Um mundo além do mundo escrita por Lobo Alado


Capítulo 37
A dança


Notas iniciais do capítulo

Não acredito que acabei este capítulo tão rápido, o fluxo realmente foi bom...
Bem, nos capítulos que seguiram depois do trinta ouve uma mudança na história de cada personagem, com este capítulo não é diferente... Ele significa algo grandioso, vocês verão.
Dedico este Capítulo à Sarah, que sempre tem me ajudado e MUITO! Digo que ela tornou possível este capítulo estar escrito, e ela merece não só essa dedicação como meus eternos agradecimentos, Obrigado, Sarah!
Boa leitura, Leitores! hahahahah



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Serje banhara-se naquela manhã quente da floresta. Barbeara o rosto do queixo há muito esquecido e vestira suas antigas vestes de quanto saíra de Carvahall. Elas lhe caíram pesadas, tão diferentes das túnicas élficas que vinha usando recentemente, mas eram confortáveis e suas.

A manhã foi intensa em seu quarto. Animava-o cada vez que conseguia compreender uma frase. Estava ficando cada vez mais rápido. E era tão bom entender o que estava escrito em um livro. Era como se conversasse sozinho com sua imaginação. Era como se fosse ensinado por alguém, mas era só ele e o livro. Era tão fácil encontrar livros de sua língua quanto da língua antiga em Ellesméra. A biblioteca era imensa e de muitas opções.

Não costumava sair pela floresta sem que estivesse acompanhado de Yonärea ou Visëur, mas ele precisava fazer aquilo sozinho. E ali estava, no meio da tarde, de frente para o grande carvalho que havia sido plantado em cima do corpo de Dávya. Os elfos olhavam para ele com desconfiança, mas ele já não ligava. Tudo o que importava era a conversa sagrada que ele tinha com aquela árvore, naquele momento.

— Bem, olhe só o que aconteceu! – Ele sussurrou para o carvalho. – Estou aqui, de frente para você, com sua espada e com sua imortalidade. E... – Serje gostava de poder falar com Dávya sem que ela o interrompesse com um golpe de seu cajado, mas agora daria tudo para tê-la ali. – Mesmo depois que você se foi, as coisas continuam acontecendo como você planejou. Sabe, isso me irrita às vezes. Me parece que você colocou o bem estar daqueles à sua volta acima de você mesma... – Ele sorriu com o olhar fixo na textura do carvalho... – Mas não é isso, é? Tudo o que você mais queria era livrar-se logo deste mundo... No final das contas você acabou por ser egoísta, elfa. – Ele aproximou-se lentamente. Retirou a luva de sua mão esquerda e tocou a árvore. – Mais quem pode culpá-la? – Virou-se. – Por Deus... você me pegou de surpresa, velha.

“Hoje é o dia de minha partida, mas pretendo vê-la novamente. Não pense que não voltarei.” Começou a afastar-se. “Adeus, Velha.”

Serje pensava seriamente em apelidar cada árvore que via durante o caminho de volta. Os seus passos pareciam até os mesmos pela floresta que nos dias passados. Essa sensação estava presente quase sempre, desde que chegara à floresta. Era estranho quando acontecia, era como se ele tivesse num transe monótono enquanto habitava a cidade. A sua fúria anterior estava se esvaindo, a floresta o acalmara. O que mais gostava de fazer agora era observar as estrelas na clareira da Menoa. Yonärea o acompanhara e apresentara o lugar a ele.

Mas hoje era o dia que deixaria tudo para trás... Apenas precisava despedir-se de Dávya. Voltava agora para as margens da cidade, onde Visëur o esperava para instruí-lo sobre onde encontrar Yonärea para partirem. Tinham que manter tudo em segredo, nenhum elfo deveria saber o que estava acontecendo ali. Ele continuou caminhando, tentando fazê-lo naturalmente, segurando-se para não segurar o cabo da Chama do Inverno.

Chegou até as margens de Ellesméra tenso, com o pescoço duro. Cerrou os olhos e olhou discretamente para os lados, procurando por Visëur. E lá estava ele, recostado sem nenhuma preocupação evidente, se não pelos ombros que eram sempre tensos e os olhos fixos.

— Acompanhe-me. – Ele disse e sumiu ligeiramente entre as árvores.

— Espere! – Sussurrou pondo-se a segui-lo. – Maldito...

Seguiram apressados por um longo tempo, até que a floresta tornou-se muito densa e Serje teve certeza que não estavam mais da cidade.

Poucos feixes de luz dourada que passavam entre as folhas e os troncos contrastavam com a escuridão da noite que se aproximava. Era o momento mais bonito da floresta. Ele caminhava com cuidado à medida que o escuro invadia. Antes do último vestígio de luz partir, um vulto saiu lentamente de detrás de uma árvore. Não foi difícil para Serje reconhecer, mas foi um grande impacto por os olhos naquela criatura fabulosa novamente. Era Zoräes que caminhava lenta e elegantemente entre os campos, esperando que fosse até ele.

O Lobo estava maior e com o rosto mais largo. Os olhos eram os mesmos, e caminhava sobre quatro patas, suas asas haviam sumido.

— Rapaz – Visëur andava tão desconfiado, do começo ao fim do percurso, que estava causando um pouco de pânico em Serje. –, chegou sua hora de partir. Siga a lua, e pouse na base da primeira montanha que avistar. Lá é um lugar seguro para encontrar com Yonärea. – O elfo franziu o nariz, inquieto, com os olhos verdes penetrantes e ligados, perceptíveis mesmo no escuro. – Agora vá... precisa ir. Espero que quando o veja de novo, tenha conseguido o que Dávya pretendeu. – E com isso, virou-se e correu habilmente por entre as árvores.

Ele esperou o elfo sumir para dar um sorriso para Zoräes. O lobo havia crescido tanto, e os olhos quentes eram reconfortantes como Serje lembrava. Ah, Dávya... o que você fez comigo? Pensava ele enquanto abraçava o seu grosso pescoço.

— Vamos embora daqui, amigo. – O lobo deitou-se para que ele pudesse montá-lo.

Quando Zoräes levantou-se, com suas pernas no dorso, sentiu-se tão alto quanto seguro, e como se pudesse correr para onde for. Respirou fundo e sorriu. O lobo pôs-se a mover, corria tão rápido que suas patas mal tocavam o chão. Serje segurava-se facilmente, voar era mais difícil e ele também já havia se acostumado. Era como se montasse Zoräes desde criança.

Não haviam ido tão longe quando em meio aos vultos dos troncos à noite, Serje avistou algo. Movia-se em sua direção, ele podia perceber claramente. Cerrou os olhos tentando não perder o vulto veloz.

— Espere, Zoräes... – Deu uma palmada no pescoço do lobo.

Olhou ao redor, Zoräes parara bruscamente, levantando folhas e terra do terreno. O vulto havia sumido e Serje não esperaria mais.

— Vamos... – Disse com o humor sombrio. Quem quer que o estivesse observando não se daria por vencido. – Droga! – Ele sabia que não era sua culpa, mas estava matando-o por dentro saber que havia sido visto em sua fuga.

Zoräes ergueu as patas dianteiras e as agitou tão rapidamente que ele jamais repararia nelas tornado-se grandes asas. O animal saltou para o céu abruptamente. As folhas das arvores penteavam o rosto de Serje, e finalmente o Fäghro emergiu para uma noite de luar. As asas eram enormes, maiores que da ultima vez, e o vôo mais maduro... Serje podia sentir. A lua... siga a lua. Ele pensou consigo mesmo. 

    Serje olhou para baixo. As enormes árvores, tão imponentes, haviam ficado para trás. E quem era a grande Menoa se comparada a Serje naquele momento? O pensamento não podia deixar de vir a sua cabeça. Era errado? Talvez não, talvez fosse apenas verdade.

A primeira montanha surgiu, cobrindo a lua laranja com sua ponta crescente. Zoräes inclinou-se e diminuiu a velocidade. As arvores voltaram a mergulhá-los, e pousaram no terreno inclinado da subida da montanha.

Serje desmontou o lobo cambaleando para trás no terreno depressivo e liso de folhas mortas. Olhou ao redor com a pouca iluminação dos feixes prateados do céu encoberto. Os ruídos da floresta triplicavam à noite. Ele respirou fundo, incomodado com os barulhos desconcertantes. Perguntou-se se deveria procurar por Yonärea ou simplesmente a esperava.

— Me espere aqui. Nenhum movimento, entendeu? – Ele disse afastando-se para procurar por galhos para uma fogueira, escolhendo, obviamente, a segunda opção.

Um pássaro bateu asas em algum lugar à sua direita enquanto ele afastava-se sem conseguir evitar todo o barulho que fazia ao escorregar pelas folhas. Odiaria que Dávya, Yonärea ou Visëur o vissem tão atrapalhado.

Ele apanhou galhos grandes, que não eram poucos, espalhados pelo chão da floresta. Serje notava a total diferença, com o peso daqueles galhos em seu ombro, entre tudo o que abrigava a floresta e o que conhecera antes em sua curta vida.

Estava apreciando seu pequeno esforço para fazer uma fogueira. Era bom esforçar-se sem ser para decifrar uma runa ou para esconder-se de elfos curiosos. Ele limpava o suor da testa, feliz, ao acender a fogueira quando passos soaram vindo em sua direção. Ergueu-se novamente, alerta. Mas era, inconfundivelmente, Yonärea com seus cabelos cobres brilhando contra as chamas recém nascidas.

— Serje... – Ela desviou sua atenção para o enorme lobo que não ignorava a presença de alguém novo. – Não posso acreditar... Fascinante! – Ela exclamou, e os olhos azuis deliciavam-se cortesmente sobre Zoräes.

— Cuidado, Lady. – Alertou Serje. – Ele é um pouco temperamental às vezes.

Ela recuou cautelosa, mas ainda fascinada. Serje sorriu.

— Espere um instante. – Ele foi até Zoräes. Acariciou o focinho do lobo. – Venha, Rapaz... Esta é Lady Yonärea, você vai gostar dela.

O lobo, que até então estava deitado, levantou-se, mostrando todo o seu tamanho. Caminhou devagar, controlado por Serje, até a elfa. Abaixou a cabeça, desconfiado, e farejou-a.

— Ponha a mão no focinho dele, devagar.

Ela ergueu a mão e guiou para o alto e enorme focinho. Serje reconhecia o espantoso tamanho do animal. Zoräes grunhiu baixo, mas permitiu que a Lady tocasse seu focinho. Ela acariciou-o e abriu um sorriso. O Fäghro lambeu sua mão.

— Espere um pouco... – Disse a elfa quando o lobo afastou-se para trás. Ela segurou a sua cabeça com os dedos, suavemente. – É mágico... Você não tem idéia de o quão poderoso ele possa ser.

— Bem, eu tenho consciência disto... Dávya havia...

— Não, não compreende. – Disse ela com os olhos bem abertos e um meio sorriso boquiaberto involuntário. A fogueira estalava feroz ali perto. – Esta criatura carrega uma quantidade de energia que eu raramente vi em outras criaturas mágicas. Tem um controle muito estabilizado de sua capacidade mágica, e de sua mente.

“Você não sabe o quão você muda quando está perto dele.” Ela soltou o lobo. “Dávya estava certa.”

— Do que está falando? – O rapaz franziu o cenho totalmente desconcertado e assustado.

— A união entre um Cavaleiro de Dragão, selada há tanto tempo, cria um laço poderoso entre o Cavaleiro e seu Dragão. Foram muitos os que ajudaram a criar o laço que traria a paz entre as duas raças, e muita cautela se teve antes que a união fosse selada de uma vez por todas.

“Dávya era apenas uma, era mais complicado selar um pacto. Mas os Fäghros mostraram-se donos de uma magia poderosa. Ela usou disso para fortalecer o laço criado.”

“É uma ligação muito mais simples que a dos Cavaleiros, mas lhe proporciona muito poder.” Disse ela. “Serje, você nunca mais será o mesmo de antes”

— Disso eu já sabia... – Resmungou ele. – Mesmo antes de saber tudo o que me disse. – Ele aproximou-se da fogueira. – Quando partiremos? – Mas antes que pudesse ouvir a resposta dela, avistou duas silhuetas encapuzadas aproximando-se.

Puxou a Chama do Inverno da bainha. A espada reluziu, refletindo a luz da fogueira.

— Para trás, Lady. – Ele levantou a espada à altura do ombro.

— Não, Serje, são acompanhantes. Nós precisamos da ajuda deles. – Ela segurou sua mão e a abaixou. – Temos que sair daqui... Podem nos matar se souberem o que estamos fazendo! – Disse ela ereta, ansiosa e pronta para partir.

Serje não fez questão de perguntar. Apenas montou Zoräes e estendeu a mão para Yonärea. A Lady apagou a fogueira com algumas palavras de sua língua e, no escuro, montou logo atrás de Serje, segurando os ombros do rapaz.

— E eles? – Perguntou enquanto Zoräes aprontava-se para voar.

— Eles têm seus próprios métodos. – Disse a elfa abraçando a cintura dele enquanto Zoräes inclinava-se e fazia de suas patas asas novamente. E Zoräes levantou vôo, deixando as duas estátuas encapuzadas para trás.

A elfa dizia por onde devia seguir enquanto o Fäghro rodeava a montanha. Serje ouvia enquanto a mão dela segurava seu ombro e por vezes a sua cintura. Coisas não podiam deixar de vir à sua cabeça, tendo a elfa tão próxima de si. O toque delicado da sua mão, os peitos que encostavam em suas costas, o perfume de seus cabelos. Era um ser atraente. O rapaz franziu o cenho, tentando afastar os pensamentos e concentrar-se na viajem.

— Mais rápido, Zoräes. – Grunhiu Serje. – Então, Lady, quem são os seus acompanhantes?

— São pessoas que concordaram em nos ajudar, mas se os elfos souberem que elas vieram conosco, irão nos condenar.

— Elas?

— Apenas aguarde, Serje... Não seja tão precipitado. – Respondeu ela.

Zoräes voou até a madrugada tornar-se fria. Pararam em uma área da floresta distante de qualquer cidade élfica. O chão de folhas mortas, os ruídos dos animais, o cheiro denso do ar, tudo despertava o mesmo interesse para Serje que algum tempo atrás. O sono não o vinha nesta madrugada, e ele sabia que Zoräes era a causa disto, era a sua magia o afetando. O tornava vivo como nunca experimentara.

— Quando suas acompanhantes chegarão? – Perguntou Serje quando o dia estava para amanhecer.

— Elas preferem manter-se afastadas. Foi com muita relutância que eu as convenci de acompanhar-nos, Serje das montanhas.

— Você tem de me explicar isto melhor, Yonärea. – Disse ele confuso. Tinha que arrancar qualquer coisa dela, estava matando-o por dentro ficar no escuro, afinal, ele era uma peça fundamental naquilo tudo.

— Tudo o que posso lhe dizer, Serje, é para que fique alerta. Estamos quebrando regras dos elfos aqui. Você logo entenderá. – Os olhos delas carregavam a mesma preocupação que os de Visëur mostraram.

— Não me esquecerei... – Ele abaixou a cabeça, pensando enquanto reparava ao seu redor. A manhã ainda carregava o frio da madrugada, e a iluminação ainda era fraca.

A imagem de Dávya revelando sua orelha pontuda lhe veio à mente, ele não soube o porquê, e aquele pensamento o prendeu por algum tempo. Lembrou-se da primeira vez que viu Dávya, quando ela o acertou com seu cajado de frente para a residência do Senhor de Ceunon. De como ele a imaginara estúpida e fraca. Uma questão oportuna o surgiu.

— Como era Dávya? – Ele perguntou à Yonärea, simplesmente.

A Lady olhou-o com um rosto enigmático. Pela sua expressão parecia desprezar Serje por algum motivo, mas o rapaz não se intimidou. Serje não tinha medo dos elfos e não ligava para a sabedoria que eles diziam ter. Para ele não tinham diferença dos humanos.

— O que quer dizer com esta pergunta? – Ela questionou-o cautelosamente.

— Dávya era uma elfa. Eu... eu não consigo imaginá-la antes de sua... de seu envelhecimento.

O rosto de Lady Yonärea endureceu, ela tornou-se tensa, como se lutasse consigo mesma. Serje sentiu raiva quando percebeu que trouxera a ela uma lembrança triste.

— Desculpe-me, Lady, eu não pretendia... – Ele ergueu uma mão.

— Não se preocupe com isto. – Ela disse, recuperando a compostura e mascarando o rosto de indiferença. – Dávya era bela e adorável. Andava sempre sorrindo e radiante. A última vez que a vi sorrir foi no dia que partiu para a ilha dos Cavaleiros. Quando voltou de lá, era alguém morto e sem esperanças. Não existia mais um futuro para ela. – Yonärea comprimiu os lábios. Parecia difícil falar, mas era evidente que ela era forte e dura. – Quando ela me falou de você e a ligação de Zoräes, eu tive esperanças de que talvez ela pudesse voltar a viver, pelo menos um pouco.

“Os Fäghros e você trouxeram um pouco de luz aos últimos dias de Dávya.” Ela olhou-o reverente. “Eu lhe agradeço.”

Serje assentiu melancólico.

— Yonärea, por que você me trata desta forma? Com tanta formalidade? O seu povo é o mais estranho que eu já conheci. – Ele riu-se, tentando quebrar a melancolia que havia causado.

— Os elfos são seres precavidos e respeitosos, Serje das montanhas. Somos muito cautelosos quanto ao que falamos. A imortalidade obriga-nos a ter uma boa convivência com todos ao nosso redor. Então o respeito é fundamental.

Serje forçou o maxilar, sempre surpreendido por aqueles seres estranhos.

— Bem, eu peço que não haja assim comigo novamente. É terrível ter uma companheira de viajem tão formal e chata. – Disse ele sem rodeios. – Sem ofensas.

Yonärea franziu a testa surpreendida, mas relaxou deu um meio sorriso.

— Me lembrarei disso, Serje. – Ela levantou-se e foi até as bolsas que havia trazido. Retirou o Draurm boetq - Faghória. – Venha aqui. – Ela sentou-se e abriu o livro.

Curioso, Serje aproximou-se, olhando para a página que ela abrira. Era o final do livro, numa página em branco. Continuou observando sem questionar. Yonärea fechou os olhos começou a murmurar palavras desconhecidas a ele. A língua antiga fluía belamente dela, era encantador.

O papel absorvia cores do ambiente, que nadavam na superfície e ganhavam forma. Um rosto deformado nadava, até concretizar-se, finalmente, no papel. Bochechas perfeitamente preenchidas em um sorriso que detalhava o rosto anguloso e corado, olhos vivos e azuis, iguais os de Yonärea, mas carregavam sutileza enquanto os da Lady eram atrevidos e eletrizantes. Os cabelos cobres eram volumosos e de brilho metálico, as orelhas pontudas os seguravam. A elfa na foto era linda, ainda mais que Yonärea, e trazia paz ao fitá-la.

— Era assim que Dávya costumava ser. – Ela entregou-lhe o livro. – Não me faça ter de lembrar outra vez. – Ela virou o rosto.

— Não o farei. – Ele segurou a mão dela e apertou. – Me desculpe. – Ela olhou-o com peso, e assentiu.

A viagem continuou não muito depois. Zoräes dormira o tempo inteiro quando pararam, e Serje notara que Yonärea o observava dormir, fascinada. Os Fäghros dormiam em cima de árvores embrulhados em suas asas.

“Dávya disse-me que é para proteção. Fäghros são naturais do norte, e lá suas melhores opções de alimento estão no mar, e muitos acidentes acontecem.” Yonärea lhe explicara. “É natural dos Fäghros ter o instinto de proteção, mesmo que sejam poucas as espécies predadoras no norte gélido. O hábito solitário os levou a isso.” Ela olhava para o animal com pena. “É uma espécie autodestrutiva. Eles precisam de nós, Serje.”

A floresta morria, deixavam finalmente o espaço dos elfos, e encontravam-se a caminho do norte. Serje pensava se deveria perguntar o que iria perguntar a qualquer momento para Yonärea, sem ter coragem.

— Lady. – Ele permitiu-se. – Quem ficará responsável por Nadindel? Você não é a governante de lá? – Ele deu de ombros.

— Abdiquei do cargo, Serje. – Ela respondeu, tolerando a dúvida do rapaz. – Todos acham que devido à morte de minha irmã.

— Todos se perguntarão para onde foi. Pode acabar assustando-os. – Ele franziu a testa. – Por quanto tempo pretende ficar fora?

— O ajudarei a salvar os Fäghros, Serje. Voltarei quando a raça estiver segura o suficiente para ser revelada para as pessoas na Alagaësia. Talvez eu não pertença mais à Floresta dos Elfos, não há nada lá para mim. – Respondeu ela convicta.

— Você está certa disso? – Atreveu-se ele. – Conseguirá ficar longe do seu povo?

— Ser äfakyn nunca deveria limitar-me de alcançar aquilo que quero. – Ela respondeu gélida.

— Eu... – Ele balançou a cabeça. – Eu sinto-me preso em meu povo. Se pudesse, estaria voltando para o império agora, e reconquistaria Carvahall.

— Bem, não fará isso. – Disse ela imperante.

Serje não deu continuidade. Apenas focou-se em seguir a direção. Quanto mais a norte entravam, mais o vento era frio. Serje quase não conseguia manter os olhos abertos, o ar por vezes parecia uma parede sólida, e vagarosamente adentravam uma tempestade. Zoräes não parecia abatido, lidava bem com a mudança repentina.

— Acho melhor descermos! – Serje gritou para Yonärea ouvir.

— Não... não podemos tornar esta viagem longa demais. – Ela afrouxou as mãos nos ombros de Serje e começou a cantar algo em voz alta.

— O que está fazendo? – Ele perguntou, mas ela continuou cantando.

De repente o ar denso parou de maltratar seu rosto, e o frio não era mais tão intenso, ainda que a tempestade continuasse os rodeando. A viagem tornava-se novamente aceitável, e o lobo seguia rapidamente novamente.

Serje novamente apreciava os feitos da magia, e retirara totalmente seu pensamento anterior com relação a feiticeiros. Aqueles feitos teriam muitas utilidades positivas.

Não imaginava que demoraria tanto para alcançar o habitat dos Fäghros. Zoräes e a rapidez de suas asas encurtavam distâncias, mas já estava escurecendo. Nem mesmo a magia de Lady Yonärea era capaz de afastar o frio, e Serje sentia que ela não poderia sustentar o feitiço por muito mais tempo. A elfa envolvia fracamente a cintura do rapaz e deitara a cabeça em seu ombro.

— Já chega, vamos parar. – Serje inclinou-se fazendo Zoräes mergulhar.

— Não. – Yonärea pediu. – precisamos de mais algumas horas de vôo, eu aguento. O tempo será assim a todo o momento.

— Tudo bem... – Disse ele a contra gosto, sentindo o corpo dela pesar sobre si.

Zoräes tentava manter a velocidade, e o fazia dignamente, Serje não sabia de onde ele retirava energia, assim como também se sentia disposto e não tão afetado pelo frio. Já Yonärea parecia esforçar-se para manter o feitiço.

— Chega! Continuaremos sem seu feitiço. – Ele virou-se e segurou o braço dela. – Somos capazes, encerre o feitiço.

Ela olhou-o com orgulho ferido, mas encerrou o encantamento. Instantaneamente o frio espetou seu corpo e o vento afastou-o para trás. A tempestade era forte.

— Espero que cheguemos logo. – Ele rosnou para a elfa.

— Mantenha-se concentrado. – Disse ela apertando sua cintura com braços trêmulos. – Só mantenha-se concentrado.

— Raios... – Ele sussurrou.

Retirou sua capa e virou-se rapidamente para cobrir Yonärea. Envolveu a pesada veste em seus ombros e virou-se de volta posicionando os braços dela em sua cintura.

— Isso não é necessário. – Disse ela irritada.

— Cale-se. Não seja orgulhosa. Não mostre-se potente quando não pode ser. – Disse ele ofendido. – Não sou tolo o suficiente para não perceber sua arrogância.

Mesmo sem a capa, Serje apenas era eletrizado pelo frio, mesmo que seus dentes batessem e os olhos pouco pudessem se abrir, pouco se sentia afetado.

Zoräes começou a curvar-se em determinado momento, e mergulhou no ar nublado.

— Yonärea... – Ele segurou-se no pescoço do lobo.

— Chegamos. – Anunciou a Lady.

— Aonde exatamente chegamos? – Ele perguntou-se quando as nuvens permitiram que avistasse o branco deserto na escuridão.

— Estamos a norte o suficiente. – Ela explicou.

Zoräes pousou em meio ao nada esbranquiçado e deitou-se para que os dois pudessem desce.

— E agora? – Perguntou Serje olhando ao redor. – Este lugar está morto. Não vejo como centenas de criaturas de asas possam viver aqui.

Yonärea que quisera rejeitar a capa de Serje agora apertava-se nela com força. Ela parecia recuperada, mas ainda fraca devido ao feitiço duradouro. Os cabelos escondiam-se no capuz, e Serje só podia ver o gélido rosto branco em meio a suas vestes negras. 

— Eles habitam as cavernas das montanhas, ou as árvores mortas de suas bases. Aqui é o centro da costa norte da Alagaësia, tudo é morto.

— Não acredito que Dávya já esteve aqui, e sozinha! – Disse Serje surpreendido. – Se não é aqui que os Fäghros costumam ficar, Por que estamos aqui?

— É aqui que nossos acompanhantes nos acharão.

Serje cerrou os olhos, mas não disse nada.

— Então esperemos...

— Até amanhã. – Assentiu ela.

Zoräes acomodara-se numa depressão, escondendo Serje e Yonärea da noite e do frio. O lobo dormia encolhido, escondendo a cabeça, também, debaixo da asa, sua respiração quente era reconfortante.

Sem conseguir dormir, Serje lembrou-se de sua vida nas muralhas de Carvahall e onde estava agora, na costa norte da Alagaësia, debaixo da asa de um lobo voador na companhia de uma elfa. Pensou também nos motivos que o levaram até ali. E eram absurdos.

Quando finalmente conseguiu dormir os pensamentos estavam diluídos e distantes. Foi uma noite sem sonhos, a mais tranquila o possível debaixo das asas de seu lobo. Quando acordou ainda permaneceu recostado nas costelas de Zoräes cansado demais para levantar-se. Observara de relance Yonärea sair de debaixo das asas e sentar-se à beira do mar audível pela manhã.

Ele ergueu-se com pernas doloridas e dormentes. Zoräes mexeu-se levemente, mas não fez questão de levantar-se, acordado ele só observava o mar enquanto o vento frio confrontava seus pelos. Serje andou até a praia onde Yonärea estava sentada.

— Onde elas estão? – Perguntou ele cansado de viajar, esperar e tentar entender.

— Provavelmente muito perto. – Respondeu Yonärea com um ar gélido, ela estava preocupada com algo.

— Você não deveria se preocupar tanto. – Disse ele sentando-se ao lado dela. – O que estamos fazendo... não importa as leis dos elfos, estamos fazendo o necessário para salvar uma raça! Os Cavaleiros enfrentaram muita coisa para retornarem. O que quer que estejamos fazendo de tão terrível, que você não me diz, é por um bem maior.

— É bom que pense assim, Serje. Você fará bem o seu trabalho. – Ela franziu as sobrancelhas diante das nuvens que morriam na linha do mar.

Na manhã madura Zoräes queria caçar no mar, mas Serje não permitiu que fosse tão longe, lembrando-se das histórias de Dávya sobre os predadores das águas. Fez questão de acompanhá-lo em seu dorso. O lobo abocanhara alguns peixes rapidamente. Serje pulara no raso para despertar com a água fria, e ficou um bom tempo mergulhado.

Olhava, apenas do queixo para cima fora da água, para o horizonte cinza. Yonärea ainda de frente para o mar por entre sua capa negra era o diferencial entre todo o branco, uma adição bela ao ambiente. O vento não dava trégua em sua força mesmo com a passagem da tempestade. Serje levantou-se quando decidiu que não havia diferença do frio de dentro ou de fora d’água.

 As ondas levavam seus pés para o lado enquanto tentava alcançar a praia, a areia envolvia seus pés confortavelmente mesmo no frio. As únicas vezes que estivera no mar antes fora quando Martelo Forte o enviara para Narda com alguns soldados e quando raramente ia para a baía de Fundor. Não conteve um sorriso ao sentir as ondas brincarem com seus pés enquanto voltava para junto da elfa. Era bom estar no mar novamente.

Depois de algum tempo o dia tornou-se mais quente e suportável, foi quando Serje ousou pescar. Lady Yonärea contentava-se com suas frutas e caldos de cebola que Serje sequer entendia o preparo, mas apreciava também.

Pela tarde, no horizonte surgiram dois pontos pretos a aproximar-se. Ele aguardou inquieto enquanto indicava a Yonärea os acompanhantes. Endireitou-se formalmente ao lado da elfa que levantara para recebê-los. Respirava o sal de seus cabelos sem entender aquelas figuras encapuzadas e sinistras.

— Mantenha-se quieto... Nós dependemos muito delas. – Sussurrou Yonärea retirando o capuz da capa de Serje que usava, revelando seus cabelos ruivos.

Os encapuzados aproximaram-se lentamente, e pararam de frente para Yonärea e Serje. Ansiedade despertou dentro dele quando nada prosseguiu por algum tempo.

— Bem, Iduna e Néya, vocês já viram do que estamos falando. Espero que cooperem com este feito. Façam a parte de vocês, Cuidadoras.

As duas retiraram o capuz simultaneamente, revelando rostos élficos belos e inexpressivos. Derrubaram a capa das costas e desprenderam os cordões de suas túnicas, mostrando-se nuas. Serje estranhou, mas não ousou manifestar qualquer sinal disto. Ele não sabia se as fitava ou se afastava o olhar. Yonärea não se encontrava nem um pouco incomodada.

As elfas traziam no corpo uma grande tatuagem que pareciam completar-se. Era... um dragão. Um dragão de escamas de cores distintas que começava com o rabo enroscado na perna de uma das elfas e terminava no corpo da outra.

As elfas entrelaçaram os braços uma na outra e começaram a cantar e dançar. Serje franziu o cenho diante da música e da dança, e arquejou quando percebeu que era um feitiço. As duas rodavam, uma junta da outra, cada vez mais rápidas e suas vozes mesclavam-se misticamente, ressoando nas orelhas dele como uma onda o carregando contra sua vontade mar adentro. Elas pararam no ápice daquele momento, e a tatuagem começou a mover-se dos corpos.

Incrivelmente, o dragão despregou-se das elfas, se não pela sua calda, e subiu ao ar vagarosamente, movendo-se como um predador. Ele alcançou o alto e olhou curiosamente para Serje e Yonärea.

A elfa de cabelos acobreados fez uma reverência.

— Antigos. Venho até vocês com um apelo. – Ela descurvou-se. – Precisamos de vocês para salvar uma raça mágica que extingue-se do mundo... Este é o trabalho iniciado de Dávya, a Cavaleira de...

Não diga mais nada, elfa! A voz do dragão soou como um trovão pelo ambiente, como a voz de quem acordara de um longo sono. Arrogância... Ele continuou mais lento ainda, aproximando-se de Yonärea. Vemos muita arrogância em você, elfa. Você precisa... mudar...

Mestres... – Ela falou com olhos bem abertos. – Os Fäghros...

Você... O dragão interrompeu-a novamente virando-se para Serje. Jovem, porém carrega força e determinação. O dragão aproximou-se ainda mais. Não pense, elfa Yonärea, que não podemos ver a nossa necessidade. Nossa presença foi pedida, não negaremos ajuda à vocês, mas faremos o que é melhor, não o que nos pedem.

“Este é nosso presente para você, Guerreiro” Continuou o dragão tocando a testa de Serje. “Para que você faça o que é preciso” As palavras dissolveram na mente de Serje.

E ele não lembrou-se de mais nada.   


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Notas finais do capítulo

Bem, o que acharam? Foi ousadia demais trazer as cuidadoras até aí? Foi ousado fazer Yonärea contatar os antigos dragões sem a permição dos elfos de Du weldenvarden?
Me sinto tão intimidado quando penso a respeito disto...
Mas está feito, e eu gostei bastante hahahah
Eu sempre digo isto, e aí vai de novo:
Aguardem o próximo, pois ele virá!
Até mais, Leitores!
22/01/16



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