Criança Domesticada escrita por AneenaSevla


Capítulo 7
Devo chamar isso de metamorfose?


Notas iniciais do capítulo

"Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses."
Rubem Alves



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Licia! Thomas a chama, na sua costumeira telepatia. Acorda Licia, já é de manhã.

Perturbada por alguma coisa pesada pulando em cima da cama, Alicia, agora com doze anos, se vira na cama.

– Hmmm… Thomas, deixa eu dormir… – ela gemeu, puxando o edredom para a cabeça.

Licia, acorda, você tem que sair, lembra que você tem de ir pra… mal ele pensou na palavra "escola", a menina deu um pulo da cama que quase joga o monstrinho - que na verdade agora era um monstrão de metro e oitenta - para fora.

– Minha nossa! Thomas, por que não me avisou antes?!

Você que tem ouvido de pedra. Ele retrucou, ainda sentado na cama, observando a garota pegar algumas roupas no closet e ir ao banheiro.

Ela agora estava no oitavo ano, tinha entrado para a escola porque seus pais, ao ouvirem das empregadas que ela falava com um bicho - Thomas não tinha interesse em falar com ninguém, então pensava-se que ele não falava - resolveram matriculá-la numa escola cara, que ficava um pouco distante da mansão, mais ou menos uma hora de carro. E devido ao seu preceptor, colocaram-na na mesma série que Clarice, e embora ambas fossem da mesma idade, era um pouco adiantado.

Thomas a observava se arrumar com pressa, até que ela olha para o relógio e quase tem um troço:

– Seis horas?! Thomas… - ela faz cara feia para ele - minha aula começa de nove!

Ele encolheu os ombros. Você sempre acorda atrasada, e se arruma desse mesmo jeito… e sempre se esquece de alguma coisa, pensei que assim você tem tempo de fazer tudo direito.

– Mas precisa me acordar de seis da madrugada?

Da manhã. Todo mundo já está acordado, exceto você. Ele aponta para ela, que revira os olhos.

– Tá, que seja… já tou acordada mesmo… - ela arruma a bolsa, enquanto Thomas sai da cama e senta na cadeira perto da mesa onde ela estava, pegando um dos livros e lendo sabe-se lá como ele fazia isso.

Ela o observa. Thomas não podia ir com ela para a escola, mas em casa ele fazia questão de que ela o ensinasse tudo, obrigando-a a revisar e estudar tudo de novo, sem ela saber, acabava ajudando. Alicia, depois desses anos de convivência, percebeu que ele, além de crescer pra caramba, era muito curioso acerca das coisas ao seu redor… exceto talvez, das outras pessoas e convívio social, pois todas as vezes que alguma visita chegava, ele se escondia - tanto que a mãe de Alicia nunca o vira. Mas, de resto, continuava com a aparência magricela e com a cara branca sem olhos, orelhas, nenhum pêlo no corpo e sua boca - toda preta, cheia de dentes branquinhos e afiados como os de um tubarão - sempre debaixo de uma camada de pele, que toda vez ele rasgava para comer, o que acontecia uma ou duas vezes por semana. Já não era tão estranho, mas era feioso do mesmo jeito.

Já ela estava começando aos poucos a tomar forma de uma moça, os cabelos negros sempre na altura do ombro, os olhos cinzentos de vez em quando maquiados e um e sessenta de altura, um tamanho consideravelmente alto para a idade.

Ele percebe que Alicia o observava e a encarou, uma sobrancelha erguida. Que foi?

– Ué, nada, não posso mais olhar para você? - e ela continua a arrumar a bolsa, até que ela percebe Thomas estremecer em meio à leitura, e massagear as costas, grunhindo - agora sou eu quem pergunto, o que foi?

Ai… ele geme, minhas costas estão ardendo de novo…

Ela se aproxima. Deixa eu ver, e pede para ele tirar a camisa social branca. Nas costas dele, aqueles oito sinais pretos nas costas dele estavam se mexendo, e quando ela tocou um deles, ele rosnou, tremendo de dor. Aargh, não toca aí, isso arde!

Thomas, é melhor você se deitar. Você está mais quente que o normal, quase fervendo… Alicia ficou preocupada, isso não era normal dele, ele sequer ficou doente nesse tempo todo, nem mesmo nas vezes em que ela ficou resfriada por causa da mudança de estações ou com dor de cabeça. Ela o fez se deitar de bruços na cama dele - um futon japonês que ela teve de comprar por ele ter ficado grande demais para o sofá - e depois o cobrir até a cintura com o cobertor. Ela não sabia mais o que fazer, só pegar um pano com água gelada e colocar no local.

Pronto, espero que alivie… ela se sentou na beirada do futon e ficou observando, ele respirava rapidamente, ofegando. Os pensamentos dele expressavam agonia, tão forte que ela quase sentia na própria pele.

Ela queria chamar as empregadas para ajudar, mas a cara que faziam quando olhavam para ele era tão feia que ela desistiu na mesma hora. Estava se sentindo tão impotente vendo-o daquele jeito…

Licia… ele ergueu as sobrancelhas, como que olhando para cima. Você não tem de ir pra escola?

Eu tenho, mas… e você? Ela massageou a cabeça dele, fazendo-o ronronar, apesar da dor.

Tudo bem, eu fico quieto aqui, você tem de ir… eu vou ficar bem…

Tem certeza?

Eu… acho que sim… sinto que tenho de ficar deitado, só isso…

– Tá bom então… eu volto o mais rápido que puder.

E ela pegou a bolsa e saiu do quarto, descendo para o café da manhã para ir à escola.

O dia passou devagar, ela assistindo as aulas, um ouvido no professor, outro na sala. Anotava tudo, para ensinar a Thomas mais tarde… o que aliás, ela não parava de pensar nele, preocupada com seu bichinho, tocando nervosamente a caneta na mesa e olhando o relógio ansiosa. Clarice notara a preocupação dela, e se aproximou um pouco da cadeira vizinha.

– Algum problema, Licia? - a outra levou um susto ao ouvir seu nome chamado - parece tão nervosa…

– Eu… é… - queria achar uma desculpa, mas não pensava em nada - o problema parece tão complicado…

– Preocupada com a prova? Eu posso ir na sua casa hoje, aí eu te ensino…

– NÃO! - de repente ela calou a boca com o grito repentino, outros da sala olhando para ela. Quando ela se desculpou e todos pararam de olhar, ela sussurrou para a amiga, conseguindo pensar em algo - não dá hoje, as empregadas vão ter de limpar a casa, aí não dá.

– Oh, tudo bem - Clarice sorriu, assentindo - mas depois a gente revisa.

Alicia ficou aliviada quando a aula acabou e ela entrou no carro, o motorista, chamado de Kyle, sorriu para ela.

– Para casa, Kyle, rápido… - disse ela colocando o cinto.

Assim que dava a partida no carro e seguia para a estrada, o homem perguntou:

– Para quê a pressa, senhorita? Tão ansiosa assim para ver o seu bichinho?

– Ele está estranho e… - de repente ela parou - pera, como você sabe sobre Thomas?

Kyle riu.

– Eu ajudei o seu pai a trazê-lo para casa quando seu pai o trouxe. E de vez em quando encontro com ele andando pela casa de manhã cedo. Cresceu um bocado, não?

– É, ele me disse que tinha quatro anos quando chegou…

– Quatro anos? Nossa, então ele deve crescer mais… e ele se parece muito com um humano, deve crescer até…. ei, como ele disse algo para você? Ele não tem boca…

– Ele tem, mas não fala por ela… ninguém acredita em mim, lá em casa acham que sou louca…

– Eu acredito em você. Quando vi aquele… monstrinho, pela primeira vez, eu deixei de ser cético para essas coisas. Há muito mais entre o céu e a terra do que diz nossa vã filosofia…

Alicia sorriu, finalmente achou alguém que não achava ela louca ou "com imaginação fértil demais". Desde aquele dia que Clarice falou sobre as criaturas ela tem observado, mas na internet não achou nada sobre ele, só sobre os mesmos monstros com garras e tentáculos que usam ternos…

– De repente ele pode ser isso mesmo, só que sem os tentáculos… vai que cortaram, feito fazem com cachorros…

– Ai, que horror, quem faria isso com ele?

– O ser humano não é a mais forte, mas é a mais perversa das criaturas… vai entender um dia.

Ela ia perguntar o porquê, mas o carro já havia chegado à mansão. Ela saiu em disparada, subindo as escadas - não tinha tempo pra elevadores - e seguiu para seu quarto, quando o abriu, parou no mesmo instante.

Licia… Ele estava apavorado, e ela acabou ficando também. Thomas estava sentado, tremendo, com oito apêndices com formato de cobras negras saindo das costas, cada um com um metro e meio, estirados no chão, meio arrastados pelos movimentos dele. O que é isso?

Então é verdade, ela pensou consigo mesma. Ele é um monstro dos tentáculos. Um Slender.


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Notas finais do capítulo

Dois capítulos de uma vez?
Sim, mas não se acostumem. Dessa vez tou escrevendo para não perder o fio de narrativium, e tentando achar alguma coisa para minha outra fic quase paralisada. =/
Mas fiquem com esses capítulos e divirtam-se... e se não incomodar quem puder pliz mande um review, ok?
Bjo, xaaau!



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