Aquele Que Veio do Mar escrita por Ri Naldo


Capítulo 6
Tática




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/504683/chapter/6

Finalmente o sábado — dia do torneio de escalada — chegou. Eu estava super ansioso para esse torneio, porque ele era a chance perfeita de provar que eu não era só o "irmão do Percy". Eu era mais que isso.

— Vamos, cara, já vai começar — falou Mirina para mim, do lado de fora do chalé, enquanto eu estava trocando de roupa.

— Calma, já estou terminando.

Peguei o equipamento de proteção que foi dado a todos os inscritos e saí do chalé.

— Até que enfim — disse Louise.

— É melhor a gente ir andando — Julieta checou o relógio.

Fomos até a arena, onde várias paredes de escalada foram levantadas à noite. Tinham mais ou menos o triplo do tamanho de um poste. Só de olhar para o topo de uma delas, já fiquei com vertigem. Campistas que não iriam participar assistiam da arquibancada, e os que participariam estavam aglomerados no centro da arena.

Não se podia chegar perto das paredes — os técnicos, que por acaso eram sátiros, ainda estavam fazendo alguns ajustes —, então vários campistas se preparavam da maneira que podiam — alongavam-se, davam pulos enormes, ajustavam seu equipamento, subiam uns nos outros...

Finalmente Quíron tocou o seu berrante, e todos pararam o que estavam fazendo para prestar atenção.

— Não será permitido nenhum tipo de trapaça. Aquele que burlar as regras será imediatamente desclassificado. Como vocês podem ver, as paredes estão arrumadas em ordem de tamanho. Só poderá partir para a segunda parede quem chegar no topo da primeira, e só poderá partir para a terceira parede quem chegar no topo da segunda. Se cair, terá que voltar ao final da fila, caso não se machuque seriamente. Os três primeiros que chegarem ao topo da terceira parede enfrentarão um desafio conjunto — ele apontou para a mais larga das paredes, atrás das outras. — E, dos três, ganha quem chegar ao topo primeiro. Agora, façam uma fila à frente da primeira parede.

Começou o tumulto. Foi empurra-empurra até Quíron tocar mais uma vez o berrante, com mais força.

— Com calma!

Fiquei em um lugar razoável da fila, à frente de Mirina e atrás de Julieta e Louise. Iam de dois em dois campistas para tentar chegar ao topo da primeira parede. Não era tão fácil quanto eu pensei. Alguns dos suportes eram feitos de gelo, e outros de pedra-sabão, o que fazia qualquer um escorregar. Quanto mais perto se chegava do topo, mais difícil ficava. O número de suportes escorregadios triplicava. Pedras saíam dos lugares mais duvidosos, e os sátiros que estavam no topo jorravam água em você — filhos da mãe. Dez pessoas na minha frente. Oito. Duas já haviam passado de parede, e tentavam, em vão, escalar a outra, que era muito mais difícil que a primeira. Seis pessoas. Quatro pessoas. Duas pessoas, Julieta e Louise. Elas tiveram uma performance incrível. Uma ajudava a outra, o que não era contra as regras. Louise quase caiu com um passo em falso, mas Julieta a segurou, e as duas continuaram subindo. Louise, com sua força de filha de Ares, esmagava as pedras grandes no caminho, e olhou tão feio para os sátiros que eles desistiram de jogar água nelas. As duas conseguiram chegar ao topo e desceram a corda até a base da segunda parede.

"Mesma tática", Mirina sussurrou no meu ouvido. Era nossa vez. Corri até a base, pus o pé no primeiro suporte e comecei a escalar, com Mirina ao meu lado, mantendo o mesmo ritmo. Coloquei o pé em um suporte de gelo e caí, mas senti uma mão segurando minhas costas. Mirina. Agradeci à ela, me repus e continuei a escalar. Agora estávamos nas pedras grandes. Como nenhum dos dois tinha força suficiente para esmagá-las, nossa única opção era desviar. Quase escorreguei em outro suporte de gelo, ou seja, quase voltei ao final da fila, já que Mirina estava muito ocupada desviando. Passamos, e agora éramos alvos dos sátiros. Eles prepararam as mangueiras. Estavam todos mirando em Mirina. Ela não tinha pra onde correr, e não aguentaria todos os jatos de água. Eles dispararam. Eu gritei "não!", e uma coisa inusitada aconteceu: a água voltou. Foi como se ela tivesse criado vontade própria e mudado de direção. Foi direto na cara dos sátiros, que caíram na lona da base da parede. Na multidão, foi uma mistura de riso com surpresa. Eu pisei no último suporte, e Mirina, que já estava em cima, me esperou até eu chegar ao topo. Deixei ela descer a corda primeiro, e, quando fui ver o progresso dos outros, não acreditei no que vi: Louise já havia escalado a terceira parede, e estava esperando os outros dois finalistas, com um sorriso de deboche no rosto. Desci a corda rapidamente e me pus na fila da segunda parede, que só tinha três pessoas. Agora era uma pessoa de cada vez. Depois de mais ou menos dez tentativas, Jake e Julieta conseguiram, e, depois de mais dez, eu e Mirina conseguimos. Agora era tudo ou nada. Jake já havia chegado ao topo, o que desanimou boa parte das pessoas que não conseguiram passar nem da primeira parede. Muitas já iam desistindo. Mesmo os que tinham adotado a tática que Julieta e Louise usaram não conseguiam passar, porque não tinham coordenação mútua suficiente.

Era minha vez na escalada. A terceira era quase impossível — além de água — que não era problema pra mim —, gelo e pedras, tinha lava de verdade, e luvas de boxe com molas que saíam de buracos escondidos.

Pus minha cabeça pra funcionar — que milagre. Eu já tinha assistido a vários filmes com vulcões, e lembrei o que acontecia quando a água tocava a lava. Era isso. Os jatos agora não eram comandados por sátiros, mas automáticos, pendurados nas extremidades da parede, então não havia como pará-los. Apenas me concentrei, e mandei a água vir de encontro à lava. Uma brisa suave passou pelos meus ouvidos, como uma voz. "Obrigue-nos", dizia a brisa. Água filha da…

Concentrei-me com mais força. Pouco a pouco, a água foi mudando de direção, e se encontrou com a lava. Ouvi um barulho de fervura. A lava estava se concretizando. Toquei na recém-formada rocha. Estava muito quente, mas era minha única chance. Se eu caísse, ou Mirina ou Julieta conseguiriam, já que não havia mais lava para atrapalhar. Segurei na rocha, e minha mão queimou. Gritei de dor, mas impulsionei meu corpo para frente. Com muito empenho, consegui segurar no último suporte, e então desabar no plano do topo da terceira parede. Eu era um finalista.

— Já temos os nossos três finalist…

Quíron parou, eu estava gritando com a queimadura, que formara uma bolha do tamanho de uma laranja na minha mão.

— Devido às circunstâncias, temo que a final terá de ser adiada para amanhã — ele completou.

A multidão se revoltou. Louise revirou os olhos.

— Parabéns, imbecil — ela disse, e pulou na corda. Jake fez o mesmo, mas pareceu apoiar o que eu tinha feito. Mais tempo para ele treinar.

Já que eu não podia tocar em nada com a mão direita, um dos sátiros me ajudou a descer e me levou à enfermaria, onde minha bolha foi retirada, mas a dor continuava. Eu tinha que me recuperar a tempo.

Eu tinha que vencer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Aquele Que Veio do Mar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.