O Herói do Mundo Ninja escrita por Dracule Mihawk


Capítulo 105
Ação e reação


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde, meus caros! Como foram as festas de vocês?

Como prometido, eis o primeiro capítulo de 2022. Espero responder algumas perguntas, provocar outras e, no processo, contar uma boa história.

Boa leitura a todos! Nos vemos nas notas finais.



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Naruto não via com bons olhos a ideia de fazer uma pausa tão longa quanto aquela. Ainda assim, deixando-se levar pela condescendência e o cansaço, aceitou a sugestão de Fukasaku. Pouco tocara na sopa de feijão vermelho. A mente dele estava distante dali, pensando em várias coisas ao mesmo tempo.

— Se não for comer, eu como — Fukasaku, escondido dentro do capuz de Naruto, cochichou. — E não se esqueça de pedir meu saquê.

Jantava em uma pequena estalagem de um vilarejo no interior do País da Grama, longe da vila ninja. Como nas outras vezes, não pretendia se demorar muito em um lugar. Para evitar ser reconhecido, viajava pelo campo, com poucas pausas para sono e alimentação. Longe de centros urbanos, poderia cruzar a fronteira sem chamar a atenção de quem, naquela região, provavelmente reconheceria o rosto de Naruto Uzumaki, o famoso Herói do Mundo Ninja, ainda que disfarçado.

No entanto, Fukasaku fora incisivo: se continuassem viajando naquele ritmo, Naruto estaria esgotado antes de encontrarem o inimigo — ou vice-versa. Além disso, o sapo ainda dissera que, depois de três dias de viagem, Naruto precisava urgentemente de um banho.

Naruto olhou ao redor. A velha taberna da estalagem tinha poucos visitantes naquela noite. Além dele, um homem magricela derramava suas lágrimas sobre o balcão, ao lado de uma garrafa de bebida; dois velhos jogavam Shougi na mesa do fundo e um grupo de seis homens — todos armados — faziam uma algazarra na mesa perto da porta. Dentre todos ali, apenas o bando demandava certa cautela.

Entre uma colherada e outra na sopa, Naruto os escutava. O falatório consistia em uma roda de contar vantagem, com arrotos e palavrões. No entanto, em meio a tanta futilidade, um nome dito entre eles tinha-lhe despertado a atenção.

— Os Yuurei apareceram de novo depois do ataque à Vila da Folha, ficaram sabendo? — havia comentado um homem alto e careca, que parecia o chefe do bando.

Outro do grupo, mais baixo e usando cavanhaque, minimizou:

— Eu ouvi os boatos, Yuka. Mas aquele lugar sofre daquela praga do culto de Jashin. Vai ver, foram eles fazendo algum ritual macabro.

O homem chamado de Yuka negou com a cabeça.

— Sem corpos, em lugar nenhum... — disse, soturno. — A Vila das Fontes Termais foi toda massacrada.

Ao ouvir aquilo, Naruto estremeceu.

“Nami!”

O grupo continuava discutindo com trivialidade quando um deles perguntou:

— Ei, será que os boatos são reais? Naruto Uzumaki morreu mesmo?

— Tenho quase certeza disso! — reiterou outro. — A Vila da Folha deve estar escondendo a informação para não ferrar ainda mais com a moral deles. É óbvio que tem coisa aí nesse sumiço dele. Só não vê quem não quer.

— A moral deles e do resto do mundo, você quis dizer — observou o homem de cavanhaque. — Se Naruto Uzumaki estiver mesmo morto com os Yuurei soltos por aí...

Yuka conteve um riso debochado.

— Um brinde ao maior ninja do mundo, nosso herói Naruto Uzumaki. — Ergueu a caneca aos companheiros, que o seguiram no gesto zombeteiro.

Enquanto também escutava tudo aquilo, Fukasaku ouvia a respiração de Naruto ficando mais pesada. Sentia-o tremer; os dedos do Jounin apertavam a borda da mesa.

— Naruto-chan... — Fukasaku sussurrava cauteloso. — Acalme-se.

Controlar as próprias emoções não era algo simples para Naruto Uzumaki. Desde cedo, a impulsividade era sua marca registrada. Aprendera a agir de maneira mais comedida ao amadurecer enquanto ninja e como um homem. Ainda assim, estava longe de ser alguém manso. Nesse sentido, Hinata era sua embreagem emocional. Ela o equilibrava.

Mas Hinata não estava ali. E desde que os Yuurei tinham surgido, a vida de Naruto se tornou um verdadeiro inferno. Não só por tudo o que faziam aos seus amigos e a todos com quem ele se importava, mas também porque os Fantasmas escancaram um lado de Naruto que ele mesmo acreditava ter superado: a própria incapacidade. Os Yuurei vinham, faziam o que queriam e iam embora. Nunca o tocavam diretamente. Deixavam-no ileso e, ao mesmo tempo, estraçalhavam-no por dentro.

Killer Bee, Omoi, Sakura, Hinata, Shion, Beni, Kakashi, Yamato, Gai, a Vila da Folha e, agora, Nami e a Vila das Fontes Termais. Fazendo de alvo quem estava ao redor de Naruto, os inimigos brincavam com a mente dele. Pareciam dizer que não importava o quanto ele tentasse, não protegeria ninguém.

Toda aquela raiva e angústia borbulhavam dentro dele. Poucos entendiam realmente, mas Naruto era um vulcão à beira da erupção. Se encontrar os Yuurei era prioridade para a Folha, para ele o era ainda mais. Não se tratava de uma missão para proteger a vila e os amigos; era uma questão pessoal para Naruto.

Exercitando sua respiração, Naruto conteve o próprio ímpeto. “Não”, pensava consigo mesmo. “Minha raiva é para os Yuurei.”

Levantou-se e foi até o balcão, onde o dono da estalagem servia bebidas. Agradeceu-o pela sopa e, abrindo a bolsa, pagou-o com uma moeda de ouro do Monte Myoboku. O homem olhou-o, abismado.

— S-senhor... — gaguejava o estalajadeiro. — Isso é mais do que...

— Está tudo bem — replicou Naruto. — Obrigado pela comida mais uma vez, tio.

Ao sair, a última coisa que Naruto Uzumaki viu dentro da taberna foi o olhar malicioso de Yuka o acompanhando até que, por fim, a porta fechada os separou.

 

                                                                            ***

 

— Ei, você aí! — gritou uma voz masculina. — Não se mexa!

Reconheceu facilmente o tom grave de Yuka o chamando pelas costas. Já imaginava que, pelo olhar do bandoleiro na saída da estalagem, não o deixariam ir em paz. E se a intuição de Naruto estivesse correta, não poderia esperar uma briga entre dois homens; Yuka traria todo o bando com ele para fora.

Naruto se virou. E estava certo.

Os homens mal-encarados sorriam maliciosamente, saboreando a refeição que estava por vir. Eram seis ao todo, muito bem armados. Naruto viu katana, Fuuma Shuriken e porretes de ferro com espinhos. O líder do grupo deu dois passos à frente; carregava duas katana apoiadas sobre os ombros.

— Você aí, o estrangeiro — disse Yuka a Naruto. — Eu te vi pagar com ouro. Tem mais aí com você, não é?

Escondido sobre a cabeça encapuzada de Naruto, Fukasaku praguejou baixinho. Naruto, por sua vez, permaneceu em silêncio. Não estava intimidado, o que incomodou o líder dos assaltantes.

— Passa essa bolsa para cá, seu merdinha. — Yuka apontou uma de suas katana para Naruto. — Se não, você já era.

Naruto não dizia nada. Mirou os olhos em Yuka, depois, em cada um dos integrantes do grupo e, novamente, no líder. Fukasaku sentia a tensão no corpo do jovem Sannin.

— Naruto-chan — sussurrou, preocupado. — Deixe-os comigo. Lembre-se que, se usar chakra, vai revelar sua posição aos Yuurei.

A mão direita de Naruto deslizou até o estojo de armas na perna direita, puxando apenas uma kunai.

— Relaxa, Vovô Sábio — disse. — Não vou precisar.

Não demorou dois minutos. Valendo-se apenas de Taijutsu, Naruto surpreendeu os bandidos ao correr até eles e atacar primeiro. Bem treinado e muito mais rápido e ágil que todos eles, não teve dificuldade em nocautear um por um sem sequer ser tocado. Mal precisou usar a kunai para bloquear as armas de seus oponentes. Algumas esquivas, golpes precisos em pontos traumáticos e tudo estava acabado.

Deixou-os desacordados no chão e já caminhava para a estrada de chão quando uma voz apressada o chamou.

“Que ótimo. E agora?” Mas quando se virou novamente, viu um homem magro, de kimono marrom simples — o estalajadeiro —, correndo até ele. Ao alcançá-lo, o pobre homem curvou-se diante de Naruto, que estranhou tudo aquilo.

— Senhor viajante — dizia ele, ainda encurvado. — O-obrigado! Esses homens são um grupo de patifes que vive atormentando nosso vilarejo. Quase sempre estão na minha taberna, comendo e bebendo sem pagar... O senhor fez um grande favor a nós por...

— Não foi nada, tio. — Um pouco desconfortável pelo excesso de cortesia, Naruto pôs as mãos nos ombros ossudos do estalajadeiro, fazendo-o se erguer. — Não precisa me agradecer por isso. Até mais.

E deu-lhe as costas outra vez.

— Espere, por favor! Para onde o senhor está indo a essa hora?

Naruto não se virou para responder.

— Para bem longe.

— Por favor... — O homem mantinha a cabeça respeitosamente encurvada. — Está tarde e as estradas podem ser perigosas. Pode passar a noite aqui e descansar... temos água quente, comida e um quarto para o senhor. Por conta da casa.

Uma oferta tentadora, Naruto tinha que admitir. A possibilidade de dormir em um colchão macio depois de noites de sono ao relento, além de comida e um banho quente, era difícil de recusar. Seu corpo e mente pediam por um lugar confortável para recobrar as energias. Ainda assim, receava passar mais tempo parado.

— Eu agradeço a oferta, tio — começou Naruto. — Mas eu vo... AAARGH!

O estalajadeiro franziu a testa, confuso.

— Senhor, o que disse?

Naruto havia entendido o recado. Coçando a cabeça onde Fukasaku lhe dera um murro, respondeu:

— Eu estou precisando mesmo de um banho — suspirou, dando-se por vencido. — Eu vou aceitar.

 

                                                                            ***

 

Depois de se revigorar nas águas termais, Naruto se deixou deitar sobre o colchão. Logo percebeu o quanto sentia a falta de uma cama e um travesseiro.

Considerando a aparência simples da estalagem, o quarto superava toda expectativa. Com uma cama de solteiro, uma mesinha, janela e um pequeno banheiro, o aposento era de uma modéstia que encantava. Naruto jogou o pergaminho e a bolsa em um canto enquanto tentava pegar no sono.

— E você quase recusou. — Fukasaku estava deitado com a barriga para cima sobre o tapete. — Quem deveria estar dormindo na cama deveria ser eu.

Naruto esboçou um breve sorriso.

— Eu só não quero ficar parado, Vovô Sábio. Nunca se sabe o que te espera.

E Fukasaku sentiu uma pontada de preocupação na voz do companheiro de viagem.

— É justo. Mas não deixe isso te consumir, Naruto-chan. Vamos encontrá-la.

Naruto fez que sim, olhando para o teto. E seguida, fechou os olhos e tentou dormir um pouco. Talvez, pudesse esvaziar a mente dos Yuurei e da missão, ainda que só por algumas horas.

Sonhou exatamente com Mira Uzumaki. Os cabelos vermelho-sangue descendo pelas costas dela até a altura dos tornozelos, olhos azul-safira idênticos aos dele, pele clara, um pouco rosada, e o sorriso orgulhoso de quem aguardava algo com tanta expectativa.

É um prazer poder vê-lo pessoalmente, Naruto. Esperei muito tempo por este momento — dissera ela, quando ficaram frente a frente ao final da invasão à Folha.

Aqui estão algumas palavras importantes que eu quero dizer — paralelamente, Naruto escutou outra voz em seu sonho; uma que ele daria tudo para ouvir outra vez. — Naruto, eu te amo.

Kushina Uzumaki surgiu ao lado de Mira. Mesmo em sonho, Naruto estremeceu e começou a suar frio. Não via qualquer diferença entre as duas.

Nos veremos de novo, Naruto — falou a Yuurei.

Obrigada por me deixar ser sua mãe, e por deixar Minato ser seu pai — Ouvir as últimas palavras da mãe, quando conhecera seu espírito na Ilha Tartaruga, despedaçou-o. Obrigada por ser nosso filho. Obrigada... Obrigada!

Os joelhos dele vacilaram.

— Mãe... — Correu até ela, mas algo o impediu: uma barreira azulada. Olhou para o lado e encontrou Mira com a mesma feição terrível.

Naruto. — A Yuurei estendeu a mão para ele. Sem que desse conta, Naruto viu-se espremido por correntes de chakra mais duras que diamante. Seus ossos estalavam e a respiração falhava.

E quando olhou para o outro lado, viu Kushina fazendo exatamente o mesmo, como se a mãe e a Yuurei fossem o reflexo uma da outra.

Naruto... — Os dois espectros falavam quase em uníssono.

Eu te amo...

Esperei muito tempo por este momento...

Obrigada por ser nosso filho...

Nos veremos de novo...

E ele já não sabia mais quem era quem. Agora ambas vestiam o manto negro dos Yuurei. Kushina e Mira imitavam os movimentos uma da outra, falavam juntas, as vozes misturando-se até se tornarem uma só. Caminhavam para perto dele, retorcendo-o dentro das correntes.

E aquele rosto... exatamente o mesmo, para duas mulheres tão distintas.

Nos veremos de novo, Naruto.

Acordou em um supetão, gritando. O ar lhe faltava nos pulmões e o corpo, tenso, parecia ter saído de uma recente sessão de tortura.

— Naruto-chan! — Fukasaku saltou até a cama, pondo-se diante de Naruto. — Acalme-se! Foi um pesadelo. Só isso.

Mas Naruto puxava ar pela boca, recuperando o fôlego. Não, não tinha sido um sonho qualquer. Era algo que o perturbava desde quando tinha visto a vice-líder dos Yuurei face a face. Qual relação aquela mulher tivera com Kushina, sua mãe?

E, estando destinado a enfrentá-la, teriam que duelar até a morte, segundo a interpretação mais óbvia da profecia de Gamamaru? “Dois remanescentes do clã Uzumaki irão se enfrentar. Um vai selar o destino do outro”, Naruto lembrava-se de cada palavra do Grande Sapo Sábio. “Onde houver um, não pode haver o outro.”

— Naruto-chan. — A voz de Fukasaku chamava-o de volta à realidade. — Lave o rosto e desça até à taberna para beber um pouco. Pode ajudar.

O Sannin concordou. Levantou-se da cama em um movimento arrastado, calçou as sandálias de madeira e caminhou até o banheiro. Depois de lavar o rosto, foi até a porta.

— Naruto-chan. — Virou-se ao ouvir o sapo o chamar. — Não se esqueça de trazer o meu saquê.

 

                                                                            ***

 

Era quase meia noite e já não havia movimento na taberna. Estava sozinho, recostado sobre a madeira do balcão, com uma garrafa ainda bem cheia de saquê ao lado. Era uma visão bastante deprimente.

Naruto encheu o copo e tomou outra dose. Não sentia nada além do gosto agridoce típico da bebida. E, por estar aturdido em seus pensamentos, perdera a noção do tempo e não a viu se aproximando.

— O quarto está tão ruim assim?

— Hum? — Virou-se lento e cansado. — Quê?

E tomou um susto quando viu o rosto dela tão perto. A filha do estalajadeiro era quem substituía o pai naquele turno até o amanhecer. Ela encarava Naruto curiosa. Os olhos grandes e castanhos tão próximos dos dele. Sobressaltado, oscilou o corpo para trás, de modo a quase derrubar a garrafa de saquê.

— Quem diabos é você?!

A moça franziu a testa, estranhando a reação. Em seguida, deu um risinho divertido.

— Eu sou a filha do dono desse lugar. Me chamo Saori. E você... — Inclinou o corpo ligeiramente sobre o balcão, conferindo melhor o que via. —  Você é o viajante misterioso e valente que deu uma lição no Yuka e nos outros, certo?

Naruto coçou a cabeça, desconcertado.

— Ah, bom. Aquilo não foi...

— Sinceramente, não era o que eu estava esperando. — Ela apontou para Naruto. — Você não me parece muito bem. Dia difícil?

Ele suspirou, confirmando com a cabeça.

— Cansativo.

Saori o avaliou por mais alguns instantes. Depois, certa de que ninguém mais desceria à taberna, pegou outro copo e, depois de servir-se do saquê de Naruto, encheu o copo dele também.

— Ei, você não deveria... — Naruto começou a dizer.

— É por conta da casa — cortou-o outra vez. — Mas isso não quer dizer que a garrafa seja só sua. Agora, toma. — Deu-lhe outra dose.

Com relutância, Naruto aceitou beber com ela.

— Então... — Saori enchia seu copo outra vez. — Você não é daqui. Mora na vila ninja?

Naruto fez que não enquanto servia-se de mais saquê.

— Não moro no País da Grama.

— Sei. Mas eu nunca ouvir falar de nenhuma Vila do Óleo. — Ela indicou o protetor de testa que Naruto estava usando. Ele achou graça.

— Isso não é de uma vila — explicou. — Eu sou um sábio.

— Um sábio? — estranhou. — Tipo um eremita ou uma espécie de monge?

— É. Mais ou menos isso.

Saori ainda estava cética. O homem à frente dela não era velho nem aparentava ser espiritualmente mais elevado do que o resto das pessoas. Se pudesse palpitar, diria que Naruto teria seus dezenove anos, vinte anos, no máximo; e que estava, por alguma razão, escondendo algo sobre si mesmo. E isso o tornava, na visão dela, ainda mais interessante.

— Você não me disse o seu nome — ela observou.

Naruto percebeu que ela o olhava diretamente, estudando-o. Havia certo ar de fascínio e curiosidade no rosto de Saori, o que o deixava ainda mais desconfortável. Primeiramente, não era um bom mentiroso e seus improvisos não eram dos mais convincentes. Em segundo lugar, depois dos eventos que o tornaram querido em sua vila (a luta contra Pain e a Quarta Grande Guerra Ninja, principalmente), Naruto nunca tinha se adaptado a garotas bonitas o admirando — ele que nunca fora popular com elas. Ter um fã-clube até o incomodava. Pois só havia uma mulher cujos sentimentos realmente importavam para ele.

Saori era uma bela moça. Possuía os cabelos castanho-escuros, a mesma cor dos olhos, que desciam até o pescoço. Tinha uma feição provocativa, porém simpática. Não era exatamente baixa, quase batia à altura dos ombros de Naruto. O corpo era magro e bem bronzeado pelo sol do País da Grama. O olhar analítico dela perseguia os olhos azuis dele, como se o esperasse baixar a guarda.

No entanto, para Naruto Uzumaki, somente Hinata Hyuuga importava.

Ele pigarreou, recompondo-se.

— Meu nome é... Menma — disse Naruto.

Saori caiu na gargalhada.

— Menma? Sério? Como aquele tempero que colocamos no Ramen?

— É... — Naruto confirmou, forçando uma risada. — Engraçado, né?

A moça inclinou a cabeça para o lado, intrigada.

— Você tem sobrenome, Menma? Sabe, geralmente pessoas ricas têm sobrenome. Meu pai disse que você pagou com ouro.

Obviamente, Naruto ainda não pensara no sobrenome fictício. Saori fitou os olhos nele, aproximando-se devagar.

— Namikaze. — Valeu-se do primeiro sobrenome que seu raciocínio o convencera de ser seguro para usar. — Menma Namikaze.

— Oh! — Saori fez uma careta, como se desvendasse um mistério. — Namikaze. Um sobrenome de quem vem do País do Fogo. Você mora ali do lado!

“Droga...”, Naruto enrijeceu o rosto. “Por que isso nunca acontecia quando o Ero-Sennin fingia ser outra pessoa?”

Enquanto ele reprimia as próprias feições, em uma tentativa tosca de não se denunciar, Saori achava aquilo tudo divertido. Menma Namikaze não era o herói que ela havia imaginado pelos relatos de seu pai. Ainda assim, era um homem intrigante; e bem bonito.

A moça pôs uma mecha do cabelo para trás da orelha. Depois, chegou-se um pouco mais perto dele.

— O que é são essas marcas nas suas bochechas? — disse ela, tocando o rosto de Naruto com o dedo indicador direito.

Desconcertado por aquela atitude repentina, Naruto afastou o rosto, desviando o olhar.

— São de nascença. — Endireitou-se na cadeira, ficando totalmente ereto e com o rosto a uma distância segura da moça. — Desculpe, Saori. É que eu...

Ela meneou a cabeça afirmativamente, dando-lhe um sorriso cortês.

— Já entendi. Desculpe. — E afastou-se também, ligeiramente envergonhada. — Qual é o nome dela?

“Hinata.” Era o que Naruto queria dizer. Mas não poderia. Se Saori havia descoberto que ele vinha do País do Fogo, também não teria dificuldade em deduzir que ele era, na verdade, um ninja da Vila Oculta da Folha, cujo clã mais nobre e tradicional era liderado por sua namorada. Além disso, o relacionamento entre a primogênita da Família Principal dos Hyuuga e o ninja mais famoso do mundo não era segredo para ninguém. Não demoraria para que Saori soubesse a real identidade de Menma Namikaze.

Por outro lado, havia um nome feminino mais comum no País do Fogo que ele, talvez, pudesse usar. Ademais, ela não vinha de nenhum clã famoso.

— Ayame. — Lembrou-se da gentil filha de Teuchi. — Ela trabalha como garçonete, junto com o pai dela, no meu restaurante de Ramen preferido.

— Que fofo — Saori sorriu. — Ela trabalha com Ramen, você tem o nome de tempero de Ramen...

Naruto riu.

— Como ela é? — perguntou Saori. — Me fala sobre a sua... namorada, certo?

Ele soltou um suspiro, pensando na mulher que amava. Então, tomando todo o cuidado para não a expor, Naruto descreveu Hinata Hyuuga. Não foi fácil porque, a bem da verdade, era quase impossível reduzir Hinata a algumas palavras.

Falou sobre a beleza dela, simples e, ao mesmo tempo, estonteante. Sobre o jeito reservado de Hinata que ele amava. Contou como preenchiam os espaços um do outro, sustentando-se mutuamente, em perfeita harmonia. Que sempre tinha sido Hinata quem estivera lá por ele, quando todos o evitavam; como ela tinha sido capaz de ver qualidades onde todos, inclusive ele próprio, só viam defeitos. Que, para Hinata Hyuuga, Naruto nunca precisou fazer travessuras para ser notado — diferente do resto da vila —, pois ela o enxergava.

Disse ainda sobre o quanto havia sido estúpido para entender os sentimentos de Hinata por ele. E que, ao descobrir o amor com ela, todo o resto se tornava secundário. Conforme confessara a Sasuke certa vez, estava disposto a deixar de lado o sonho de se tornar um Hokage, se isso significasse envelhecer ao lado da mulher amada. Embora não tivesse compartilhado essa última parte com Saori, um sorriso tímido brotou em seus lábios. E Naruto percebeu o quanto sentia saudades de Hinata.

Quando ele terminou de falar, Saori soltou um assobio impressionado.

— Ela deve ser uma mulher incrível mesmo.

Naruto assentiu.

— Eu sou um homem de muita sorte, sabe?

Conversaram um pouco mais e, a partir dali, Naruto se sentia mais à vontade com Saori. Terminaram aquela garrafa de saquê e a moça, rapidamente, serviu-os com salgadinhos apimentados e outra garrafa da bebida, que Naruto educadamente recusou. A moça deu de ombros e tomou outra dose. Era incrível o quanto ela podia beber e continuar sóbria.

— Você acredita no que estão dizendo por aí, Menma? — perguntou Saori. — Que Naruto Uzumaki está morto?

Ele, prontamente, fez que não.

— Naruto está vivo. Pode acreditar. — E olhou-a nos olhos antes de prosseguir. — Esses Yuurei estão com os dias contados.

— Fala como se tivesse certeza do futuro — pontuou Saori.

— Eu tenho. — Institivamente, deu um tapa na mesa. — Eles vão cair!

 A moça se inclinou sobre o balcão e deu um sorriso vago. O homem à frente dela, de fato, era um herói. Mas Saori começava a acreditar que Menma Namikaze não fosse o tipo dela de herói.

— Eu entendo. — Ela bebeu outra dose de saquê. — Vocês do País do Fogo, mais do que todo mundo, odeiam esses Yuurei pelo que aconteceu com a Vila da Folha. A mentalidade de vocês, das Cinco Grandes Nações, é bem essa: guerras em grandes proporções.

Naruto recebeu aquilo como uma ofensa.

— Ei! Foram eles que-

— Quem se importa com isso? — Saori deu de ombros. — Deixe a sua mente de cidadão de país grande de lado um pouco e pense em pessoas como nós: não temos nada a ver com essa guerra! O País dos Demônios foi tomado, todos que moravam na Vila das Fontes Termais foram aniquilados... — Ela suspirou, tensa. — Quando as Grandes Nações arrumam uma briga, os países menores sempre ficam no fogo cruzado.

— A Vila da Folha não atacou país nenhum — enfatizou Naruto. — Foram os Yuurei e somente eles.

Saori fez que sim, desanimada.

— É... e onde estava o Herói do Mundo Ninja?

Naruto arregalou os olhos, depois suspirou tão esgotado quanto irritado — uma sensação que somente os Yuurei poderiam lhe proporcionar. Saori, percebendo a repentina alteração de humor no companheiro de mesa, moderou o tom.

— Não me leve a mal, Menma. Eu sei que ter os ninjas mais poderosos do mundo, como Naruto Uzumaki e Sasuke Uchiha, deve ser motivo de orgulho para vocês do País do Fogo — falou amigável. — Mas, para nós, que moramos em países menores, vai além disso.

Naruto arqueou a sobrancelha, sem entender.

— Caras como Yuka e seu bando são comuns por aqui — explicou Saori. — Eles roubam, matam, invadem nossas casas. Vêm aqui comer, beber e trazer prostitutas. A Vila da Grama é pequena e são raras as vezes que os ninjas vêm aqui para o interior...

Ela terminou outra dose e suspirou pesarosa. Continuou:

— Por isso, heróis viajantes são tão especiais para nós. — Saori pôs a mão sobre a de Naruto que, dessa vez, não esboçou se afastar. — E é por isso que Naruto Uzumaki precisa voltar. Para os países pequenos, Naruto é muito mais do que o ninja mais forte desse mundo. Para nós, Naruto Uzumaki é um símbolo de esperança.

O coração de Naruto apertou dentro dele. Não se tratava apenas de seus amigos na Folha e nas outras nações. Era sobre todo o mundo ninja; gente que ele sequer conhecera e contava com ele. Pela primeira vez, Naruto sentiu o peso do mundo em suas mãos. Como poderia desapontá-los? Como poderia abandoná-los?

Pensou em Nami Shotagiru, a menina extrovertida da Vila das Fontes Termais que Naruto conhecera no Exame Jounin. Ela o salvara durante a segunda fase, em um momento delicado em que Naruto estava impossibilitado de usar chakra. Ao que tudo indicava, Nami teria morrido no mais recente ataque Yuurei.

Também havia outros: Hadame Tsukiaru, o ninja da Vila da Chuva que fora seu primeiro adversário na segunda etapa do mesmo Exame Jounin. Ele lhe havia dito sobre o estado precário em que se encontrava a Chuva depois que Kira Toraiyama assumira o poder local. O que Naruto havia feito? Nada. Depois da morte de Nagato, prometera a Konan que a Folha e a Chuva seriam aliadas, mas sequer tinha visitado a Chuva em mais de dois anos. O Herói do Mundo Ninja havia falhado com ela também.

Com Shion, a princesa do País dos Demônios e sua amiga, Naruto havia falhado em protegê-la dos Yuurei em seu próprio palácio. Sua displicência o fizera cair em uma armadilha. Com isso, Hinata lutou sozinha contra o Yuurei Taka Kazekiri enquanto defendia Shion ao mesmo tempo. Como resultado, Hinata saiu quase morta e a princesa, sequestrada. E o inimigo fez questão de trazer a cabeça de Shion para Naruto como presente de aniversário.

Por fim, Beni Makagawa, a ex-integrante dos Oukami com a qual Naruto havia estabelecido um laço de amizade na mesma missão do País dos Demônios. Fora Beni quem havia garantido que Hinata continuasse viva até voltar segura para a Folha. Em troca, Naruto a havia deixado sozinha para defender o país contra os Yuurei. Não soubera mais da garota desde então.

— Droga... — sussurrou consigo mesmo. — Que droga!

Saori não conseguia entender exatamente por que, mas sentia a frustração, a tristeza e uma raiva incomum transbordando pelas feições de Naruto. Era pesado demais. Ela se perguntou como alguém poderia aguentar tanto sem desabar.

Sem aviso, puxou-o para si e o abraçou. Naruto ficou confuso por uns segundos, mas acabou retribuindo o abraço, apertando-a contra o peito. E como se fossem amigos há anos, consolaram-se no abraço um do outro por longos minutos.

— Vai ficar tudo bem, Menma — disse Saori, ainda dentro do abraço de Naruto. — Eu tenho fé no que você disse. Naruto Uzumaki vai voltar.

 

                                                                            ***

 

De volta ao quarto, Naruto trazia nas mãos uma garrafa de saquê — cortesia de Saori. No rosto, uma expressão pesada.

— Você demorou, Naruto-chan — Fukasaku estava parado frente à porta. — E voltou pior do que quando saiu, pelo visto.

Não houve resposta. Naruto se limitou a entregar o saquê para Fukasaku e caminhar até a pia do banheiro, onde lavou o rosto novamente. Em seguida, sentando-se na cama, olhou firme para o velho sapo.

— Vovô, preciso do Gamatoki-chan.

— Tem certeza? — Fukasaku coçou a barba, incerto. — Já está tarde e você precisa descansar, Naruto-chan.

— Eu preciso saber — replicou Naruto. — Por favor.

O velho sábio soltou um longo suspiro, desistindo da ideia de convencer Naruto Uzumaki do contrário. Assim, fazendo um selo manual, conjurou um pequeno sapinho verde mensageiro. O animalzinho prestou uma referência à Fukasaku e, imediatamente, pulou até a mão de Naruto, que o acionou.

Depois de vários minutos, o animal abriu a boca e a inconfundível voz do ninja mais inteligente da Folha falava por meio dele.

Que saco, Naruto... — bocejou. Já está meio tarde, não? Deveria estar dormindo também.

— Shikamaru... — A voz de Naruto era firme e objetiva. — O que aconteceu com a Vila das Fontes Termais?

Silêncio por alguns instantes. Mas Naruto chegou a ouvir um suspiro cansado do amigo vindo do outro lado da linha.

Atacada — contou. — Nada foi destruído, o lugar parece intacto. Mas as pessoas desapareceram. Pela forma como aconteceu, a resposta sobre o que aconteceu parece óbvia.

“Os Yuurei”. Naruto cerrou o punho esquerdo contra os lençóis da cama

Então, era isso. Nami Shotagiru estava morta.

Não foi como quando nos atacaram — observou Shikamaru. — O método furtivo é semelhante ao sequestro do Bee-sama. O que me leva a crer que não foram todos juntos dessa vez. Um inimigo, talvez; dois, no máximo.

— Entendo — Naruto falou sombrio.

Olha, Naruto — Shikamaru pigarreou. —, sei o que está sentindo agora. Mas não denuncie sua posição antes da hora. Ainda não.

Naruto praguejou.

— Shikamaru, estou cansado de esperar! — confessou. — Eu estou com raiva! Queimando de raiva! Eu quero... eu quero despedaçar esses cretinos! Eu quero... argh!

Shikamaru não era bom em consolar os outros, mas sabia como a cabeça de Naruto funcionava. Como amigo e aquele que seria o Conselheiro do futuro Hokage, era tarefa de Shikamaru Nara ajudá-lo a tomar decisões acertadas, não importando o quão alto gritassem as emoções do Herói do Mundo Ninja. Shikamaru sabia do fardo que Naruto estava carregando. E estaria ali para diminuí-lo.

Eu sei — disse o líder do clã Nara. — E quando a hora chegar, e não demora, você vai poder soltar toda essa raiva acumulada contra o Yuurei certo. Mas, por enquanto, confie no meu julgamento. Esses inimigos são... problemáticos. Não podemos errar desta vez.

Naruto não disse nada.

Pela manhã, o Conselho vai se reunir com a Tsunade-sama — prosseguiu Shikamaru. — Eu vou entrar em contato com você para informar o que for decidido. Então não se precipite tentando salvar o mundo, Naruto.

— Está certo — murmurou Naruto, contrariado.

Mais uma coisa. — Shikamaru fez uma breve pausa. — Esteja preparado; as coisas podem piorar antes de termos algum progresso.

— Que merda você está falando agora, Shikamaru?! — Naruto trovejou. — Como assim, “piorar”?

Pense, Naruto! — Shikamaru repreendeu-o. — O genocídio na Vila das Fontes Termais teve ao menos um objetivo. Os Yuurei sabem que você não está aqui. Estão querendo chamar a sua atenção. Querem saber onde você está.

Naruto trincou os dentes com uma expressão de dor, culpa e ódio. Sabia que Shikamaru tinha razão. Mas, enquanto não fizesse nada, vidas continuariam a morrer — e ele seria o responsável.

Por outro lado — Shikamaru enfatizou —, isso implica dizer que os Yuurei não têm a mínima ideia de onde você está. Se eles tiverem mesmo uma forma de localizá-lo em tempo real, você conseguiu burlá-la. Isso pode nos dar uma vantagem estratégica. Com sorte, você nem vai precisar encontrar a mulher Uzumaki.

Shikamaru acreditava em Naruto. Aprendera a nunca subestimar o Herói Milagroso da Vila da Folha, que arrancava vitórias impossíveis quando tudo parecia perdido. Mas, depois do ataque à vila, quando Naruto compartilhou com ele o desejo de sair sozinho atrás dos Yuurei, especialmente da vice-líder — a mulher identificada como Mira Uzumaki —, Shikamaru receava o pior. Não por incredulidade, mas por preocupação. Pelas informações adquiridas, a hierarquia dos Yuurei se estabelecia pela força. Quando mais habilidoso, mais alta era a patente.

E Naruto saíra em missão atrás da segunda pessoa em comando do grupo criminoso: a mulher cujo rosto — Naruto dissera — perturbava-o. Também a única Yuurei que, até então, havia demonstrado um interesse específico em Naruto. Shikamaru Nara não via com bons olhos um encontro entre os dois Uzumaki. Por isso, se pudesse evitá-lo, pelo bem do amigo, assim o faria.

O problema, Shikamaru sabia, era que não tinham muitas opções. Mira Uzumaki, sendo o braço direito do inimigo e ligada diretamente a Naruto, parecia ser a peça-chave para resolver o mistério por trás de tudo que envolvia os Yuurei. Tê-la por alvo complicava as coisas.

Como dissera a Naruto, desta vez não poderiam errar.

— Shikamaru... — Naruto quebrou o silêncio; a voz mais comedida. — Obrigado pelo que vem fazendo, por ser o meu cérebro aí na vila... Obrigado.

Do outro lado da linha, um bocejo.

Sem sentimentalismo por enquanto — disse em tom amigável. — Você tem muito o que fazer. Dê o seu melhor.

Após o fim da ligação, Naruto agradeceu a Fukasaku e se deitou. Seu semblante já não era tão pesado quanto antes.

“Uma vantagem estratégica”, Shikamaru lhe dissera. Naruto apostava suas fichas naquele plano. Enquanto a mente de Shikamaru trabalhava dentro da vila, os músculos de Naruto fariam o resto por fora. Compartilhando informações, juntos, iam montando o quebra-cabeça por trás dos Yuurei.

Lembrou-se do que Saori lhe dissera, que Naruto Uzumaki era um símbolo de esperança para os habitantes dos países menores. Sabia que não era apenas a Folha que contava com ele, mas todo o mundo ninja. Por todos, em todo o lugar, Naruto não se daria o luxo de falhar novamente. Vidas dependiam do sucesso dele.

— Chegaremos à fronteira do País da Chuva depois de amanhã — observou Fukasaku, satisfeito por ver Naruto melhor. — Descanse, Naruto-chan.

Naruto assentiu. E, olhando para a lua cheia através do vidro da janela, desejou sonhar com os olhos perolados da Hyuuga que tanto amava.

 

                                                                            ***

 

Haviam começado às quatro e meia da manhã. Agora, os primeiros raios de sol despontavam pela janela. Depois de três dias de treinamento, Hinata Hyuuga já se acostumara à rotina intensa de seu novo professor de Taijutsu.

— Você está ótima, Hinata-san! — Lee acenou positivamente. — As chamas da juventude queimam no seu coração.

Hinata sorriu e apertou o nó da faixa branca sobre o kimono, adereço que usava em respeito ao amigo, um mestre do estilo Gouken — o Punho Forte da Vila da Folha.

Seu falecido primo, Neji, uma vez lhe contara a respeito da intensidade que Lee aplicava nos treinos. Porém, durante as aulas, Lee demonstrava um cuidado quase paternal com o corpo recém-recuperado de Hinata; e era bem compreensivo no que dizia respeito à atual deficiência visual dela.  Apesar de toda a excentricidade, Rock Lee era um amigo bastante gentil.

Hinata respirou fundo e assumiu postura de combate.

— Lembre-se, Hinata-san... — Lee tomou posição. — O Gouken prioriza os músculos. Diferente do estilo Juuken, o Gouken baseia seus movimentos no exterior do corpo. Por isso...

— Os outros sentidos precisam estar aflorados — completou Hinata. — Não apenas a visão.

Lee assentiu, orgulhoso.

— É difícil falar isso para um membro do clã Hyuuga. — Coçou a cabeça, encabulado. — Mas esqueça o Byakugan. Use seus ouvidos, ouça meus passos. Use seu olfato, sinta o suor nas minhas roupas. Use seu tato, pressinta as vibrações no ar enquanto me movimento.

Ainda sem poder enxergar, Hinata deu um sorriso tímido.

“Bom, não é tão difícil me imaginar sem os meus olhos agora”, pensara consigo.

Lee se mexera, ela havia pressentido. De fato, por haver se habituado ao Juuken, estilo do qual era mestra, Hinata sempre contara com sua visão excepcional em combates. Mas agora era totalmente diferente. Não tinha mais o Byakugan, não enxergava qualquer coisa além da escuridão absoluta. Porém, independentemente de ser ou não a lendária Princesa do Byakugan, estava decidida a criar a própria saída. Ainda que começando do zero, um passo de cada vez, Hinata iria se reinventar como uma Kunoichi. Assim como Naruto, o jeito ninja dela era de nunca voltar atrás.

Concentrada, pés firmes sobre o tatame, sentidos elevados ao máximo, Hinata esperou. Esperou, esperou...

E quando a ligeira brisa passou por sua nuca, ela girou o corpo rapidamente para baixo, esquivando-se do golpe, e subiu rápido com a palma estendida para contra-atacar. Lee bloqueou o golpe e saltou para trás.

— Excelente, Hinata-san! — elogiou o professor dela. — Belos reflexos.

— Obrigada, Lee-kun.

Tenten assistia ao treino com um sorriso no rosto, orgulhosa pelo progresso da amiga. Desde que soubera da decisão de Hinata em escolher Lee como professor de Taijutsu, Tenten acompanhava cada sessão. Iria garantir que o entusiasmo do namorado não fosse longe demais, resultando em lesões à Hyuuga, que recebera alta médica há poucos dias.

— É como ver o Lee e o Neji juntos de novo — comentou com ar nostálgico. — O que acha, Hanabi-chan? Hanabi-chan?

Ao lado de Tenten, a cabeça de Hanabi se levantou de outro cochilo. A Hyuuga caçula estava exausta pela nova rotina, uma vez que estava sempre tomando conta da irmã mais velha. Então, momentos como aquele, em que poderia parar e descansar alguns minutos, eram preciosos para Hanabi. Além disso, o braço de Tenten era um ótimo travesseiro.

— Hum? — A menina fungou, sonolenta. — O quê? A Nee-sama já terminou?

Tenten deu um risinho compreensivo.

— Desculpe-nos por isso, Hanabi-chan. O Lee acorda bem cedo. Logo, você se acostuma.

Hanabi Hyuuga fez uma careta desgostosa.

— Eu que não quero me acostumar com as loucuras do seu namorado esquisito — murmurou. — Ele já contaminou a Nee-sama...

Tenten gargalhou. Hanabi era o extremo oposto de Hinata, não dosando as palavras.

— Veja, eles estão terminando.

No centro do tatame, Lee, pouco a pouco, aumentava o ritmo. Ainda assim, Hinata parecia acompanhá-lo bem e evitava os ataques a tempo. Durante aqueles primeiros dias, Lee usava pesos sob a roupa para treinar com Hinata. Uma vez que ela estivesse já adaptada à nova modalidade, com os outros sentidos bem treinados, poderiam avançar gradativamente. Sem pressa, pois o objetivo final não era tornar Hinata Hyuuga uma mestra do Gouken — isso demoraria anos. O que Lee fazia era ajudar a amiga a entender um estilo diametralmente oposto do qual ela estava acostumada; e compreender como Kioto Hyuuga havia combinado o Punho Forte com o Punho Gentil. Desvendado o mistério, auxiliaria Hinata a criar um estilo próprio dela, uma resposta ao Taijutsu do Yuurei.

— Precisa ser mais feroz, Hinata-san. — Lee defendeu o chute alto com a mão. — No Gouken, as pernas são usadas tanto quanto os braços.

— Desculpe.

Quando Hinata saltou para trás, Lee avançou. Primeiro com um ataque frontal, bem defendido por Hinata, imediatamente seguido por uma joelhada, também bloqueada. Lee persistiu com golpes retos, visando a linha de cintura e a cabeça. Hinata desviou do primeiro chute, do segundo, esquivou-se de um soco e, com um sutil movimento de mão, desviou o braço esquerdo de Lee, fazendo-o passar no vazio.

A cabeça de Lee estava desprotegida. Todos perceberam.

— Você o pegou, Nee-sama! — Hanabi gritava em expectativa.

Hinata investiu com a palma direita e Lee, satisfeito, viu-se forçado a recuar. Com Hinata ditando o ritmo, Lee trabalhava nos contragolpes. Uma tarefa não tão simples. Apesar de estar sem a visão, Hinata aprendera rápido a contar com os outros sentidos.

Ademais, embora fosse uma aprendiz no Gouken, cuja essência era a força física e explosão, Hinata Hyuuga era uma mestra do Juuken — um estilo de Taijutsu com foco na precisão dos golpes. Lee precisava ser cauteloso.

Ele já sabia que os Hyuuga usavam muito bem as mãos. Por isso, ficou contente ao ver Hinata chutando mais. Ainda assim, era como lutar contra uma criança. Hinata ainda estava usando as mesmas sequências: dois socos seguidos de um chute; um chute baixo com a perna esquerda, chute na linha de cintura com a direita e um chute alto, novamente com a esquerda. Lee sentia que Hinata ainda estava insegura para improvisar.

Ao menos, era o que ele pensava.

Entre uma sequência e outra, Hinata surpreendeu-o com uma cotovelada giratória. E quando Lee desviou a cabeça, lá estava a palma aberta de Hyuuga prestes a acertá-lo.

Mas algo fez Hinata perder o tempo do golpe. Por um mísero segundo, teve um vislumbre de uma figura até então desconhecida. Aparecera de repente, e Hinata não teve tempo de processar a informação. Vira apenas um espectro branco surgir diante dela.

Um homem, talvez. Ela não tinha certeza.

E tão rápido quanto havia surgido, a figura desapareceu. Deixando Hinata às cegas outra vez. No instante seguinte, Lee a derrubou com um contragolpe.

— Hinata-neesama! — Hanabi, seguida de Tenten, foram correndo até o centro do tatame. A Hyuuga caçula se agachou e pôs a cabeça da irmão sobre seu colo. Ela estava bem.

— Que droga, Lee! — Tenten puxou o namorado pela gola da camisa, furiosa. — Eu disse para tomar cuidado!

Lee desculpou-se repetidas vezes e, imediatamente, perguntou a Hinata se ela havia se machucado. Hinata, pondo-se em pé, fez que não.

— Está tudo bem, Lee-kun — tranquilizou-o. — Obrigada por hoje. Com licença.

Sem dizer mais nada, prestou uma breve reverência e se afastou.

— O que houve com ela? — estranhou Tenten.

 

 

Horas depois, as irmãs Hyuuga tomavam café da manhã na cozinha. Hinata estava assombrosamente quieta, o que não passou desapercebido pela caçula. Algo diferente havia acontecido durante o treinamento mais cedo. A irmã mais velha estava incomodada e, Hanabi sabia, nada tinha a ver com aquele último golpe de Rock Lee.

— Nee-sama? Tudo bem?

Hinata pareceu distraída.

— Sim?

— O que houve durante o treino com o Sobrancelhudo? — perguntou Hanabi, receosa. — Você está diferente.

A líder do clã Hyuuga se manteve silente, intrigada com o que ocorrera mais cedo. Por um instante, ela enxergou outra vez. Foi como um flash antes de tudo escurecer novamente. Ainda assim, ela vira alguma coisa — alguém —, tinha certeza. Infelizmente, não pôde distinguir aquela aparição repentina. Mas Hinata poderia jurar que nunca tinha visto ninguém parecido.

Em meio à incerteza, um pensamento lhe sobreviera. Algo relacionado à história na carta de Hiashi. Uma ideia vaga que Hinata guardou para si mesma. Ainda era muito cedo para concluir qualquer coisa.

— Não sei, Hanabi — virou-se para a irmã. — Ainda não sei.

 

                                                                            ***

 

Tsunade foi a última a entrar na sala. Estava acompanhada por sua assistente, Shizune, e sua guarda-costas, a capitã da Primeira Divisão ANBU, Yuugao Uzuki.

— Desculpem-me pelo atraso. — Sentou-se à cabeceira da mesa. — Vamos começar.

O Novo Conselho da Folha era composto por, além da Hokage, Shizune e Yuugao, Shikamaru Nara, tido como a mente mais brilhante entre as Cinco Grandes Nações; Sai, tenente da Primeira Divisão ANBU e o melhor espião da Folha; e Ino Yamanaka, líder de seu clã, chefe da Unidade Sensorial e vice-diretora da Divisão de Inteligência, comandada por Ibiki Morino. Por estar escalada no Hospital da Folha naquele dia, onde também trabalhava como ninja médica ao lado de Sakura Haruno, Ino era a única integrante do Conselho ausente.

Além dos novos membros ordinários, Sasuke Uchiha também participava daquela reunião.

Quanto aos antigos conselheiros, Homura Mitokado e Koharu Utatane, por ocasião de haverem orquestrado um Golpe de Estado contra a administração da Quinta Hokage, foram, posteriormente, destituídos de seus cargos. Contudo, pela experiência que possuíam, ainda permaneceram pelo breve período em que Kakashi Hatake chefiou a Vila da Folha. Após a morte do Sexto Hokage e a volta de Tsunade ao poder, ela os removeu definitivamente.

Depois de pegar a pauta com Shizune, a Hokage tomou a palavra. O primeiro assunto não poderia ser outro.

— Por que a Vila das Fontes Termais? — lançou a pergunta no ar.

Sai foi o primeiro a responder.

— Aparentemente, o inimigo quer chamar a atenção do Naruto-kun. Como não sabem onde ele está, estão tentando fazê-lo revelar sua posição.

— Isso quer dizer que os Yuurei já sabem que o Naruto não está na vila — observou Yuugao, receosa. — Por que não nos atacaram até agora?

Os olhos de Tsunade se dirigiram brevemente para Sasuke Uchiha.

— Talvez estejam receosos — palpitou Shizune. — Os dois Yuurei na ilha Misuto foram mortos. Agora, só restam sete deles. Sasuke-kun implementou duras perdas ao inimigo.

Shikamaru não estava tão otimista.

— E ficou gravemente ferido também — disse o líder do clã Nara. — Não acredito que os Yuurei estejam temendo o Sasuke, apesar de tudo. Meu palpite é que alguma coisa os tenha atrasado.

Tsunade assentiu.

— Fala do Demônio Roxo. O suposto Bijuu que não descende do Dez Caudas.

Shikamaru fez que sim.

— Quando Ino entrou na mente do líder dos Yuurei, acabou libertando o Demônio Roxo do Genjutsu do Sasuke — relembrou Shikamaru. — Porém, aquela coisa se manifestou de volta no líder deles, não no Naruto. Isso os atrasou, certamente.

— E quando Naruto-kun voltou à vila, podendo usar todos os poderes livremente... — Shizune raciocinava. — Eles tiveram que recuar...

— Para refazerem o selo — Sai acrescentou. — E isso nos leva até...

— Mira Uzumaki — completou Tsunade. — A vice-líder dos Yuurei e especialista em Fuuinjutsu. A única pessoa que pode desfazer o selo sobre o Naruto. Capturá-la é prioridade.

Sasuke respirou fundo, meneando negativamente com a cabeça.

— Eu soube que ela não está nem se escondendo. — Virou-se para Sai. — Você foi até o País dos Demônios.

Sai confirmou.

— A barreira em volta do país é intransponível — relatou. — É mais forte do que qualquer outra que eu tenha visto. É impossível penetrar.

— Disso você não sabe — refutou Sasuke.

— Sasuke! — Tsunade estreitou o olhar. — Você não vai até lá.

O Jounin fechou o punho do braço protético, preso a uma tipoia. Seu organismo Uchiha ainda estava se adaptando às células de Hashirama Senju.

— E suponho que o Naruto vá.

Shikamaru pigarreou.

— Na verdade, não — disse. — Naruto está se dirigindo ao País da Chuva. Depois, ao País do Redemoinho.

— O que disse? — Yuugao perguntou. — Ao País do Redemoinho, eu entendo. Mas por que Naruto iria até o País da Chuva? O que ele espera encontrar lá?

Shikamaru deu de ombros.

— O Sábio do Monte Myoboku disse que ele precisava “voltar ao início de tudo” e “entender a história por trás da tragédia”. Só assim, Naruto poderia encontrá-la. Presumo que ele estivesse se referindo à Mira Uzumaki.

Tsunade reclinou-se sobre a mesa, pensativa.

— Parte da história de Mira se passa na Vila da Chuva — adiantou-se Sai. — Segundo a informação que temos, os dois líderes dos Yuurei foram treinados pelos líderes originais da Akatsuki.

— Nagato e Konan. — Tsunade lembrou-se dos órfãos da Chuva que Jiraiya tomara como alunos. — Mas ambos estão mortos.

Shizune encolheu os ombros.

— Isso ainda está confuso — confessou ela. — Se a teoria do Shikamaru-kun sobre o líder dos Yuurei estiver correta e ele for mesmo um Ootsutsuki, então precisamos descobrir por que ele precisou da Akatsuki. Mais especificamente: por que Nagato e Konan?

Shikamaru assentiu.

— Desvendar o líder deles é um saco. Considerando tudo o que temos, ainda não saímos do campo da especulação — argumentou. — Por outro lado, Mira Uzumaki é mais acessível.

— E se conseguirmos desvendá-la — Tsunade refletia —, então também desvendaremos o líder dos Yuurei.

Se conseguirem capturá-la — enfatizou Sasuke, rejeitando aquela ideia de pronto.

Apesar da expressão fria e serena, era notório o descontentamento do Uchiha. Para Sasuke, Naruto quem deveria estar na vila, não ele. Por não dispor de todo o arsenal Bijuu, Naruto estaria incapacitado para enfrentar inimigos tão poderosos. Isso sem falar que Naruto Uzumaki era o alvo primário dos Yuurei; todas as ações do inimigo giravam em torno do Herói do Mundo Ninja. Portanto, para Sasuke, ele quem deveria estar caçando os Yuurei fora da vila, não o melhor amigo.

Ao escolher sair da vila e ir atrás dos Yuurei sozinho, Sasuke pensara, Naruto estava agindo impulsivamente. Movido pelo desejo de vingança, pelo senso de dever para com todos que dependiam dele; qualquer coisa, menos a razão. Por isso, Shikamaru o auxiliava a distância. Ainda assim, na avaliação de Sasuke Uchiha, aquilo tudo era um erro.

— Tragam-no de volta — Sasuke não falou como se pedisse.

— Não. — A resposta veio de Tsunade. A voz da Hokage para o Uchiha era compreensiva; o olhar, porém, firme e intimidador. — Não é a única pessoa a se importar com ele, Sasuke. Além do mais, precisamos de você aqui.

— Hokage — respondeu Sasuke —, Naruto não está em condições de-

— De enfrentar Mira Uzumaki? — Shikamaru se intrometeu. — Talvez não. E estou tão preocupado com aquele cara quanto você, Sasuke. Mas Naruto já calou a minha boca outras vezes. E quer saber? O Naruto precisa disso, ter o gosto de vencer os Yuurei. E eu vou usar tudo ao meu alcance para que ele consiga. Você, melhor do que qualquer um, deveria entender.

Sasuke se calou, claramente incomodado. Tsunade aguardou os ânimos se acalmarem antes de prosseguir.

— Por enquanto, Naruto continuará a busca fora da vila — decretou a Hokage. — Daremos a ele o apoio necessário enquanto fazemos nosso próprio trabalho daqui.

— Que seria? — Sasuke perguntou, desconfiado.

A Hokage soltou um suspiro desgostoso. Sabia que não tinham muitas opções.

— O ataque à Vila das Fontes Termais foi um aviso — disse ela. — Enquanto Naruto estiver invisível aos Yuurei, eles vão fazer tudo para forçá-lo a revelar sua posição. Apesar de estarmos contando com ele, não podemos deixá-lo sozinho.

O olhar de Sai ao redor da mesa era sombrio e preocupado.

— O que tem em mente, Hokage-sama?

 

                                                                            ***

 

Por trás da tela, o olhar de Oonoki falava por si só. O velho Tsuchikage detestava aquela ideia. Embora não tivesse dito qualquer coisa, Tsunade conhecia-o bem para saber que a careta não era devido a outra dor nas costas.

Os outros Kage reagiram de maneiras distintas. Tsunade esperava que aquela reunião fosse produtiva, ainda que só um pouco.

— Um grupo de busca... — Mei Terumi também parecia desaprovar a ideia. — Não é a primeira vez que tentamos algo assim, Tsunade-sama.

A Mizukage tinha razão. Não bastasse o fracasso da missão na ilha Misuto, em que tinham sido enviados para encontrar a dupla líder dos Yuurei, a própria Mei Terumi tinha sido a capitã da força-tarefa que contava com ninjas das Cinco Grandes Nações. Como resultado, dos dez comandados, três foram mortos: Cee, da Nuvem; Kitsuchi, da Pedra, filho do Tsuchikage; e Yasuke, da Névoa e o aprendiz que a Mizukage tinha como um filho. Sobreviveram graças a Sasuke Uchiha, que derrotara os Yuurei Ryuumaru, o Caçador de Dragões, e Dairama Senju.

Mas os líderes inimigos, pelos quais eles tinham ido em missão, nunca estiveram lá.

— Eu entendo a situação, Hokage-sama. — Dentre todos os colegas Kage, Gaara era o mais propenso a cooperar. — A Areia jamais recolherá a mão para a Folha.

Kira Ay, o Quarto Raikage praguejou, e Tsunade agradecia por aquela reunião ser virtual.

— Acha que estamos dando as costas, Kazekage? — gritou ele. — É muito fácil para você dizer algo assim, não é? Dentre todas as Cinco Grandes Nações, só a Areia ainda não sofreu qualquer perda por causa dos Yuurei.

O rosto de Gaara era impassível.

— Estamos no mesmo barco, Raikage-sama — explicou. — Além do mais, um ataque Yuurei é só questão de tempo. Tenho me preparado para isso.

E era impressionante como o Kazekage mantinha a compostura, Tsunade observara. Gaara um líder tão jovem e, mesmo assim, tão sábio e seguro.

Mei perguntou à colega Hokage:

— A Folha tem alguma pista sobre o paradeiro dos Yuurei. Digo, além do País dos Demônios?

Tsunade negou com a cabeça.

— Neste momento, Naruto está lá fora, procurando a vice-líder inimiga. — Ao falar, ela enfatizou a patente da Yuurei, de modo a tentar convencer os demais Kage sobre a relevância da missão. — E está sozinho.

Novamente, as reações foram diversas.

— Hokage-sama! — Gaara se sobressaltou. — Não acha que foi imprudente deixar o Naruto sair sozinho contra esse inimigo?

— Ainda mais se considerarmos o estado atual do Naruto — observou a Mizukage, receosa. — Por que o deixou ir, Tsunade-sama?

A Hokage suspirou, pesarosa.

— Não deixei — relevou. — Mas ele sairia de um jeito ou de outro. Então estou fazendo o que posso para garantir que ele complete a missão... e volte seguro para casa.

A proposta de Tsunade consistia em organizar um grupo de busca e ir atrás do inimigo. Com um time composto, principalmente, por ninjas rastreadores, fariam o reconhecimento em todos os últimos locais com aparição Yuurei confirmada. De posse de qualquer vestígio rastreável, organizariam, posteriormente, uma forma de emboscar e capturar algum membro da organização criminosa.

Infelizmente, em razão do último ataque sofrido, a Folha não dispunha de muitas opções para montar, por si própria, um time que tivesse chances reais de sucesso. Ademais, os dois maiores pesos pesados da Vila Oculta da Folha — Naruto Uzumaki e Sasuke Uchiha — já estavam comprometidos em suas próprias missões. Enquanto Naruto fora atrás de Mira, Sasuke tinha a tarefa de defender a vila até Naruto retornar. Sob hipótese nenhuma, o Uchiha poderia deixar a Folha.

Por fim, se tentasse compensar a indisponibilidade de Naruto e Sasuke com outros ninjas, Tsunade teria que renunciar a grande parte de seu contingente e criar uma equipe superlotada para sair em missão. Além de um grupo maior ser facilmente detectável, o poderio militar da Folha restaria, em muito, comprometido — o que instigaria os Yuurei a atacar a vila novamente. Sasuke poderia ficar para defendê-la, mas seria incapaz de fazer isso sozinho.

Montar um grupo de busca era uma iniciativa arriscada, mas que precisaria ser tentada, se quisessem obter mais informação. Sem isso, estariam de mãos atadas, contando exclusivamente com Naruto. Dessa forma, a Hokage pedia a colaboração das outras vilas. Juntas, poderiam ir atrás dos Yuurei e ajudar Naruto sem que, para tanto, nenhuma das Cinco Grandes Nações ficasse vulnerável ao inimigo.

Tsunade olhou para a tela da Mizukage. Mei Terumi tinha o olhar distante, pensativa.

— Não é um time focado em combate — falou Tsunade a ela, compreensiva. — Mas em reconhecimento. Vamos fazer isso com calma.

A Mizukage ainda não estava convencida.

— Algo ainda me perturba — confessou ela. — Esses bastardos atacaram recentemente um país pequeno, como a Vila das Fontes Termais. Por quê?

Gaara, primeiro, trocou olhares com Tsunade antes de responder a Mei:

— Porque Naruto é o Herói do Mundo Ninja — disse ele. — Enquanto os Yuurei não souberem onde ele está, o mundo ninja vai queimar até que Naruto se veja forçado a sair do anonimato.

— E onde ele está agora? — perguntou o Raikage.

Todos os olhares se voltaram, ao mesmo tempo, para a tela de Tsunade, que negou com a cabeça.

— O paradeiro de Naruto é uma informação sigilosa — explicou a Hokage. — Por motivos de segurança, não posso dizer onde ele está.

O Raikage estreitou os olhos para Tsunade.

— Quer dizer — falava pausada e ameaçadoramente. — que Naruto está perambulando por aí, podendo estar em qualquer lugar, inclusive em nossos países, e você não vai falar, Tsunade?

Tsunade não se intimidou.

— Espero que entenda, Ay.

— Ora, Tsunade, vá para o infer-

— Raikage! — Oonoki o repreendeu. — Tsunade-hime tem as razões dela de nos ocultar essa informação. Agora pare com a gritaria. Temos um assunto mais urgente a tratar.

Ay desviou o olhar raivoso de Tsunade para o Tsuchikage.

— Por exemplo?

— O motivo dos Yuurei atacarem a Vila das Fontes Termais — antecipou a Mizukage. — Não acredito que seja só para atrair o Naruto. Digo, até pode ser, mas, dentre tantos lugares, por que exatamente lá?

Nem Tsunade tinha a resposta daquela pergunta.

— Se os Yuurei estão dispostos a usar os países menores para atrair o Naruto — Gaara havia compreendido o raciocínio da Mizukage. — Então podemos esperar um ataque sistemático. E se conseguirmos identificar o critério de escolha dos alvos...

Mei assentiu.

— Poderemos antecipar o próximo ataque e ajudar o Naruto na busca — disse ela. — Tsunade-sama, a Névoa também irá colabo-

A tela da Mizukage escureceu. A transmissão da Névoa fora interrompida.

— O que houve? — perguntou Oonoki. — Ela saiu da reunião?

 

                                                                            ***

 

Segundo a informaram, o apagão havia sido geral. Toda a Vila Oculta da Névoa estava sem energia elétrica, mergulhada na escuridão fria da noite.

— Os geradores de emergência já foram acionados, Mizukage-sama — garantiu-lhe o assistente. — A energia voltará gradativamente.

Estava certo. Não se passaram cinco minutos até que a energia retornasse. Primeiro, o escritório da Mizukage. Depois, as demais dependências do prédio, o centro da vila e as demais regiões; um processo centrífugo de restabelecimento da eletricidade.

Mei Terumi se reclinou sobre a mesa, recostando a cabeça sobre as mãos. Ao lado dela, de pé, estava Choujurou, seu guarda-costas e o último dos Sete Espadachins da Névoa.

— Acha que isso foi ocasional? — Mei manteve a postura, desconfiada.

O jovem espadachim fungou.

— Foi, no mínimo, estranho, Mizukage-sama.

— Concordo.

O assistente de Mei informou que, finalmente, haviam recuperado o sinal. Ainda fazia os ajustes finais para reconectar a Névoa à reunião virtual dos Cinco Kage quando algo o deteve.

Todos podiam ouvir a canção. Distante e profunda, ecoava pelas paredes vindo de todas as direções. Um som doce e suave que inebriava mente, coração e alma. Parecia a voz de uma sereia. Era encantadora.

— Essa voz... — o assistente bocejou; as pálpebras pesavam. — Tão linda...

E caiu com a cabeça pesada sobre a mesa.

— Mizukage-sama! — Choujurou arregalou os olhos. — Isso é...

— Eu sei! — Mei pôs-se em pé com um salto urgente. — Genjutsu! Droga, Choujurou, alerte a todos! Estamos sendo atacados!

Saiu às pressas pela porta, mas como poderia continuar? Mei sentia as pernas pesarem; e, de repente, não queria correr. Viu-se exausta. Queria descansar sob a delícia que era aquela voz angelical. Sua mente evanescia para longe.

“Não...” Juntando todas as forças, concentrou chakra para libertar-se do efeito. “De onde está vindo?”

Era impossível determinar a origem exata da canção. A melodia, mesmo em uma área aberta, ressoava por todos os lados na mesma intensidade, como se o próprio ar a produzisse. Mei via ninjas adormecerem um após o outro à medida que corria, desesperadamente, atrás de onde quer que viesse aquela voz.

Aquela voz...

“Droga! De novo.” Fez outro selo manual, paralisando o próprio fluxo de chakra. “É como se quem estivesse fazendo isso, lançasse um Genjutsu após o outro.”

Sentindo as pernas bambearem outra vez, Mei juntou as mãos e se concentrou.

“Não,” analisou. “É um Genjutsu só, com várias camadas. Quem quer que esteja fazendo isso, é extremamente habilidoso.”

A melodia continuava. A voz feminina remontava as lendas das sereias que Mei ouvira quando era criança. Dizia-se que era um som tão arrebatador que ninguém, por mais habilidoso que fosse, poderia resistir ao encantamento. A vítima se via envolvida em uma paixão tão violenta, que o transe a fazia se lançar no mar, onde morreria.

Mei nunca acreditara em lendas assim. E tinha uma mente forte para resistir a paixões.

Após uma busca quase interminável entre os terraços dos prédios, finalmente havia encontrado a invasora. Era uma adolescente, não parecia ter mais do que catorze anos. Tinha cabelos loiro-platinados e olhos verde-esmeralda.

E, claro, usava o manto negro dos Yuurei.

Hana desceu do lugar alto, ficando frente a frente com a Mizukage. Inclinou-se em uma breve mesura.

— A irmã do Juha-sama, a Quinta Mizukage Mei Terumi. — ronronou a jovem Yuurei. — Você é tão linda quanto dizem.

Mei estreitou os olhos, preparando-se para o combate.

— Meu nome é Hana Sakegari — continuou. — Sétima Oficial e membro Junior dos Yuurei. Postulante a Quinta Oficial e membro Sênior.

— Postulante? — perguntou a Mizukage, séria.

 — Isso mesmo. — O sorriso da garota causava arrepios. — Então, seja boazinha e colabore. Preciso impressionar a Mira-sama.


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Notas finais do capítulo

Naruto está finalmente se aproximando do País da Chuva. Todos os caminhos parecem levá-lo a uma única pessoa.
Enquanto isso, algo aconteceu com Hinata.
Pela reunião do Conselho, a missão de Naruto ganha ainda mais relevância.
Mei e Hana se encontram.

Me digam: o que estão achando? Seus comentários ajudam demais!

Na próxima quinzena, teremos uma luta... e outras coisas também.

Próximo capítulo: Mei Terumi vs. Hana Sakegari

Lançamento: 21/01/2022, até às 19h.

Até o próximo capítulo o/



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