando pela mãe. Algumas mulheres soluçavam. E lá estava eu, sorrindo. Fechei os olhos e ouvi algumas pessoas rezando. Vocês rezam para ir para o céu ou para que alguma entidade venham proteger vocês para não serem atingidos pelo veneno? Espero que rezem pela primeira opção, é menos idiota. E foram meus últimos pensamentos, antes da chuva tóxica cair em nós.

E é assim que a minha vida acaba. Não sei se gritei e não me lembro se senti dor. Também não lembro quando virei um espírito. E também não lembro se vi meu corpo se deteriorando naquela câmara. De qualquer maneira, eu morri.

Morri guardando mágoa, guardando rancor e apaixonada. Ainda amo Adam, porque ele foi o mais próximo de um amor que eu tive. Ele é a minha melhor lembrança. E agradeço à Hitler por nos dar a opção de morrer na câmara de gás. Eu sentiria mais dor se tivesse que parir o feto que se encontrava na minha barriga e sentiria mais dor ainda se o visse todos os dias e lembrasse que aquele bebê não era de Adam. Não era de alguém que eu sentia sequer uma atração física. Era de um bruto, que eu não saberia nem dizer de qual dos seis era.

Gostaria de dizer que os soldados que me estupraram tiveram uma morte lenta e dolorosa, entretanto não foi assim. Eles serviram na guerra, apenas um morreu, e foi por uma granada. Tem morte mais rápida que essa? Os outros cinco viveram suas imundas vidas e morreram de velhice, com dois ou três filhos que eram de alemãs ricas e nobres e que eles amavam.

Agora que eles estão mortos, eu posso seguir meu caminho. Espero encontrar o tão comentado paraíso, ou pelo menos, encontrar Adam no purgatório e dizer para ele tudo o que eu queria.

Afinal, agora eu e ele somos apenas espíritos que entram nos quartos das pessoas durante a noite e as observamos morrerem aos poucos. Somos apenas fantasmas que não podem fazer nada e aparecemos para as pessoas quando elas tem paralisia do sono ou algo do tipo. Invejamos a vida de todos que viveram mais que os meus 19 anos, ou os 30 anos dele. Invejamos aqueles que conseguem amar e serem amados. Invejamos até os espíritos que já passaram pelo purgatório (que, aliás, é muito demorado, e entendiante, afinal é como uma sala, onde todos ficam quietos e esperam a sua vez).

Felizmente, não encontrei nenhum dos soldados por lá. Infelizmente, também não encontrei Adam. Espero que os soldados tenham ido para o inferno, e que pessoas piores que eles estuprem-os também.

Entretanto, a morte traz as coisas boas que a vida não pode oferecer. Nos traz saúde ilimitada, nos traz esperança de ver as coisas que foram invisíveis para nós enquanto vivos.

E a morte traz também paz. Paz que nenhum ser-vivo vai conseguir encontrar enquanto não der adeus à vida.


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