InFamous: A Tirania de Rowe escrita por Thuler Teaholic


Capítulo 16
Impasse à mexicana


Notas iniciais do capítulo

Quebrando um pouquinho aquele ritmo frenético de postagens, um capítulo mais curtinho.
Comentem, filhos de Yahweh, estou com saudade de vocês.
Lembrando que recomendações são sempre muito bem vindas.
Agora sem mais delongas.



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Aquilo deveria ter sido algum tipo de salão requintado, um restaurante talvez.

A suspeita era oriunda de uma bandeira do México pendurada em um grande banner.

“Festival gastronômico.” Dizia. “Gastronomia gourmet internacional”

Mesas e cadeiras estavam viradas, toalhas esfarrapadas e espelhos em cacos. O lustre jazia caído em cima de uma mesa quebrada, as lágrimas de cristal que o compunham estavam espalhadas por todo lugar, escondidas sob a grossa camada de poeira.

Hunter pegou uma, não eram mais grossas que um dedo mínimo ou maiores do que uma polegada, e apertou entre os dedos, imaginando que esta estilhaçaria, mas viu-se enganado. Jogou no chão e pisou com toda força, mas ainda assim, não quebrou.

Intrigado, pegou um pedaço de tecido em bom estado e o abriu sobre uma das mesas, empilhando todas as lágrimas que encontrou. Juntou as pontas do pano e usou um barbante para dar um nó e, quando ficou satisfeito, guardou o estojo em um bolso escondido no casaco.

Vasculhou o lugar triste e desolado, espirrando de vez em quando. Encontrou uma porta dupla de madeira com duas escotilhas que não conseguiu abrir com as mãos. Usou a manga para limpar o vidro, mas estava sujo pelo outro lado também, então, empurrou o carvalho cheio de bolhas com o ombro, mas a porta não abriu.

Movido por sua curiosidade, encaixou a faca mais longa que tinha entre as duas portas e puxou para o lado, conseguindo abrir uma fresta.

Recuou ao sentir o fedor de podridão vindo da fissura, já não se sentindo tão impelido a entrar. Respirou fundo pela boca e chutou a porta, marcando a madeira com a sola de sua bota e desemperrando a entrada.

Outro chute escancarou a porta teimosa e Hunter entrou naquilo que ele imaginava que fosse a cozinha. Os fornos estavam caídos, deviam estar bloqueando a porta, e panelas pendiam das paredes, empoeiradas, mas não enferrujadas. A fonte do mau cheiro era a gordura rançosa, provavelmente mais velha que Hunter, que enchia as fritadeiras e ensebava os fornos.

Um esqueleto estava sentado de costas contra a parede de azulejos que se desfazia, encolhido, como se houvesse tentado se proteger da morte. As aranhas fizeram um ótimo trabalho cobrindo-o em sua teia, formando um casulo bastante grosso.

Inabalável, pegou uma frigideira e girou na mão, sentindo o peso. Não valia a pena levar, apesar disso, Hunter usou-a para golpear a cabeça do morto, fazendo-a quicar na parede ruidosamente. A carcaça caiu e se desmontou parcialmente, fazendo com que algo seco atingisse o chão entre o chacoalhar dos ossos.Pousou a arma improvisada em um balcão e foi ver o que era, um retângulo coberto pela teia. Hunter o apanhou e limpou a camada viscosa de cima dele, revelando um livro fino e muito bem conservado.

A capa era de couro tingido de azul e descascava, mas fora isso, o livro parecia ótimo. Abriu e folheou, parando ao notar letras mais floreadas, obviamente, não eram manuais.

À lua oculta, cai a chuva.

O vento sopra e a chuva corta.

Uiva o frio, a tormenta é dura.

O fim agoura, a chuva, tua porta.

A chuva é o pincel, e o oblívio a pintura

O sol se revela, mas Inês é morta.

Indômita, como a fera.

Impiedosa em teu corte.

Imparcial, lavas a terra.

Implacável, como a morte.

Sedes a chuva.

— Profundo. — Guardou o livro na cintura e foi conferir o corpo encolhido e sem cabeça. Não achou absolutamente nada de interessante e decidiu abandonar os restos mortais daquele infeliz, mas acabou mudando de ideia e levando um fêmur de meio metro consigo sob o olhar reprovador do crânio caído.

“Ele deve ter morrido de inanição.” Pensou enquanto conferia o grande osso em suas mãos. “Irônico, morrer de inanição em um restaurante.” Bateu com o osso em uma mesa e a mesma quebrou ruidosamente. “Deve ter se trancado aqui quando os condutores tomaram a cidade, acabou morrendo por conta de seu medo.” Satisfeito, escondeu o osso sob o sobretudo. “Sem nada mais do que um livro para fazer companhia.”

Começou a vasculhar as gavetas, não achando nada que não facas quebradas de porcelana, grandes garfos, colheres e espetos.

Sua atenção foi desviada quando encontrou dois ganchos de um palmo pendurados no teto por uma corrente, um pouco além de seu alcance. Para consegui-los, teria de mover os fornos ou encontrar algo que pudesse içá-lo até lá. Procurou um pouco mais e encontrou uma manivela, a qual ficou feliz ao descobrir que servia para baixar os ganchos.

Segurou um em cada mão e deu um puxão, a corrente enferrujada ao infinito esfarelou de forma súbita e Hunter se desequilibrou, quase caindo de costas.

Ficando satisfeito com a coleta, prendeu os ganchos pelos passadores da calça e rumou para a saída, mas estacou ao ver uma barata enorme balançando as antenas em uma parede imunda no outro canto do cômodo. Desafiado, pegou uma lágrima no chão e a encaixou na câmara da pinball gun, puxando a alavanca e mirando no inseto.

Respirou lentamente duas vezes e soltou.

E para seu choque, a parede se estilhaçou, deixando um vento violento adentrar o restaurante abandonado.

Hunter cobriu o rosto, sentiu o capuz ser soprado para trás e o sobretudo esvoaçar. Abriu os olhos com cuidado e caminhou até a parede destruída que descobriu que era, na verdade, uma janela coberta pela sujeira. Conseguiu chegar na varanda e ficou extasiado ao ver a cidade se espalhando até onde a vista alcançava, sentindo-se o dono do mundo.

“Por isso os Rebeldes gostam de Nova York.” Pensou, segurando-se ao corrimão. “Não tem como não ter o ego inflado ao ver o mundo do topo do Empire State.”

Curvou-se para fora e viu o chão, centenas de metros abaixo. A vertigem foi inevitável, recuou alguns passos sentindo o coração bater com força.

Aproximou-se da beirada e, de forma irracional, subiu no parapeito.

Aquele não era o último andar, mas a queda ainda era impossivelmente alta. Hunter se forçou a encarar o chão que ansiava para pegá-lo caso caísse.

— Medo... — Proferiu, sentindo as pernas bambas. — Não tenha medo, seja o medo. — Se abaixou e ficou de cócoras de costas para a cidade, segurando o corrimão com tanta força que os nós de seus dedos ficaram brancos. Respirou fundo e jogou as pernas para cima, plantando a bananeira mais perigosa da história.

O pôr do sol em Nova York visto do topo do maior prédio era uma coisa, mas o pôr do sol em Nova York visto do topo do maior prédio de ponta cabeça era uma coisa que Hunter nunca esqueceria.

Zonzo, caiu para trás na varanda, massageando as têmporas quando ouviu passos baixos demais sob o rugido do vento.

Silencioso, correu até a entrada e se escondeu atrás da porta pegando cobertura e sacando duas facas.

Um sujeito entrou, estava de costas para Hunter e vestia um moletom, junto com uma bermuda que revelava joelhos ossudos e canelas finas. Parecia um condutor perdido, logo, uma vítima fácil. Decidiu guardar as facas e testar o fêmur como arma, segurando como um bastão de baseball.

O homem misterioso andava lentamente pelo lugar com as mãos nos bolsos. Tirou a mão direita para coçar o queixo e Hunter aproveitou a oportunidade. Deu um passo longo, girou nos calcanhares e desferiu um golpe fortíssimo.

O homem reagiu rápido demais para um humano, confirmando a suspeita de Hunter. Segurou a cabeça do osso com a mão esquerda e usou a direita para girá-lo sobre o ombro, alavancando Hunter e lançando-o ao chão de costas. O humano bateu com as mãos no chão e se levantou de pronto, de costas para o rival. Ao ver que não conseguiria se virar e sacar uma faca em tempo, saltou alto, encolheu as pernas e depois, esticando-as como uma mola, escoiceando o rival no meio do peito em um movimento audacioso.

De novo no chão, rolou e se ergueu com um chute em hélice e, pegando carona no movimento, segurou uma cadeira entre o tornozelo e o peito do pé. Girou e chutou, lançando a peça de mobília no inimigo atordoado.

Recuperando-se bem a tempo, o outro saltou para o lado e pegou o espaldar da cadeira que voara nele, girando-a sobre a cabeça e arremessando na direção de Hunter.

Desviando sem dificuldade, Hunter levou a mão até faca na cintura e encurtou a distância, desembainhando a lâmina em um arco longo e transversal, mas o corte foi aparado pelo fêmur nas mãos do inimigo. Com a guarda aberta, o punho do rival atingiu o rosto de Hunter como uma pedrada, fazendo o humano se afastar.

Em um golpe sujo, Hunter lançou um punhado de poeira e lascas de madeira no rosto do adversário que recuou e se apoiou contra uma mesa. Uma má ideia comprovada quando a mesa desabou , fazendo o combatente perdido cair sentado em seus destroços.

Sem perder tempo, o humano levantou e recuperou a faca pela lâmina, atirando-a onde o rival jazia caído, mas a faca se fincou no chão entre suas pernas.

Hunter sacou outras duas facas e repetiu o processo, não acertando nenhuma, mas conseguindo encurralar o inimigo sentado contra a parede. Ergueu a pesada bota e, sem cerimônia, esmagou o rosto de seu inimigo contra a parede.

Ou foi o que pensou até ele se desfazer em uma nuvem de fumaça e flutuar até as costas de Hunter.

Puxou um dos ganchos e rodou nos calcanhares, desferindo um golpe na altura dos olhos.

O condutor era muito evasivo, deu um tapa na mão direita de Hunter, afastando a arma, e se aproximou para o golpe final, mas o humano jogou o gancho para a outra mão, postando a ponta afiada contra a garganta do inimigo, pronto para rasgá-la.

Parado, o condutor disse, tentando sobrepujar a voz ao vento. — Vejo que estamos em um impasse.

O condutor olhou para baixo e o humano seguiu seu olhar, a mão do inimigo estava a centímetros do abdome de Hunter e brilhava com poder, pronta para abrir um buraco em seu peito.

Uma mudança súbita no vento removeu o capuz do condutor, revelando os cabelos longos e escuros que esvoaçaram ao vento. ­— Um impasse à mexicana, pelo visto.

— O que você está fazendo aqui? — Hunter perguntou inflexível.

— Só estou xeretando. — O tom de Lee foi o de quem foi pego fazendo algo que não deveria. — Por que você tentou me acertar com um osso? — Olhou para o fêmur em sua mão e o largou.

O humano grunhiu em resignação. — Achei que era, humph, outra pessoa. — Afastou-se e recolheu as facas no chão. — Condutores são muito parecidos.

Lee sorriu um pouco, cortando o fluxo de poder nas mãos, assumindo uma espécie de compreensão divertida. —É, tá certo. — Abaixou as mãos. — Tipo, todos usamos roupas de frio, capuzes, botas três números maiores que o nosso. — Apontou para si mesmo e depois para o colega de quarto, que se limitou a assentir.

— Você conseguiu chegar a um nível de desentendimento com alguém até o ponto de recebê-lo a ossadas? — O condutor de fumaça soava como que brincando. — Ok, então.

Hunter não conseguiu expressar nada mais que um esgar rápido. — Temos talento para deixar as pessoas putas conosco.

Lee riu. — Isso é verdade, mas parece que você andou emputecendo as pessoas erradas, não acha?

O humano emitiu um riso curto e sarcástico.

— É bem possível. — Foi sincero, dando de ombros.

O condutor de fumaça apalpou o corpo vendo se tinha tudo no lugar. — Então, o que acha de umas cervejas para comemorar nosso empate? — Sorriu com cumplicidade. — Conheço um lugar muito bom lá no Queens.

Hunter bateu a poeira do corpo. Uma passada no bar do contador de histórias seria bem interessante. — Tudo bem por mim.

Lee arrumou os óculos e limpou a sujeira da lente com a camisa. — A gente racha a conta?

O humano verificava suas posses e deu falta do livro que havia pego, sondou os arredores e o achou caído a alguns metros. — Não precisa. — Recuperou o livro e espanou a capa. —Ele ainda me deve umas rodadas.


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Notas finais do capítulo

Lembrem-se desse livro que o Hunter pegou, ele vai ser bastante importante mais pra frente