Silver Hair escrita por Kallina


Capítulo 3
Para casa


Notas iniciais do capítulo

Heey o/

Houve um pequeno atraso pois sábado até agora anda sendo muito cheio hahaha XD de qualquer maneira, espero que gostem do capítulo!

Boa leitura!



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—Aryn! —Pude ouvir a voz de Karst me chamando. — Aryn! Eu sei que ainda é cedo, mas temos que ir.

Sentei-me na cama, coçando os olhos, sonolenta. Meu corpo estava dolorido graças ao pouco conforto que aquela cama ofere-cia, mas Karst havia sido gentil de me deixar usar ela. Mesmo assim não tinha dormido muito bem devido a minha preocupação de desconfiança com eles. Havia tentado me manter acordada, mas depois de alguns minutos foi completamente impossível.

Depois de escapar da armadilha das últimas criaturas, voltamos para a cabana dos dois, onde limpei da minha pele — o máximo que pude — o lodo. Já tinha desistido das minhas roupas que nunca mais seriam claras. E odiava a maneira como eu inteira cheirava mal.

Karst limpou o corte na minha testa, todavia, a enxaqueca quase insuportável não daria trégua tão cedo. O ferimento em seu ombro não havia sido profundo, de forma que o rapaz nem precisou enfaixá-lo.

Vi que Karst abastecia uma mochila de pano velha, com suprimentos. Desde cobertores a comida e um cantil de água, que amarrou no cinto. Olhei em volta esperando ver Daz em algum lugar do quarto, me encarando ameaçadoramente, mas ele não estava ali.

—Ele esta lá fora. —Disse Karst, como se lesse minha mente. —Estará tudo pronto em um minuto, então espere lá com ele.

Concordei com a cabeça, e me levantei espreguiçando. Lá fora ainda estava escuro, não só por ser cedo, mas também porque aquela floresta era sombria, e a luz do sol parecia não transpassar as árvores retorcidas que moldavam aquele lugar.

Logo pude ver Daz, sentado em um galho mais alto, com um olhar determinado e perdido, remexendo entre os dedos sua velha adaga. Eu realmente devia esperar ali? Seria melhor se eu entrasse e aguardasse sentada tudo ficar pronto.

—Você a perdeu. —A voz de Daz me fez parar.

—Bem... —Tentava pensar em algo, me perguntando se era possível dialogar com aquela pessoa. —Está tudo bem desde que você a conseguiu de volta, certo? 

Não sabia se o que mais me assustava era se ele dizia algo, ou o seu silêncio. Provavelmente os dois.

—Está agitado por aqui. —Voltou a falar, sem afastar os olhos da floresta abaixo de nós.

—Agitado? —Arqueei uma sobrancelha. Tudo parecia horripilantemente quieto como sempre.

—Aquele seu grito, chegou a tudo por aqui. 

—M-mas, já faz um dia. Você acha mesmo que-

—Idiota. —Ele me cortou. —As coisas que andam e rastejam por aqui... Não são fáceis de acalmar depois que são alvoroçadas.

—Ora, que raridade, o Daz falando assim já tão cedo. — A voz alegre de sempre de Karst quase fez com que eu pulasse. Carregava duas mochilas presas no quadril, sendo que jogou uma para o outro garoto. Tinha uma faca muito velha presa a bainha, e duvidava que estivesse muito afiada.

—Vamos?

Descemos as escadas chegando ao solo. Olhei ao redor. A floresta estava silenciosa. Logo começamos a caminhar em um ritmo confortável e constante. Antes que a cabana atrás de nós sumisse do campo de visão, notei Karst a olhando de soslaio. Um olhar triste e ao mesmo tempo esperançoso.  

Seguimos sem parar pelas seguintes seis horas. Meus pés pareciam que iriam cair, quando finalmente paramos para comer. Frutas, esse seria nosso almoço. Algumas que eu nunca tinha vis-to, e devia ser nativa da Floresta, com uma cor escura e pequenas sementes amareladas, traziam uma polpa macia. Parecia meio duvidoso, mas deviam ser seguras, já que os dois também comiam. Seria impossível descrever o gosto exato, mas o mais próximo que chegaria, é dizer que lembrava um misto de ca-rambola com limão aguado.

Logo terminamos, e quase me neguei a continuar andando sabe-se lá por quanto tempo. Mas me levantei e segui sem contrariar. Uma vez ou outra eu podia ouvir um som distante na floresta. Algum estalo de gravetos secos, ou até mesmo do vento que mexia as folhas caídas. Olhava assustada, esperando que algum monstro ou criatura aparecesse de trás de alguma arvore. Mas Daz e Karst sempre pareciam tranquilos durante toda a caminhada, e nem um pouco alarmados, como se já soubessem que aquilo não demonstrava qualquer perigo.

Paramos para descansar e tomar alguma água, cerca de três vezes antes de o sol começar a se pôr. Nunca tinha me sentido tão cansada em toda a minha vida, e me esforçava para manter os olhos abertos. Karst fez uma pequena fogueira, e logo terminamos a nossa segunda refeição do dia. Daz se voluntariou para ficar de vigia, e não parecia muito cansado mesmo depois de toda aquela caminhada. Depois de tomar alguma água, desabei de sono, sem tempo para manter qualquer guarda, só protegendo minhas costas na árvore mais próxima. A última coisa que vi antes de adormecer profundamente foi Karst que jogava um cobertor sobre mim.

—Aryn! —O ruivo me cutucou quando eu me negava a levantar. —Falta pouco para chegarmos às fronteiras da Floresta, aguente um pouco mais!

Levantei-me com certa dificuldade quando senti o corpo dolorido. Depois de perceber que tinha dormido no chão, entre as raízes de uma árvore, não era de se admirar. Improvisei um alongamento que não resolveu muito, e vi Daz já em pé pronto para continuar a caminhada. Talvez ele realmente fosse uma pedra. Não falava muito, não tinha muitas expressões diferentes, nunca estava cansado...

Soltei um suspiro.

Karst recolheu os cobertores, e apagou os resquícios do que um dia tinha sido uma fogueira, assim deixamos nosso último acampamento. Depois de andarmos pelo o que eu acho que foi mais ou menos uma hora, um cheiro pútrido arrastou-se pelo am-biente. Pior do que a lagoa de lodo, que os reptilianos, ou o pró-prio ar da Floresta. Meus olhos lacrimejaram e meu estômago revirou, enquanto um arrepio de ânsia me percorria o corpo. Não era difícil de identificar do que se tratava.

Logo veio a confirmação. Tampamos os narizes e bocas quando nos aproximamos. Jogado sobre o chão de folhas estava um corpo disforme. Talvez um dia aquilo tivesse sido uma pessoa, entretanto, desconfigurada daquela forma era difícil de dizer. O rosto não passava mais de um bolo de carne e sangue, e o tronco estava aberto, espalhando as vísceras ao redor. Uma perna decepada fedia ao lado, e um braço apesar de ainda conectado, tinha sido feito em vários pedaços. Afastei os olhos com urgência, mesmo que a imagem permanecesse na minha mente. E sem con-seguir mais suportar, puxei o cabelo para trás enquanto sentia meu estomago se contorcer e devolver as últimas frutas.

Quando o vômito finalmente parou, minha garganta queimava, e meus olhos estavam marejados. Não queria ter que olhar para ninguém depois de ter ficado naquelas condições. Entretanto, quando me virei, obviamente deparei-me com Daz e Karst, de expressão franzida, examinando o corpo no qual não ousei aproximar o olhar novamente.

—Isso pode ser útil... —Disse o ruivo, recolhendo um arco caído perto do corpo, junto de uma aljava com precárias e escassas flechas. Com certeza seu último dono não teve muita sorte com ele. — Mas é estranho. Ele não parece ter sido morto há muito tempo, mas já estar com esse cheiro...

—O que significa que provavelmente isso foi feito por aqueles malditos esfomeados. —Afirmou Daz. 

—Q-quem...? —Perguntei mesmo não tendo certeza se queria saber a resposta.

—Também pensei nisso. —Replicou Karst, ambos me ignorando. —Se for esse mesmo o caso, temos que sair daqui o mais rápido possível.

—Podem, por favor, parar de falar por enigmas...! — Supliquei. —O que é que-

Antes que eu pudesse terminar a frase, um assobio cortou o ar e silêncio da Floresta.

—Tarde demais. —Praguejou Karst. —O que devemos fazer? Correr? Ou talvez subir nas árvores?

—Eles não conseguem escalar também? —Daz indagou, e o outro deu de ombros.

—Não faço ideia. Mas podemos tentar... —Outro assobio, mais próximo. —Agora.

Cada um deles correu para duas árvores mais próximas, enquanto eu só conseguia revezar um olhar aterrorizado e confuso entre ambos. E talvez tivesse ficado lá, perdida ao tempo e ao desespero, se Karst não tivesse me chamado.

—Vamos. —Estendeu uma mão. —Vamos subir o máximo possível.

Com certo esforço, ele me puxou para o mesmo galho que estava. A madeira guinchou e se envergou ligeiramente diante do nosso peso, mas graças aos céus, não cedeu.

Eu nunca havia sido muito boa para escalar árvores— Para escalar qualquer coisa, na verdade—, porém, com os ruídos de quebrar de folhas e passos—vários passos—que se avizinhava, eu não tive muita escolha além de aprender a ser boa instantanea-mente. Karst nunca deixava de me ajudar, indo na frente e me puxando pelo braço. No topo, os galhos se fechavam naquela re-de de madeira que tornava a Floresta tão escura. Karst tentou partir alguns galhos com as mãos, e conseguiu quebrar um ou dois, e um pequeno raio de claridade infiltrou-se na escuridão.

Os olhos do ruivo se arregalaram, e ele estava literalmente boquiaberto. Como se aquele fino faixo de luz fosse tudo que ele precisasse naquele momento. Enquanto via sua expressão de completo fascínio, eu percebi. Talvez realmente fosse tudo o que procurava, vivendo na escuridão empoeirada daquele lugar.

Até então não havia reparado em como ele tinha bolsões escuros abaixo dos olhos, ou como suas feições eram magras. As próprias mãos eram ossudas e finas. As roupas que cobriam totalmente os braços e pernas eram o único recurso que impedia que a magreza que provavelmente tomava seus corpos, ficasse visível.

Novamente eu repeti mentalmente “Criminosos, criminosos.”

—Então... —Sussurrei para me livrar daqueles pensamentos incômodos, e Karst se virou para mim, quase assustado com a minha voz. —Por que estamos aqui? Não seria melhor correr?

—Bom, a fronteira de fato está próxima, mas... Seria melhor se eles não nos vissem. 

—E do que exatamente estamos nos escondendo? 

—Não acho que... Vai querer saber. Aquilo provavelmente são-

Antes que tivéssemos tempo de olhar para baixo, algo agiu antes.

Karst só não caiu, pois teve tempo de reação suficiente para se agarrar ao galho mais próximo quando seu pé foi puxado. Mas é claro que eu não possuía o mesmo reflexo rápido. E quase no mesmo momento em que senti algo envolvendo meu tornozelo, veio a dor da pancada nas costas quando cheguei ao chão, fazendo com que o ar abandonasse meus pulmões e uma crise de tosse dolorosa me afligisse. 

Novamente, o menor dos meus problemas.

Ao meu redor, estavam seres desformes. Parecia uma espécie de humanos extremamente magros e ossudos, de forma que as costelas eram totalmente aparentes, e a barriga cavava um sulco para o interior. Poderia contar as vértebras de suas colunas que se projetavam anomalamente, sendo corcunda. Dos dedos finos se esticavam afiadas e longas garras, o que deixava óbvio a maneira que conseguiram subir na árvore. A cabeça se assemelhava a um crânio recoberto de pele, onde dois orbes eram uma amálgama entre o violeta e vermelho sangue, não afastavam o olhar vidrado e hostil. Os dentes podres e serrilhados estavam manchados de uma última refeição que não me era convidativa, cheirando a ca-dáver. Ah, Karst estava certo. Eu não queria saber

Grunhiram, enquanto o ser a minha frente levantou as garras.

—Ei! —Ouvi Daz exclamando, do outro lado do cerco, chamando atenção de alguns monstros para si. Mas eram muitos. E muitos ainda continuaram extremamente interessados em mim.

Alguns deles escalavam a árvore que Karst estava. Eu não conseguia vê-lo daquele ângulo, com os galhos que se postavam na frente, mas sabia que naquele ritmo ele seria morto. E não só ele, se não conseguíssemos sair daquele cerco.

Talvez estivesse sendo os ganidos dos seres ao redor, ou o meu próprio coração me deixando surda, mas não havia conseguia ouvir o que Karst estava fazendo lá em cima. Só percebi quando um raio de luz do dia, parecendo tão brilhante quanto um farol irradiou-se entre a rede de galhos da árvore do rapaz. Ele esteve tentando abrir caminho para a claridade.

Um dos monstros tentando subir caiu, provavelmente depois de levar um chute do garoto. Logo em seguida pude vê-lo pular para um galho mais baixo e aterrissar no solo ao meu lado. A luz que a Floresta havia proibido de entrar deixara os monstros aturdidos, levando as mãos aos olhos que pareciam arder. Karst agarrou meu braço, arremessou sua velha faca na cabeça do monstro mais próximo de Daz, e quando vimos a chance, disparamos para fora do cerco atordoado.

Conforme corríamos, esperava ver a luz do dia aumentando, mas a única coisa que nos recebeu foi um paredão de árvores, densamente fechado,

—Não há saída aqui...! —Exclamei.

—Sempre há saída. —Karst respondeu, passando a nossa frente e se espremendo entre as árvores.

Passei um olhar indagador para Daz, mas sua expressão gritava em silêncio “Vá logo!”

Os dois trocaram de lugar, pois Daz conseguia partir algum galho que estivesse na frente com sua adaga. Karst cuidava da retaguarda, e eu ia ao meio. Seguíamos praticamente agachados, quando trombei com as costas de Daz.

—O que está fazendo?

—São os limites.

Olhei por cima do ombro do rapaz e vi o lado de fora. O céu azul, a grama que se tornava verde além das fronteiras. Quase podia sentir a brisa fresca.

—Rápido! —Exclamei.

—Idiota, não se lembra? Não podemos passar daqui!

Eu provavelmente havia realmente esquecido. A razão para eu estar lá com eles. Porque tinha que tirá-los de lá.

O som de passos veio da entrada do túnel de árvores.

—Eles estão aqui! —Karst avisou atrás de mim. Espremi-me para passar por Daz e estendi a mão para fora, caindo para frente e alcançando a exterioridade sem problemas. Estava livre. Fora da Floresta. Eu- 

—Ei! —Virei-me para Daz, que batia com o punho fechado, no nada, como se encontrasse uma parede invisível. Tinha que tirá-lo de lá. Como?

Ouvi uma exclamação de dor vinda de Karst, e virando o pescoço para o lado, lá estava ele, chutando uma daquelas criaturas que havia se esgueirado pelos galhos a nossa procura.

Precisava tirá-los de lá. Como?

Agarrei o pulso de Daz e tentei puxá-lo para fora. Ele instantaneamente trombava contra a barreira.

Novamente meus olhos foram para Karst, que puxou uma flecha de sua aljava e cravou-a na cabeça da criatura, que guinchou de dor antes de tornar-se inerte.

—Não temos mais tempo! —Gritou ele, puxando a flecha de volta, e chutando o corpo para longe. Atrás de Karst, pude ver outro dos monstros que se aproximava.

De jeito nenhum. Não importava o quanto desconfiada eu estivesse em relação aos dois, não podia abandoná-los para a morte...! Estiquei-me para dentro, e com a outra mão, agarrei o pulso de Karst.

“Eu não sei o como posso ajudar. Talvez esteja pedindo demais. Mas quero manter a vida dessas pessoas. Diga-me o que fazer...!”

Algo na minha mente estralou. Vários gostos arrastaram-se pela minha boca, e fiquei com frio e calor ao mesmo tempo, enquanto me encontrei surda pelo som de pulsar em mistura de um canto do vento. Senti medo, esperança, e uma sensação terrível de desespero, amargor e crueldade, como uma personificação da própria Floresta. Ignorei a sua malícia e olhei para os dois, me concentrando somente na esperança, nas coisas boas, no mundo vivo atrás de mim. E puxei.

E dessa vez, a barreira não se solidificou no caminho deles. O lado exterior recebeu a nós três.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Beijos de bolo >3



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