Ruína escrita por Aislyn


Capítulo 3
Perdida




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Eu me encontrava mais uma vez em Tóquio, por um ano havia lutado até a exaustão, mil batalhas travadas, mil vitórias mesmo assim. A cada vez que a lâmina da minha espada cortava, eu pensava nele... A cada dia que se passava, o que eu senti por ele aumentava e atingia proporções que já não cabiam dentro do meu ser. Aquela chuva forte no meio do inverno purificava o meu corpo sujo pelo sangue do último ser demoníaco que eu havia derrotado, estava mais uma vez em dia com minha missão na Terra, a última horda fugitiva havia voltado para a prisão infernal. Eu abri as asas e voei sem um rumo certo, estava mais forte e quanto mais experiência adquiria em batalha, maiores ficavam os meus poderes. Vi meu reflexo em um espelho d’água quando fiquei rente ao chão, minha aura brilhava em torno do belo corpo que eu tinha. As longas madeixas onduladas de um castanho vibrante estavam soltas, esvoaçando junto à vontade do vento, a pele branca sem nenhum arranhão e os olhos verdes transpareciam toda a tristeza que eu passei a carregar desde o dia em que vi aquele jovem naquele beco.
Eu estava em uma praça, como chovia, não havia ninguém ali, então eu coloquei os pés no chão e caminhei tranquilamente. Alguns metros dali, ouvi uma voz baixa, familiar... Minha alma balançou em meu interior, até pensei que já estava chegando ao ponto de pregar peças em mim mesma por conta do fascínio que ele exerceu em mim.

– Konayuki...

Eu ouvi meu nome em tom de súplica, não podia estar enganada. Era ele! Sai correndo e consegui chegar até lá, ficando em pé diante dele. Os olhos vermelhos olhavam para o céu, seu corpo ensopado por causa da chuva, a pele castigada pelo frio, não acreditava que ele estava se entregando outra vez... Conseguia ouvir a alma dele gritando para que fosse levada dali. Pelos céus... Achei que ele conseguiria se reerguer, que a chance de um recomeço era o suficiente para ele. O que eu havia feito?
Me ajoelhei, sabia que ele não podia me ver, coloquei a mão na testa dele e fiz com que ao menos aquela carícia ele pudesse sentir. Seus lábios roxos se contorceram formando um sorriso, os olhos se apertaram e ele olhou exatamente na direção em que estava o meu olhar. Parecia que ele conseguia me enxergar.

– Você é mesmo um anjo... Eu devo estar próximo da morte... Agora sei como chama-la. Preciso morrer para ter você perto de mim?

– Seiji? – Chamei pelo nome dele em dúvida. O que estava acontecendo? – Está me vendo?

– Tão bela como nunca a vi antes...

– O que você fez? Por que se apega tanto à morte quando precisa buscar um motivo para viver?

– Não sei como é possível, eu não sei nada sobre você, por vezes pensei que não passava de um fantasma... – Ele continuava me olhando lá debaixo, seu corpo deveria estar congelando e mesmo assim, Seiji não demonstrava se importar. – Mas, no momento em que a vi deitada ao meu lado naquele beco, desfalecida, senti que havia encontrado o que me faltava. E você não me deu nem tempo para dizer isso... Quando dei por mim e reparei que um pouco daquele vazio fora preenchido, corri atrás de você e não a encontrei.

– Vamos, você precisa se levantar... Vou leva-lo para casa.

Eu sentei no chão e puxei ele para que deitasse em meu colo, senti uma sensação horrível ao tocá-lo, estava gelado demais. Há quanto tempo será que ele estava castigando seu corpo daquela forma? Eu não podia usar meus poderes para ajuda-lo, já havia infligido uma lei, não poderia arriscar. Ele não era minha responsabilidade, mas então o que me prendia ali e fazia com que eu não conseguisse deixa-lo? Perto dele eu conseguia me sentir viva de verdade, parecia até que eu era mais solitária que ele... Será que na verdade estávamos fadados a dividir aquela solidão?
Não sei que motivo ele tinha para sorrir num momento como aquele, mas ele o fez antes de desmaiar em meus braços. Eu o abracei com todas as minhas forças e encostei a cabeça na dele, a chuva começou a cair mais forte e os trovões ressoavam o tempo todo como se estivessem mandando que eu o tirasse dali. Fechei os olhos, não podia pensar mais... Reuni um pouco de energia ao nosso redor e num flash, consegui teleportar-nos para o apartamento dele. Eu só precisava aquecê-lo, então, o deitei em sua cama e espalmei as mãos sobre seu corpo. Com todo o carinho, fiz com que a luz que me envolvia pudesse envolve-lo também e que ele sentisse a imensidão daquele calor que minha alma emanava. Era suficiente para aquecer e secar o seu corpo, todavia, será que também chegaria até o seu coração?
Minha atenção se voltou para os seus braços, suas veias pareciam inutilizadas de tantos furos, era um pouco assustador. Eu podia curá-lo, entretanto, não achava mais certo interferir na vida dele. Talvez se eu o tivesse deixado morto no beco, ele teria ao menos encontrado a paz.

– Meu anjo torto... Pelo menos essa noite você não vai dormir sozinho.

Eu beijei sua testa e o cobri. Uma caderneta chamou minha atenção em seu criado mudo, estava com uma lapiseira em cima... “Eu deveria ser forte, corajoso! Deveria acreditar mais em mim e ter confiança... Queria poder dizer que tudo vai ficar bem, que amanhã vou olhar pela janela e ver que o sol nasceu e me deu uma nova chance de contemplá-lo, mas tudo o que eu sinto é dor... Dor, dor, nada mais do que isso!”
Que mal poderia ser aquele que acometia um ser humano de olhar tão doce? Eu tentava enxergar dentro da alma dele e não compreendia... Não era um mal físico e nem mental! Aquele vazio dentro de Seiji me parecia uma força com vontade própria, era algo que realmente estava além do meu entendimento. Eu precisava buscar uma solução, pensava em mil respostas, mas nenhuma era a correta. Olhei para a minha espada embainhada e por um instante ela brilhou... Aquela era a resposta será? Somente ele poderia lutar contra aquele vazio? Sobretudo quando nem eu mesma conseguia penetrar dentro dele para preenche-lo totalmente de luz.
Naquela noite eu sabia que ele dormiria por muito tempo, então, me sentei ao seu lado na cama e fiquei ali, velando seu sono e acariciando seus cabelos negros.


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