Beating Heart escrita por Sah Cyrell


Capítulo 2
I - Daniel




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13 de abril, 2011, 23h17min

Eu não sabia exatamente o quê estava sentindo. Acho que em maior parte eu poderia dizer que estava tomado pelo medo e pela raiva porque, francamente, eu não estava interessado nos “negócios da família”. Mas eu tinha que admitir – eu estava um pouco animado, talvez feliz, porque pela primeira vez meu pai finalmente tinha deixado de me ver como um moleque fraco que precisava de treinamento, sempre e sempre.

Você está preparado, foi o que ele falou.

– Você tem certeza disso, Tony? – Stephan Wolff perguntou, analisando o mapa que meu pai segurava com força, tanta força que os nós de seus dedos estavam brancos. O filho de Stephan, Theo, é um de meus melhores amigos, mas por alguma razão Stephan não quis que ele se metesse nessa caçada. É um pouco idiota, na verdade. Theo é melhor em combate e mira do que eu.

Talvez pelo menos um dos pais aqui se importe com o filho.

– Eu tenho certeza. – Meu pai falou. – Ele tem um esconderijo em algum lugar em Evanston. Não podemos perdê-lo dessa vez.

– Por que estamos fazendo isso, exatamente? – Foi a primeira vez que decidi me pronunciar.

Me senti um completo idiota logo que fechei a boca. Eu era só um garoto de dezessete anos, magricela, que não era bom em lutar, ou atirar, ou matar. Mas eu era o filho de Tony Carter, afinal. Algo supostamente deveria correr no meu sangue por causa disso. Todos esperavam que um dia eu fosse tão bom quanto ele. Ou meu avô. Ou o pai dele…

– Vou lhe explicar pela milésima vez, Daniel. – Ele disse, calmamente. Uma calma falsa, era provável. – Ethan Lockwood é o líder da maior liga de mercenários na Europa, e veio parar aqui. Muitas pessoas estão morrendo, e isso precisa parar. Se exterminarmos o líder, acabamos com o sistema. É muito simples.

Muito simples, claro. Tirando o fato de que o cara deveria ter o dobro de seguranças do que nós, que deveriam ser maiores do que nós e verdadeiros psicopatas.

– Então vamos matá-lo por fazer exatamente a mesma coisa que nós? – Eu ergui as sobrancelhas.

– Nós não fazemos, Daniel! – Ele berrou, dando um tapa na mesa com força. Eu dei um passo para trás. – Quantas vezes eu tenho que dizer isso pra você? Aqui, nós fazemos justiça. Lockwood não quer saber disso. Ele mata qualquer coisa que aparecer na frente dele, inocente ou não, culpado ou não, pensando apenas no dinheiro que irá conseguir por isso.

Eu tinha noção de que ele poderia acabar comigo ou até mesmo dar um tiro na minha cabeça se quisesse, mas eu estava cansado de viver debaixo da ditadura do meu pai. Cerrei os punhos, sentindo as unhas se enterrando em minhas palmas. Pelo menos assim ninguém veria que eu tremia com o nervosismo.

– Ah, que maravilha. Então somos tipo a polícia da máfia, é isso? Então por que vivemos nos escondendo? – Disparei.

Ele começou a vir em minha direção com o ódio aceso nos olhos como fogo. Já estava pronto para apanhar quando Crabble se meteu na minha frente e segurou meu pai pela camisa.

– Tony, ele é só um garoto. Não desperdice o seu tempo querendo dar uma lição de moral agora.

Mesmo que eu meio que odiasse Crabble, me senti grato por aquilo. Ele era um brutamonte idiota, apesar de ter certo estilo, com suas tatuagens cobrindo sua cabeça raspada.

Meu pai me lançou mais um olhar que eu entendi como um recado para manter a boca fechada. Encarei meus sapatos enquanto ouvia o barulho do destrancar de sua mala onde ele guardava sua preciosa Taurus 889. Ele checou a munição e a prendeu na bainha da calça, e eu mal tinha percebido o revólver 38 que ele trazia na outra mão antes que ele empurrasse a arma contra o meu peito.

Ergui os olhos para ele enquanto tomava a arma em mãos. Nos segundos em que nos encaramos, eu não vi um simples semblante de compaixão ou qualquer coisa do tipo em seu rosto. A mensagem era clara. Eu não podia decepcioná-lo.

Chicago poderia até ser a terceira cidade mais populosa da América, mas chegamos no esconderijo de Lockwood em poucos minutos. As ruas estavam parcialmente vazias, e Crabble dirigia em tamanha velocidade que eu havia agarrado o banco do carro só para ter certeza de que não seria atirado para o parabrisa. Quando estacionamos na frente do que parecia ser só as ruínas de um prédio abandonado, chequei a munição de meu revólver e puxei o capuz do casaco preto que usava para cima da cabeça. Estava frio, e o vento seco soprava diretamente em meu rosto, rachando meus lábios.

Meu pai e Stephan estavam vindo logo depois de mim. Crabble estava na frente, apontando a arma para várias direções conforme andava. Eu já tinha me habituado com o peso e a estrutura daquela belezura que carregava depois de tantos treinos.

O interior do prédio parecia tão desabitado quanto sempre estivera. Andamos em círculos, procurando qualquer evidência da tal poderosa liga de mercenários.

– Você tem certeza de que ele está aqui? – Eu não aguentei segurar a pergunta. Recebi um “cala a boca” sussurrado de Tedder, que era quase um irmão gêmeo de Crabble, apesar de ter a pele escura e não ser tão idiota. Meu pai não parecia feliz. Ele nunca havia errado o local onde sua próxima vítima estaria.

– Vão para lá. – Ele indicou com a Taurus um enorme buraco na parede à direita, que serviria como um corredor, ou túnel. – Wolff, vá com eles. Sabe o que fazer se encontrá-lo.

Stephan assentiu e tomou a direção. Não havíamos nos afastado muito quando ouvi o tiro. Um arrepio me atingiu em cheio pela espinha e congelei por um segundo até retomar a consciência.

Ele havia esperado que nos separássemos. Meu Deus, era tão óbvio. E engenhoso. Uma onda de adrenalina disparou por minhas veias como sangue e comecei a correr antes que Stephan gritasse nos ordenando. Abaixei a cabeça quando os tiros vieram em nossa direção, quer dizer, acima de nós. Os vidros das lâmpadas velhas e queimadas explodiram e caíram sobre nós como chuva.

– Corram! – Eu gritei, com um braço protegendo o rosto e o outro empunhando a arma.

Me joguei no chão a tempo de não ser atingido por uma bala que deveria ter me acertado. Arrastei-me pelo chão enquanto me aproximava de onde meu pai deveria estar, mas eu só conseguia ver um corpo inerte no chão, rodeado por uma poça de sangue, enquanto um homem desconhecido o cercava, com ar de satisfação no rosto.

Engoli em seco, a saliva rasgando minha garganta. Aquilo não poderia ser verdade. Meu pai estava morto. O melhor lutador e atirador que eu conhecia estava morto.

– Ora, Anthony, você teria sido de grande utilidade se tivesse se juntado a mim. – Lockwood sibilou, com um sorriso de canto no rosto. – Pena que foi tão idiota. Espero que entenda que não poderia deixar alguém como você vivo se não estivesse aliado à mim.

Eu estava prestes a me atirar contra ele e matá-lo ali mesmo, mas Crabble me segurou antes que eu pudesse avançar. Eu queria poder gritar, mas não tinha forças o suficiente. Estava desabando. Sem forças para sustentar a mim mesmo.

– Lockwood! – Stephan deu um passo à frente, com as duas mãos segurando a arma. Seu rosto estava pálido e suado. É claro que estava abalado. Meu pai era como um irmão para ele.

– Ora, ora, se não são os tietes do Carter. – Lockwood tinha um brilho maligno em seus olhos cinza, quase brancos, e o sorriso macabro de psicopata. – Até você, garoto? – Ele olhou para mim, rindo. – Parece que houve uma grande… decadência por aqui.

– Eu vou matar você. – Consegui dizer entre os dentes trincados.

– Ah… não se eu fizer isso primeiro.

Stephan puxou o gatilho antes de Lockwood, atingindo-o no ombro. Ele urrou, mas deveria estar acostumado, porque atirou em Tedder e saiu correndo. Crabble me soltou para ajudar Tedder e, enquanto Stephan já tinha ido atrás de Lockwood, eu me ajoelhei ao lado do corpo pálido e sem vida do meu pai. Minhas calças ficaram manchadas com o sangue dele, que continuava a jorrar e jorrar do buraco em seu peito.

Ele poderia não ser o melhor, mas era tudo eu tinha. E eu nem sequer o tinha mais. As lágrimas embaçavam minha visão, queimavam meus olhos, mas eu não queria deixá-las cair. Não podia continuar sendo fraco.

– Vou achar ele, pai. – Murmurei. – E não vou te decepcionar. Eu prometo.

3 anos depois

De repente, percebi que eu já não podia mais separar as coisas que estavam acontecendo da minha loucura. Parecia que tudo era o mesmo, tudo estava conectado. Eu não tinha controle dos meus próprios pensamentos. Ou palavras. Ou ações. O mundo todo estava implodindo na minha cabeça e eu não conseguia lidar com isso.

– O que você espera fazer? Matar a garota? – Theo perguntou, cruzando os braços. Olhei-o de soslaio, com certa indignação reprimida. Ele fazia aquilo parecer como se não fosse necessário. Não matar. Eu não tinha planos de matá-la.

Não agora.

– Ethan Lockwood tem uma filha. – Eu disse, pausadamente, tentando fazer com que aquilo finalmente entrasse na cabeça dele. – Estamos falando do homem que matou o meu pai. Ele está atrás dela. O plano é simples: achamos a garota antes dele e o teremos. Em todos esses anos, nunca foi tão fácil. – Dei uma risada fraca, que pareceu sugar todas as minhas forças. – Eu já posso sentir o sangue dele em minhas mãos.

– Por que ele iria atrás dela só agora? – Theo quis saber, outra vez. Ele deveria parar com as perguntas. Elas estavam me irritando.

– Dizem que ele está doente. Quando morrer, precisa de alguém que assuma seu legado. – Nicholas disse, soprando a fumaça do cigarro com que brincava entre os dedos. – Seu legado de mercenário. Matando a qualquer um por dinheiro.

Theo havia assumido a função de seu pai, o que já fazia com que fôssemos aliados desde sempre. Nicholas era uma história interessante. Ele trabalhava por si só, até aparecer no meu caminho. Nós dois estávamos atrás da mesma pessoa e, por alguma razão desconhecida, acabamos virando amigos e ele se juntou a mim também.

– Nós não podemos falar nada sobre isso. – Theo disse, com dureza. – Fazemos a mesma coisa.

Aquilo foi o suficiente. Soquei a mesa e me virei para ele, sentindo a raiva pulsando em minhas veias. Há anos atrás, eu havia dito a mesma coisa para meu pai. Agora que eu assumira o seu lugar, conseguia ver como a coisa era diferente – perturbadora, mas diferente. Tínhamos outras intenções.

– Nós não fazemos! Não matamos por dinheiro, matamos por justiça. É diferente. Ele é um psicopata. Nós somos…

– Assassinos. – Theo me cortou. – Isso faz muito sentido, Danny. – Ele disse, irônico. – Sei que você quer vingança pelo seu pai, mas deixe que os mortos enterrem seus mortos. Lockwood pode nos massacrar.

– Espero que você não esteja com medo, cara. – Nicholas debochou dele.

– Não estou com medo. Eu só não pareço ser um cachorrinho do Daniel que concorda com todas as ideias malucas dele como você. – Theo falou.

– Repita isso, seu pedaço de merda…

– Calem a boca! – Gritei mais uma vez, esfregando os dedos pelo rosto como se aquilo fosse me ajudar a me livrar de todo o estresse que se acumulava dentro de mim. – Juro que não fossem meus amigos, cada um estaria com um buraco de bala bem no meio da cabeça agora mesmo.

Houve um silêncio perturbador, interrompido pelo barulho de algo quebrando. Provavelmente Theo socando algo. Tínhamos os mesmos métodos violentos de nos acalmar.

– Ótimo. Quer fazer isso? Tudo bem. Vamos fazer, então.

– Ouvi dizer que a garota tem alguém responsável pela segurança dela. Acho que não devemos ser os únicos querendo a cabeça do Lockwood. O cara tem mais inimigos do que todos nós juntos. – Nicholas falou. – E nós não devemos ser os únicos a saber sobre a filha dele.

– Isso vai ser muito divertido. – Theo bufou.

Então, era aquilo. Haviam se passado três anos desde que eu perdera a única família que me restava. Talvez fazer meu maior inimigo passar pela mesma coisa logo antes que eu o acertasse um tiro no coração, exatamente como ele matou meu pai, tornaria a situação ainda melhor. Como Lockwood se sentiria ao ver a própria filha morrer diante dos seus olhos? A ideia de ver o desespero nele era tão tentadora.

Não importava se haviam outros atrás dele, aquela era a minha chance – não deixaria que a tomassem de mim. E nem a garota.

Matar transforma as pessoas. Eu nem ao menos lembro de como era o garoto antes disso em que me tornei. Mas agora é tarde demais para reviver o passado. Eu preciso fazer isso.

– Vamos atrás dela. – Eu disse.


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