Aquele Que Veio do Mar escrita por Ri Naldo


Capítulo 13
Acordo




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Uma floresta. No meu sonho, eu estava em uma floresta.

As árvores grossas e altas estavam por todo lado. Barulhos estranhos vinham daqui e dali. O chão era pura lama. Ao meu lado, galhos quebraram e eu ouvi um farfalhar e um rugido enorme. Tentei pegar meu MP3, mas este já não estava comigo. Na verdade, eu só estava com as roupas.

O rugido penetrou novamente meus ouvidos, mais alto que da última vez. Dessa vez, eu vi uma forma negra se mexer entre a escuridão total da floresta. As únicas coisas que eu conseguia discernir na escuridão eram as árvores. E o vulto. Ouvi passos rápidos na minha direção; algo estava investindo contra mim.

Fiz a única coisa que era sensata: corri.

Corri o mais rápido que pude, desviando das árvores e vez ou outra tropeçando em uma pedra ou uma raiz. Mas a adrenalina não me deixava cair, tanto que quase imediatamente depois do tropeço eu me equilibrava novamente e continuava correndo. O monstro ia ficando para trás, mas a voz dele me seguia. Era grossa e metálica como aço raspando em aço.

— Oh, meu garoto, você é mais valente do que eu pensava que fosse… não achei que teria inteligência o suficiente para escapar das harpias, mas vejo que passou por elas e pelas náiades com a ajuda de seus tolos amigos… — o monstro riu. Tive vontade de parar e tapar meus ouvidos, mas temia que se eu parasse de correr, ele me pegaria. — Isso foi fácil pra você, garoto? Acha que foi fácil para os seus amigos? Você os levou para a morte! A culpa é sua!

— Cale a boca! — gritei, tentando ocultar meu medo.

Ele riu de novo.

— Eu posso sentir seu medo, garoto estúpido. Agora vai começar a verdadeira diversão… dor… sofrimento… Se você chegar vivo aqui, eu tenho um presente especial para você…

— Não quero presente nenhum!

— Ah, esse você vai querer.

— Cale essa maldita boca! — falei, agora com muita raiva.

— Pobre garoto… — e avançou em cima de mim. Eu ia morrer. Sabia que era um só sonho, mas senti que se ele me pegasse eu iria morrer, então meu medo dominou.

Mais na frente tinha um lago. "É minha salvação", pensei.

Pulei de cabeça na água. Mas algo estava errado. Minhas roupas, assim que pulei no lago, se encharcaram totalmente, e eu não podia mais respirar debaixo d’água. Mas era tarde demais, eu já estava lá no fundo. É meu fim. Comecei a me debater. Meus pulmões queimavam suplicando por oxigênio. Eu já não conseguia mais ver a superfície, eu estava muito fundo… eu falhei, eu... E uma voz veio como um sussurro, um sussurro muito alto.

— Dylan! DYLAN! — era Louise gritando e me sacudindo.

Acordei, ainda me debatendo.

Olhei ao redor, eu estava em uma floresta, mas esta, pelo menos, era um pouco familiar. Estava de volta à montanha. E a manhã tinha chegado. Minha cabeça descansava em uma das patas peludas da Sra. O’Leary. Tateei meu bolso. Meu MP3 estava lá. Suspirei, aliviado.

— Você… começou a falar… e depois a gritar "cale a boca"... então começou a se debater, e eu decidi te acordar.

— Obrigado, acho… — falei, coçando a cabeça. Sentia uma dor aguda atrás dos olhos. Então lembrei o porquê de ainda ainda estarmos ali. — Como… como está a Julieta?

— Veja por você mesmo...

Então alguém pulou da montanha e parou na minha frente.

— E aí, dorminhoco? — ela riu e me estendeu a mão.

— Bom dia, Afogada — eu peguei a mão dela, e ela me ajudou a levantar. — O que você estava tentando fazer escalando essa montanha?

Ela deu de ombros.

— Não tinha nada pra fazer, e podia ter algo útil lá em cima.

— É, pedras são muito úteis nessas horas, um ótimo almoço — as duas reviraram os olhos. — E se você caísse?

— Eu iria deixar ela aí se debatendo como um peixe no chão com o braço e a perna quebrados — disse Louise.

— Peixes têm braços e pernas? — falei, confuso.

— Que idiota.

Mirina surgiu da floresta, carregando umas frutas e alguns peixes.

— Que insensibilidade, Louise.

Eu ri.

— A suja falando da mal-lavada.

— O que eu fiz? — Mirina falou, sarcástica.

— Ah, nada. Só me deu um belo chute na bunda que tá doendo até agora, só porque eu salvei sua vida.

— Se me deixasse morrer, seria mais legal — ela deu de ombros.

— Nem fale uma coisa dessas.

— E mal-lavada é a senhora sua vó — Louise falou, em tom de ameaça.

Eu gargalhei.

— Então… a suja falando da Lousquila.

— Cale a boca, idiota.

Alguém derrubara as mochilas e se sentara ao meu lado.

— Onde está aquela preocupação toda, Louise? Você não estava assim quando o viu gritando — Colin riu.

Mais um olhar mortal.

— Da próxima vez, eu deixo ele quebrar o pescoço de tanto se debater.

— Mas… — comecei.

— Mas nada. Cale a boca e vamos logo com isso.

Acendemos uma fogueira e assamos os peixes, como na noite anterior. Peixe com frutas era uma combinação legal. "Muito melhor que comida de passarinho", dissera Colin. Ele tinha um ótimo humor para um filho da deusa da sabedoria e estratégias de batalha. Ou talvez todos sejam assim, e eu só tenha me acostumado com Annabeth triste pelos cantos e Louise com raiva.

Terminado o café da manhã, a alegria foi junto. Tínhamos que seguir caminho, e já havíamos perdido muito tempo.

Aproveitei o tempo que levava para todos arrumarem as coisas e fui dar um mergulho. Eu tinha pensado sobre aquele convite. O que será que elas tinham pra mim?

As náiades estavam lá, como esperado. Pensei que ia entrar em apuros de novo, mas elas sorriram e acenaram para mim. Coincidentemente, a rainha estava lá também. Parecia que sabia que eu iria ali.

— Olá, semideus.

— Meu nome é Dylan, se não se importa.

— Ah, claro, hum… Dylan. Sou Efêmera, a líder dessas náiades. Senti sua presença no nosso território… Pensou no meu convite?

— Sim. Mas o que você quer?

— Um acordo.

— Que tipo de acordo?

Bem… nosso território está pequeno demais para a gente, precisamos nos acomodar em um lugar maior. Soube que no Acampamento onde vocês vivem tem um lago grande, que despeja no mar. Então, se nos levar para lá, nós ajudamos vocês a hora que vocês precisarem.

— Mas… como vocês vão chegar lá, seja "lá" onde for?

— Não são só os semideuses que têm seus truques.

— E por que não vão direto para o Acampamento?

— Porque precisamos de autorização. Mesmo pacíficos, somos classificados como monstros.

— "Pacíficos".

— Ei, só estávamos defendendo nosso território!

— Eu entendo. Mas como vou chamar você se precisar de sua ajuda?

Ela pegou a minha mão, e falou algumas palavras em naiadês, mas dessa vez eu não entendi uma sequer. Uma marca estranha apareceu na minha mão. Agora eu tinha uma tatuadora que era o bicho. Literalmente.

— Então, quando eu precisar de sua ajuda, você vai aparecer lá magicamente?

— Exato. Mas se, e somente se, precisar de mim de verdade. Não o desperdice. Eu não vou fazer outra dessas marcas em você.

— E como eu uso isso?

— É só falar "bachem".

— Bachem?

A marca brilhou na minha mão, e a mão de Efêmera também brilhou, logo depois, a marca sumiu da minha mão.

— Idiota.

— Hm… desculpe.

Ela revirou os olhos, e fez outra marca em mim.

— Feito. Usando ou não sua ajuda, vou conseguir um lugar pra vocês lá no Acampamento.

— Você tem um bom coração, Dylan. Mas ele será forte o suficiente para encarar a verdade?

Apertamos as mãos. Depois eu me despedi dela, mas antes de voltar à superfície, eu fiz uma última pergunta:

— Que verdade?

— Há muitas verdades.

Assenti e voltei para terra firme.

— Já estava na hora — Louise foi logo me dando sermão.

Suspirei. Já estava acostumado com aquilo.

Todos estavam prontos. Montamos nas costas da cadela. Certifiquei-me de que não havia esquecido nada. Louise, como sempre, assobiou, e entramos no nauseante túnel negro.

Dessa vez fiquei apenas com uma minúscula pontada de enjoo, diferente das outras duas, em que vomitei. Colin não parecia tão bem quanto eu, mas Louise, Julieta e Mirina pareciam ótimas, como se tivessem feito isso a vida toda. Mas, na verdade, o trabalho maior ia para a pobre Sra. O’Leary, que gastava sua energia quase toda para nos levar adiante no mapa dos Estados Unidos. Porém, ela era recompensada com lotes da comida que achávamos nas nossas paradas. Ela parecia saber que estava realizando uma tarefa importante. Sem ela, nunca conseguiríamos avançar em tão pouco tempo, e talvez nunca conseguiríamos achar o covil do ciclope.

Estávamos no meio de uma estrada. Chovia torrencialmente. Havia uma placa que dizia "Columbus 73km". Columbus… essa era a capital do…

— Ohio — Colin disse, protegendo a cabeça dos pingos de chuva com a minha mochila.

— Vamos, temos que achar algum lugar para ficar.

— Ei, o que é aquilo ali? — Mirina apontou para uma construção ao longe, com muros e cerca de arame farpado. Parecia algum tipo de prisão.

— Um abrigo perfeito — disse Louise. E seguimos ela a caminho da prisão.

Aquele lugar estava muito, muito longe mesmo de ser perfeito.


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