Capitulo I - A Boneca

Não fiquei feliz com a mudança repentina, por mais que a nova casa fosse maior e mais luxuosa que a antiga algo nela me causava arrepios.

Meu quarto era no segundo andar, o penúltimo do corredor, não tive nem a opção de escolhê-lo, quando cheguei a casa minhas coisas já estavam nele e por tudo que estávamos passando não quis bancar a menina mimada e pedir para trocar, mas tem algo nele que me intriga, a noite parece que escuto sussurros e às vezes parecem dizer meu nome.

Desperto assustada acendo o abajur e não vejo nada, no primeiro dia achei que fosse minha mãe, mas ela está doente sem poder sair da cama e seu quarto fica a dois quartos de distancia do meu, então descartei está hipótese, a cada dia os sussurros ficam mais fortes e não é só isso, ontem eu achei uma boneca de porcelana que tenho absoluta certeza não ser minha.

Quando cheguei da escola, como de costume fui dar um beijo em minha mãe e depois para o meu quarto, chegando lá encontro uma boneca linda em cima da minha cama, no começo achei que papai tinha comprado ela para mim, mas achei estranho há muito tempo ele não me dá mais bonecas, sempre que me da um presente são roupas ou coisas uteis como ele gosta de dizer.

Fiquei encantada com a aparência da boneca, nunca tinha visto nenhuma parecida, ela era totalmente branca, seus cabelos lisos na altura dos ombros, o tom da cor da sua boca era um vermelho sangue que se destacava, mas o que mais me chamou atenção foram seus olhos, eram azuis, de um tom vivo e penetrante, seus cílios eram longos, qualquer um que olhasse diria que ela estava observando alguma coisa.

Quando papai chegou do trabalho fui toda feliz lhe agradecer o presente, ele ficou surpreso, disse que não havia comprado a boneca, minha mãe muito menos, então me mandou perguntar a Gabriela a empregada da casa.

Quando cheguei à cozinha Gabi estava preparando o jantar, lhe mostrei a boneca e ela me contou que tinha a achado no porão da casa, e achou um desperdício a deixar lá, mesmo que eu não brincasse mais de bonecas ela serviria para enfeitar minha cama.

Agradeci a gentileza dela e fiquei curiosa a respeito deste porão, papai nunca comentou nada, e eu também estava tão perturbada com tudo o que aconteceu ultimamente que nem explorei a casa direito, mas a boneca despertou minha curiosidade, ela parecia exalar algo, estranhamente ela me parecia guardar um segredo.

Pensei em ir ao porão após o jantar, mas fiquei com medo, por mais que seja a minha casa não deixava de ser um porão, e a noite as coisas sempre parecem mais assustadoras.

Como todas as noites, peguei meu livro de contos e fui para o quarto de minha mãe, ela é esquizofrênica, a doença dela piorou muito há uns cinco anos atrás quando meu irmão Jason caiu do berço e acabou morrendo de traumatismo craniano.

Nos laudos foi comprovado que a proteção do berço ficou aberta, e ele rolou e caiu, uma fatalidade, mas minha mãe insistia em dizer que não, que ela o deixou dormindo com a guarda do berço levantada, ela não se conformava com a perda do filho, por mais que os médicos tentassem lhe explicar que foi uma fatalidade, ela não parava de insistir que alguém tinha matado seu filho, daí em diante suas crises foram ficando piores e cada vez mais frequentes.

Papai não teve alternativa a não ser a internar em uma clinica de reabilitação, eu tinha dez anos, mas me recordo de tudo como se fosse ontem, ela ficou três anos nessa clinica, sempre que eu ia visita-la parecia que cada vez mais fora da realidade ela estava, seus olhos já não tinham o mesmo brilho de antes, lembro-me que quando papai a trouxe para casa ela já não falava mais, hoje ela passa a maior parte do tempo dormindo, as vezes penso que se ela dormisse menos talvez pouco a pouco recobrasse sua consciência, mas papai me explicou que o corpo dela já esta dependente dos remédios e que não seria seguro para ela para de tomar.

Desde então todas as noites eu pego meu livro de contos, que ela lia para mim quando eu era pequena e leio a mesma história para ela, às vezes ela já está dormindo quando termino de ler, outras vezes ela ouve tudo, quase nunca muda sua expressão facial, esta sempre com aparência calma, parece estar viajando em meio a pensamentos, seus olhos sempre focam o nada.

Depois da leitura dou um beijo em sua testa e vou para meu quarto dormir.

Essa noite algo diferente aconteceu, tinha a total certeza de ter deixado a boneca em cima da cama antes de ir para o quarto de minha mãe, mas quando voltei a boneca estava sentada na cadeira da minha penteadeira, pensei que tinha largado ela lá e tinha esquecido, afinal bonecas não se mexem sozinhas.