Gretel caminhava por um longo corredor, se virou e abriu a porta de seu antigo quarto:

–Demoraste a voltar ao seu quarto minha pequena...

Um homem gordo e calvo estava sentado em sua cama, na parte de baixo do beliche velho e a parte de cima estava vazia:

–Onde a Ane está?

–Não se preocupe ela vai passar a noite com Primia ¹ Clara...

–Onde ela está?!

O homem se levantou, era bem mais alto que ela. Ele tentou tocar os cabelos da garota, agilmente ela recuou:

–Ane está bem... Ela já não tem que lidar com esses problemas... – premeditadamente ele trancou a porta sem fazer barulho – Alem do mais... Você deveria se preocupar por si mesma.

E agarrando-a pelos braços a obrigou a se deitar, a garota se debateu e tentou gritar, com a mão solta ela atingiu o rosto dele abrindo um corte com suas unhas, mas ele foi mais forte e a imobilizou.

Ela gritou por ajuda, o homem puxou o travesseiro e abafou seus gritos até que se tornassem murmúrios sem nexo, Gretel em um estado de quase morte ainda pode ouvi-lo dizer:

–Guarde o seu fôlego para rezar por minha alma condenada!

Com o coração disparado e o rosto coberto de suor frio, Gretel acordou ainda de madrugada, Dináh roncava suavemente no outro quarto, do lado de fora os grilos podiam ser ouvidos.

Ela sentiu seu corpo todo doer e se levantou para ir à janela. No céu as estrelas brilhavam mais do que nunca e só um filete da lua minguante podia ser visto no alto da abóboda celeste, suavemente ela recitou:

–Majestade das noites que vem e vão, me banha com sua luz de prata preciosa, espanta os males que rondam onde durmo, traz quietude para meu sono, pois hoje eu a adorarei Majestade do céu noturno...

Em quanto recitava um famoso Hino Policrença em homenagem à lua lagrimas vieram rolar por seu rosto:

–Hoje entrego à vossa Majestade meu corpo e espírito nobres ao calmo beijo de tua luz, que eu seja digna de um dia partilhar o céu com minha Majestade Deusa Lua e todos os valorosos Deuses e guerreiros que ai residem...

Na manhã seguinte antes que o sol nascesse os guerreiros já se despediam de suas esposas e filhos, as espadas e porretes em mãos. Todos protegidos por armaduras leves e flexíveis de couro e portando o escudo dos Ossis (circular com bordas prateadas e um lobo vermelho no centro).

Nenhum montava a cavalo, nem a própria Lady Gretel. Nada a distinguia dos demais guerreiros exceto uma fina tiara de ouro, símbolo da autoridade dos lordes.

Os homens e mulheres que lutariam arranjavam os últimos preparativos para saírem, Bodicéia uma das guerreiras que mais se destacava no campo de batalha ia a frente ao lado de Gretel e outros corajosos que enfrentariam a morte unidos, reconhecendo que suas chances de voltar vivos eram as menores dentro do batalhão. Essa sensação de morte inevitável os fazia lutar três vezes mais ferozes, já que poderiam morrer que levassem o máximo de inimigos para a cova.

Os exércitos das cinco cidades juntas não passavam de oito mil homens, desses cinco mil guardariam Foxburg e os outros dariam a volta na montanha. Junto de Lady Gretel iriam Lorde Salem e Lorde Daring.

Agruparam e dividiram as tropas, solenemente cada lorde deu suas palavras de incentivo e cada qual assumiu sua posição. Lorde Daring se colou à esquerda de Salem, era visível que tinha medo.

Os três lordes levavam espadas embainhadas, um grupo de lanceiros de Wolf Hills os acompanhava na marcha, só as armas leves estavam sendo levadas, pois a caminhada seria exaustiva.

Gretel havia dormido pouco e muito mal, mas o cheiro da batalha logo despertou-a e a caminhada se estenderia por quase uma hora antes de atingirem Foxwood.

Daring vendo o estado da velha trilha de pastores logo sugeriu:

–Poderíamos ir pela parte mais íngreme da encosta, isso encurtaria a viajem em alguns minutos...

–Mas a viajem seria mais cansativa.

Salem não conhecia a montanha e preferia continuar seguindo a trilha, porém a lady depois de olhar atentamente a larga encosta se decidiu:

–Vamos subir, mas não podemos nos aproximar demais do cume, os Sonsocs poderiam nos ver.

–E os soldados? Não se cansariam mais subindo e dando a volta?

–Não, porque vão andar por menos tempo e a outra parte é uma descida suave.

Salem concordou os três se separaram para dar as novas ordens. Enquanto subiram a paisagem se alterou pouco à pouco e a urze tomou o lugar dos arbustos e arvores baixas.

As rochas eram firmes e a caminhada foi relativamente fácil, e quando se encontravam perto de atravessar o desfiladeiro entre os dois cumes da Montanha Quebrada um cheiro familiar chamou a atenção de todos, um cheiro ferroso e acre, embora muito suave e trazido de longe pelo vento Gretel o reconheceu:

–É sangue fresco...

–Melhor mandarmos um batedor averiguar a situação antes de tomarmos uma decisão.

Sabiamente aconselhou Lorde Daring.

–Mandaremos seis para dar sorte.

Lorde Salem destacou de suas tropas seis batedores para se espalharem e trazer notícias. Em quanto esperavam todos puderam se refrescar no pequeno riacho que separava as duas partes da montanha, mas sabiam que aquela seria a ultima pausa do dia.

Não demorou muito um dos batedores voltou:

–Mi lordes! Mi Lordes! – ele estava apavorado e seu tom de voz era urgente – a guerra começou! Já estão atacando Foxburg!

Gretel desembainhou a espada:

–Vamos passar pelo desfiladeiro!

Daring assustado perguntou em um grito:

–E como chegaremos lá a tempo?!

–Correndo como nunca corremos em nossas vidas!!!

Os três lordes se juntaram e num único brado levantaram as armas:

–Em frente!

E descendo o mais rápido que puderam viram que as tropas das duas nações já tocavam os ferros. O combate mesmo que desigual estava relativamente equilibrado para os dois lados.

Com os três lordes à frente a adição daquela tropa de surpresa favoreceu os Ossis, mas ainda haviam centenas de oponentes à serem derrotados.

Daring era habilidoso no uso da espada, mas ainda tinha certo receio em matar seus semelhantes.

Os lanceiros fizeram um grande estrago o que dividiu as forças Sonsocs em duas metades, uma que se punha em frente de Foxburg e a outra dentro da floresta.

Lorde Fagin defendia sua cidade como um leão e ao seu lado Lewis brandia seu enorme machado, um de seus golpes podia facilmente partir um crânio em dois.

O combate dentro da floresta sem dúvida era o mais brutal, Gretel depois de derrotar mais de doze soldados e ferir mortalmente outros cinco estava com um corte aberto no braço esquerdo.

As espadas rugiam entre as árvores e dos dois lados as perdas eram significativas, e quando o comandante Sonsoc percebeu que tentavam cercar a sua metade da tropa deu a ordem de retirada antes que o cerco fosse fechado.

O resultado não poderia ter sido mais oposto ao que ele desejava. A parte da tropa que tentava assaltar a cidade foi rechaçada e as duas se comprimiram de encontro uma com a outra e em torno deles os Ossis pela frente e pela retaguarda os atacavam.

Já passava das duas da tarde quando a batalha atingiu seu auge, Lorde Salem tombou ferido no peito profundamente.

Daring que estava próximo foi ao seu encontro:

–Daring... – chamou-o – chegue perto preciso dizer-lhe algo...

O menino o envolveu entre os braços para ouvir as ultimas palavras dele murmuradas ao seu ouvido. Logo ao ouvir seu segredo ele se pôs a chorar com o corpo de Salem apertado de encontro ao peito.

Nesse momento a maioria dos Sonsocs estava morta ou agonizando, o chão tinha fundas poças de sangue e muitos estavam feridos, Gretel ao ver o corpo do Lorde deitado ao chão ergueu um apelo:

–Irmãos, ouçam todos! Lorde Salem de Ravenburg está morto! E sua morte pede vingança, aqueles que me acompanham que ergam suas armas!!!

Daring delicadamente beijou a fronte do morto, fechou seus olhos vidrados e ao levantar empunhou a espada apontando para o céu, onde o sol descia pelo horizonte.

Os lordes restantes decidiram que Daring e seus homens deveriam ficar em Foxburg cuidando dos feridos e defender preventivamente a cidade, o jovem Lorde estava tremendamente abalado pela perda.

Salem e Daring eram extremamente ligados e com a morte do Lorde uma parte do menino morreu juntamente.