Gwen Stacy

Uma camiseta de mangas bem soltinha na cor vinho, que deixava o ombro a mostra e carregava um pequeno zíper na frente, uma meia calça cinza e uma saia giz preta por cima que chegava até metade da cocha, e claro, minhas botas de cano curto.

Eu estava bem, certo? Me perguntei insegura me olhando no espelho. Por que eu tinha a impressão que não tinha experiências com encontros?

— Oi! — do lado de fora do prédio, encontrei Eddie me esperando.

— Eu não me atrasei né? Fiquei preso tempo demais no trabalho!

— Nada, eu não notei!

Ele sorriu, e eu o observei melhor. Eddie vestia camisa azul marinho com uma jaqueta de couro por cima e jeans. A máquina fotográfica em volta do pescoço como todas as vezes que eu o vi.

— Você 'tá muito bem.

— Não tão bem como você. — ele sorriu charmoso, e eu senti minhas bochechas queimarem. 

Pegamos um táxi e começamos a jogar conversa fora. Eddie era uma pessoa agradável de ouvir, ele tinha um jeito com as palavras, e era muito charmoso... mesmo quando passava 60% do nosso tempo falando sobre si mesmo, acho que nessas horas eu me permitia minha mente voar um pouco.

Quando finalmente chegamos, um sorriso grande se fez em meu rosto com a beleza do lugar. Uma banda estava testando os instrumentos no palco, grandes balões enfeitavam o céu, as crianças faziam filas para algodão doce e os adolescentes se aventuravam em rodas dançando. Parecia até mesmo um parque de diversões. Andei com Eddie enquanto ele aproveitava para fotografar o local quando de repente ele exclamou:

— Eu não acredito!

— O que?

— É o Parker.

— Parker? — procurei, um tanto alvoroçada. Não, não podia ser.

— É, somos concorrentes lá no Clarim. — Eddie explicou, voltando a observar um rapaz que de longe parecia mesmo ser Peter. Oh céus. — Quem é a gata que 'tá com ele?

Apertei os olhos, sentindo algo pinicar em minha pele como uma irritação. Uma garota ruiva abraçada ao braço de Peter e apontando para alguma coisa no palco. Me virei, incomodada.

— Ah, eu vou descobrir, vamos lá. — acordei com Eddie segurando minha mão e quase me arrastando.

— O que? Não! — o parei, arregalando os olhos.

— O que foi?

— É que... Ed, eu nem sei como te dizer isso, mas...

— ...mas o que?

— Peter e eu... já nos conhecemos.

Ele continuou a me encarar, como uma criança resolvendo um quebra cabeça.

— Namoramos por um tempo.

E como uma criança que terminava de resolvê-lo, ele esboçou um grande sorriso.

— Melhor ainda! — e antes que eu pudesse pará-lo, ele já me puxou, gritando: — PARKER! Fala aí Parker!

Senti meu rosto queimar e abaixei a cabeça, mordendo a língua inquieta.

— Brock? Gwen? — ouvi Peter perguntar, confuso.

— Conhece a Gwendy?

— Gwendy? — murmurei para Eddie, que apenas piscou para mim.

— Gwendy? — Peter repetiu, parecendo chocado. — É claro que eu conheço a Gwen. — Peter frisou bem o meu nome.

Eddie, no entanto, parecia mesmo se divertir com aquilo.

— É né? Como o mundo dá voltas. Gwen e eu estamos saindo.

Meu Deus! Um buraco agora! Pra eu me enfiar e nunca mais sair.

Percebi os olhos de Peter cravarem em mim como uma faca, buscando por algo em meu rosto que eu não sabia o que era. Tentei sorrir, mas tenho certeza que saiu como uma careta.

— Ah, estão namorando? — Peter indagou, ainda olhando pra mim. Foi impressão minha ou tinha algo em sua voz...?

— Sabe como é quando-

— Não. — Me apressei em responder. — Somos apenas amigos!

— Por enquanto... — Eddie murmurou, alto o suficiente para todos ouvirem. Vi uma ruga de irritação se formar entre as sobrancelhas de Peter e me preocupei. Os dois se encaravam agora.

Meus olhos se encontraram com a garota ruiva, que arqueou as sobrancelhas com um sorriso. Ela também parecia estar se divertindo.

— Esse aí também é nerd?

— O que? — perguntei confusa, mas a garota só deu de ombros.

— Nada, só lembrando de uma coisa que você disse. — ela continuou, me deixando ainda mais confusa. Uma coisa que eu disse? Eu a conhecia? — Então pessoal! Vamos quebrar esse clima pesado e falar de algo mais importante! Que seria: eu.

— MJ-

— É festa, Peter!

— Desculpa, mas- — interrompi os dois, sem tirar os olhos da tal MJ. — A gente se conhece?

Ela piscou.

— Claro que sim! Não lembra que você tinha ido na casa do Peter, aí eu te disse que ele não 'tava e você falou pra mim que estava indo pro aeroporto? Me deu até uns conselhos amorosos! Se esqueceu foi, gatinha?

— É... — murmurei, me esforçando para lembrar mas... nada.

— MJ, a Gwen sofreu um acidente aquele dia. Ela perdeu a memória.

— O que?! Guria, isso é sério?

A ignorei, fitando Peter. — Achei que tivesse ido pegar livros com você aquele dia, Peter.

— Sim, sim, você pegou, você pegou... depois. — ele desconversou, repetindo. Oh-oh.

Aquela conversa estava estranha.

Muito estranha.

Percebi que o clima ficou estranho também.

— Mas então Parker, não vai apresentar sua namorada?

A ruiva começou a rir e Peter ficou sem graça. Um sentimento estranho encheu meu estômago, tirando-me de minhas desconfianças.

— Ela não é minha namorada Brock, é minha vizinha. 

— Mary Jane Watson. — Mary Jane sorriu apertando a mão de Eddie. — É um prazer que me conheça.

— Com certeza, ruivinha.

— Então Pete, vamos comprar um algodão doce?

— Claro, vamos sim. — Peter disse, me olhando uma última vez. —  Foi muito bom te ver, Gwen.

Sorri, vendo ele e Mary Jane se afastando.

Sozinha com Eddie, deixei o sorriso finalmente sumir, o encarando séria.

— O que raios foi isso?

— Nada, só um encontro casual entre amigos.

— Normal?! — perguntei indignada. — Eddie, fez isso de propósito! Pra me envergonhar!

— O que?! Qualé, não me olha assim...

— O que esperava ganhar com isso? Me diz!

— Gwen, você sabe que eu sou uma boa pessoa-

— Eu sei?!

— -e eu não tenho culpa se o Parker tem inveja de mim-

— Te disse que ele era meu ex, e mesmo assim, foi me exibir pra ele como se eu fosse um troféu! — exclamei chateada, qualquer beleza que eu via antes nele se desmanchando. — O lance da rivalidade era sério mesmo?

— N-não... Gwen...

— Achei que estava te conhecendo melhor... pelo visto estava errada. Eu não te conheço.

— Gwen, não faz assim. Gwen! Espera! — Ele gritou a ultima parte, enquanto eu me andava rápido entre as pessoas. — Gwen!

Meu humor estava destruído. Bem que eu tinha o pressentimento que aquilo não ia dar certo! Quem ele pensava que era? Argh!

Trombei com algumas pessoas, e pedi desculpas, tomando sempre cuidado pra não machucar nenhuma criança. Eu estava irritada, nem mesmo Waiting for Superman tocando de fundo poderia me acalmar.

"Sim, ele ainda vem, só está um pouco atrasado,"

Me apressei para atravessar a rua, desesperada para ir embora. Não queria correr o risco de ver Eddie de novo, então nem mesmo olhei pra trás. Nem mesmo olhei para a rua.

E acho que foi o meu erro.

"Ela apenas observa as nuvens rolarem e elas soletram seu nome,

como Lois Lane,"

O carro passou em alta velocidade a centímetros de meu corpo, as pessoas ao meu redor gritando indignações para o motorista bêbado e eu estava a salva porque-

"Fazendo um pedido para o carro que passa,"

— Wow! — Peter exclamou, minhas costas batendo contra seu peito quando ele segurou meu braço e me puxou para atrás. — Vai com calma!

Me virei, uma expressão maravilhada em meu rosto quando o vi. Peter sorriu, seus grandes olhos chocolate brilhando em algo suave e sem nome. Ou talvez tinha, mas eu não me atreveria a nomear.

"Esperando pelo Super Homem para segurá-la

Em seus braços, sim, em seus braços"

— Fica fria, ele te perdeu de vista. — ele murmurou, sua respiração próxima e cuidadosa. — O que aconteceu? Ele te machucou?

E desse jeito, a bolha pareceu estourar. A música nem mesmo voltou aos meus ouvidos enquanto a irritação voltava. O que ele estava fazendo?

— Você 'tava... — olhei ao redor, arfante. — Você me seguiu?!

Peter pareceu se assustar com meu tom. Bom. Assustado é bom. Eu não era nenhum troféu nessa rivalidade entre ele e Eddie.

— O-o que?! Não! E-eu só... eu só vi você correr.

— Aham. E Mary Jane? Não devia estar com ela?

— Não devia estar com Brock?

— Eu não! — cruzei os braços, e ele fez o mesmo.

— O que aquele idiota fez?

— Nada.

— Gwen.

— Nada, — repeti. — Nos desentendemos, só isso. Ele não... ele não era exatamente quem eu achei que fosse.

— Hum.

— Hum.

— Ele não te machucou mesmo não, né.

O encarei, franzindo o cenho. — Você é pior que a minha mãe.

Ele ergueu ombros, abrindo os braços e sorrindo de leve, mais relaxado. — Eu sei.

Contra a minha vontade, sorri também.

— Agora é sério, não devia estar com a Mary Jane? — perguntei, mais calma. Peter deu de ombros de novo. — Não é legal deixar uma garota bonita sozinha.

— Eu sei. — novamente, ele repetiu enquanto me encarava. Senti um frio na barriga com tanta intensidade. Céus, será que ele sentia o mesmo? Por favor, sinta o mesmo-

Que isso, Gwen! Se controle.

— Ela gosta de você.

— O que? MJ? Naaah, não de mim. 

— Gosta sim, talvez ela não saiba ainda mas... mulheres veem essas coisas.

— Acho que você está vendo demais, porque MJ é só minha vizinha, só minha amiga.

— Hum. — murmurei, fitando o chão e mexendo os pés sem jeito. 

Houve um momento e-

— Aaaaah, estou vendo. — a voz de Peter me fez levantar a cabeça. Ele estava sorrindo. — 'Tá com ciúmes.

— O que?!

— O famoso ciúme quando vê o ex depois de um tempo, 'tô sacando tudo srta. Stacy!

— O famoso ciúme- — repeti, rindo de tão ridículo que soava. Inacreditavelmente verdade, mas eu não ia dizer isso pra ele. — De onde você tirou isso?! Claro que não!

— Eu nunca esperaria isso de você, se bem que isso prova o quão somos humanos e-

— Peter.

— -temos desejos egoístas e-

— Peter!

— Está com ciúmes de mim. — ele riu, concluindo. — Nem adiante negar, olha o seu rosto! Está ficando vermelha, que coisinha fofa! — a voz dele se enrolou como quem fala com um bebê e ele deu um toque no meu nariz.

Eu ri, o afastando.

— Tá bom, já chega. — eu sorri, me lembrando que- Oh. — Se é assim, então você ficou com ciúmes do Eddie também!

— O que? Eu com ciúmes dele? Por favor Gwen, você tem um gosto refinado não tem? Quer dizer, olhe pra mim. — ele abriu os braços e eu ri ainda mais. — Agora olha pro panaca! Eu não preciso ter ciúmes.

Qual era o segredo dele? O pensamento cruzou minha cabeça enquanto ele fazia suas graças. Por que eu me sentia mais a vontade em sua presença? Como ele conseguia me fazer rir em tão pouco tempo? Meu sangue estava fervendo em irritação e agora apenas...

Qual, como, onde, por quê... Por que eu terminei com você? Quem em sã consciência terminaria com você? Isso não fazia sentido.

Claro, Oxford. Uma grande oportunidade.

Ainda assim... 

Balancei a cabeça, voltando a rir. Por mais que quisesse me lembrar, eu não viva pelo passado, e sim pelo agora. E agora eu estava com Peter.

Peter Parker

Era bom vê-la daquele jeito.

Sorrindo pra mim.

— Não, você tem sim! — Ela continuava a insistir, me fazendo rir. — Eu vi a sua cara, 'tava escrito na sua testa!

— Minha cara?! — Me fingi de desentendido. Havia mesmo me incomodado ao ver alguém como Gwen com alguém como Brock. Eca. — Nããããoooooo! Você tá inventando coisas! Vendo demais, Stacy.

— Não 'tô não, você fez assim... — Gwen engoliu o riso, se preparando. Abaixou a cabeça e ergueu os olhos pra cima, e numa ridícula tentativa de imitar minha voz: — "Estão namorando?"

Segurei seu rosto em minhas mãos, falhando em prender meu próprio sorriso.

— Essa foi a coisa mais fofa que eu já vi.

— Aaaah, para!

— Que lindinha!— disse apertando suas bochechas. Gwen riu, me empurrando. Eu a acompanhei.

Há quanto tempo eu não ria tanto? A voz dela... o que eu não daria para ouvir sua voz todos os dias?

Gwen estava linda. A perda de memórias não mudou em nada sua essência. Ela continuava a mesma teimosa de sempre Gwen, olhar antes de atravessar a rua, pelo amor de Deus! Eu havia pensado, correndo para alcançar seu braço. Agradeci a Deus por ter conseguido.

E por alguns minutos, conversando completas bobagens, agindo feito duas crianças, esqueci de todos os meus problemas.

Era só ela e eu ali. Como devia ser.

— Tá, mudando de assunto! Como é que você está?

— Eu estou bem, e você? — E então, eu acordei. — Já se... já se lembrou de algo?

E havia esquecido da maldita promessa!

Como eu posso ficar longe dela? Ficar perto dela é justamente o que me dá forças.

— Algumas coisas... — Gwen murmurou, fitando o céu quase pensativa. — Sabe, não muito importantes.

Aaaah não. Eu a conhecia o suficiente pra saber quando ela estava falando a verdade. E ela não estava falando.

— Mentira. — Constatei. Ela levantou o olhar surpresa, passando a mão pelos cabelos. — O que foi, hein?

— Não foi nada, eu-

— Gwen. — A interrompi. — Confia em mim.

Por um momento assustador, eu jurei que tinha visto seus olhos lacrimejarem. Oh céus! Isso era sério. Gwen, do que você lembrou?!

Ela deu um passo a frente, sussurrando como um segredo:

— Não conta pra ninguém, 'tá? Mas eu acho que-

Que a nossa conversa vai ficar para outra hora. Meu sentido aranha vibrou e eu olhei pra trás. A ameaça próxima. Um estranho ecoar no topo dos prédios, sim, eu podia ouvir.

— Peter?

O som aumentou e logo algumas pessoas começaram a notar também. Gwen juntou-se a mim, olhando para cima. Zummmm. Como uma abelha, não-

Como uma máquina.

Vi o vislumbre de cabelos ruivos se aproximando de nós, e a voz irritante de Eddie falar algo para Gwen, que o dispensou com um seco "Aham."

Poderia ter sorrido se não estivesse tão concentrado. O som se aproximava cada vez mais.

Mas o que raios-

— O que que é isso, Peter? — Mary Jane perguntou no momento que um homem surgia no céu.

O cara era careca e vestia um macacão verde grudado no corpo, grandes próteses de metal que eu podia jurar que pareciam asas. De fato, ele estava mesmo voando. As pessoas até o olhavam maravilhadas e algumas aplaudiam. Porém meu sentido aranha não se enganava.

De fininho, me afastei.

O Homem Aranha nunca tinha dias de folga.