Aquele Que Veio do Mar escrita por Ri Naldo


Capítulo 5
Percy Jackson




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Pessoas estavam chegando de todos os lados para me observar. Finalmente Louise tirou aquela expressão de surpresa absoluta da cara, me pegou pelo braço e gritou:

— Saiam da frente! Tenho que levar ele para Quíron.

Ela saiu, abrindo caminho em meio à multidão e me puxando junto. Estava atônito demais para falar ou pensar algo. Só tinha certeza de uma coisa: eu era filho de Poseidon.

— Primeiro dia, hein? Você deve ser importante pro seu pai — ela resmungava enquanto me puxava em direção à Casa Grande.

Quíron estava nos esperando na porta. Provavelmente tinha deduzido que eu tinha sido reclamado pela movimentação agitada dos campistas. Ele olhou para a forma de tridente acima da minha cabeça.

— Então Poseidon quebrou as regras mais uma vez, hein? Zeus e Hades não vão gostar nada disso.

Como se pudesse escutar, depois de ele dizer isso, um trovão ribombou no céu e as árvores do Acampamento foram ficando amarelas, como se estivessem morrendo. Com a mesma velocidade, voltaram ao normal.

Mirina e Julieta saíram de dentro da Casa para ver o que tinha acontecido. Quando viram a forma acima da minha cabeça, Julieta soltou gritinhos excitados, e Mirina se aproximou, juntando-se à multidão que me observava.

— Isso é… impossível — ela falou. — Poseidon fez uma promessa…

— Como assim?

— Quando, hum… ocorreu a Segunda Guerra Mundial, os três deuses grandes, Hades, Zeus e Poseidon, fizeram uma promessa mútua. Nenhum dos três teria mais filhos, já que eles eram muito fortes. Claro que houveram algumas exceções, mas… outro?

Quíron assentiu.

— Isso não vai ser nada bom — ele falou.

Ótimo, aqui eu também era uma aberração. Já não bastava ser tratado como lixo no orfanato, e quando eu finalmente penso que achei uma casa, descubro que não deveria ter nascido. Simplesmente perfeito.

— Eu… hã… Vou pro meu chalé — falei, desanimado.

— Vou chamar alguém par…

— Não precisa. Eu sei onde é.

Ele olhou pra mim com surpresa no rosto, mas deu um sorriso afetivo. Provavelmente tinha pena de mim. Eu não precisava da pena dele. Já estava acostumado a viver sozinho.

Fui caminhando lentamente até o conjunto de chalés. À medida que eu ia avançando, a multidão ao meu redor ia se dissipando, já recuperados do choque de ter outro "proibido" entre eles.

Não precisou de muito tempo para eu encontrar o meu alojamento. Era comprido, baixo e bonito. As paredes externas eram de pedras cinzentas rústicas, salpicadas de pedaços de conchas e coral. As paredes internas eram feitas de madrepérola. Dentro do chalé tinha uma fonte cheia de moedas iguais àquela que Louise tinha jogado no chão. Quando entrei, senti uma brisa leve com cheiro do oceano e, finalmente, pareceu que eu estava em casa. Aquele lugar me trazia um conforto. Conforto que eu só encontrava nos braços da minha mãe.

Três beliches brancas se destacavam sobre o papel de parede azul-marinho, que era estampado com todos os tipos de peixes e animais aquáticos. Num canto, algas boiavam em aquários finos e cilíndricos. Em uma das camas, uma menina de cabelos cor de ouro estava deitada, abraçada à uma camisa. Quando me aproximei, ela se levantou e apontou uma adaga para o meu pescoço.

— Hum… Olá — falei.

— Quem é você? O que faz aqui? — ela estava com os olhos vermelhos, como alguém que andara o dia inteiro chorando.

A porta foi aberta, e ouvi as vozes de Julieta e Louise.

— Já está arrumando confusão, Dylan? — Louise disse, com uma risadinha.

— Deuses, Annabeth! — Julieta falou em voz alta.

Annabeth, como Julieta havia a chamado, abaixou a adaga e ficou cabisbaixa.

— Desculpe, estou muito… paranoica esses dias — e saiu do chalé, fungando.

— Coitada, desde que o Percy sumiu ela anda assim…

— Percy? — perguntei.

— É — respondeu Louise. — Outro filho de Poseidon. Ele salvou o Olimpo e blah blah blah. Numa bela manhã ele não estava mais no Acampamento. Desde então todo mundo tem procurado ele e etc., principalmente Annabeth, que é a namorada dele. Doce de pessoa, não é mesmo?

— E você não dá a mínima, dá? — sibilou Julieta.

— Bom, eu fico meio triste por ela, mas Ares e Poseidon não se dão muito bem.

— O fato é que você não é Ares e ele não é Poseidon. Nem o Dylan. Não sei onde fui arrumar de ser sua amiga.

Louise grunhiu.

— Ninguém está te obrigando.

— Ei, vocês duas, parem com isso. Então você é filha de Ares, Louise?

— Não ouviu Julieta falar?

Ignorei o tom de deboche dela.

— Então, Julieta, você é filha de quem? E a Mirina?

— Eu sou filha de Apolo, deus do sol, e a Mirina é filha de…

— Tânatos — só quando Mirina falou percebemos que ela estava encostada na porta.

— Ah, olá, Mirina.

— Temos treinamento agora, vocês vêm?

— Já estou indo — Louise disse, indo para a porta.

— Aproveite seu chalé. Se precisar de algo, me chame, ou chame seu guia turístico — Julieta olhou para Louise, que deu um tapa na cabeça dela. — Ai! — ela massageou a cabeça. — Tchau, Dylan!

— Hm… Tchau.

Limitei-me a analisar o chalé e digerir tudo que tinha acontecido naquele dia. Descobri que os deuses existem. Que eles têm filhos com mortais. Que esses filhos — os que sobreviviam aos monstros, pelo menos — viviam em um acampamento. Deitei em uma cama, fofa e quentinha, e me lembrei como estava exausto. Fechei os olhos, e não tardou muito até que eu dormisse.

Sonhei com o dia em que eu tinha visto a notícia do desabamento da clínica onde minha mãe trabalhava ser transmitida em rede nacional. Depois de vê-la, entrei em total pânico e saí correndo de casa com pijama e tudo. Cheguei lá e a nuvem de poeira quase encobria as ambulâncias retirando os feridos e os mortos. Perguntei a todos pela minha mãe, mas ninguém a tinha visto. Sentei na calçada e comecei a chorar. A única vez na vida que tinha chorado descontroladamente. Como minha mãe não tinha família, e eu só tinha 8 anos, nossa casa foi vendida, e eu também, de certo modo.

Nunca tive nenhum amigo na vida. Eu era um garoto solitário, não falava com ninguém a não ser que fosse necessário. E para tornar tudo pior, ainda tinha aquela bruxa da Sra. Ruby. Cara, eu agradecia por ter saído daquele internato e nunca mais ter que ver ela. Mas sentia muita falta do Sr. Blake, e pensar que nunca mais sentiria aquela brisa de oceano vindo do seu terno era simplesmente horrível. Acordei suando frio.

Tive esse mesmo sonho por uma semana, e, em todas as vezes, acordei assustado sem ninguém para me consolar.

Minha primeira semana no Acampamento foi produtiva: descobri meu talento em esgrima, e, depois de treinar incansavelmente, consegui derrotar todos que enfrentei, até Louise, que fazia uma cara feia e saía pisando duro. Fiz meus primeiros amigos. Nenhum campista — além de Louise, Mirina e Julieta — me chamava pelo nome, apenas "Ei, irmão do Percy", "Como vai, irmão do Percy?". Isso era realmente chato. Principalmente pelo fato de que Annabeth não gostava de falar comigo por causa disso.

Quando não estávamos com Louise ou Julieta, eu e Mirina explorávamos o Acampamento juntos. Ela tinha olhos castanhos claros — que ficavam cor de mel no sol. Ficávamos conversando sobre assuntos totalmente malucos. Ela parecia não dar a mínima para ninguém. Já Julieta era um tanto mais solta, amiga de quase todos os campistas, vivia cantando e sorrindo. Era muito boa no arco e flecha. Na única vez nessa semana que a vi com raiva, eu quase morri. Um menino derrubou sem querer o precioso MP3 dela no chão, cuja tela acabara em pequenos pedacinhos. Ela ficou com cara de quem podia espancar você e atirar flechas nos seus dois testículos. Louise parou de ser tão fria comigo, já falava frases com mais de duas sentenças. Parecia estar a maior parte do tempo de mau humor, e era realmente raro ela dar um sorriso. Só consegui arrancar alguns risinhos dela com piadas estupidamente estúpidas — que eram minha especialidade.

Na manhã de quinta, quando saí do chalé, vi que várias pessoas estavam aglomeradas em torno de um quadro, perto da fogueira onde acontecia a cantoria toda noite. Aproximei-me e vi que era uma competição de escalada. Vi quem estava inscrito.

Jake Sonian

Louise Martin

Amanda Cosser

Julieta Leicerd

Mirina Murray

E vários outros nomes, mas já que as três estavam participando, decidi participar também. Escrevi meu nome. E, quando afastei a caneta, olhei em volta. Senti uma coisa estranha, que nunca tinha sentido antes, parecida com satisfação. A ficha tinha caído.

Era real.


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