Rede de Mentiras escrita por Gaby Molina


Capítulo 10
Capítulo 10 - Uma semana ruim


Notas iniciais do capítulo

Algumas pessoas acertaram, o nome do Fletcher é por causa do Mundungo Fletcher, de Harry Potter. Ele é conhecido por roubar propriedades de bruxos ricos e vender o que rouba por aí.

Ahh, e eu pus uma música minha como tema do capítulo >< Sei lá, achei que encaixava bem. Se alguém quiser ler o resto dela: http://heyitsmolina.blogspot.com.br/2014/10/i-notice-everything.html

"Então eu te assisto encarar
E finjo não reagir
Esperando que você não veja
Como eu percebo tudo."

O começo desse capítulo tem uma coisa meio de tempo psicológico, que eu acho muito sjflsfjlkjvlkxvblkad´ (tipo Memórias Póstumas, que eu amo, principalmente o final. Me julguem).



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So I watch you stare

And pretend not to react

Hoping you won't see

How I notice everything.

— I Notice Everything, Gabriela Molina



SEXTA-FEIRA, 01:07 A.M.

Ethan

— Quer voltar para lá? — sussurrei, incerto sobre como prosseguir.

Elena focou os olhos vermelhos em mim e fungou um pouco.

— Podemos ficar mais um pouco? Estou tão feliz aqui.

Eu não disse nada, apenas a abracei mais forte.

QUINTA-FEIRA, 23:53 P.M.

Bati na porta do dormitório de Clarissa, Fletcher e Elena, pois tinha prometido a Clarissa que conversaríamos, mas não havia ninguém lá. Achei estranho, mas imaginei que estivessem todos juntos em algum lugar, então resolvi voltar ao meu quarto, tentar dormir um pouco, mas ouvi soluços comprimidos quando cheguei ao meu andar.

Caminhei cautelosamente até encontrar uma bagunça loira sentada no carpete, com as costas contra a parede do corredor e a cabeça encostada nos joelhos.

— Elena? — perguntei baixinho, metade de mim esperando que ela não ouvisse.

Ela ergueu os olhos azuis cobertos de lágrimas.

— Ethan.

Eu nem pensei, apenas me sentei ao lado dela.

— O que aconteceu?

— Eu... — ela apertou o próprio tornozelo com força. — Eu não tenho certeza.

E então percebi que a mão dela estava coberta de sangue.

— Elena — repeti, dessa vez aflito. — Como você se machucou? — tirei a mão dela do machucado, revelando um grande corte desde o tornozelo até metade da parte inferior da perna.

— Eu não me machuquei — ela fungou. — Eu... Eu acordei aqui, tá? Com frio, sem saber onde estava ou o que fizera pelas últimas horas... Eu estava lá e de repente não estava mais, eu... — ela suspirou. — Eu estou assustada pra porra.

Senti meu coração acelerar e tentei comprimir o excesso de emoções que me perseguia havia anos. Não podia explodir ali. Devia isso a ela, no mínimo.

— Está tudo bem — passei os braços em volta dela, sentindo sua cabeça afundar em meu peito. — Você não está sozinha.

Pareceu-me o conforto mais idiota possível, mas ela assentiu, parecendo melhor.

— Eu me sinto tão triste o tempo todo — ela murmurou. — Com medo. Medo de desaparecer, medo de não ter controle sobre mim mesma. Medo de me aproximar de alguém, medo de acabar sozinha. E me sinto tão triste.

— A tristeza toca a todos — falei. — Até mesmo aqueles que jamais deveriam ter que ficar tristes. Mas você não deveria ficar com medo das pessoas. Elas podem ajudar, elas jamais te machucariam.

Ela ergueu uma sobrancelha, séria.

— Você não entendeu. Você não pode me destruir, ninguém pode — ela me encarou. — Eu me destruo. Eu sou uma bomba-relógio, mas não gosto de ser tratada como uma.

— Eu não te vejo como uma bomba-relógio. Vou pegar alguma coisa para por no seu machucado.

Ela tentou protestar, mas eu já havia me afastado. Fui até a enfermaria e peguei álcool, bandagens, esparadrapos, pomada, algodão... Tudo o que encontrei. E então voltei para o corredor, e surpreendi-me ao notar que ela não havia fugido.

— Aqui — falei, abaixando-me. — Estique a perna.

Ela o fez, torcendo o nariz um pouco. Coloquei álcool no algodão.

—... Isso pode doer um pouco.

Ela gemeu de dor quando coloquei o algodão sobre seu tornozelo, mas tentou se comprimir. Então passei a pomada antibiótica e a gaze, antes de fechar de vez com esparadrapos.

— Pronto — esbocei um sorriso, levemente orgulhoso.

Ela ergueu uma sobrancelha e eu a envolvi novamente.

— Nada do que Jessie fizer é sua culpa — falei.

— Tem certeza disso? Ela nada mais é do que parte de mim.

— Ela é uma doença.

— Ela é uma parte de mim! — ela repetiu, erguendo o tom de voz. — Todos temos partes de nós de que não gostamos! Não podemos simplesmente ignorar nossos defeitos, ou tratá-los como se fossem um caso à parte.

— Elena, ter Transtorno de Personalidade Múltipla não é o mesmo que, sei lá, ser egoísta ou ganancioso.

— Esse é o problema, eu não conheço a Jessie. Não sei se ela é um defeito ou não. Talvez eu seja o defeito.

Eu a abracei com mais força.

— Não ouse dizer isso.

— Uma possibilidade não se torna menos provável se você não pensar nela.

— Como poderia ser verdade? Você é gentil, e boa, e carinhosa, e cuidadosa... Isso não são defeitos.

— Mas tem algo errado comigo. É como se eu estivesse vazia por dentro. É como se eu vagasse sem rumo, fadada a nunca completar nada que começo.

Ficamos em silêncio por um minuto, até que eu o quebrei:

— Foi por isso que não se casou, não foi? — perguntei antes que pudesse pensar duas vezes. — Por causa de Jessie.

Ela mordeu o lábio.

— Eu não quero falar sobre isso. Sinto como se estivesse te dando novas formas de me machucar todos os dias.

— Muito pelo contrário, você poderia cortar minha garganta e com meu último fôlego eu pediria perdão por sangrar na sua camiseta.

Isso arrancou um sorriso dela.

— Panaca.

Ficamos lá por muito tempo, em silêncio, antes que eu notasse o bocejo dela e perguntasse:

— Quer voltar para lá? — sussurrei, incerto sobre como prosseguir.

Elena focou os olhos vermelhos em mim e fungou um pouco.

— Podemos ficar mais um pouco? Estou tão feliz aqui.

Eu não disse nada, apenas a abracei mais forte.

Elena

Eu espero que um dia alguém queira te abraçar por meia hora sem parar, e isso seja simplesmente tudo o que ele faça. Espero que ele não te afaste, nem olhe para o seu rosto, nem tente te beijar. Espero que ele te envolva com seus braços e só, sem um pingo de egoísmo no ato, porque eu juro que é a melhor sensação de todas.

Fletcher

— Dê um tempo a ela — Clarissa pediu, sem confiança o suficiente para erguer a voz.

Estávamos sentados à mesa no café-da-manhã de sexta-feira, sozinhos na cozinha. Em algum lugar ao longe, Elena e Ethan estavam tendo uma conversa profunda sobre os problemas dela. Ethan, e não eu. Ethan.

— Não vou dar um tempo a ela — resmunguei. — Não quando ela está bem o suficiente para contar ao idiota do Blackery.

— Fletcher...

Encarei-a, percebendo seus olhos castanhos recuando. Ela não ficava nem um pouco confortável se metendo entre eu e Elena.

— Não vou pressioná-la. Feliz?

Em resposta, ela apenas assentiu.

— Não é só isso, é?

Ergui uma sobrancelha.

— Do que está falando?

— De você. Está irritado, e duvido que seja só por causa de Elena.

Eu tentava me convencer de que era por causa da sua própria experiência com omissão, mas Clarissa percebia coisas sobre mim muito rapidamente.

— Semana ruim. Apenas isso.

— Nada é "apenas isso" quando se trata de Fletcher Kingston.

— Não quero deprimir você também.

Ela arregalou os olhos.

— Bem, isso é uma novidade.

Percebi que ela tinha razão. Eu não costumava pensar duas vezes antes de destruir o dia de alguém.

— Você vai acabar sabendo, eventualmente. Então dê-me um tempo.

Ela pareceu frustrada por eu usar meu argumento contra ela, mas cedeu.

— Está bem. Você tem sessenta segundos.

Eu usei cinquenta segundos encarando-a, sem recuar, e ela fez o mesmo. Com os dez segundos restantes eu saí da sala.

Era idiota. Era tão idiota. Mas fui até a secretaria mesmo assim e passei o dia encarando o telefone. Ele não tocou. É claro que não tocou. Famílias entravam e saíam, nunca com a mesma cara. Às vezes me notavam, mas não gastavam mais de dois segundos em mim. Eu não as culpava. Com a pele pálida, roupas pretas, cabelo na cara e a expressão de bosta que me dominava naquele momento, prostrado no canto da sala, eu também não gastaria muito tempo comigo.

Três vezes em três anos. Qual era a surpresa?

Até que o telefone tocou. Meu coração acelerou pela primeira vez em muito tempo. Era idiota. Podia ser qualquer um.

Mas também podia não ser.

— Alô? — atendi, tentando manter a voz neutra.

Ah, olá — era uma voz masculina jovial, eu chutaria em torno de uns dezoito anos. — Carmen Hallow?

— É — minha animação já não muito exemplar se foi totalmente.

— Posso... Posso falar com a York? Clary York?

— Clarissa? — pronunciei o nome com intensidade demais, o que causou um silêncio constrangedor. Eu nunca pensara nela como Clary. Parecia idiota e simplório demais para ela.

Sim, você a conhece? Pode passar para ela?

Milhões de coisas se passaram na minha cabeça. Ela está dormindo. Está tomando banho. Fugiu. Está ocupada. Está doente. Faleceu. Ela não quer falar com você. Clary? Não tem nenhuma Clary aqui. Tem certeza de que não quis dizer Clara? Temos várias Claras aqui.

— Eu... Eu posso. Claro.

Soltei o telefone e deixei-o pendurado pelo fio. Encontrei Clarissa lendo no sofá.

— Ei — chamei. — Vem comigo.

Ela ergueu uma sobrancelha.

— Vai me contar o que houve?

— Não é importante. Vem logo.

— Você não pode...

— Clarissa.

Acho que algo no meu tom expressou a urgência, porque ela pôs o livro de lado e veio comigo. Entreguei-lhe o telefone e ela murmurou "Quem é?". Eu dei de ombros e ela atendeu.

— Alô? Ah — seu rosto enrubesceu. — Oi, Kevin. Eu... Eu também. O que...?

Saí de lá. Minha última chance se fora. Aquele telefone era inútil, ele já não fazia ligações e agora estaria ocupado para recebê-las também. Foi então que invadi o consultório de Teresa.

Ela não estava lá, mas eu sabia onde ela guardava o celular. Arrombei a fechadura do armário com um grampo que sempre levava no bolso e encontrei o celular dentro de uma caixinha de papel. Minhas mãos tremeram, mas o seguraram com força, e eu soube que provavelmente não devolveria o telemóvel.

Eu encarei o celular por um longo minuto, pensando se deveria ligar. Não, se quisessem vir teriam vindo. Sequer haviam ligado. Será que haviam perdido o número? Não, besteira, podiam consegui-lo com facilidade. E tinham de mandar o pagamento para cá, não tinham? Tinham. Eles sabiam o número. Apenas não o usavam.

A percepção foi uma dor de pontadas, para dentro e para fora, como uma faca faria direto no meu peito.

Então minhas pernas foram cedendo e acabei sentado no chão, com as costas encostadas no armário. Não chorei. Apenas me sentei ali e me senti dormente. Vazio. Vago. Não senti nada, por assim dizer. E sabia que poderia ficar ali por um dia inteiro antes que alguém notasse minha ausência. Porque eu não tinha ninguém. E, pela primeira vez, a ideia me assustou pra cacete.

Clarissa

Eu sinto sua faltadisse Kevin do outro lado da linha.

Observei Fletcher se afastando, metade de mim ainda tentando entender o que estava havendo.

— Eu... Eu também — minha voz tremeu um pouco.

Por isso vou aí amanhã.

— Você... Quê?! Você pode fazer isso?

Bem, essa semana eu posso. Eles chamam de Semana da Família ou algo do tipo, não é? Óbvio que não sou sua família, mas deixaram que eu fosse. Posso ter dito que era seu namorado para fazer pressão, porque uma tal de sra. Lover não estava muito afim de me deixar passar o dia com você.

— Semana da Família — meu coração doeu. — Meus pais...?

O silêncio pairou por um minuto.

Eles ainda não estão prontos, Clary.

Suspirei baixinho.

— Aonde nós vamos?

Mas isso estragaria a surpresa, não é? — eu podia sentir seu sorriso. — Te vejo amanhã. Ah, e Clary...

— Sim?

— É um encontro.

E então ele desligou. Meu mundo girou por alguns segundos, e eu quis contar para alguém, e minha mente passou por Fletcher por um segundo antes de eu descartar a possibilidade. Mas nesse segundo minha mente processou outra coisa:

Semana da Família. Fletcher. Ele estava esperando uma ligação que obviamente não recebera. Quando caí em mim, estava correndo escada acima. Mas ele não estava no dormitório. Olhei no telhado, no pátio, na cozinha, na sala, em todo lugar, antes de pensar que talvez ele quisesse conversar com alguém, e então corri para o consultório de Teresa.

Escancarei a porta sem bater e por um momento achei que a sala estivesse vazia, mas então o vi sentado no chão. O cabelo no rosto que fitava o chão, os lábios sem cor, a aura negra o envolvendo quase de forma tangível. Qualquer pessoa que o visse na rua correria para a outra calçada, mas, ao invés, eu o abracei.

Ele tentou se soltar de mim, mas eu bati em suas costas e ele desistiu, resolvendo me abraçar com mais força ainda. Eu não me lembrava de alguma vez já tê-lo abraçado, e ele parecia tão desajeitado que imaginei qual fora a última vez que ele abraçara alguém.

— Clarissa — ele murmurou tão baixo que eu não tinha certeza de que estava falando comigo.

— Está tudo bem. Eu... Droga, Kingston — eu me sufoquei em seu peito. — Você devia ter me contado. Eu ficaria com você. Além do mais, é a Semana da Família, ainda tem mais seis di...

— Eles não vêm. Já tive "mais seis dias de esperança" em dois anos, e tudo apenas para ser massacrado depois. Continuaram suas vidas, e não sou parte delas.

— Você é parte da minha vida, seu imbecil — resmunguei, e ele ergueu uma sobrancelha, surpresa com o meu tom. — Você é tudo o que eu tenho, então nada de se jogar do telhado.

— Nossa, então você está fodida, mesmo. Mas, ei, e quanto ao cara misterioso da ligação? Não me parece que você tenha só a mim.

Soltei-o de vez e sentei-me ao seu lado.

— Por que veio para cá, se Teresa não está?

Ele hesitou, mas por fim tirou algo do bolso: um celular. Quando levantei a mão para pegá-lo, ele guardou-o de volta como num espasmo.

— Eu, hum...

— Fletcher.

Ele não olhava para mim.

— Conte-me sobre o cara.

— Você não quer saber. Além do mais, não é importante, você...

— Eu quero saber. Vamos, conte logo.

— É o Kevin. Ele... é um velho amigo, nós, hum... É, é isso.

— Não, não é. Clarissa, conte-me sobre o maldito mauricinho.

A parte mais contrangedora era que eu contava tentando fingir que não era constrangedor.

— Ele é o único cara que eu já beijei. Além de... — apertei os olhos com força. — Você sabe. A gente poderia ter namorado, eu acho, mas aconteceram umas coisas e me enfiaram aqui... E tal. Aí ele vem amanhã. Vamos sair.

— Legal. Vai ser bom para você, voltar ao mundo real com pessoas sem anomalias no cérebro.

— Você acha?

— E ele parece ser um cara legal, já que não liga que você esteja aqui.

— Ah, ele não sabe por que estou aqui. Deve achar que eu sou anoréxica ou algo do tipo.

— Retiro o que disse.

— Sobre ele ser um cara legal?

Ele tomou coragem para olhar para mim.

— Sobre ser bom para você. Não é bom se você vai mentir o dia inteiro.

— Eu não v...

— Ah, vai contar para ele que é mitomaníaca? E eu sou a Rainha da Inglaterra — ele revirou os olhos. Eu sabia que ele estava saindo do modo auto-destrutivo e entrando no modo apenas destrutivo, mas não recuei, o que talvez tenha sido idiota da minha parte.

— Mitomaníaca? — repeti, mas minha voz falhou. — É assim que se chama?

Ele franziu o cenho.

— Você não sabia? Nunca pesquisou?

— Eu... Não, eu...

— Bem, você deveria dormir, não pode ir ao encontro com essas olheiras horríveis — ele se levantou. — Te vejo depois. Boa noite, Clarissa.

— Fletcher — chamei, reunindo um pouco de coragem que me restava. — O celular.

Ele tentou esconder o fato de que havia sido pego. De que tentara me distrair de todas as formas que conseguira pensar, e que falhara. Bem, ele já me enganara uma vez, quando roubara minha pulseira; eu pelo menos aprendera algo com aquilo.

— Boa noite.

— Fletcher! Não precisa disso!

Seus olhos escuros me encararam.

— E desde quando as pessoas fazem alguma coisa por necessidade?

Levantei-me rápido demais, cambaleando um pouco.

— Fletcher, me dê o celular. Agora. Não é seu.

Seu olhar era tão intenso que me fazia querer me esconder dentro do armário, e mesmo sentindo minhas pernas fraquejarem, não recuei.

Seus dedos seguravam o aparelho com muita força na mão direita. Ele estava prestes a fazer uma coisa muito idiota. Cada centímetro do corpo dele dizia isso.

— Certo — ele se aproximou, e meus pés pareciam plantados no chão. — Você deveria saber como é. Deveria... Deveria...

— Não posso te deixar roubá-la, cacete! Assim como você não pode me deixar mentir! Nós... Nós estamos aqui um pelo outro, não podemos... — eu calei a boca porque ele se aproximou muito.

Eu sentia seu nariz quase tocando o meu, eu sentia seus olhos escuros cravados em mim muito mais intensamente do que os via. Mas então ele apenas se afastou, em um único movimento, me deixando com cara de idiota, e murmurou:

— Certo — repetiu. — Eu não consigo devolver o celular. Mas não vou fugir. Não posso roubar o celular se não houver celular para roubar.

— Eu não estou ent...

E então ele jogou o celular na parede e eu observei enquanto cada pedacinho do aparelho era ricocheteado para um lado da sala.

— É uma semana ruim, Clarissa — disse ele. — Eu avisei que era uma semana ruim.

E então ele me deu as costas e saiu da sala. E eu o deixei ir.

Fletcher

Eu estava deitado em minha cama, jogando a bolinha de borracha roubada na parede e a pegando de volta. Repetidamente. Elena já dormia, estava acostumada com o barulho da bolinha. E então Clarissa entrou no quarto. Apenas a luz do abajur estava acesa, de modo que eu não a via tão bem, mas percebi que ela estava se esforçando para ficar sempre de costas para mim.

Então a observei. Observei-a deitar-se, observei-a soltar o cabelo, que ficara preso num coque mal-feito (não um daqueles coques frouxos de revistas adolescentes, um coque mal-feito mesmo) o dia inteiro, observei-a agarrar o cobertor como se fosse oxigênio e observei-a lentamente cair no sono. Observei uma mecha do cabelo cair sobre seus lábios, observei sua respiração desacelerar, observei seus músculos relaxarem. Por fim, observei-a adormecer, pensando em como parecia natural. E de fato devia ser um fenômeno bem ordinário, mas para mim parecia impossível.


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