O Guardião Cinzento escrita por Malcolm Beckster


Capítulo 5
O Assassino




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Os Emissários do Kaiser eram homens simples e de poucas ambições obstinados a realizar os planos de seus superiores. Os Gama realizavam os planos dos Betas que realizavam os planos do Alpha, o Kaiser. Da mesma maneira que Brasão Negro, um assassino devoto de muitos protocolos de maneira a ser mais do que irrastreável. Respeitava e honrava o Kaiser, mas obedecia apenas a Coração Azul, que obedecia ao Kaiser. E só.

Brasão Negro mergulhou profundamente nos rios de Nova procurando seu alvo, a descrição pessoal era um homem velho de 72 anos chamado Burnes, ele parecia ter importantes contantos espalhados pela cidade, era um agente federal americano escondido e trabalhou na Embaixada do Sexto Estado durante o conflito Franco-Prussiano entre o Sexto e o Segundo Estado, o que lhe acarretou muitos problemas, além de ter sido responsável por diversas mortes de antigos aliados do Kaiser, ter colocado uma bala no peito do próprio quase o matando e finalmente processando informações importantes para que o plano do Alpha corresse de forma correta. Pelo mesmo, o Alpha ordenou a Coração Azul que eliminasse alvos, e Coração Azul ordenou a Brasão Negro que obedeceu.

Saiu do lago e subiu, achou depois de noventa passos um corpo morto, sentiu náuseas, mas não desistiu, não era do feitio de um Gama nem de um assassino treinado como ele. Percebeu porém que o acesso era taticamente bem feito, porque as janelas estavam protegidas pelas paredes do mármore forte da construção, Burnes caso aparecesse poderia atirar e se proteger até a munição acabar, e pela mata ser muito densa para se entrar subitamente, logo, seria facilmente alvejado.

A cada passo percebia a eficiência do posicionamento da casa, as janelas eram altas de maneira que fosse impossível simplesmente atirar acertando alguém pelo lado de fora, ele precisaria entrar para matar quem quer que fosse. Andou até a escadaria, a porta tinha poucas trancas, mas quando terminou percebeu que havia uma trava magnética na porta, o que dificultava as coisas. Subiu uma das paredes, quebrou uma das janelas e entrou, foi furtivo, queria matar o maldito Burnes de uma vez por todas, esperou, mas percebeu que alguém lhe esperava nas sombras, e era bastante rápido, porque o atingiu com força o bastante para projetá-lo no ar. Brasão Negro atacou mais silencioso ainda com chutes, mas aquele homem, como um morcego, mesmo no escuro sabia o que lhe rodiava.

Brasão Negro teve a perna quebrada, o pulso torcido e um dente quebrado, seus inúmeros golpes não bastaram para que ele percebesse sua incapacidade e também percebesse sua inferioridade perante o inimigo. O golpe final quase o matou, mas o fez parar de respirar por alguns minutos enquanto ele cuspisa sangue no chão frio de mármore.

– Quem é você?

Não respondeu, a sombra tentou em francês, espanhol, português e alemão, finalmente obteve uma resposta:

– Schwarzen Mantel.

– O que está fazendo aqui?

– Vim matar aquele que se chama Timothy Burnes.

– Por quê?

– Sem detalhes, apenas ordens. Timothy Burnes ter atrapalhado o Kaiser em seus planos muitos anos atrás.

Droga, Tim, que porcaria você aprontou agora?

– Quem é - disse antes de perceber que o assassino salivava - Não! Cospe! - disse enfiando o dedo na boca de Brasão Negro tentando arrancar a pílula ingerida.

– Heil Kaiser und sein Reich - disse antes de revirar os olhos e finalmente morrer.

– Mas que droga! Quantos caras vão ter que morrer nessa porcaria de sala?

Apareceu então Timothy, entrou e olhou ao redor, tomando conclusões precipitadas, mas um tanto errôneas.

– Veio tentar te matar?

– Eu ia fazer a mesma pergunta - ele respondeu, mas continuou - Ele veio atrás de você, algo sobre um tal de Kaiser.

Timothy pensou, relembrou seus longos anos como um soldado um pouco antes da unificação da Alemanha depois da fragmentação dela por causa dos Pequenos Senhores, eles foram massacrados, mas acabou que imprimiram ideais imperialistas, os germânicos tentaram expandir seu Estado, entraram em conflito com os franceses e por isso mesmo lutaram, mas isso acabou por gerar muitos conflitos sociais que acabaram na derrota dos franceses antes que os mesmos conseguissem finalmente acabar com o avanço deles e depôr os Imperadores, claro que havia desde então um forte conflito entre os dois e na maioria das vezes eles se consgraram como inimigos, mas se esforçavam em manter a paz.

– Ah, sim, Kaiser - ele andou até o quarto e voltou continuando e carregando um pequeno livro - Eu escrevi esse diário em código quando eu estava no Exército, meu pai naquela época ainda morava na França e eu fui lá só pra ver se ele estava bem. Foi lá que eu conheci Howard, ele estava lá pela segunda vez e trabalhando num restaurante pequeno. Ele era um agente alemão bastante influente que acabou por se tornar general, eu cheguei a enfrentá-lo, se não me engano eu o atingi na espinha e ele deve ser paraplégico não conseguindo mover da cintura para baixo - disse, explicativo, afinal a neurociência já tinha superado o limite da paraplegia - Não sei se ainda está vivo.

– Provavelmente está, agora, vamos ver esse daqui.

– Ele se matou? - perguntou percebendo a baba espumosa saindo da boca.

– Sim.

– Mas o senhor fez um estrago nele antes - ele reparou - olhe essa perna, os dedos estão tortos e olhe que bonito, o maxilar está rompido.

– Como sabe?

– Eu era médico na guerra, só me tornei soldado quando a demanda ficou muito grande. Mas, por Baltazar, isso não é humano.

Para a conversa se tornar mais complexa, apareceu descendo freneticamente as escadas a senhorita Vasco, que dormia com um pijama de seda antes de ouvir a barulheira, por Smith ter demorado a retornar se levantou e foi até a escada, calmamente, com medo que seu destino fosse o mesmo do que provavelmente jazia morto no chão assassinado.

Quando a viu, Burnes encarou Smith com um sorriso um tanto malicioso.

– Fique quieto, Burnes.

– Já o senhor nem tanto.

Smith não conseguiu pensar numa resposta comparável àquela, então falou com Júlia:

–Júlia, pode ir, eu estou cuidando de umas coisas.

– Tentaram te matar de novo?

– Eu sei que é meio enjoativo. Mas faz seis meses desde o último atentado, e na verdade vieram matar Timothy.

– Ele está morto?

– Não - mentiu - Eu fiz um sossega-leão nele, sabe? Ele está só desmaiado.

– Bem, então eu Eu vou voltar para a cama.

– Sim, excelente.

Finalmente estavam novamente a sós examinando o corpo, já era possível ouvir as sirenes da polícia e eles entrariam. Para que não ficassem falando na cabeça, isolaram o corpo numa superfície limpa e usavam luvas elásticas para examinar o corpo, além de injetarem um soro que não permitia o cadáver absorver oxigênio e portanto se decompôr. Tiraram as roupas e examinar o corpo, tinha várias cicatrizes e tatuagens complexas.

Smith finalmente achou o que queria: Uma grande tatuagem com diversos símbolos, o símbolo do Império Estatal da Alemanha (que podia ser considerado historicamente como o Quarto Reich) e no interior o Brasão de Nova, não significava muito, mas bastava para que ele localizasse todos os focos regionais de descendentes de alemães na cidade, acabou por eliminar as mais ricas porque eram muito óbvias, julgou então as mais ricas.

Foi dar seu depoimento aos policiais, explicando que estava defendendo seu território - ele tinha matado 48 homens, sendo que em todos os casos tinha a defesa de que tinham invadido o território de sua casa, e tinha provas para fazê-lo sempre - explicou o que sua noiva estava fazendo, basicamente dormindo antes que fossem embora e ele pudesse dormir, embora tenha passado quase metade da madrugada estudando História.

Acabou dormindo em cima dos livros.

Quando foi acordado por Júlia, que se sentou em seu colo e começou a delicadamente acariciar seu rosto, ele esboçou um sorriso e percebeu que não estava deitado, confuso, mas ainda de olhos fechados, lembrou-se de sua noite de estudos e percebeu que os resultados não tinham sido tão agradáveis quando pensou e que tinha aprendido muito pouco para a exorbitante dor nas costas que sentia.

– Vai abrir os olhos?

– Se eu abrir os olhos e vir um anjo eu provavelmente vou pensar que estou morto.

A noiva riu, estavam juntos há seis meses e Smith não podia estar mais feliz, suas empresas cresciam e tentavam melhorar o mundo e ele podia se sentir seguro com a constante presença do Estratego, até então um ícone social que além de ter ajudado a economia da cidade que cresceu muito desde sua aparição era também um símbolo da moda local. Era ele afinal o símbolo da esperança conquistada, os Ases voltaram pelo menos ideologicamente mesmo que fossem ficar por bastante tempo atrás das grades, então o Estratego os combatia e o fazia firmemente, sendo que foram poucos, na verdade, o único que conseguiu foi o Kaiser e seus elaborados planos de dominação parcial, que tiveram sucesso.

– Tem que se lembrar do encontro com o Prefeito - disse quando ele abriu os olhos.

– Eu tinha me esquecido completamente disso. Agora quando é que é essa droga de reunião.

– Às três da tarde na Prefeitura. É para discutir o apoio das subsidiárias da Smith Investimentos para com o Estratego, já sabe, responder aquele papinho.

– Vai perguntar por que eu estou apoiando ele, eu já tenho as respostas - disse ele - que eu me preocupo muito com a minha noiva e que um fio de cabeça a menos dela me traria muita dor de cabeça, e que eu me preocupo também com o povo de Nova e sou a favor de erradicar de vez o crime da face da Terra, não tudo, porque não quero desempregar os policiais.

Júlia disse num tom de reflexão: - Eu nunca tinha pensado nisso.

– No quê? Que sem crime os policiais não teriam emprego? Um colega meu de faculdade dizia que ia ser bandido pra poder manter o emprego de um inimigo dele naquela escola. Pelo menos quando eu estudei, a Universidade de Oxford era um caos, fiquei seis meses lá ouvindo sotaque britânico e vendo futebol, além de tomar chops, até ir pro Intituto de Ciências Exatas de Star City.

– Eu estudava na Universidade de Morse, era bem mais calmo.

– Desculpe, mas ontem eu dormi tarde, quantas horas são?

– Lembra de quantas horas é sua reunião?

– Três horas, você disse há pouco.

– São duas e meia - disse ela gargalhando, Smith, pelo encanto de ver a sorridente noiva, sentiu um ódio interno, que demonstrou com um sorriso.

– Eu tenho que ir.

– Eu acho que sim.

Smith depois de quinze minutos estava arrumado, depois de vinte estava no carro costurando o trânsito e depois de trinta e um tropeçando nas escadas de mármore da Prefeitura, que alguns diziam ser erguida pelo próprio Marcus Baltazar depois que ele conquistou as Terras Americanas, ele chegou na cidade caída de Washington, mas enfrentou os Brancos no Norte, mais especificamente em Nova.

Subiu e encontrou o Prefeito do lado de fora, o esperando.

– Senhor Smith.

– Prefeito, me desculpe, eu fui dormir tarde.

– Sim, soube que ficou noivo também.

– Como assim?

– Nada. Enfim, vamos ao negócios? Quero dizer, às explicações - e não hesitou - Por que o senhor está patrocinando o Estratego? Desde que comecei meu mandato, e eu me dispus a ajudar o Estratego, o senhor ofereceu mais de um milhão de créditos a ele, primeiramente, eu entendo que se preocupe com nossa cidade e tem pessoas que você quer bem, mas isso não faz sentido.

– Eu vi o Estratego duas vezes pessoalmente, ele é um excelente atirador, mas a polícia também tem ótimos atiradores e cá entre nós, não é muito eficiente. Os equipamentos que eu ofereço a ele permitem que ele faça mais e de maneira melhor, mas eu não posso oferecer isso para toda polícia então eu uso a opção do Estratego. O conceito de um herói como ele é totalmente cabível, mas ele não vai durar muito. Meus equipamentos permitem que ele durem um pouco mais.

– Mas e a respeito daquele assassinato? Quando pergunto por que está fazendo isso, é por que me preocupo com você.

– Acredite, aquilo não foi para mim, foi para um funcionário meu. Um caçador.

– Sim, eu soube, mas podia ser pra você. Além do mais, quem é esse tal de Kaiser?

– Acredito que seja um espião alemão da época da guerra, 50 anos atrás. Segundo esse funcionário ele acabou por se tornar um general e usava o apelido de Kaiser por causa do Império Alemão - do qual muito pouco se sabia, e só se sabia pelos dois anos que Jason Hunter morou no país durante a Última Guerra do Homem - do Segundo Reich. Ele parece brilhante segundo meus documentos e venceu 17 das 18 batalhas que travou.

– E qual foi a que ele perdeu?

– Ao que parece um homem chamado Bell Riose foi promovido a general, ele foi avassalador, derrotou o Quarto Reich de uma só vez. Ele cercou as tropas e usou uma tropa regular de isca, ele pressionou os exércitos e continuou avançando. Eles mal usaram armas porque levantaram os escudos e empurraram os soldados, depois atiraram finalmente e mataram todos. Foi um movimento brilhante.

– Sim, claro - disse o Prefeito com um tom meio irritado - mas por hoje era só...

O impacto explodiu nos tímpanos de Smith, ele se sentiu atordoado, perdeu os sentidos mais importantes de um caçador: A Visão, tomada pela súbita neblina de poeira e fumaça e a Audição, desfeita com o barulho estrondoso causado pelo choque entre a carga balística e a parede da Prefeitura. Saiu do enorme buraco, ou entrou nele, um homem vestindo armadura, andou até o Prefeito e o chutou pesadamente.

– O Kaiser manda lembranças.

Smith se levantou, não podia ver nem ouvir, mas tinha percepção de espaço. O único problema é que o inimigo tinha todos os sentidos plenos e também a maldita percepção espacial, quando ele atacou Smith resolveu usar o tato e se esquivou quando sentiu uma corrente de ar o tocando. Sucesso. O golpe passou por cima de sua cabeça e a adrenalia permitiu ver um pouco melhor, mas bastava.

Priorizou-se nos golpes, desviando e percebendo a maneira como excutava seus golpes. Sem as sombras e com um inimigo comparável ele precisava de muita calma e astúcia, mas essas eram as características básicas de um bom caçador, o bom caçador que ele era desde criança. Decidiu confundi-lo, eliminando os sentidos, deu um forte tapa nos ouvidos do homem e com os dedos em dois enfiou-os nos olhos dele, finalmente, deu uma rasteira final que jogou o homem no chão. Smith estava ainda assim ferido com um braço machucado procurando pelo prefeito, achou-o e juntos saíram finalmente daquele pequeno inferno que se formou na Prefeitura.

Thomas pegou seu comunicador e ligou para casa. Júlia atendeu:

– Tom, o que foi?

– Mande Timothy me buscar, ele e apenas ele. Querida, vá para o esconderijo na biblioteca.

– Tudo bem. Você está ferido?

– Meu braço está machucado, e caso eu...

– Você o quê?

– Nada, mas lembre-se que eu - Smith fugiu de um homem que atirou com um morteiro, escapando por pouco do tiro.

– Tom! O que foi?

– Vá logo para o esconderijo!

Thomas procurou pelo Estratego, ele não apareceu, talvez até mesmo os próprios heróis fugissem. Mas o Estratego não, ele estava lá, mas estava um pouco mais do que atrasado. Smith depois de andar errante escapando dos tiros e carregando Byron percebeu que um carro se aproximava deles, entraram e juntos, Timothy, Thomas e David seguiram para casa.

Mas não era mais casa de ninguém, a cidade toda era afinal do Kaiser.

Pelo menos, todos pensavam que era.


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