Rede de Mentiras escrita por Gaby Molina


Capítulo 12
Capítulo 12 - Silêncio


Notas iniciais do capítulo

Algumas coisas a dizer nessa nota. Primeiramente: Little Princess, tô me sentindo uma bosta, porque esse capítulo era pra ter saído no Domingo, só que eu tava sem pc e, desde a última atualização do Nyah, não dá pra postar pelo iPad (alguém mais tá tendo problema com o copiar e colar?). Então, sei que você só vai poder ler no finde, mas espero que goste ;-;
Segundo: sei que estou atrasada em algumas fics, e não tenho nenhuma explicação brilhante. Como grande parte dos meus leitores também escreve, espero que entendam que estou num momento da minha vida onde parece mais sincero escrever Rede de Mentiras. Sacam? Decidi resolver minhas merdas internas antes de resolver as externas, porque a verdade é que você nunca vai achar a si mesmo se ficar procurando nas outras pessoas. E convenhamos que essa é minha fic mais pessoal, e tenho muito orgulho dela, sério >< Sei lá, ela é diferente das minhas outras. Acho que vocês percebem isso também.
E
OUÇAM A MÚSICA DO CAPÍTULO
NA MORAL
DE TODAS AS MÚSICAS QUE EU JÁ MANDEI VOCÊS OUVIREM
ESSA É A SEGUNDA MAIS IMPORTANTE (pq né, Hallelujah, tals)
Sério. Tem que escutar pra entender. A letra é linda, e a melodia se encaixa de um jeito perfeito. É daquelas músicas bem escritas, que nos fazem sentir, sabem? Daquelas que nos fazem lembrar da verdadeira magia que a música possui.



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On a childhood highway through a night alone

I was barely breathing, I was crawling home

Well, it's not quite London or the south of France

Or an Asian island or a second chance.

— Nashville, David Mead

Fletcher

Eu era um maricas. Comecemos por aí. Um maricas que estava com uma puta ressaca depois de beber metade de uma squeezer. Isso equivalia a... dois copos? Por aí. Parabéns para mim. Como se não bastasse, os pais de Elena haviam passado a noite em Carmen Hallow, e a mãe dela — por motivos desconhecidos a todos no universo — me adorava e queria ficar me contando sobre sua vida às sete da matina no dia seguinte.

Eu, claro, não dormira nada. Acordara com tanta remela no olho que achei que tinha desenvolvido catarata. É, só faltava isso na minha vida.

Naturalmente, arrastei Ethan comigo para o café, afinal, ele tinha de servir para alguma coisa. No caso, entreter os pais de Elena.

Clarissa ainda não acordara. Ou estava fugindo de mim, eu não tinha certeza. Eu parecia provocar algum tipo de instinto de fuga nela, e eu não a culpava realmente por isso. Estávamos bem, eu achava, exceto pela parte de termos pegado carona com o acompanhante dela. Essa parte foi meio embaraçosa. Sabe, ligeiramente. Quase nada.

— E seus pais, querido? — a mãe de Elena me trouxe de volta à realidade. — Vieram visitar?

Eu sabia que ela não falara por mal, mas eu quis esganá-la mesmo assim.

— Ah... Não — murmurei, olhando para baixo.

Ela estreitou os olhos.

— Está tudo bem?

— Ele está tendo problemas com garotas — disse Ethan, e eu não soube se agradecia ou o chutava. Por um lado, foi bom. Eu preferia falar sobre Clarissa do que sobre meus pais, com certeza.

O pai de Elena arregalou os olhos, parecendo pensar "Ah! Ele não é gay!". Digo, eu até entendia. Devia falar demais sobre minha própria mortalidade e problemas existenciais. A maioria dos caras héteros que eu conhecia não conseguiam pensar muito além de "o que eu vou fazer com o meu pênis hoje?".

E então eu me lembrei de que era colega de quarto da filha dele. Talvez ele realmente estivesse melhor pensando que eu era gay.

— Isso é relativo — murmurei.

— Meu filho, sabe o que sempre digo — o sr. Donovan pigarreou, prestes a soltar sua famosa frase, que não era realmente dele: — Mares calmos nunca formaram marinheiros habilidosos.

— Afinal, o que não te mata te fode mentalmente.

Eles me encararam, sérios. Não gostavam de palavrões. Não deveriam gostar de mim, também, e talvez fosse bom que percebessem isso. Talvez fosse como um acerto de contas do universo.

Elena

Fletcher geralmente não calava tanto a boca. Ele sempre tinha um comentário sarcástico sobre como a vida é uma merda. Mas naquele dia, não. Estava jogado no sofá, encarando o teto. Não aguentei e me aproximei.

— Treinando para quando morrer?

Em resposta, ele apenas deu de ombros. Suspirei e sentei-me ao seu lado.

—... Qual é, Fletch.

Ele hesitou por um minuto antes de responder.

— Seria tudo bem mais fácil se ele fosse um filho da puta.

— Quem?

— Sério? Está mesmo perguntando? — bufou. — O cara da Clarissa, é claro. Carter.

— Kevin — corrigi.

— Não importa, Elena. Cacete. Seria fácil se ele fosse um filho da puta e eu aparecesse na minha armadura brilhante para salvá-la. Mas não. Ele é o cara legal, compreensivo, de bom coração, e eu só fodo tudo. Eu só a irrito, e a confundo, e a tiro de um refúgio seguro para jogá-la numa corda bamba.

— Talvez ela precise de alguém assim.

Ele se sentou, finalmente olhando para mim.

— Quem precisa de alguém assim, Ellie? — ele fez uma pausa. — Eu não sou o tipo de pessoa que sabe o que quer e vai buscar. Porque eu nunca sei. E eu nunca vou. Não quero que ela pense que eu sou como o Kevin. Para ser franco, acho difícil acreditar até que o Kevin seja como o Kevin.

Entrelacei seus dedos da mão nos meus. Fazia tempo que Fletcher não conversava de verdade comigo, e eu sentia falta disso.

— Mas, se você gosta dela...

— Não é que eu goste dela — ele me cortou. — Ela é como... uma infecção urinária, sabe? Você fica com vontade de mijar o tempo inteiro, e sabe que vai doer se você mijar, mas você mija mesmo assim. Tanto porque não consegue segurar quanto porque tem aquela centelha de esperança no fundo do fundo do fundo da alma que diz que dessa vez vai ser diferente. E eu não quero essa esperança idiota.

— Espera... — estreitei os olhos. — Sério? Uma infecção urinária, Fletcher? Essa é sua metáfora brilhante? Além do mais — encarei-o. — Não faz mal um pouco de fé às vezes.

Ele suspirou.

— Olha, Elena... Eu gostaria mesmo de te dizer que as coisas vão melhorar amanhã, mas eu já vivi muitos amanhãs e nada mudou.

— Bem, todo dia é uma segunda chance.

Ele deitou no sofá de novo.

— Não para mim.

* * *

Meus pais arrumaram as malas logo depois do almoço. Clarke desceu para se despedir com um aceno, mas logo correu de volta para o próprio quarto.

— Onde está Ethan? — indagou minha mãe.

— Eu... Eu não sei. Por quê? — franzi o cenho.

— Bem, eu gostaria muito de me despedir dele.

— Ah — suspirei. — Tem um jeito fácil — E então gritei a plenos pulmões: — BLACKERY!

Ethan desceu as escadas correndo e logo estava ao meu lado.

— Chamou?

Depois de se despedirem de Ethan, meus pais foram embora. O rapaz se voltou para mim com um meio sorriso.

— Eles gostam de mim. Por que você não gosta de mim?

Revirei os olhos.

— Eu gosto de você, Blackery, isso não...

— Gosta? — ele repetiu, um pouco surpreso, um pouco feliz.

— Tanto faz, isso não te dá o direito de ficar puxando o saco dos meus pais e...

— Você disse que gosta de mim.

Tanto faz, Blackery!

Clarissa

— Tudo bem aí? — fitei Elena do outro lado do quarto.

— Naquelas. Disse umas coisas que não devia.

— Bem-vinda à minha vida.

— É, mas... — ela pigarreou e imitou Fletcher: — É uma semana ruim.

— Cadê ele, falando nisso?

— Sei lá, se cortando em algum lugar — ela deu de ombros. Arregalei os olhos. — Não estou falando sério. Deus. Às vezes esqueço que Carmen Hallow não é um bom lugar para esse tipo de piada. Fletcher não se cortaria nem com papel de propósito.

Uma vez me disseram que as pessoas eram movidas por esperança e medo, e era bom ver uma centelha do segundo em Fletcher, já que o primeiro parecia uma causa perdida.

Uma ideia me ocorreu.

— Deveríamos ligar para a família dele.

Elena soltou uma risada alta.

— Boa.

— Não, é sério. Digo... Fletcher não é santo, ele deve ter feito alguma merda também. Talvez eles pensem que ele não os quer aqui, ou simplesmente não tenham noção do quanto ele precisa da família.

— Eu sou a família dele — Elena resmungou. Dava para ver que ela estava tentando não soar atingida, mas não obteve sucesso.

— Sabe o que quis dizer.

— Ele vai te odiar para sempre.

— Bem — dei de ombros, me levantando. — Isso resolveria muita coisa.

Corri para fora do quarto, batendo a porta atrás de mim, e desci as escadas até a recepção.

— Bom dia, sra. Lover — abri meu melhor sorriso.

A mulher estreitou os olhos, séria.

— Bem, isso é uma surpresa. O que quer, York?

— Um número de telefone.

— De quem?

— Dos pais do Fletcher. Quero lhe fazer uma surpresa.

Ela balançou a cabeça.

— Pode esquecer.

— Qual é! Ele precisa disso, a senhora sabe que...

— York. Saia disso enquanto há tempo, não faz ideia do que está se metendo.

— Olha, eu duvido que a família dele não queira vê-lo, talvez eles apenas precisem de um empur...

— Clarissa, volte para o seu quarto e se poupe de um trabalho que apenas vai ferir mais pessoas.

— Mas...

— É uma ordem.

* * *

Então recorri à minha última esperança.

— Ele vai te odiar para sempre — advertiu Teresa. Ela mantinha seu caderno em mãos, como se estivesse me avaliando. Talvez estivesse.

— Eu não ligo, ele...

— Isso é porque seus pais não vieram?

— Não — diminuí o ritmo, surpresa. — Não, é bem recente, eu entendo. Mas por que diabos ninguém entende que aquele garoto está se afundando numa fossa cada vez maior a cada dia? Ele já tem dezoito anos. O que pretendem? Mantê-lo aqui para sempre? Como esperam que ele volte a viver em sociedade desse jeito, sem sequer um lugar para morar, um alicerce, nada?

Ela suspirou.

— Da última vez que Fletcher viu os pais...

— Não acabou bem. Que seja. Mas... Faz tempo! Eles precisam disso! Você sabe que precisam, Teresa! Alguém como Fletcher precisa de algo duradouro para se apoiar, e no momento ele não tem literalmente ninguém.

— E onde você entra nessa história?

Quantas perguntas desnecessárias, quando havia tanto mais em jogo!

— Eu não posso ser esse alicerce, caramba! — bufei. — Então vou achar alguém que possa.

Teresa sorriu.

— Aí está. A verdade. Estou orgulhosa de você, Clarissa. Apesar de ter sido ideia de Fletcher.

— O quê?

— Você não lida bem com pressão. Então ele percebeu que você acaba cedendo e contando a verdade. Como agora. — ela abriu a porta do armário e pegou uma agenda. Abriu-a numa página específica, pegou papel e lápis e anotou o número nele. — Aqui está. Mas não diga que não avisei. Quando tudo der errado, testemunharei que suas intenções eram as melhores.

Peguei a folha.

— Hmmm... Obrigada, Teresa.

* * *

Não posso dizer que a ação foi impensada, porque eu a repensei muitas vezes. O que era totalmente idiota e inconsequente, claro, porque a sra. Lover poderia voltar a qualquer momento. Por fim, soltei o ar todo de uma vez e digitei os números no telefone da recepção.

Alô? — disse uma voz feminina.

Bati o telefone no gancho. Suspirei. Merda. Peguei-o de volta, prestes a discar de novo, mas então percebi que a linha não havia caído.

Alô? — a voz repetiu.

— Alô — respondi, tentando não demonstrar na voz o quanto estava tremendo. — É... É a sra. Kingston?

— Senhorita — ela corrigiu. Fletcher tinha uma irmã? Eu me sentia patética por não saber se ele tinha uma irmã.

— Perdão, eu... Eu gostaria de falar sobre Fletcher.

O silêncio foi tão longo que achei que a linha tinha caído.

O que ele fez?

— Ele não fez nada — respondi, surpresa. — Pode passar para a mãe dele?

— Claro, suponho...

— Obrigada.

Silêncio.

Elena? — uma voz feminina mais grave, levemente preocupada.

Se eu abrisse demais minha boca era provável que vomitasse meu fígado. E um rim.

— Não. Eu...

— Ele está bem?

E um pulmão.

— Sim. Digo... Mais ou menos... Digo...

Diga logo o que quer dizer!

— Meu nome é Clarissa. Sou, hm... — desisti de tentar me encaixar em algum lugar da vida de Fletcher. — Essa semana é a Semana da Família aqui em Carmen Hallow... E acho que Fletcher apreciaria uma visita de vocês.

— Você acha? — seu tom era levemente debochado. Agora eu sabia de quem Fletcher puxara o sarcasmo obscuro.

— Ele sente falta da família, está bem? Então, se puderem vir até o fim da semana, seria ótimo.

— Não, não. Exijo falar com a sra. Lover. Ou Elena.

— Elas não estão aqui, está bem? Eu estou. Estou preocupada com ele e, pelo jeito que atendeu o telefone, sei que a senhora também está. Não sente falta do seu filho?

É claro que sinto falta do meu filho, suazinha!

Ok... Admito que aquela conversa poderia estar se desenrolando melhor.

— Então, por que não está aqui?

— Porque ele não me quer aí!

— Claro que quer!

— Ele disse isso? Com todas as letras? — indagou ela. Hesitei. — Foi o que pensei. Tenha um bom dia.

— Disse — menti antes que pudesse me segurar. — Ele me disse esses dias, estava se sentindo muito mal. Ele realmente sente a falta de vocês.

Silêncio.

— Mesmo? — senti um pouco de esperança em sua voz.

— Mesmo.

Tudo bem, Cassandra. Vou ver o que posso fazer.

— Clarissa — corrigi.

— Clarissa.

— Espero vê-la em breve, sra. Kingston.

Eu também, Clarissa — ela suspirou. — Eu também.

E então a linha finalmente caiu.

* * *

— Só para deixar claro — murmurou Elena pela vigésima vez. — Sou contra a sua ideia, e só estou ajudando para suavizar os danos.

— Sem problemas.

— O que as duas estão cochichando aí? — indagou Fletcher.

— Eu vou, hum, dar uma volta — disse Elena, saindo do quarto.

Penteei meu cabelo com os dedos por um minuto.

— Por que você soltou o cabelo? — continuou Fletcher. — E está de vestido? Kevin vai voltar?

Revirei os olhos.

— Não seja idiota.

Ele veio até a minha cama.

— Você parece inquieta. Eu não devia ter mencionado Kevin.

Aquilo era provavelmente o mais próximo de um pedido de desculpas que eu já havia ouvido quando se tratava de Fletcher.

— Tudo bem.

— Você tem passado mais tempo com a Elena do que comigo — ele esboçou um sorriso. — O que, convenhamos, é meio assustador.

— Gosto da Elena.

— E de mim?

Ergui uma sobrancelha, sem saber direito aonde aquela conversa ia parar.

— Larguei o riquinho por você, não foi?

Seu rosto perdeu um pouco da suavidade, voltando à expressão típica de Fletcher.

— Na hora achei que sim. Agora não tenho mais certeza.

Peguei a mão dele, suspirando. Deus, eu queria tanto que a visita desse certo, não só por ele, mas também porque não suportaria afastá-lo mais do que já estávamos afastados. Ainda não conseguira decidir se o caminho que às vezes tomávamos era prudente ou não, mas o fato é que eu não queria tomar caminhos separados, quaisquer que fossem.

A campainha tocou e eu senti cada membro meu enrijecer.

— Eu atendo — falei.

— Por quê? — ele se levantou comigo, e decidi que era melhor se ele viesse junto.

Fletcher sentou-se no sofá da sala e eu entreabri a porta. Parada ali estava uma mulher com uns 22 anos. Ela era incrivelmente bonita, com cabelos pretos lisos e pele clara, 1,72m de altura e olhos analíticos. Assustadoramente analíticos.

— Você deve ser a Clarissa — ela abriu um sorriso de canto.

Bati a porta atrás de mim.

— Quem...?

— Meu nome é Brooke. Conversamos pelo telefone. Sou irmã de Fletcher.

— Ah — foi tudo o que minhas cordas vocais produziram. — E onde...?

— Meus pais já estão vindo. Estão conversando com a sra. Lover na recepção.

— Vamos sair daqui antes que Fletcher abra a porta. É melhor que ele os veja todos juntos.

Conduzi Brooke pelo pátio até um banco atrás de uma árvore.

— Então... Como está Fletcher? — ela indagou, como se não soubesse mais como começar uma conversa.

— Ah, você sabe... Sendo Fletcher.

— O Fletcher que você conhece, quer dizer — ela murmurou. — Ele não está mais tomando medicação, está?

— Não que eu saiba... Por quê? Como Fletcher costumava ser?

Ela deu de ombros.

— Ele era uma criança feliz.

Arregalei os olhos.

— Eu nunca teria imaginado isso.

— Você era uma criança feliz, Clarissa?

— Não muito — murmurei, desconfortável em falar sobre mim mesma.

E então vi um casal de meia-idade se aproximando de nós. A mulher era um pouco mais baixa que eu, em torno de 1,58m, mas usava saltos que a deixavam da minha altura. Usava um vestido formal preto e pouca maquiagem; o cabelo escuro estava puxado para trás num penteado bem-feito. Ela segurava a bolsa numa mão e o Blackberry na outra. O homem ao seu lado, um pouco mais alto que Fletcher, era surpreendentemente similar a ele. Os olhos quase negros, os lábios finos... E algo em sua expressão de desconforto.

— Boa noite — disse a sra. Kingston. — Depois de cinco minutos de conversa com a sra. Lover, não tenho mais certeza de que entendi certo pelo telefone — ela me fuzilou com o olhar, que era pior do que o de Fletcher. — Mas tenho certeza que você pode me explicar tudo isso bem direitinho.

Uma parte de mim estava tão pronta para sair correndo, mas outra estava simplesmente tão feliz por não ter feito um coque mal-feito.

— Fletcher está na sala de estar — falei, tentando soar impassível. — Não contei a ele sobre a visita porque ele já está bem sobrecarregado esses dias. Mas sei que ele vai apreciá-la, então, se puderem...

— Perdão — o sr. Kingston estendeu a mão. — Não acho que nos conhecemos. Nicholas Kingston.

— Clarissa York — apertei-a. — Muito obrigada por ter vindo.

— Bem, então vamos lá — murmurou a sra. Kingston, cuja ansiedade eu podia ver, apesar de seus esforços para parecer indiferente.

Abri a porta da sala, mas Fletcher não estava lá. Falei para a família entrar e fui até a cozinha. Encontrei Fletcher sentado à mesa, tomando alguma coisa que não parecia ser suco de abóbora.

— Que é? — ele murmurou. — Não é ilegal.

— Eu jogaria isso fora se fosse você — falei. — Tem umas pessoas que você precisa ver.

— Ah, é?

— É — encarei-o. — Isso é sério, Kingston.

Filho? — ouvi a voz trêmula atrás de mim.

Vi muitas emoções passarem pelos olhos de Fletcher naquele segundo: surpresa, mágoa, confusão, traição, estupefação, indignação e — eu esperava — uma pequena centelha de esperança.

Ele se levantou, estreitando os olhos.

— O que diabos...?

— Fletcher, você estava bebendo? — Nicholas ergueu uma sobrancelha.

— Por que...? — ele continuava incapaz de terminar frases.

— Sua namorada aqui nos deu um empurrãozinho — Brooke apontou para mim. — Bem bacana da parte dela, hein? Sentimos sua falta, maninho.

— Clarissa não é... — ele fez uma pausa. — Espere. — me encarou. — Você...? — Ali estava uma emoção nova: raiva. — Esqueça.

E ele correu para fora da casa.

— Fletcher! — gritei, mas ele me ignorou. Suspirei. — Um minutinho.

Quando estava passando pela sala, gritei o nome de Elena. Ela apareceu na escada e apontei para a cozinha. Ela revirou os olhos, mas foi lá. Quanto a mim, corri até o pátio.

— Fletcher! — gritei. — FLETCHER!

Ele se voltou para mim.

— O que mais você quer de mim, Clarissa? — sua voz indicava que ele estava a um passo de explodir.

— Sua irmã parece legal — tentei.

— Minha irmã é uma arrogante, hipócrita, filha da mãe — ele murmurou pausadamente. — Assim como o resto deles.

— Eles vieram até aqui para vê-lo. Dá para ver que sua mãe se importa muito.

— Ela só quer garantir que não vai ter que gastar mais dinheiro do que o usual comigo.

— Não acho que seja verdade.

— Esse é o ponto! Pouco importa o que você acha! — ali estava a explosão. — Porque você não os conhece e, francamente, não me conhece quando se trata deles! Minha família é minha responsabilidade, meu problema, e é minha decisão o que eu vou fazer quanto a eles! Não sua! Você não tinha porra nenhuma a ver com isso, Clarissa!

— Então me desculpe se eu tomei a porra da decisão que você foi covarde demais para tomar! — retruquei, me aproximando. — Você vive falando que todos os dias são iguais, que nada nunca evolui, e quer saber? Está certo. Mas é porque você não deixa. Não, você está plenamente satisfeito com essa vida medíocre sem objetivo! Você tem uma chance aqui — fitei-o. — Eles dirigiram até aqui para vê-lo. Para conversar com você. Então... Converse com eles, Fletcher. Permita-se tomar a decisão madura. Permita-se enfrentar.

Ele me encarou por um minuto, e por fim suspirou.

— Tudo bem. Mas qualquer merda que acontecer vai para a sua conta.

— Não, não. Não pode jogar a responsabilidade em mim. Meu trabalho aqui acabou; agora é com você.

Ele suspirou novamente.

— Ainda assim... Pode ficar lá comigo? Só para o caso de, você sabe, eu começar a gritar coisas que vão me prejudicar depois.

Deixei escapar um sorriso.

— Fechado.

* * *

Um silêncio fúnebre se instalou assim que Fletcher e eu entramos na cozinha. Cutuquei-o para que ele dissesse algo.

— Oi — soltou, apenas.

— Fiz o jantar — disse Elena.

Ele ergueu uma sobrancelha.

Você fez o jantar?

— Tudo bem, Ethan fez o jantar — ela cedeu. — Mas eu dei apoio moral.

— Ah, nesse caso eu como — ele sentou-se no ponto da mesa mais longe possível da família, o que me deixou ao lado de Brooke.

Silêncio enquanto Ethan e Elena serviam a comida, silêncio enquanto eles se sentavam, silêncio enquanto começávamos a comer.

— Então, Elena — a sra. Kingston voltou-se à loura. — O que fazia antes de vir para cá?

— Faculdade de Enfermagem — respondeu ela, não muito à vontade.

— E pretende voltar a isso?

— Ah, você sabe... A vida é uma caixinha de surpresas.

— Nem todo mundo tem uma mente perfeita que sabe de tudo no mundo que nem a sua, mãe — Fletcher praticamente cuspiu a última palavra. Eu chutei-o por baixo da mesa.

A sra. Kingston o ignorou.

— E você, Clarissa? O que fazia?

— Hmmm... Colegial — tentei não corar.

Eu tinha a sensação muito agradável de que, se tropeçasse, ela me devoraria viva.

— Ah. Algum plano para depois?

— Mãe — Fletcher pronunciou-se de novo. — As pessoas são jogadas aqui pelos familiares ou pelo governo em prol dos que vivem fora daqui. Ninguém tem planos, esperanças, porra nenhuma. Nosso plano é viver mais um dia.

— Não te ensinei esse linguajar, Fletcher Edwin — a sra. Kingston advertiu-o.

— É, a senhora não me ensinou muita coisa — ele murmurou.

Silêncio, até Brooke quebrá-lo:

— Adivinha, Fletch?

— Não me chame assim.

— Tá, mas adivinha.

Ele bufou como se já soubesse aonde aquilo ia dar.

— O quê?

— Fui promovida! Estou tendo que viajar o tempo todo, cuidando dos investidores em Essex, Nottingham, Bristol...

— Puxa, você foi promovida na empresa dos seus pais — seu tom sarcástico habitual ficava mais ofensivo quando estava carregado de mágoa. — Um grande feito, realmente. — Mas notei que ele não estava mais falando palavrão.

Silêncio.

— Chega disso — a sra. Kingston disse, exasperada. — Por que não dizem logo por que estamos realmente aqui?

Apenas a encaramos, confusos, sem dizer nada. Ela suspirou.

— Por Deus! — ela me encarou. — Clarissa, você está grávida?

Meu queixo caiu, batendo no meu joelho.

— Não! O que...? Não! Fletcher e eu não... Nós não... Eu não...

— Parabéns, Brooke — Fletcher murmurou. — Mais um jantar foi estragado, mas dessa vez não foi sua culpa.

— E que jantar eu estraguei? — Brooke ergueu uma sobrancelha. — Você que sempre perde a cabeça.

— Porque você não cala essa boca egocêntrica infernal.

— Por que não admite logo que tem inveja de mim? Que sempre teve?

— Não, não. Eu tenho pena de você. Porque é, eu sou um babaca depressivo, mas já deram um jeito em mim me pondo longe de vocês — Fletcher encarou-a. — Já você é uma vadia psicótica, e não dá para fugir de si mesma — ele sorriu pela primeira vez desde que vira a família. —, maninha.

— Espera, volta... — o sr. Kingston estreitou os olhos. — A moça está grávida ou não?

— Se está, não é meu — Fletcher deu de ombros. Chutei-o novamente. — Mas olha, Blackery, o frango está muito bom.

— Eu... Obrigado — a voz de Ethan soou como um ganido.

Silêncio. Não aguentei mais.

— Deus, o que há com vocês?! — franzi o cenho. — Você se importa tanto com ele que mal conseguia falar ao telefone, e então chega aqui e tudo o que faz é criticar modos — encaro a sra. Kingston. — Você os queria aqui mais do que qualquer coisa — voltei-me para Fletcher. — E você... — ergui uma sobrancelha para o sr. Kingston. — Você sequer se deu ao trabalho de dizer alguma coisa desde que chegou! E você — encarei Brooke. — Não tem nenhuma ligação importante para fazer? Tipo, agora?

Brooke revirou os olhos, mas calou a boca. A sra. Kingston reuniu forças para falar:

— Olha, querido... Eu e seu pai realmente sentimos sua falta — ela olhou para Fletcher pela primeira vez. — Ficamos muito felizes com a ligação de Clarissa. Foi muito generoso da parte dela.

— Clarissa tem o hábito ruim de enfiar o nariz onde não é chamada — Fletcher revirou os olhos.

— Ainda bem — murmurei.

Silêncio.

— Se sentiram minha falta — Fletcher forçou-se a dizer, tentando esconder a mágoa. —, por que não vieram me visitar?

— Achamos que você não nos queria aqui — respondeu a sra. Kingston.

— Esse é um motivo de merda — ele encarou-a. — Vocês são minha família. Era seu dever vir mesmo assim. Era seu dever lutar pelo seu filho.

— Fletcher, depois do que aconteceu ano passado... Foi muito difícil, está bem?

— Por que acham que aconteceu?! — ele debruçou-se na mesa. — Eu não tinha ninguém! Ninguém! Nem a Elena estava lá, eu estava confinado com a porcaria da Jessie!

— Quem é Jessie? — indagou o sr. Kingston.

— Ah, é meu alter-ego. Sabe, por causa do meu distúrbio de personalidade múltipla — explicou Elena calmamente.

— Ah — o sr. Kingston encolheu-se. — Certo.

— Clarissa — chamou Fletcher. — Pode ir lá para cima?

— Eu... — hesitei. Não queria sair dali.

— E levar Elena e Ethan com você? Obrigado.

Sem ver mais muita alternativa, nós três saímos dali. Fomos ao nosso dormitório. Eu e Elena nos sentamos em nossas camas, enquanto Ethan sentou-se no chão.

Ninguém disse nada, porque nada precisava ser dito. Eu aprendera algo naquele jantar: o silêncio é uma pergunta, assim como é uma resposta. Fitei a porta fixamente, pensando que havia tanto que podia ser dito na ausência de palavras.

Tanto que nunca era dito. Que nos puxava para baixo como âncoras, nos afundando no mar.


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