Após sair da biblioteca, Miyuki estava praticamente correndo de volta para o quarto, a última coisa que queria era que Ayato acordasse e percebesse que ela havia saído do quarto sem a “prévia autorização” dele. Então ele viria, novamente, com aquele enjoativo papo de que iria puni-la por desrespeita-lo.

Aliás, após o fatídico episodio do pesadelo, essa parecia ser a única coisa que o garoto sabia falar. Miyuki já havia tentado de incontáveis formas fazer com que Ayato conversasse com ela sobre isso, mas o garoto se recusava veemente a dizer qualquer palavra sobre o assunto e ficava realmente incomodado quando Miyuki o questionava sobre. Então, ela apenas desistiu. Continuava tentando entender o acontecimento, principalmente porque havia se repetido mais de uma vez, mas já havia desistido de contar com a ajuda de Ayato para isso.

Estava tão perdida em seus pensamentos que nem ao menos percebeu o momento que chegou a porta do quarto do vampiro e quase passou reto, porém percebeu antes disso e retrocedeu o pequeno passo a mais que havia dado.

Miyuki pós a mão na maçaneta, porém antes de girar e entrar ela notou um barulho vindo do interior do cômodo. Era um barulho estranho de metal, um barulho estranho, mas que a garota já tinha escutado algumas vezes, então ela rapidamente o reconheceu.

— Pesadelo – Murmurou em voz extremamente baixa antes de finalmente adentrar o quarto seguindo sem hesitação para a “cama” onde Ayato dormia.

O barulho de metal que podia ser escutado do lado de fora era a famigerada cama metálica que, em intervalos de pequenos segundos, balançava de acordo com os movimentos do vampiro, algumas vezes mais e outras menos.

Miyuki se apressou para abrir a porta da Dama de Ferro, mas com Ayato se mexendo lá dentro se tornava ainda mais difícil levantar a pesada porta, mas, depois de fazer muito esforço e quase desistir, ela finalmente conseguiu abrir a porta de sua atual cama, a qual ela dividia com Ayato que, por sinal, continuava a se mexer lá dentro com o rosto contorcido em uma careta que não parecia expressar muita felicidade.

Cautelosamente Miyuki se inclinou para tocar o vampiro em uma tentativa de acordá-lo, mas parou subitamente ao conseguir ouvir, e compreender, um de seus múrmuros.

— Não... Não – Ayato se mexia desconfortavelmente enquanto falava e a garota estava totalmente imóvel a espera de conseguir entender algo útil de todas as coisas sem sentido que o garoto dizia enquanto tinha um pesadelo – Não mamãe... Não... Me-água não... Jogue não! Afogar... Por favor-vou, não!

Mamãe... Água... Jogue... Me... Não... Por favor... Afogar... Vou

Todas estas palavras dançaram em direção à cabeça de Miyuki e ela rapidamente montou o quebra-cabeça, finalmente conseguindo compreender o que Ayato queria dizer com todas aquelas palavras desconexas e, aparentemente, sem ligação alguma.

— Mamãe não me jogue na água, vou me afogar – A garota repetiu em voz alta a frase que havia acabado de montar em sua cabeça – Meu Deus!

Toda essa história de “Não me jogue na água, mamãe” poderia muito bem ser uma daquelas brincadeiras de mães e filhos onde os pais pegam as crianças e ameaçam taca-los em uma piscina, mas não o fazem e todos riem e ficam felizes. A única objeção para essa teoria era que se Ayato estava tendo um pesadelo sobre isso então muito provavelmente não deveria ser uma lembrança agradável.

Tendo isso em mente, mais perguntas lhe ocorreram. Será? Será que a mãe de Ayato teria tentado afoga-lo? Ou será que ele apenas tinha levado a brincadeira muito a sério? Ou talvez ele já tivesse um medo de água e por isso teria ficado tão assustado quando a mãe ameaçou joga-lo lá. Parando para pensar, ela nunca havia visto a mãe de Ayato e todas as vezes que se tocava no assunto “pai” os garotos ficavam extremamente desconfortáveis.

Miyuki balançou a cabeça como se isso fosse espantar seus pensamentos, pois se lembrou de que tinha de acordar Ayato. Então novamente ela se abaixou, mas desta vez ela o cutucou levemente, porém foi o suficiente para que o garoto se levantasse de uma vez completamente apavorado.

O vampiro estava tão vulnerável e apavorado que nem ao menos se deu conta de que Miyuki estava parada em sua frente, pois estava muito ocupado olhando para os lados afoito a procura de algo que muito provavelmente nem ele sabia o que era.

— Ayato – Miyuki o chamou, mas não obteve resultados – Ayato! – Tentou novamente, porém continuou sem ser ouvida.

Numa tentativa de atrair a atenção do garoto que ainda aparentava estar em estado de pânico, ela segurou o rosto dele com as duas mãos e fez com que o vampiro direcionasse o olhar para seu rosto. Era possível para Miyuki enxergar o desespero e o medo nos olhos de Ayato e isso era muito estranho para ela. A garota nunca se acostumaria a ver uma pessoa tão arrogante, autoritária e narcisista como ele naquele estado frágil e assustado.

Ainda segurando firme com as mãos nas bochechas dele, Miyuki tomou coragem para dizer algo olhando bem para os olhos do garoto.

— Ayato, se acalma. Eu tô aqui, calma. Shh. Tá tudo bem, foi só um pesadelo.

Ao ouvir a voz da garota Ayato finalmente acordou de seu “transe” e Miyuki conseguiu facilmente perceber isso quando o garoto deu um tapa em suas mãos a fazendo se afastar rapidamente dele, com isso ela notou imediatamente que Ayato estava de volta

— O que você pensa que está fazendo?! – Gritou o vampiro visivelmente alterado

— Você estava tendo um pesadelo de novo, não é? – Miyuki rebateu o garoto mantendo a voz em um tom calmo

— Logico que não! O que você pensa que está falando de Ore-sama?! E quem te deu o direito de fazer aquilo?

— Caramba Ayato! Você acha que eu sou trouxa? Que eu tenho medo de você só porque você é um vampiro? Admite pelo menos uma vez alguma coisa, cara. Eu sei o porquê dos seus pesadelos

No momento que as palavras deixaram a boca da garota a expressão de Ayato suavizou levemente e em um lapso de momento ela pode ver novamente aquela expressão frágil no rosto dele.

— Não sabe – Ayato murmurou

— Mesmo se eu realmente não tivesse a menor ideia – Miyuki começou a falar em um tom calmo – Você sabe que só pela sua reação eu já teria uma ampla ideia, não é?

— Você não sabe! – O vampiro exaltou-se com a garota e fez menção de se levantar, mas Miyuki o segurou no lugar e o manteve sentado.

— Calma garoto – A garota pegou um banquinho que se encontrava perto e se sentou nele de frente para Ayato – Vamos conversar

Ayato virou a cara fazendo uma careta e evitou o olhar de Miyuki, exatamente como uma criança fazendo birra.

— Não quero conversar com você garota, me deixe em paz – Respondeu o vampiro duramente e a garota apenas suspirou.

— Então tá, vira aí e dorme, porque, querendo você ou não, eu falar. Se eu estiver conversando com a parede, aí já não é comigo. Você presta atenção se quiser – Miyuki respondeu enquanto mirava um olhar cansado no vampiro e logo em seguida acrescentou murmurando – Se bem que conversar com uma parede é bem mais produtivo do que tentar manter uma conversa com você

— O que?!

— Nada, nada – Miyuki respondeu fazendo um pequeno movimento com as mãos.

Ayato simplesmente bufou e murmurou algo incompreensível enquanto voltava a deitar em sua “cama” deixando Miyuki ali sentada.

A garota ainda permaneceu calada por mais algum tempo, perdida em sua própria linha de raciocínio sobre o que ela deveria dizer. Era mentira o que ela havia falado, ela não sabia realmente o motivo dos pesadelos de Ayato, mas tinha uma grande suposição do que poderia ser, porém era somente mais um tiro no escuro e ela não estava totalmente certa se ela gostaria de arriscar

O vampiro por outro lado não estava dormindo, ele estava preocupado. Ayato estava em uma batalha interna pensando se deveria ou não contar as coisas para Miyuki, ela fazia ele se sentir estranho, estranho de uma forma que ninguém havia feito antes, ninguém exceto... Yui.

Antes que seus pensamentos fossem mais fundo em suas memorias, a voz de Miyuki o chamou de volta.

— Por que – Ela começou, mas sua voz deu uma pequena falhada então ela fez uma pequena pausa antes de continuar – Por que a sua mãe te jogou na água?

Quando Miyuki terminou de falar, Ayato imediatamente se levantou e olhou de uma forma assustadora. O vampiro se aproximou levemente da garota e esta fez o melhor que pôde para permanecer parada onde estava

— Quem. Te. Disse. Isso? – Ayato perguntou pausadamente com o rosto bem próximo ao de Miyuki, entretanto antes que a garota pudesse responder ele se afastou bruscamente e se levantou, ficando completamente em pé na Dama de Ferro e de costas para a garota – Foi o Raito não foi? Foi ele não foi?!

O garoto se pronunciou uma oitava mais alto virando-se novamente de frente para a garota

— Não! – Miyuki respirou fundo – É obvio que não! Sossega Ayato.

Miyuki se levantou do banquinho onde estava sentada e se aproximou do vampiro colocando uma mão no braço dele

— Olha, eu sei lá, eu não te entendo – Miyuki começou com um olhar sério e sincero direcionado a Ayato – Eu realmente não te entendo, mas... Se você precisar ou quiser, sei lá, falar com alguém lembre-se que eu estou aqui

Ao terminar de falar Miyuki fez um breve carinho no braço do garoto e foi se deitar deixando Ayato ali em pé processando as palavras dela e sem saber realmente como deveria reagir diante disso.