Um mundo além do mundo escrita por Lobo Alado


Capítulo 39
As palavras de Grorvan


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus amigos!
Eu já postei 38 capítulos aqui, mas a sensação de postar um capítulo novo sempre vai ser a mesma, sempre me sinto fortalecido e cheio de espectativas, e, acima de tudo, pronto para o próximo!
Outra coisa estranha é começar outro capítulo, depois do ultimo finalizado, mesmo já tento tudo planejado é um mistério desenvolver o novo, hahahah, e esta sensação também sempre me agrada.
Enfim, bom compartilhar essas coisas.
Ao capítulo, leitores!



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Seus dedos acostumavam-se com o movimento há muito não praticado. As cordas lhe ofereciam total calma naquela manhã quente e corrida. Seu pai falara, agredira, negociara com Maard, Dorâne organizara uma patrulha para verificar a cidade, os vilarejos e a floresta, em busca de rebeldes. E Lemond tocava sua harpa.

O rapaz sentia o peso diminuir em suas costas. Afastado do comando de Dras-Leona, perdia a vontade de antes por resolver os problemas que causara, mas ele sabia que tinha de fazer algo para aquietar-se de vez. Começaria por descobrir quem era o dono da misteriosa voz que o possuíra durante a batalha, e isso era a parte mais complicada, seu pai não permitiria que ele saísse do castelo, e era por isso que tinha de fazer algo. Dedilhou a harpa suavemente e a pôs de lado com um leve suspiro. Levantou-se e a passos largos foi fazer o necessário.

Lemond atravessou o pátio da cidadela até as estruturas de madeira do lado de fora da armoraria. Lá estava ele, com seus homens, recostado num pilar avaliando sua lâmina. O líder dos mercenários do leste, que mais parecia um pupilo. O rapaz tomou fôlego e caminhou até ele sem hesitação.

O rapaz de cabelos loiros bem curtos e rosto bronzeado levantou os olhos negros e inteligentes para Lemond. Ele parecia avaliar tudo em alguns segundos, e mantinha-se tenso como que preparado para um ataque.

— Eu... bem, poderia falar com você? – Lemond deu um meio sorriso, olhando para os mercenários que o cercavam. – Em particular?

— E o que você teria para falar que fosse de meu interesse?

— Bem, você não pode ser tão previsível. Você pode descobrir que tem muito de seu interesse em uma simples conversa... ou não.

O mercenário franziu a testa.

— Venha. – Disse indo em direção à armoraria.

— Não por aí! Existem muitos ouvidos aqui. – Ele gesticulou com a mão. – Venha...

Ele o acompanhou para fora da cidadela sob olhares variadamente posicionados. Lemond reconheceu uma garota pelas calçadas da cidade. Ela o olhou com surpresa, talvez não tivesse noticias dele há algum tempo, mas Lemond não lhe deu atenção. Não podiam saber o que estava acontecendo. Ele acelerou o passo, deixando a amiga para trás.

— Não seja tão flagroso, Lemon. – O mercenário acompanhava seu ritmo nada satisfeito. – Afinal o que você tem para me dizer?

— É Lemond! – Corrigiu o Grorvan. – A propósito... Como se chama, mercenário?

— Chamo-me Harán. – Disse ele olhando para os lados de canto de olho. – E aguardo sua resposta para minha pergunta.

— Bem, Harán, eu preciso sair desta cidade... eu preciso ir a um lugar! Mas não posso fazer isso sem sua ajuda.

O mercenário ajeitou sua veste de couro fervido com um meio sorriso.

— Você está fazendo eu perder meu tempo? Acha que faria algo que pode cortar minha relação com seu pai? Ele nos pagou muito bem por nossos serviços.

— Bem, se você me tirar daqui sem que ele saiba, pode conseguir. Se você ao menos soubesse o que estou indo fazer... – Lemond cerrou os olhos.

— Você provavelmente não pode me dizer, não é?

— Você terá de ver com os próprios olhos. – Ele estendeu uma mão para Harán, parando no meio de uma estrada de terra. – Aceitará minha oferta ou não?

— Aonde preciso levá-lo? – Ele perguntou enquanto apertava a mão de Lamond.

— Bem, uma coisa de cada vez. Primeiro saímos da cidade. – Ele sorriu. – Você já fez isso uma vez.

— Uma vez não. Já são duas noites sem ser notado. – Ele desviou-se de um carroceiro.

— Duas noites?

Harán sorriu zombeteiro.

— As mulheres das aldeias são bem mais interessantes que as desta cidade, Lorde.

Lemond virou a ruela, seguindo Harán.

— Eu não concordo... Acho que você não conheceu bem as moças daqui.

Harán o levava por ruelas estreitas até a parte leste da cidade, onde concentravam-se árvores. Eles seguiram bem escondidos pelas cúpulas verdes que eram as árvores, e finalmente chegaram à Muralha. O mercenário arrastava os dedos pelos tijolos, como que procurando algo. Até deparar-se com uma pequena porta de metal.

— O que é isto? – Perguntou Lemond inocentemente.

— Bem, se não conhece sua cidade, esta porta guarda a escada que os soldados usam em emergências ou como suporte no caso de uma guerra ou invasão. Tem um delas em cada canto da cidade.

— Prevejo que seremos bons amigos, Harán.

— Que haja muito ouro entre a nossa amizade, Grorvan. – Respondeu ele sumindo porta adentro.

Lemond olhou ao redor e não demorou-se em segui-lo. Adentrou a porta e fechou-a sem esforço. Era um metal velho, e rangia muito, como se pudesse despregar-se a qualquer momento. O interior era estreito, e os degraus eram altos e nada agradáveis.

— Nenhum guarda vigia isso? – Perguntou para um Harán muito acima.

— Não... não há necessidade. – Ele respondeu. – Ninguém de fora tem acesso à passagem e não faz sentido manter um guarda em uma passagem tão discreta.

— Certo... – Lemond encontrou-se no fim das escadas. – Como descemos então?

— Este problema já está resolvido há duas noites. – Disse ele deitando-se, segurando a beirada da muralha e deslizando as pernas para o lado de fora.

— O que... Você espera que eu...

— Só me acompanhe. – Ele começou a descer, apoiando-se no que quer que seja que estivesse nas muralhas.

— Se eu cair, você terá de fugir bem rápido de Dras-Leona. – Disse Lemond olhando para baixo.

— Se você cair, eu volto imediatamente para dentro desses muros, e ninguém saberá o que aconteceu.

— Você é bastante sincero, Harán. – Disse Lemond procurando o apoio para seus pés, agarrando-se às bordas da muralha. Olhou para baixo, e avistou um pequeno cilindro de madeira não maior que seu mindinho, cravado perfeitamente no tijolo de pedra. Era muito pequeno e nada fácil de se identificar, se não olhado atentamente.

— Você faria a mesma coisa se eu caísse, Lorde. – Ele descia habilmente pelos cilindros de madeira. – Que haja muito ouro e muita seriedade entre nossa amizade.

— E um pouco de cautela, e menos perigo daqui pra frente. – Sugeriu Lemond tentando encontrar o próximo cilindro. Talvez estivesse pegando o jeito.

Apoiou a ponta da bota esquerda num cilindro, e ameaçou descer mais um pouco, mas quando soltou sua mão do cilindro a bota escorregou, e ele, terrivelmente, viu-se caindo.

— Maldição! – Ele ouviu Harán praguejar, enquanto seus dedos raspavam na roupa de Lemond inutilmente.

Não acredito... Pensou Lemond de olhos arregalados e coração na boca. Estou morrendo. Ele fechou os olhos e tentou não pensar nisso, ouvindo o zunir em suas orelhas.

Mas o vento aquietou-se, e sua cabeça curvou-se para baixo. Seu corpo formava um arco, com a barriga apontada para cima. Ele não compreendeu inicialmente, mas era inegável, ele havia parado no ar.

Tolo! A familiar voz veio novamente a seu encontro. Deveria tomar mais cuidado... sabe a quanto tempo você deveria estar morto se não tivesse a mim para ajudá-lo? A voz ressoava machucando seus ouvidos propositalmente. E quem você trás consigo? Não deveria trazer mais ninguém!

Você poderia parar de gritar? Quer mesmo minha ajuda? Me respeite, caso contrário está tudo acabado... Eu trago alguém que me ajudou a sair das muralhas, agora não adianta mais mandá-lo de volta... ele se perguntará o que irei fazer.

Não importa... só apresse-se.

E com isto, Lemond começou a descer bem lentamente, até deitar-se no chão.

— Harán! – Ele gritou. – Estou bem... continue a descer! – O rapaz olhou para baixo com olhos arregalados, mas os desfez rapidamente e continuou a descer pelos seus cilindros.

— Você teria chorado por mim se eu morresse? – Perguntou Lemond quando Harán saltou de dois metros e meio perto do chão.

— Se seu pai me pagasse por isso...

Lemond deu uma gargalhada estranha.

— Me diga, Harán, você foi treinado para mostrar-se frio?

O rapaz olhou para o Grorvan com olhos cerrados.

— Não fui treinado por ninguém... – Disse ele envolvendo a garganta de Lemond com dedos duros e hábeis. – Nunca mais você mencione isto.

— Tudo bem, tudo bem – Lemond segurou as mãos dele suavemente e livrou seu pescoço. –, Estava apenas brincando... Vamos seguir em frente.

— Como você está inteiro? Explique-me... – Disse o rapaz adquirindo uma postura emburrada enquanto seguia em frente. Lemond não entendia qual ponto sensível ele havia tocado para magoar tanto o mercenário.

— Magia, meu amigo... – Disse ele, pretendendo não aprofundar-se.

— Bem, se pretende me impressionar com isto, não conseguiu. – Ele desviou-se de um galho baixo. – Você precisou de minha ajuda para sair desses muros, então qualquer que seja seu conhecimento como feiticeiro, não é tamanho, já que não conseguiu sequer livrar-se desta cidade sozinho.

Lemond gargalhou sem acreditar no que ouvia.

— Está brincando? Eu não poderia mover uma moeda com ajuda de magia... Quem me salvou foi... – Ele aproximou-se de Harán. – Foi que eu estou indo encontrar.

Harán estreitou os olhos.

— Que haja muita sinceridade entre nossa amizade. – Lemond repetiu, seguindo em frente.

— E muito ouro. – Acrescentou Harán.

Os dois andaram pelas árvores, vendo a muralha encolher-se cada vez mais. Lemond comemorava cada avanço, como se de alguma forma não fosse possível alcançar o seu destino.

As hipóteses brigavam entre si na sua cabeça. Talvez fosse tudo uma grande piada, e não houvesse ninguém no túmulo de Brom. Ou talvez estivesse louco, e não se dava conta disso. E se houvesse realmente alguém lá... por que ele? E por que o túmulo de Brom?  Mas Lemond tinha consciência de que não era uma pessoa muito sã, então apenas seguiu em frente.

— Túmulo de Brom? – Harán exclamou quando Lemond o contou o seu destino, já afastados de Dras-Leona. – Isto não é nada convencional.

— Escute-me, Mercenário – Lemond deitou as mãos na cabeça. –, nem eu sei com o que estou lidando exatamente. Tudo o que sei é que não é algo que eu possa deixar passar. Então, por favor, siga-me, ou saia daqui, agora. – Lemond tomou a frente no caminho. – Que tipo de Mercenário é você? Mercenários não têm tanta voz. – Lemond olhou para trás com olhos cerrados. – Tome cuidado, rapaz. Você acha que não conheço o seu povo? Vivem por aí de invadir aldeias e farejar ouro, mas nada sabem de negociar.

Harán pareceu abalar-se, mas manteve-se frio, por trás de seus olhos negros e rosto bronzeado.

— Eu falo isto com a melhor das intenções. – Lemond apertou seu ombro erguendo uma sobrancelha. – Que haja muita sinceridade entre nossa amizade. – Ele riu-se e seguiu em frente.

— Mercenários têm pouca voz para com aqueles que lhe transmitem importância, Grorvan.

Lemond revirou os olhos, de costas para Harán, que caminhava logo atrás de si.

— Não me importa, Harán, você ainda está me seguindo, isto é tudo. – Ele ajeitou a túnica. – E prepare-se... posso precisar de seus talentos lá.

Seguiam a trajetória escondidos pelas árvores por um bom tempo. Lemond estava perplexo com o quão fácil haviam escapados sem serem vistos. Estava disposto a reforçar a segurança da cidade depois disso. Seu pai reconstruíra e expandira Dras-Leona de forma invejável, mas fez isso durante anos de paz... as coisas não podia mais ser assim. Ele ia tratar do assunto quando voltasse. Cortar as árvores próximas da muralha era um passo importante. E patrulhas extensas do lado de fora dos muros era essencial.

Lemond sentia as coxas a cada passo. Foi o seu aviso de que já estavam próximos do primeiro vilarejo, e ele surgira, fumacento e com casas espalhadas e ruas de terra extremamente largas, como se cada casa fosse uma ilha. O rapaz nunca vira alguém facilitar tanto a ação de roubar cavalos quanto Harán. Em poucos minutos depois de adentrarem o vilarejo, sob olhares de mulheres muito cobertas e homens inquietos em seus trabalhos braçais, estavam saindo pelo norte em boas celas de bons e rápidos cavalos.

Lemond deu uma gargalhada e atirou um saco de moedas à Harán, que agarrou-o habilmente.

— Você é realmente muito baixo, Grorvan. – Disse ele levantando o saco à sua vista. – Um nobre roubando moedas de aldeões?

— Achei que Mercenários não se preocupavam com isto.

— Está enganado... – Ele prendeu o saco de moedas na cintura. – Não retiro dinheiro de plebeus.

— Eu não tenho tantas privações, amigo, não é como se fizesse isto sempre. – Ele riu. – Na verdade, é a primeira vez que faço isso. Foi o calor do momento.

Harán afundou os calcanhares no cavalo tomando o rumo da viagem, sem olhar para trás ou perder a velocidade. Adentrava estreitas arvores e seguia por entre paredes de rochas, fazendo seu próprio caminho. Lemond encolhia-se em compleição, nem um pouco habilitado para movimentos tão precisos em um caminho tão deforme.

O mercenário só diminuiu a cavalgada quando já se encontravam perdidos nos campos uniformes do Império. O calor úmido dali já fazia Lemond querer arrancar as botas e deitar em sua cama, mas ele pacientemente escorregou da cela de “seu” cavalo, com um suspiro de quem ainda previa o árduo.

— Será difícil encontrar o túmulo de Brom quando adentrarmos estas colinas de arenito. – Harán pisou firme do chão. – Fica na crista de uma caverna, e não é fácil de avistar por solo. Portanto fique atento a qualquer brilho no topo de uma caverna.

Lemond assentiu desgostoso, cerrando os olhos para o sol. Iniciou a sua caminhada, seguindo Harán, tentando não derrapar no estranho solo avermelhado. Aquele dia estava sendo um verdadeiro inferno, metafórica e temporalmente falando, além de demorado. Mordeu o maxilar com a perspectiva de voltar pra casa na madrugada.

O sol já era baixo, como Lemond não imaginara que estivesse quando chegasse àquele ponto, e seu rosto era quente, construindo na cabeça a brava cara de lorde Haddes quando descobrisse que não estava no castelo. Não, pai, eu não estou indo me juntar a Marbrayes novamente! Lemond pensava, desejando que o pai pudesse ouvir.

Caminharam com antes de encontrarem o vilarejo, até as pernas doerem. Lemond escorregara algumas vezes, e o ar que entrava em seus pulmões era como lâminas geladas rasgando asperamente sua garganta.  

Ele suspirou em agradecimento quando uma rajada de vento bateu em seu rosto refrescando a testa suada. Apoiou-se nos joelhos franzindo as sobrancelhas para chão. Pontos pretos dançavam em sua visão e a cabeça pesava.

— Espere um pouco, mercenário. – Ele fechou os olhos e atirou a cabeça ao céu. – Preciso respirar. – Lemond encheu os pulmões de ar e abriu os olhos. – Quanto mais falta?

Ele começou a mover-se, olhando para o laranja do céu, quando um lampejo cristalino chamou seus olhos à esquerda. Talvez o inteligente mercenário tivesse avistado primeiro que ele, mas mesmo assim apontou e pôs-se a correr desajeitadamente, ignorando o suplico de sua garganta.

— Espere, Lemon! – Harán sussurrou estranhamente. – Quem me garante que é seguro segui-lo? – Ele era tão fixo em sua postura que parecia impossível que movesse um passo.

— Vá embora, Harán. – Lemond gargalhou e continuou sua subida na caverna, em direção ao túmulo de Brom. – Como não percebe o tamanho da estupidez que está dizendo? Bah! – Ele gargalhou ruidosamente, sem ar quando chegou ao topo, avistando o diamante que cobria o Cavaleiro. – Para que eu preciso de você agora?

— Você pode não precisar de mim – Harán puxou uma faca e a atirou precisamente, perfurando a coxa de Lemond. –, mas ainda precisa me manter pacífico... Caso o contrário, você está morto.

Lemond praguejou quando caiu de joelhos e quase despencou de cima da caverna. Retirou o punhal de sua coxa e ignorando a dor forçou um sorriso.

— O filho de Haddes está morto? – Lemond questionou com a voz rasgada de dor, sentindo o sangue escorrer de sua perna. – O filho daquele que o paga? – Ele gargalhou enquanto cobria o ferimento com uma mão, segurava o punhal com a outra e os olhos lacrimejavam levemente.

Harán petrificou os olhos de sílex.

— Isto me dá uma escolha nítida, Lemond. – Ele começou a subir a caverna. – Vamos continuar com isto, agora.

— Não tem o que continuar, Harán... – Lemond cuspiu. – Olhe pra você. Me seguiu até aqui tão facilmente, e por que? O que lhe fez deixar os muros de Dras-Leona para me acompanhar? Ouro? – O rapaz ergueu-se com dificuldade, sentindo a terrível e aguda dor envivecer na coxa. – Existe uma voz, Harán. – Ele começou a rodear o rapaz enquanto mancava. – Ela me trouxe até aqui... ela me diz coisas, ela me manda fazer coisas, e você nunca compreenderia. Eu preciso obedecê-la, por quê é tão nítido, e não há incoerência no que ouço... Tudo tem o mais profundo dos propósitos. – Ele parou de frente para o mercenário. – Eu não sou louco!

O punhal caminhou com sua mão até o pescoço de Harán, mas ele era rápido. Num instante Lemond encontrava-se no chão, socado no rosto. Sentia os chutes do mercenário e a visão escurecer.

— Você não é louco? – Ele ouvia dificultadamente. – Mas é morto!

Lemond não era mais capaz de sentir nada, mas tinha consciência dos punhos de Harán em seu rosto, e do sangue que descia por suas bochechas.

— Seu pai não sentirá falta de você... Nem de mim. – Harán ergueu-se. – Adeus, amigo.

Lemond sentia o solo pedregoso em suas costas. Movia a cabeça de um lado para o outro incoerentemente. Sentia-se engolido pelo chão, e imaginava ter perdido o rosto. Começou a não ligar para sua situação, na verdade estava perdendo a noção, delirante. Estou morrendo? Foi quando pensou que o choque impulsionou seu corpo, e ele levantou a cabeça.

Harán havia perfurado sua barriga em tantos lugares que ele nem era capaz de distinguir sua pele e o que sobrara de sua túnica. Ele franzia o cenho diante daquela visão horrível. Jamais imaginava que o dia terminaria daquela forma. As visões de seu cadáver apodrecido ao lado de um túmulo de Diamante lhe pareceram um tanto irônicas.

Lemond tentou sorrir, mas tudo o que conseguiu fazer foi franzir as sobrancelhas e chorar. Não podia sustentar por tantos segundos a certeza de que estaria morto. Tantas outras vezes que estivera à beirada da vida, mas agora era diferente, estava esvaindo-se.

Mas ele forçou-se a sorrir. Se ia morrer, ia morrer sorrindo. E seu ultimo respingo de existência seria um sorriso, e do que valeriam todos os julgamentos direcionados a ele? De que valeram as brigas, humilhações, imposições... quando Lemond Grorvan morria deixando um sorriso?

— Este é o mais belo de meus sorrisos. – Disse, mostrando os dentes vermelhos para o céu púrpuro. – Deixo a você, mundo, o meu dobro, o meu trapace, pois aqui me derrubou, e aqui mostro meu sorriso ao seu esforço em me desconcertar.

Mas suas palavras não foram ouvidas só pelo céu e pelo túmulo de Brom. No resto de luz do sol, Lemond via o contraste de botas aproximando-se.       


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Notas finais do capítulo

Eu adorei este capítulo, e, não vou mentir para vocês, eu nunca antes havia conseguido colocar tanta sinceridade em capítulos dessa fic. Este aqui entra para minha grande lista de favoritos, onde cada um tem seu motivo particular.
Espero que tenha agradado, e valido a permanência da leitura de vocês.
Obrigado por tudo, cada um de vocês, e aguardem o próximo, pois ele virá!
20/02/16



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