Rede de Mentiras escrita por Gaby Molina


Capítulo 13
Capítulo 13 - Você deveria saber


Notas iniciais do capítulo

Para mim, essa música do capítulo resume completamente a ideia da fic, sério.
"Mas, Gaby, a música é sobre alcoolismo" (porque sei que esse comentário viria)
Não, estou falando da essência da música. Tem gente que diz que a música é sobre uma pessoa só, onde a primeira pessoa do discurso é, na verdade, o vício falando que vai ficar tudo bem se continuar alimentando-o. Outras pessoas dizem que há duas pessoas na música, e que na verdade a primeira está tentando confortar e ajudar a segunda, apesar de ela mesma não ser muito estável.
Ambas as interpretações me são muito interessantes.



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People you've been before

That you don't want around anymore

That push and shove and won't bend to your will

I'll keep them still.

— Between The Bars, Elliot Smith

Fletcher

Minha mãe tinha a mania de chorar por tudo, enquanto meu pai não demonstrava emoções sobre nada. Minha irmã já saíra da sala, pareceu finalmente perceber que não era bem-vinda.

Eu fora andar um pouco, mas Clarissa me encontrara. Agora estávamos num banco do jardim, enquanto eu tentava processar o que havia acabado de acontecer.

— Vocês se resolveram? — ela indagou.

Não respondi. O silêncio pairou novamente.

— Fletcher, eu não queria...

— Tá.

— Não me exile assim. Por favor.

— Tá.

Ela suspirou.

— Mas foi bom. Não foi?

Não respondi. Para ser sincero, não sabia a resposta.

— Não era direito seu.

— Claro que era. Eu me importo com você.

— Tá.

— Cacete, Fletcher. Por que você fica esperando que eu te apunhale pelas costas?

— Porque é isso que as pessoas fazem.

Eu a havia magoado, e sabia disso. Esse era o grande problema. Clarissa mentia para mostrar às pessoas que estava mais feliz do que realmente estava, e eu falava a verdade para afundá-las comigo.

Eu não a admirava por atuar diversos papéis de personagens fictícios a fim de resolver o fato de ser quem era. Mas entendia por que ela não gostava do jeito que eu lidava com as coisas. Ela construía muralhas por trás de quem realmente era, e eu derrubava essas muralhas simplesmente para atirar em todo mundo que morava ali.

Às vezes eu contestava a verdadeira eficiência de lugares como Carmen Hallow. Se fomos considerados tóxicos à sociedade, era tolice pensar que não éramos tóxicos uns aos outros. Ver meus pais apenas pareceu aumentar essa distância entre o mundo real e minha realidade paralela minúscula naquela casa.

— Não — Clarissa se levantou, o tom de voz tremendo. — O caso é que você sabe. Você sabe que é muito mais fácil destruir as coisas do que criá-las.

— Clarissa — fitei-a. — Vou dizer isso com carinho porque realmente acredito: um dia você vai se cansar de fingir que tudo está bem.

Ela ergueu uma sobrancelha.

— Pareço bem, seu retardado mental?

Balancei a cabeça.

— Apenas vá, York, antes que digamos mais alguma coisa de que não vamos nos arrepender.

Então ela apenas bufou e saiu andando até deixar meu campo de visão.

Eu não achava que tinha mais a habilidade de chorar, então apenas me sentei naquele banco e me senti vazio, o que era bem pior.

Alguma centelha no fundo do meu ser sabia que minha mãe se importava. Mas era possível que isso não fosse suficiente? Não era suficiente para me tirar dali, isso decerto. Como minha família podia me amar e querer distância? Isso significava que eles não me amavam o suficiente para conviver comigo?

Ou que me amavam o suficiente para me deixar ir?

Clarissa

Ponderei por vários minutos como eu chegara ao ponto onde Fletcher Kingston era a única coisa boa na minha vida. E então ponderei se ele realmente era uma coisa boa. No fundo, não importava. Eu estragara tudo.

Deixei que os soluços viessem, e não tentei comprimi-los, como geralmente fazia. Chorei por algum tempo. Eu não tinha absolutamente nada. E isso era assustador. Eu sempre teria a mim mesma, é claro, mas às vezes isso parecia mais um pesadelo do que uma benção.

— Foi expulsa da reunião de família também? — Brooke, a irmã de Fletcher, sentou-se ao meu lado no banco. Ela levantou uma garrafa de tequila. — Saúde. Quer? — Fiz que não com a cabeça. — Então tá.

— Deu tão errado assim lá dentro?

— Bem... Acho que foi um dejavù. Ver Fletcher tão deprimido... Mamãe ficou preocupada.

— O que Fletcher fez de tão ruim que os pais dele foram chamados?

Ela balançou a cabeça.

— Sei que Fletcher fala como se eu fosse o Satã em pessoa, mas não sou filha da mãe a esse ponto. Se ele quisesse te contar, ele te contava.

— Bem, eu tenho o direito de saber por que ele me odeia, não tenho?

Ela esboçou um sorriso.

— Não é para mim que você tem que fazer esse discurso.

* * *

Por que diabos eu pensei que alguma parte fracamente humana de Fletcher se sensibilizaria com a minha tormenta interna?

Ele apenas me encarou como se eu tivesse dito que horas eram. A frieza dele era como uma estaca de gelo direto no coração.

— E então? — ergui uma sobrancelha. — Diga alguma coisa!

— Você não quer que eu diga.

— E desde quando você faz o que alguém quer?

Ele suspirou.

— Está bem. Quer saber? Você não ganhou seu jantar perfeito. E está irritada comigo por causa disso.

Meu jantar?

— Ah, pelo amor — ele revirou os olhos. — Você está de vestido. Você arrumou o seu cabelo. Até de lápis de olho está. Falando nisso, o lápis de olho borrou inteiro. Está parecendo um panda na ilha de LOST logo depois da queda do avião. Você queria que meus pais gostassem de você. Quer saber por que minha mãe achou que você é minha namorada? Porque você agiu como uma a noite inteira.

— Pare de fazer isso! — aproximei-me, agora verdadeiramente furiosa. — Sim, eu não queria que seus pais pensassem que eu sou uma louca desleixada, porque eu não quero que ninguém pense assim de mim. E você pode me condenar por isso, mas pelo menos eu tento consertar meus próprios defeitos, em vez de ficar apontando os defeitos dos outros o tempo todo.

— Não. Você não tenta consertar nada. Você só disfarça. Só age como se não estivessem lá, como alguém que acha que o câncer terminal vai embora se não for ao médico.

— Quer saber? — ergui os braços, desistindo. — Se quer me odiar, me odeie. Mas pelo menos tenha a porra dos colhões de me dizer por quê.

Ele ergueu uma sobrancelha, fazendo sua melhor cara de “você é retardada?”. No começo isso me ofendia, mas agora eu entendia que era assim que ele reagia quando alguém ameaçava baixar sua guarda. Eu deveria saber, já que eu mesma reagia de maneira similar. Forte e rápido.

Uma vez li sobre Rudolf Van Laban. Ele acreditava em oito combinações de movimentos, utilizando três bases: intensidade (leve ou forte), velocidade (rápido ou lento) e direção (direto ou indireto). E ele dava verbos a esses movimentos.

Essa classificação ainda é muito usada no teatro, dança e na música também, mas naquele momento eu pensei nela como Fletcher e eu.

A defensiva de Fletcher era forte, rápida e direta — ou, como diria Laban, socar —, enquanto a minha estava mais para forte, lenta e indireta — torcer. Passiva-agressiva. Fletcher não se sujeitava a jogos mentais, enquanto eu vivia deles. O único jogo mental do qual ele participava era o que acontecia dentro de sua própria cabeça.

— Acha que eu te odeio? — ele franziu o cenho. — Sério mesmo?

Recuei.

— Bem, você certamente está agindo como tal.

Ele suspirou.

— Você devia ter respeitado quando eu disse que não queria minha família aqui.

— Queria que eu fizesse o quê? Sentasse e observasse você se afundar?

— Exatamente. É díficil?

— É impossível.

Ele estreitou os olhos.

— Por quê?

— Porque eu me importo com você, droga.

— Por quê?

— Por que o quê?

— Por que se importa?

Recuei mais.

— Porque sim, oras. Não preciso de motivo para me importar com você.

O olhar dele estava tão concentrado que parecia quase frenético.

— Digo, por exemplo, eu me importo com você — ele me encarou. — Mas isso se dá ao fato de eu estar apaixonado por você. Qual a sua desculpa?

Soou como um soco. Não deveria soar como um soco, deveria? Ele disse com tanta tranquilidade que pareceu quase uma acusação.

Comecei a pensar em uma resposta, mas Fletcher não queria realmente que eu respondesse, do contrário não teria recomeçado a falar um segundo depois:

—... Preciso ir ver meus pais. Se quiser participar, tenho certeza de que será adorável.

Então eu o segui até a cozinha.

* * *

— Vou arrumar uns cobertores para vocês — foi a primeira coisa que Fletcher disse à família. — Tem quartos vagos no último andar, estou certo de que a sra. Lover não se importaria.

Houve um minuto de silêncio.

— Obrigada, querido — disse sua mãe.

— Claro. Boa noite. Durmam com Deus — e então ele se retirou, correndo escada acima.

Tudo em que consegui pensar foi que todos chegamos a um ponto de nossas vidas onde ou mudamos ou nos autodestruímos, e Fletcher chegara a esse ponto. Porém, o que me preocupava era não ter certeza de qual fora sua escolha.


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